Vi esse primeiro longa do diretor Stephen Hopkins. Quem? Pois é, uma pena que hoje em dia seja um nome pouco lembrado. O sujeito é desses diretores “pistoleiros de aluguel” – atira bem e não deixa muito rastro – e teve uma carreira até bem respeitada em Hollywood no final dos anos 80 e durante a década seguinte com um tipo de filme de orçamento médio que fazia relativo sucesso nos cinemas e nas locadoras – CONTAGEM REGRESSIVA (94), UMA JOGADA DO DESTINO (93), A SOMBRA E A ESCURIDÃO (96). Dirigiu também exemplares de franquias famosas como A HORA DO PESADELO 5 (89), PREDADOR 2 (90), fez a atualização da série sci-fi PERDIDOS NO ESPAÇO (98)… Nos anos 2000 e até hoje ele continua fazendo algumas coisas, mas meio que saiu dos radares.
Hopkins nasceu na Jamaica, mas passou boa parte da vida na Austrália. Foi lá que realizou A NOITE DA CRUELDADE. Um filme que faz bater certa curiosidade de como seria a carreira de um diretor como Hopkins se não tivesse sido engolido por Hollywood, tivesse continuado a fazer filminhos de gênero em seu país, pequenas joias como esta aqui.
Na trama, um policial meio surtado, psicótico, chamado Murphy (Steven Grives), começa a infernizar a vida de um estudante universitário, filho de seu ex-superior na corporação policial. Numa noite, quando o tal aluno e seus amigos, que se vestem como a banda A Flock of Seagulls, invadem o sistema de segurança de uma grande loja de departamentos e adentram no local, só por diversão, o policial decide assustá-los. Só que as coisas fogem do controle e dão muito errado…
Uma das coisas que eu realmente gosto em A NOITE DA CRUELDADE é como o policial psicopata é caracterizado. A maioria desses filmes já descamba pro slasher, assume que o personagem é maluco e, portanto, não terá remorso. A única coisa que lhe faz feliz é matar adolescentes aleatórios. O que é algo bom também, não estou dizendo que um jeito é melhor que outro. Mas, em contraste, Murphy é uma pessoa torturada e em conflito, o que torna isso aqui peculiar. E o bom desempenho de Grives ajuda muito a entender melhor o personagem. É um bocado exagerado nas expressões faciais, mas pro tipo de filme que temos aqui funciona bem.
A sequência que ele acidentalmente mata um garoto é um destaque. Podemos ver toda a sua vida desmoronar quando ele percebe o que fez. E a primeira reação é ligar pra polícia e relatar a cagada… Mas aí se dá conta de que, não importa o que diga, ele será o responsável pela morte e desliga sem falar nada. E o que acontece a partir daí é um jogo de gato e rato noite adentro pelos departamentos escuros dessa grande loja.
É evidente que sente-se a falta de algumas coisas, o filme se arrasta um pouco e os realizadores acabam não explorando tanto o material “explorativo” que tem em mãos. Enfim, não é um filme perfeito… No entanto, se você realmente conseguir se conectar e entrar na brincadeira, vai perceber que nem sempre um filme precisa de uma toneladas de peitos de fora ou alta contagem de corpos para manter o público interessado.
Na contagem:
Duas mortes Uma ceninha curtíssima de peitos Sem explosões Nenhuma sequências de sonho alucinante Sem tempestades relampejantes Nenhum ator que apareceu em Star Trek
Aproveitei o lançamento do quarto filme da franquia JOHN WICK, estrelada pelo Keanu Reeves, para rever a trilogia inicial. E como nunca escrevi nada sobre esses filmes por aqui, trago uns comentários que fiz durante os últimos dias no Letterboxd e Instagram, onde tenho sido mais atuante, por isso recomendo que sigam, se tiverem interesse, porque esse recinto aqui anda bem abandonado, e a correria dos tempos atuais quase me obriga a fazer comentários mais curtos nas outras redes, do que posts maiores por aqui.
DE VOLTA AO JOGO (John Wick, 2014), de Chad Stahelski e David Leitch
Acho massa lembrar que na época do lançamento muito pouco sobre JOHN WICK sugeria que a gente estaria prestes a assistir a um dos melhores filmes de ação daquele período. Mesmo com suas imperfeições, foi exatamente o que assistimos e o impacto foi grande, notável pela presença de Keanu Reeves numa performance física impressionante, em sequências espetaculares de tiroteios, lutas coreografadas com capricho, filmadas e editadas com maestria e com uma construção de universo envolvendo um peculiar submundo de assassinos, cheio de regras, que tornava tudo ainda mais fascinante.
E é de certa forma admirável constatar que o filme continua um dos grandes exemplares do gênero (em se tratando de Hollywood), passados praticamente dez anos, mesmo que as suas próprias continuações tenham lhe superado. O que só engrandece essa franquia que eu tanto adoro.
Vou me estender um pouco mais nesse primeiro filme, só pra introduzir algumas premissas caso alguém tenha essa falha de não ter visto o filme ainda e porque acredito que preciso declarar meu amor a esse personagem incrível, que atende pelo nome/título de John Wick (Reeves), capaz de matar cem homens sob o pretexto de que tiraram a vida de seu adorável cachorrinho. Um beagle irresistível. Aquele que sua esposa havia deixado pra ele após sua morte como um presente póstumo. A única coisa que restava dela. A única coisa que o manteve em uma vida normal, longe de um passado carregado de morte e violência. Uma existência de paz que ele escolheu depois de muitos anos trabalhando como assassino contratado para organizações mafiosas. John Wick foi apelidado de “Baba Yaga“, algo que traduziram como o bicho-papão – embora possam dizer também que ele é a pessoa que chamariam para matar o bicho-papão. Temido por todos, ele era o assassino mais eficaz. Quando um chefão russo (Michael Nyqvist) descobre que seu filho roubou o Mustang e matou o cachorro de John, ele sabe o que está por vir. Ele sabe que seu filho despertou uma fera capaz de tudo.
É isso, simples, direto, não perde muito tempo com bobagens. E quando menos se espera, estamos diante de sequências de ação de cair o queixo. Até porque é sobre isso o filme. A trama é só um pretexto para uma sucessão de cenas de tiro, porrada e bomba. A ação – e a estética da ação – é que fala mais alto. Uma essência que vai ganhando uma proporção cada vez maior a cada continuação…
Melhor sequência de ação: A da casa noturna, Red Circle, ainda impera. É um bom exemplo da maestria dos diretores, David Leitch e Chad Stahelski, um balé de corpos, balas, golpes e violência combinado à batida da trilha sonora, à uma noção de espaço precisa, num cenário belissimamente iluminado, com trabalho de câmera refinado ao mesmo tempo nervoso, brutal, uma sequência que já nasceu clássica e dá o tom do nível da ação que estamos diante (e era difícil na época imaginar que os realizadores conseguiriam fazer coisas ainda melhores em possíveis continuações). E é onde podemos ver Keanu Reeves encarando o grande Daniel Bernhardt, um ator de ação B dos anos 90 que sempre que aparece nessas produções atuais eu abro um sorriso. Também ajuda muito, nesta sequência da casa noturna, que esta seja a primeira demonstração real do por que John Wick é um assassino tão lendário e temido, aumentando seu impacto. A sequência anterior, o ataque à casa de John, é bem boa, mas dá só um gostinho das habilidades do homem. Aqui não. Aqui John Wick convence que realmente poderia matar cem homens sozinho se precisasse.
Um adendo sobre os diretores: acho legal notar os rumos que tomaram depois deste primeiro filme. Stahelski ainda se manteve fiel ao universo JOHN WICK. Dirigiu sozinho os três capítulos seguintes e provavelmente vai continuar nos próximos (se tiver). Há alguns anos anunciaram uma refilmagem do clássico oitentista HIGHLANDER comandada por ele. Vamos ver se sai… Já Leitch seguiu um caminho diferente como diretor (ele ainda tá na produção de todos os JOHN WICK), se meteu em outras franquias, como VELOZES E FURIOSOS: HOBBS AND SHAW (19) e DEADPOOL 2 (18), e tentou desenvolver seu próprio universo em filmes com um certo autorismo, como ATOMIC BLONDE (17) e BULLET TRAIN (22), sem os mesmos resultados deste seu primeiro trabalho aqui, embora eu tenha simpatia em algum nível por todos esse filmes dele.
JOHN WICK: UM NOVO DIA PARA MATAR (John Wick: Chapter 2, 2017), de Chad Stahelski
A rapaziada realmente levou à sério a lógica das continuações: maior, melhor e MAIS, tudo MAIS, MAIS… Sobretudo quando se trata de ação e da expansão desse universo, nota-se algo bem mais complexo do que um simples submundo de assassinos, envolvendo grandes corporações criminosas, o que inclui mais regras, mais acessos exclusivos a quem está abaixo dessa sociedade. Literalmente um mundo que se expande ainda mais.
E acredito que diz muito sobre o seu nível de consciência cinematográfica quando você começa o seu filme de ação projetando imagens de Buster Keaton na tela fazendo algum de seus stunts malucos no mesmo plano em que tá rolando uma puta perseguição de carro/moto… Não é a toa que o que se segue a partir daí não é apenas um dos melhores filmes de ação dos últimos anos, mas também um filme que pensa a ação, a estética da ação, de uma forma muito peculiar. Não é a toa que o diretor disso aqui seja Chad Stahelski. Enfim, este segundo filme já é uma obra-prima do gênero.
Melhor sequência de ação: Tem pelo menos umas quatro sequências aqui dignas de antologia, mas se eu tivesse que escolher apenas uma, acho que a última, no museu e sobretudo na sala dos espelhos, seria a escolhida, acho uma das experiências mais imersivas e cinéticas que tive numa sala de cinema (e que continua bem forte na TV, na revisão), além de ser outra prova da consciência de cinema do Stahelski… Clímax com espelhos já se tornou clássico, desde Orson Welles à Bruce Lee. E aqui é tão mágico quanto.
JOHN WICK: PARABELLUM (2019), de Chad Stahelski
É um filme que além de conseguir ser mais épico em sequências de ação, consegue também tirar umas abordagens mais filosóficas e psicológicas desse universo todo e da essência do seu protagonista, embora a narrativa se mantenha cristalina na sua simplicidade. Frequentemente fala-se sobre “consequência” neste terceiro filme, sobre a epifania que surge em John Wick de que sua aptidão em matar, seus instintos assassinos, tem um impacto crucial em sua alma, sem falar nas almas de muitos outros envolvidos, embora possamos admitir que para algumas pessoas seus destinos são irrevogáveis, obviamente. Se John Wick é o Baba Yaga, então seu destino está definido. Agora, se é um homem, então ele sempre tem uma escolha. Pra nossa sorte, suas escolhas até agora têm levado a um derramamento de sangue impressionante, um imersivo festival de sequências de ação realizadas pelos caras que mais entendem e respeitam o gênero na atualidade em Hollywood. E por aqui temos John Wick cavalgando enquanto luta contra motoqueiros em alta velocidade, combates de facas violentíssimos, tiroteios deflagradores, ataques de cães, Mark Dacascos e seus capangas dando um puta trabalho pro nosso herói… E Raramente uma carnificina é filmada com tanta elegância, com um visual tão cuidadosamente elaborado, cheio de luzes bonitas. É o perfeito o encontro da high-art com a vulgaridade da ação. Uma combinação que pra mim resulta no que existe de mais sublime no cinema, e que me faz amar tanto o gênero.
E convenhamos que não é tarefa muito fácil fazer continuações que se igualam ao nível de um filme antecessor, mas Keanu Reeves, Chad Stahelski e toda a turma responsável por isso aqui conseguiram duas vezes com sucesso.
Melhor sequência de ação: Eu fico na dúvida entre a sequência da Halle Berry com os cachorros, que é um primor de coreografia, além de ser muito divertida, mas definitivamente o tiroteio final com aquele exército invadindo o Hotel Continental praticamente de armadura é a que gosto mais, um troço tenso e enervante. E tem a participação do falecido Lance Reddick, usando uma shotgun que faz um belo estrago.
JOHN WICK 4: BABA YAGA (John Wick: Chapter 4, 2023), de Chad Stahelski
E aí depois de tudo isso, fui assistir ao novo no cinema. Só tenho a dizer o seguinte: se a coisa terminar por aqui e este for o último filme da série, já teremos uma das franquias de ação mais extraordinárias deste século… Em termos de ação, de GRAMÁTICA DA AÇÃO, pouca coisa se compara com esses quatro singelos exemplares impecáveis de tiro na cara, perseguições alucinantes e lutas, lutas de todo tipo, com punhos livres, facas e outros objetos cortantes, até um lápis… E BABA YAGA veio pra coroar a grandeza de tudo que envolve John Wick como cinema, como personagem, como universo, como narrativa e estética de filme de ação. É uma belezura. Ou posso apenas estar empolgado momentaneamente, mas acho difícil…
Aqui, os dois primeiros atos são, em grande parte, mais do mesmo. O que não é de forma alguma algo negativo, pois o mais do mesmo em JOHN WICK é muito bom, com alguns momentos geniais: tudo que envolve a participação de Scott Adkins, por exemplo, que tá brilhante aqui. Monstro! Donnie Yen, Sanada, Mark Zaror, Bill Skarsgård, Clancy Brown, Ian McShane, Lance Reddick (RIP), Laurence Fishburne… Baita elenco e estão todos ótimos. Keanu Reeves nem preciso mencionar, o sujeito é uma força da natureza.
Mas aí vem aquele terceiro ato… E aqui entra “Melhor sequência de ação:” deste novo filme. O arco do triunfo; a homenagem à THE WARRIORS; Paint It Black; o plano sequência com a câmera no alto, digna de um Brian De Palma, acompanhando John Wick por cômodos numa casa abandonada, tocando o terror com uma arma que cospe fogo, literalmente; a escadaria da Basílica de Sacré Cœur… O que temos aqui é simplesmente algumas das sequências de ação das mais absurdas colocadas num filme de estúdio hollywoodiano. Neste momento, não tenho dúvidas em apontar que Chad Stahelski é o principal nome do gênero na atualidade.
Só posso dizer que é um grande dia para ser fã de filmes de ação.
Se tem uma palavra que descreve boa parte dos desempenhos do ícone do cinema de ação Steven Seagal à partir desse período, meados dos anos 2000, é “preguiçosa”. Estático, frases curtas, às vezes dublado, e com muita, mas MUITA MESMO, utilização de dublês de corpo. Até em sequências de diálogos, em contraplanos, dá pra perceber que quando o seu personagem está de costas é um dublê que está ali. Mas não tem jeito, claro que eu adoro ver essas tralhas dessa sua fase Direct to Video. Não tem como um fã de bagaceira não se divertir com Seagal na sua fase gorducha. E esse estilo dele já virou marca registrada. O filme pode ser uma porcaria, ou pode ser uma maravi… Não, nenhum filme dele desse período chega a tanto, mas temos alguns muito bons. De qualquer forma, independente do resultado da obra, quero ver o Seagal fazendo essa performance preguiçosa de sempre mesmo. Foda-se.
Mas para ser honesto com nosso querido Seagal, há uma sequência em especial aqui em LADO A LADO COM O INIMIGO (Submerged), de Anthony Hickox, que vale a pena destacar. Uma das minhas favoritas do filme, boa de forma legítima. E, mais, Seagal participa dela ATIVAMENTE. É justamente a sequência de ação final, que começa numa tensa sequência numa ópera, passa para uma perseguição de carros em alta velocidade pelas ruas de “Montevideo” (a produção foi rodada na Bulgaria), até colidir com um helicóptero que o vilão estava prestes a escapar e que logo depois adentra um recinto onde Seagal troca tiros com vários capangas, com direito a uma luta rápida com um grandalhão, que ele finaliza estourando os miolos do sujeito à queima-roupa.
O diretor Hickox também demonstra aqui seu ótimo olhar pra ação, algo que é sua especialidade, e dá um gostinho de como seria o resultado deste filme se ele fosse BOM, utilizando bem a figura de Seagal, de forma cool e badass… Pena que num geral não foi bem isso que aconteceu.
Hickox já tinha vivido dias melhores até ser escalado pra dirigir LADO A LADO COM O INIMIGO – tirando as continuações de WARLOCK e HELLRAISER que trabalhou, nunca chegou a dirigir muitas produções do mainstream, só que dentro do ciclo independente de ação e horror tem uma filmografia bem respeitável e que vale a pena conhecer. Este aqui era um projeto originalmente concebido como uma espécie de filme de monstro em um submarino, com criaturas subaquáticas à solta, até que Steven Seagal entrou a bordo e resolveu meter o dedão. O filme virou outra coisa, totalmente diferente do planejado, como veremos a seguir. Seagal mudou todo o roteiro e também começou a assumir o controle do filme, gerando problemas com outros atores e até com o próprio Hickox.
Hickox, que também é ator, fazendo aqui uma participação hitchcockiana.
O que é uma pena, porque eu pagaria pra ver essa espécie de THE THING do Seagal. E gostaria de ver também uma parceria do sujeito com um diretor do calibre de Hickox, mas que não gerasse dor de cabeça entre eles, que o resultado pudesse sair minimamente como planejado sem a interferência do astro de rabinho de cavalo (que aliás, aqui ele devia tá sem muita grana, seu cabelo tá mal cuidado pra cacete, com um mullets duro, uma coisa horrorosa). Mas com o ego que esse filho da puta tem, seria pedir demais que tudo acontecesse de forma tranquila e agradável aos envolvidos. O ego era inflado mesmo nesse período de, digamos, “decadência”, quando só fazia produções direct to video, já acima do peso e com muita preguiça de filmar qualquer coisa…
Mas pra não dizer que tudo está perdido, é preciso deixar registrado que eu gosto dessa tralha aqui do jeito que saiu. A história é bizarra, tem muita ação, tem cientista maluco, tem Vinnie Jones e Gary Daniels, tem filtros carregados e edição afetada dos anos 2000 tentando imitar o Tony Scott de DOMINO e CHAMAS DA VINGANÇA. Não tem monstros subaquáticos… Mas tudo bem. A capa do filme é Steven Seagal com uma arma! E um submarino! Esses caras sabem o que nós, fãs indiscriminados de cinema de ação de baixa qualidade desejamos! Enfim, dá pra se divertir com isso aqui. Sobretudo se você não estiver num dia muito exigente e quiser apenas 90 e poucos minutos de um filminho que entra fácil na categoria “é ruim, mas é bom“.
Apesar do título original (Submerged) e a arte da capa apontarem para um thriller ambientado em um submarino (antes de ver o filme eu pensava em algo como MARÉ VERMELHA ou CAÇADA AO OUTUBRO VERMELHO, ou no mínimo uma variação de A FORÇA EM ALERTA, só trocando o navio de guerra por um submarino), a trama me parece mais inspirada no clássico thriller político dos anos 60 SOB O DOMÍNIO DO MAL, de John Frankenheimer, com a ideia de um cientista que cria dispositivos para controlar a mente de indivíduos.
Mas é uma inspiração bem superficial… O filme, na verdade, se passa praticamente no Uruguai, sabe-se lá porquê, onde um drone enviado pela embaixada dos Estados Unidos descobre uma base militar escondida dentro de uma represa. Os soldados que comandam o local ficam um pouco assustados ao saber que os americanos descobriram sobre a base, mas o misterioso Dr. Lehder (Nick Brimble) não se preocupa: ele pressiona alguns botões em seu telefone celular e de repente os agentes secretos na embaixada americana abatem todos os presentes antes de atirar em suas próprias cabeças. O sujeito, na real, está criando um exército de soldados controlados mentalmente em seu laboratório. E as suas cobaias são equipes americanas que são enviadas para eliminá-lo e acabam caindo em emboscadas. É o que acontece com a equipe de Gary Daniels, logo no começo do filme.
Depois dessas missões malfadadas, só lhes resta uma última solução. E quem é a única pessoa que os militares, desesperados para parar Lehder, acreditam que pode destruir os esquemas malignos do cientista? Entra em cena Steven Seagal. Câmera lenta, guitarras elétricas ressoando na trilha sonora, vestido de preto, é claro, pra esconder um pouco a barriga, e algemado! O velho clichê: o sujeito é um ex-agente mega-ultra-hiper treinado em todo tipo de combate, mas por conta de alguma operação mal sucedida, acabou atrás das grades. Não só ele, mas todo o seu time. Mas aí o governo faz uma daquelas ofertas únicas na vida: se Seagal e sua equipe de mercenários – o que inclui o grande Vinnie Jones – conseguirem derrubar o cientista, todos receberão indultos completos e cem mil dólares cada. É óbvio que eles aceitam.
Não demora muito pra Seagal e sua turma atacarem ao laboratório subterrâneo, eliminando muitos bandidos, resgatando prisioneiros, explodindo o local… Mas o astuto Lehder já se foi. A próxima parada é roubar um submarino de fuga. Então é agora que o filme se transforma num thriller de submarino, certo? Bem, mais ou menos. A gente presume, por tudo que já mencionei, que a maior parte de LADO A LADO COM O INIMIGO seria Seagal se esgueirando dentro de um submarino, gotas de suor se acumulando em seu queixo enquanto troca tiros e socos com bandidos que estão sob controle mental e, sei lá, eventualmente assumem o comando e agora Seagal precisa salvar a tripulação.
Não acontece nada disso. Depois de uns quinze minutos de filme dentro do veículo de guerra, por “problemas técnicos” a turma do Seagal pula fora do submarino, que acaba explodido. E nunca mais um submarino aparece de novo. Mas pelo menos deu tempo de ter uma luta entre Seagal e Gary Daniels, que depois de capturado pelo cientista passa a ter a mente controlada. Quero dizer, é mais ou menos uma luta. Numa entrevista há alguns anos, Daniels diz que a peleja com Seagal foi originalmente concebida para ser mais longa e vistosa pelo coordenador de dublês. Só que Seagal resolveu assumir a coreografia no dia da filmagem e, preguiçoso pra caralho, tornou a luta muito mais curta e unilateral (óbvio que só o Seagal bate). Mas, ok, ver esses dois astros do cinema de ação juntos, numa ceninha de luta, numa tralha como essa, já me deixou feliz.
O resto do filme já entra o terceiro ato, que se resume numa longa sequência de tensão e ação, que é legitimamente boa, como já mencionei no início do texto. E no fim das contas, LADO A LADO COM O INIMIGO acaba se saindo bem, um filme bacana por seus próprios méritos. É rápido, bobo, tem o diferencial de não se levar tão a sério, o que ajuda bastante. Os limites do orçamento são evidentes (apesar de ser um dos mais altos tanto pro Seagal quanto pro Hickox no período), principalmente nos efeitos digitais. Hickox usa todos os truques de edição que era modinha nos anos 2000 para tentar manter as coisas em um ritmo frenético, apesar da imobilidade impressionante de Seagal. Muitos cortes rápidos que pontuam de vez em quando para dar ao espectador a sensação dos personagens sob o efeito do controle mental (o que gera algumas imagens bem esquisitas), além de colocar o público nesse submundo confuso de agentes duplos, alianças duvidosas e missões explosivas. Embora todo esse efeito pode apenas nos dar uma dor de cabeça daquelas…
Mas tudo isso até que confere um charme na produção. Dá pra rir e tirar sarro dos seus absurdos, do seu lado tosco e mal feito, das atuações péssimas (o elenco ainda conta com William Hope, P.H. Moriarty e, no lado feminino, Christine Adams e Alison King), do roteiro bagunçado e que não faz o menor sentido em alguns momentos, mas dá também para admirar e se divertir quando o filme apresenta coisas boas, como a participação de Vinnie Jones na segunda metade do filme, as boas sequências de ação do último ato, quando Hickox consegue impor seu talento de mestre da ação… Enfim, pode ser um filme que não agrade a todos, mas não deixa de ser uma dessas experiências únicas que o cinema de ação de baixo orçamento tem pra oferecer.
HATARI! (1962) Hawks no seu modo tardio descontraído pós ONDE COMEÇA O INFERNO. Muito pouco a título de enredo, trama, não há antagonistas, apenas um amontoado de situações com o senso de aventura fenomenal do diretor, seu humor típico e a dinâmica entre os personagens. Um bando de marmanjos na África, à serviço de um zoológico, enchendo a cara e contando prosa, um rinoceronte ensandecido, três filhotes de elefante assanhados e uma italiana que chega pra balançar o coração do Duke. Como dizia o Carlão Reichenbach: a aventura maior do cinema.
O ESPORTE FAVORITO DOS HOMENS (Man’s Favorite Sport?, 1964) Um renomado especialista em pesca, vivido por Rock Hudson, que sem o conhecimento de seus amigos, colegas de trabalho ou chefe, nunca lançou uma linha de pesca em sua vida. Um dia, ele cruza o caminho de uma garota irritante (Paula Prentiss) que acaba de persuadir seu chefe a inscrevê-lo em um torneio anual de pesca. A confusão está armada. Não é a comédia perfeita do diretor, mas há muito o que gostar em seu próprio jeito. Engraçado, leve, romântico e, afinal, quantos filmes de Hawks temos um urso andando de motoca? Uma despedida divertida, a última Screwball Comedy de um dos maiores mestres do gênero.
RED LINE 7000 (1975) O filme gira em torno de corredores da Stock Car e todo um universo que os rodeia, as paixões, desilusões, relações, num turbulento retrato sobre indivíduos do mundo das corridas profissionais. Acho foda que Hawks já na reta final da carreira fez esse petardo esquisito, que mesmo sendo um filme tão hawksiano, parece mais um filme do Roger Corman produzido pela AIP. É troncho, uma grande novela da globo, tem alguns dos piores diálogos da filmografia do diretor, o próprio Hawks detestava, mas ao mesmo tempo é um dos filmes mais verdadeiros, humanos e com mais força emocional que o sujeito já fez. Lindo, o tipo de obra-prima imperfeita que eu não resisto…
EL DORADO (1966) Hawks se reuniu novamente com John Wayne para este “remake espiritual” de seu clássico ONDE COMEÇA O INFERNO. É tipo um “copia, mas faz diferente“. O Duke faz um pistoleiro que se junta a seu velho amigo, o xerife bêbado de Robert Mitchum, para ajudar uma família de fazendeiros a lutar contra um rival que tenta roubar suas terras. James Caan também tá aqui, depois de trabalhar com o diretor em RED LINE 7000. Hawks cria mais uma mistura especializada de emoção, ação e boas risadas, apresentando os dois dos veteranos da era de ouro de Hollywood, Wayne e Mitchum, em estado de graça, entregando desempenhos divertidos de ver, embora o filme no geral não chegue no mesmo nível de seus melhores trabalhos.
RIO LOBO (1970) Último filme que Hawks dirigiu. Após a Guerra Civil, o personagem de John Wayne procura o traidor cuja deslealdade causou a derrota da unidade de sua unidade e a perda de um amigo próximo. Durante a jornada, acaba se envolvendo numa aventura cheia de ameaças e figuras hawksianas. Embora não seja dos seus melhores westerns e colaborações com o Duke – o filme já nasce anacrônico para o período e com a trama cansada (Hawks recria pela terceira vez a mesma situação de ONDE COMEÇA O INFERNO e EL DORADO, encerrando a carreira numa espécie de trilogia com estes outros dois) – não deixa de ser divertido e ter seus momentos. Uma bela despedida de um dos maiores diretores que Hollywood já teve.
Acima, o último plano do último filme de Hawks. Fim da maratona.
Depois de um pequeno descanso fora da cidade, longe de computador, voltamos à programação normal:
O RIO DA AVENTURA (The Big Sky, 1952) Tenho quase certeza de que quando o Carlão Reichenbach falava da exuberância da aventura de Hawks, ele tava pensando em O RIO DA AVENTURA. O filme é basicamente um grupo de homens descendo um rio num barco, encarando perigos naturais, trocando tiros com índios, há cenas de homens puxando o barco com uma corda contra correnteza, fazendo catapulta com árvore para lançar um cervo morto do alto de uma montanha, praticamente remete a um filme do Herzog, muito antes do Herzog! Obviamente surgem também as subtramas hawksianas. A maior parte do interesse do filme está na relação entre Kirk Douglas e Dewey Martin, que traz um pouco a dinâmica entre Victor McLaglen e Robert Armstrong no filme mudo do diretor A GIRL IN EVERY PORT (1928), que comentei aqui no primeiro post que fiz dessa série. Belissimamente fotografado, O RIO DA AVENTURA tem todo um senso de épico, de uma aventura grandiosa, que é boa de acompanhar… Só achei mais longo do que precisava.
O INVENTOR DA MOCIDADE (Monkey Business, 1952) Hawks volta ao Screwball comedy e um pouco ao seu clássico LEVADA DA BRECA, com Cary Grant mais uma vez interpretando um professor confuso lidando com percalços profissionais e românticos. Ele é um químico cujo chimpanzé de laboratório descobre uma poção da juventude, causando complicações para ele, sua esposa (Ginger Rogers), a secretária do laboratório (Marilyn Monroe) e seu chefe (Charles Coburn). Embora não seja tão bom quanto LEVADA DA BRECA, que é a obra-prima do Hawks no gênero, na minha opinião, ainda é extremamente divertido à sua maneira. Grant e Rogers, sozinhos ou juntos, sob o efeito da poção de rejuvenescimento em performances físicas incríveis, é simplesmente antológico. A abertura, com o próprio Hawks pedindo a Grant pra esperar mais um pouco pra entrar em cena, é um desses toques de mestre, que já me faz abrir um sorriso logo de cara, e que permanece até o fim.
OS HOMENS PREFEREM AS LOURAS (Gentlemen Prefer Blondes, 1953) Divertida adaptação de um clássico da Broadway, sobre duas dançarinas (Marilyn Monroe e Jane Russell) que embarcam para Paris, onde a personagem de Monroe deve se casar com um jovem milionário. No caminho, elas conhecem um detetive particular contratado pelo pai do noivo para investigar se a moça está interessada apenas na fortuna. O filme todo é uma fantasia exagerada bem agradável sobre desejo de libertação feminina e homens como meros objetos. Algumas situações são realmente engraçadas e com números musicais muito bons. E é difícil desgrudar os olhos da dupla principal…
TERRA DOS FARAÓS (Land of the Pharaohs, 1955) No antigo Egito, o faraó está obcecado em adquirir ouro e planeja levar tudo consigo para a “segunda vida”. Para isso, ele conta com a ajuda de um arquiteto cujo povo é escravizado no Egito. O acordo: construir uma tumba à prova de roubo, cheio de armadilhas secretas, e o seu povo será libertado. Durante os anos em que a pirâmide está sendo construída, uma princesa se torna a segunda esposa do faraó, que não tá muito a fim de deixar o sujeito levar seu tesouro com ele quando morrer… Primeiro e único filme que Hawks filma em CinemaScope. Fritz Lang dizia que o formato só servia pra filmar serpentes e funerais, então Hawks filmou uma serpente e um funeral por aqui. Mas ele não curtiu o resultado, disse, na entrevista com o Bogdanovich, que a tela larga tirava muito a atenção do público… Na verdade, Hawks não gosta de quase nada de TERRA DOS FARAÓS, fora algumas cenas isoladas. Bom, problema é dele. Na minha opinião, o que temos aqui é um dos trabalhos visuais mais poderosos de Hawks, que me ganha mesmo com a trama estranhamente estagnada, mas que consegue ser ao mesmo tempo atrativa e fascinante. Talvez seja um filme menor na obra geral de Hawks, um filme bizarro, nota-se claramente que o diretor tá fora de sua zona de conforto. Mas como filme de gênero, é uma pequena joia que merecia mais reconhecimento.
ONDE COMEÇA O INFERNO (Rio Bravo, 1959) John Wayne, como o xerife, recusa a ajuda de “amadores bem-intencionados” (como resposta para MATAR OU MORRER, onde Gary Cooper mendiga ajuda o filme inteiro) e fica com um bêbado (Dean Martin), um jovem inexperiente (Rick Nelson) e um velho aleijado (Walter Brennan) para enfrentar um exército de bandidos – além, é claro, da clássica mulher Hawksiana em Angie Dickinson. No autêntico estilo de Hawks, com seus temas recorrentes de camaradagem masculina e profissionalismo em primeiro plano, a aliança improvável dá conta do recado. Hawks abandona um enredo definido e a abordagem épica de seu outro grande western, RIO VERMELHO, para um cenário mais confinado, uma história mais aberta, na qual vão se acumulando situações e arcos dramáticos (o estudo de alcoolismo que faz com o personagem de Martin é notável). São quatro anos que separam TERRA DOS FARAÓS de ONDE COMEÇA O INFERNO. Durante esse hiato, Hawks repensou seu cinema e o modo de o fazê-lo. E quando retornou, o resultado foi esta obra-prima, um filme testamento, um western definitivo e um dos trabalhos mais divertidos de sua carreira.
LEVADA DA BRECA (Bringing Up Baby, 1938) David Huxley (Cary Grant) está esperando para conseguir um osso de dinossauro que precisa para sua coleção de museu. Através de uma série de circunstâncias estranhas, ele conhece Susan Vance (Katherine Hepburn), e a dupla tem uma série de desventuras cada uma mais louca que a outra, o que inclui um leopardo chamado Baby. Delícia rever isso aqui. No primeiro filme que trabalham juntos, Hawks coloca Cary Grant usando apenas um robe feminino, gritando “Because I just went GAY all of a sudden!”. Maravilhoso! É praticamente um filme experimental transgressor, não é possível que exista algo até aquele momento com tanta intensidade, energia, que teste os limites extremos do humor. Hawks conduz um autêntico pandemônio, uma narrativa caótica de situações cada vez mais insanas, onde só o exagero surreal impera, sem nunca tirar o foco dos personagens principais, que estão geniais até no overacting. É, ao mesmo tempo, divertido, engraçado e enervante, tenso… Se eu fosse o personagem de Grant nesse filme, já teria cometido um assassinato.
PARAÍSO INFERNAL (Only Angels Have Wings, 1939) Merecia um texto maior… Em um porto comercial remoto da América do Sul, o gerente de uma empresa de frete aéreo é forçado a arriscar a vida de seus pilotos para ganhar um contrato importante ao mesmo tempo que uma dançarina americana itinerante para na cidade e balança o seu coração. É como se tudo o que Hawks tivesse feito até este momento da carreira, todos os temas que explorou de forma obsessiva, todos os personagens que criou, todos os diálogos, situações, intrigas, dilemas, TUDO fosse um ensaio pra transcender em PARAÍSO INFERNAL da maneira mais sublime e cristalina possível. É um filme que define toda a obra de Hawks e não teria como ser mais perfeito que isso.
JEJUM DE AMOR (His Girl Friday, 1940) Adaptação da peça The Front Page, do Ben Hecht, por Howard Hawks. Existem diversas adaptações da coisa, inclusive já havia sido filmado em 1931, por Lewis Milestone. Billy Wilder chegou a fazer nos anos 70, com Lemmon e Matthau e até o Ted Kotcheff fez a sua versão com Burt Reynnolds e Christopher Reeve nos anos 80. Mas diferentemente de todas essas versões Hawks e seus roteiristas trocam o papel do repórter por uma mulher (Rosalind Russell), tornando o “embate” entre ela e seu editor (Grant) muito mais hawksiano. Na trama, uma jornalista ex-esposa do editor de jornal, visita seu escritório para informá-lo de que está noiva e que se casará novamente no dia seguinte. O editor não quer deixar isso acontecer e inicia uma sucessão de loucuras para convencê-la a voltar ao seu antigo emprego como funcionária dele, ou como esposa novamente… O filme não é tão intenso e surreal quanto LEVADA DA BRECA, mas é tão divertido quanto, e possui sua dose de insanidade, diálogos frenéticos se sobrepondo, uma loucura… Grande destaque para Russell, que tá maravilhosa, e Cary Grant, mais uma vez provando que é um gênio da comédia. Um detalhe que acho curioso é que toda a trama girar em torno do sujeito que tá no corredor da morte, enquanto tentam criar notícia em cima disso, o que dá aos personagens um verniz desagradável que a natureza do filme meio que encobre. Na superfície, é uma comédia romântica num universo de jornalistas, mas por baixo esconde algo mais dramático e grave. A cena que uma mulher se joga pela janela é um bom exemplo de como Hawks consegue trabalhar com maestria humor e tragédia ao mesmo tempo.
SARGENTO YORK (Sergeant York, 1941) Num geral, parece menos uma obra com a assinatura de Hawks e mais um filme de John Ford. O herói Hawksiano morre no anonimato, às vezes em missões suicidas, nos confins de uma floresta na América do Sul. O herói Fordiano que é uma figura mais imponente, alçado ao status de mito histórico da América (os grandes coronéis, Wyatt Earp, Lincoln!, etc…). O protagonista de SARGENTO YORK, pacifista religioso que vira herói de guerra interpretado por Gary Cooper, tá mais pra segunda categoria. Mas isso pouco importa, porque o que temos é um belo filme biográfico, indiscutivelmente um dos mais surpreendentes trabalhos do Hawks em termos visuais e técnicos. Gary Cooper tem um dos melhores desempenhos da carreira e, como sempre, Hawks consegue criar um espetáculo na sequência que se passa no campo de batalha. O roteiro tem vários nomes responsáveis, mas de acordo com Hawks, quem realmente escreveu foi John Huston.
BOLA DE FOGO (Ball of Fire, 1941) Gary Cooper não era exatamente conhecido por comédias, mas nas mãos de Hawks ele prova que pode nos fazer rir – não no nível de um Cary Grant, mas tudo bem – interpretando um sujeito no meio do caos hawksiano. O roteiro, que teve participação de Billy Wilder, faz uma brincadeira genial com os diálogos e o idioma inglês e coloca Cooper como um jovem professor de gramática que trabalha com um grupo de acadêmicos para criar uma enciclopédia. A confusão começa quando ele se depara com uma cantora de boate tagarela (Barbara Stanwyck) fugindo da polícia por conta do namorado gângster e, ao usá-la para pesquisas das gírias modernas, ele se apaixona por essa distinta senhorita. Pode não ser a melhor comédia de Hawks, mas é bem fácil de agradar. Ajuda muito termos um dos melhores elencos que Hawks já reuniu, a química entre os dois protagonistas e a direção magistral de Hawks.
AIR FORCE (1943) Como entusiasta da aviação, Hawks acabou realizando algumas coisas relacionadas ao tema, o que inclui alguns de seus melhores trabalhos, como THE DAWN PATROL, que já comentei aqui no blog, e a obra-prima suprema PARAÍSO INFERNAL ali em cima. E também este petardo aqui, menos conhecido, que se passa na Segunda Guerra Mundial e se concentra na tripulação de um bombardeiro que chega ao Havaí no momento em que o ataque a Pearl Harbor está acontecendo.
Muita coisa a se destacar por aqui, as sequências dentro do avião são as melhores, seja com a tripulação jogando conversa fora, numa naturalidade pouco convencional pra época, seja em sequências de batalhas angustiantes que até hoje impressionam (e que provavelmente influenciaram George Lucas na hora de filmar algumas sequências de STAR WARS). O filme não tem nenhum grande astro – apesar de ótimos atores, como John Garfield, Gig Young, o velho Harry Carey – e nenhum personagem se sobressai demais, o que torna isso aqui um exemplar clássico do “filme de grupo hawksiano”. Vencedor do Oscar de edição.
UMA AVENTURA NA MARTINICA (To have and Have Not, 1944) “Posso fazer um filme com o pior livro que você já escreveu”, disse Hawks ao próprio Ernest Hemingway, quando comprou os direitos pra produzir isto aqui. E fez realmente um trabalho belíssimo. Na trama, o capitão de um barco de frete da Martinica se envolve com agentes clandestinos da resistência francesa durante a Segunda Guerra Mundial e também com uma mulher misteriosa que aparece no local. Para além de ser lembrado principalmente pelo romance real e fumegante que rolou entre Bogart e Bacall (ambos sublimes aqui), o filme acaba sendo um thriller em tempos de guerra dos mais divertidos do diretor. Eu já tinha visto a versão que o Don Siegel fez dessa mesma história, estrelada pelo Audie Murphy, e que é um dos mais fracos do Siegel. Cheguei a comentar aqui no blog há alguns anos. Não preciso nem dizer o quanto esta versão do Hawks é melhor…
Ah, e Walter Brennan, na sua quarta colaboração com Hawks, tá genial como sempre.
À BEIRA DO ABISMO (The Big Sleep, 1946) Seguindo o sucesso de UMA AVENTURA NA MARTINICA, Hawks se reuniu novamente com o casal Bogart e Bacall para criar um dos filmes definitivos do cinema noir. Bogart é o detetive particular Phillip Marlowe que se envolve em uma teia de chantagem e assassinato difícil de descrever… Já se tornou um clássico à parte a histórias de que Hawks se viu obrigado a ligar para o próprio autor do romance que deu origem, Raymond Chandler, para perguntar sobre algum ponto-chave da trama e o autor também não fazer a menor ideia de como responder. Mas isso acaba não importando muito de tão imerso que ficamos durante a investigação de Marlowe, sua atitude cínica e espertinha, e claro no romance entre ele e a personagem de Bacall. Um Hawks obrigatório, nota-se sua importância e influência, apesar de nesta revisão eu perceber como não tá entre os meus favoritos do diretor. Não é culpa do filme, que é uma maravilha, mas o Hawks é que tem várias obras-primas à frente…
RIO VERMELHO (Red River, 1948) De alguma forma, BARBARY COAST, como disse em outro post, é o primeiro faroeste de Hawks, apesar de pouco convencional na iconografia e ambientação. O sujeito só faria um western puro mesmo aqui em RIO VERMELHO. Gênero que ele demorou mais de duas décadas para adentrar e acabou se destacando no restante da carreira. John Wayne, trabalhando com Hawks pela primeira vez, usa maquiagem pesada e tem aqui uma de suas melhores atuações da vida como Tom Dunson, um fazendeiro obstinado que luta com seu filho adotivo, Matt Garth (Montgomery Clift) e seus subordinados durante uma viagem de transporte de gado. O comportamento tirânico de Tom leva a um motim e uma amarga rivalidade entre ele e o filho. É aquela coisa, no universo hawksiano, é o grupo que importa. O personagem de Wayne tentou quebrar essa regra e se ferrou…
A construção que Wayne faz de seu personagem é tão profunda, um processo de transformação de herói à vilão tão genial, que depois de ver o seu desempenho, John Ford chegou a dizer “I never knew the big son of a bitch could act.”
O filme é lembrado também pelo notável subtexto gay entre Matt e o caubói Cherry Valance (John Ireland). “There are only two things more beautiful than a good gun”, diz Cherry para Matt, “a Swiss watch or a woman from anywhere. Ever had a good… Swiss watch?”
Um filme mais emocional e psicologicamente complexo do que a média dos westerns realizados no período. Um clássico absoluto e provavelmente a obra-prima máxima de Hawks. É outro filme que eu gostaria de escrever mais, mas acho que nem tenho capacidade de externar toda minha admiração.
A CANÇÃO PROMETIDA (A Song is Born, 1949) Remake “copia e cola” de BOLA DE FOGO, que o próprio Hawks tinha feito sete anos antes, reformulado como um musical, substituindo os acadêmicos compiladores de enciclopédia por professores de música. A ideia é muito boa e os números musicais são ótimos (tem participação até de Louis Armstrong) e obviamente não deixa de ser divertido. O material original de Billy Wilder é bem fácil de agradar. Mas lá pelas tantas já tinha perdido o interesse… Não sei se porque revi BOLA DE FOGO há pouco tempo, ou se é perceptível que Hawks não tava muito inspirado, refazendo os mesmos enquadramentos, as mesmas situações, os mesmos diálogos, tudo de novo com outros atores… E convenhamos que Danny Keye e Viriginia Mayo não são Gary Cooper e Barbara Stanwyck. Mas ainda assim vale a pena. Nem que seja pra ver as primeiras cores do cinema de Hawks.
A NOIVA ERA ELE (I Was a Male War Bride, 1949) Antes de QUANTO MAIS QUENTE MELHOR, de Billy Wilder, Hawks fez esse clássico crossdressing com Cary Grant. Ele vive um capitão do exército francês que se casa com uma tenente americana (Ann Sheridan) na Alemanha pós-Segunda Guerra Mundial. Quando tentam embarcar para os Estados Unidos, descobrem que ele deve acompanhá-la sob os termos do War Bride Act, ou seja, como a “esposa” dela, fazendo com que, em determinado momento, Grant tenha que usar uma peruca, saia e voz em falsete. Grant pode não ser muito convincente como francês ou como mulher, mas é justamente por isso que é hilário, enquanto Hawks prova mais uma vez por que foi um dos principais mestres da Screwball comedy.
A FORÇA EM ALERTA é o filme mais acessível para o público que não é fã de Steven Seagal. Acho que até pra quem realmente não gosta do sujeito deve funcionar. Trata-se da primeira incursão de Seagal no mundo mainstream das grandes produções hollywoodianas. Até então, seu cinema era mais “bairrista”, foram quatro exemplares de ação policial urbano. Inclusive, aqui Seagal volta a trabalhar com o Andrew Davis, que o dirigiu em seu primeiro – e bem mais modesto – filme, NICO – ACIMA DA LEI.
Estamos no início dos anos 90 aqui. A modinha dos filmes de ação americanos possuia algumas vertentes, mas há duas que eu gosto de destacar:
a) Os inspirados pelos filmes do John Woo; b) Variações de DURO DE MATAR.
O que surgiu, a partir dos anos noventa, de filmes imitando o estilo do Woo, repleto de protagonistas voando em câmera lenta com uma pistola em cada mão, descarregando os pentes em seus alvos, não é brincadeira. Mas não é o caso de A FORÇA EM ALERTA, que segue a fórmula da letra “b”. Claro, muda-se vários detalhes da trama, porque os roteiristas são extremamente criativos, e transporta a ação dentro de um navio de guerra das forças armadas americanas. E pronto, temos um autêntico rip-off de DURO DE MATAR.
Seagal interpreta Casey Ryback, um cozinheiro militar, que trabalha preparando os banquetes do seu capitão e tripulação de bordo. Sério! Steven Seagal é o cozinheiro! Qual é o problema nisso? Tá certo que no passado ele era integrante do SEALs, uma das principais forças de operações especiais da marinha dos Estados Unidos, altamente treinado e capacitado no uso de armas, explosivos e artes marciais. E numa operação liderada por ele no Panamá, toda sua equipe acabou morta, ele deu um soco no seu superior, acabou aposentado dessa vida e se tornou cozinheiro… mas é apenas um detalhe e quem já viu o filme sabe que isso não interfere muito na narrativa*.
* Spoiler: mentira, interfere sim.
A história se passa exatamente no dia do aniversário do capitão do tal navio de guerra, que está no Havaí durante eventos que relembram os ataques em Pearl Harbor. E um dos seus comandantes, Krill (Gary fucking crazy Busey), está organizando os preparativos e surpresas para a comemoração desta data. Duas delas são bem interessantes. A primeira inclui um conjunto musical, cujo membro principal é o Tommy Lee Jones encarnando uma espécie de Mick Jagger mais afetado que o verdadeiro. E a outra, bem mais estimulante, é a coelhinha da Playboy, Miss Julho, que sai do bolo pra fazer um topless pra alegria da moçada!
Outro ponto importante é que a intenção principal de Krill nesta data especial é tomar o controle do navio, matar o capitão, e fazer toda a tripulação de refém, até que suas exigências baseadas em suas causas políticas ($$$) sejam cumpridas pelo governo americano… Tudo isso, vestido de mulher, pra enfatizar ainda mais a insanidade de Gary Busey. Tommy Lee Jones se revela um ex-agente da CIA renegado, que se sente traído, que possui as mesmas intenções de Krill. Miss Julho não sabe de nada e fica esperando o momento de exibir seus atribudos… E o cozinheiro vivido por Seagal vai precisar utilizar dos seus dotes culinários para salvar todo mundo.
O trabalho de roteiro aqui é árduo: conseguir manter a narrativa em movimento e com uma certa regularidade de coisas interessantes acontecendo. Porque este tipo de filme de ação específico é frágil e qualquer divisão de cenas e situações equivocadas podem tornar o filme chato e cansativo. Temos o herói, geralmente zanzando pra lá e pra cá, bolando estratégias mirabolantes para salvar o dia, enquanto os bandidos demonstram o quão malvados podem ser, revelando suas intenções maquiavélicas. Temos os reféns, a parte burocrática das negociações, o drama do par romântico do herói, e por aí vai…
Mas o filme se sai muito bem em todas esses registros, a coisa toda transcorre numa boa, num ritmo bem divertido. E com o elenco escalado que temos aqui, fica bem mais fácil de acompanhar. Um filme cujo herói tem Gary Busey e Tommy Lee Jones como inimigos mortais é quase impossível de dar errado. Seagal já tinha enfrentado vários grandes vilões, como Henry Silva (NICO – ACIMA DA LEI), William Forsyth (FÚRIA MORTAL), William Sadler (DIFÍCIL DE MATAR) e jamaicanos feiticeiros do voodoo (MARCADO PARA A MORTE), mas nunca dois vilões de peso ao mesmo tempo, como em A FORÇA EM ALERTA. Do lado feminino, Erika Eleniak, que passa da moça sexy e frágil à mulher badass num estalar de dedos. Ainda marcam presença por aqui Damian Chapa, Troy Evans, Bernie Casey, Raymond Cruz, Colm Meaney, entre outros…
A direção de Andrew Davis é segura, apesar de salientar a intrigante teoria de que o Davis não gosta muito do rabinho de cavalo do Seagal. É a segunda parceria dos dois e em ambas o astro precisou passar a tesoura na nuca. Mas em termos de ação, não dá pra reclamar muito. Seagal faz bem o seu trabalho, alternando entre pancadaria, tiroteios bem elaborados, promovendo explosões e termina com um bom duelo de facas entre Seagal e Jones, que poderia ser melhor trabalhado, percebe-se claramente que nesse quesito o personagem de Jones não era sequer uma ameaça, e Seagal não tem lá tanta dificuldade para despachá-lo, o que é um deslize. Um bom vilão geralmente tem que dar mais trabalho pro herói, tem que ser um desafio. Aqui a dificuldade de Ryback no clímax, no duelo FINAL, foi quase zero… Mas acho a coreografia boa e o desfecho violento acaba compensando.
Primeira super produção estrelada por Steven Seagal precisava de alguns incrementos para diferenciar um pouco dos filmes anteriores mais urbanos, especialmente a persona habitual do ator. Apesar da estrutura grandiosa dos cenários e efeitos especiais de ponta pra época, Ryback é mais do mesmo em se tratando de figuras dramáticas vividas pelo Seagal, até porque não se pode ter a exigência com ele da mesma forma como teríamos com um Daniel Day Lewis, por exemplo.
Mas em A FORÇA EM ALERTA Seagal não é um policial! Um grande avanço, já que todos seus filmes anteriores ele era um homem da lei. Aqui é uma ocupação extremamente diferente: cozinheiro. O que gera uma série de diálogos sobre filosofia culinária. Além das frequentes mensagens politicamente corretas e de cultura oriental e artes marciais, que não poderiam faltar… Acho que a partir deste aqui, Seagal se tornou praticamente um ator completo e versátil!
Aqui inaugura uma nova fase na qual a carreira de Steve Seagal chegaria ao ápice em termos de qualidade, sucesso financeiro e até de autorismo (não é a toa que o próximo filme de Seagal, EM TERRENO SELVAGEM, é justamente dirigido por ele mesmo), mas começa a entrar em um lento e gradativo declínio depois de um início de carreira excelente. Calma, ele ainda faria grandes filmes no decorrer da década de 90, e ainda gosto da maioria das coisas que Seagal fez depois. Só acho que nunca mais obteve o nível de alguns trabalhos anteriores, como FÚRIA MORTAL, que é a obra-prima do homem, um dos melhores filmes de ação daquela década. Mas não vamos chorar! A FORÇA EM ALERTA continua bom pra cacete!
E teve uma continuação que se passa num trem sequestrado por terroristas. Apesar de inferior, também é legal.
Texto atualizado, publicado inicialmente no site Action News.
20th CENTURY (1934) Depois se dedicar a uns filmes de guerra, crime, dramas românticos, que até possuíam um tom de humor em alguns momentos, finalmente Hawks faz sua primeira comédia pura no cinema sonoro. Na trama, um temperamental produtor da Broadway (John Barrymore) toma sob sua guarda uma atriz iniciante (Carole Lombard) e se apaixona por ela. Mas a vida hiper controlada faz com que ela fuja e se torne uma das maiores estrela de cinema. Agora, todos a bordo de um mesmo trem, ele tenta reconquistá-la, o que não vai ser fácil. Hawks não decepciona, repleto de cenas impagáveis e com dois protagonistas inspirados e realmente engraçados (Barrymore sobretudo está inacreditável, entrega uma das grandes performances cômicas do período, genial até nos excessos), é uma grande festa para fãs de screwball comedies, em especial por se tratar de um dos pontos de partida do gênero e ser dirigido por um dos seus maiores mestres.
BARBARY COAST (1935) Uma moça (Miriam Hopkins) chega do leste e descobre que o seu noivo, que lhe esperava, foi morto. Ela acaba tendo que trabalhar na casa de jogos de Luis Chamalis (Edward G. Robinson), um local turbulento da São Francisco na década de 1850. Quando ela se apaixona por um minerador poeta (Joel McCrea), as coisas começam a se complicar, porque Chamalis não vai entregá-la tão fácil… De alguma maneira, este aqui é o primeiro Western do Hawks, ainda que fora do tradicional. No centro da trama temos mais uma variação habitual do diretor no drama romântico com uma forte figura feminina dividindo as atenções de dois homens. Mas aqui me peguei mais interessado na paisagem, numa São Francisco submersa em névoa, e nas subtramas, a do jornal local, os vigilantes, os personagens secundários, como o do grande Walter Brennan… Segundo filme do Edward G. Robinson com Hawks. Ótimo como sempre.
CEILING ZERO (1936) O cotidiano perigoso, e muitas vezes trágico, de alguns pilotos veteranos de guerra que estão trabalhando em uma companhia aérea é o tema central desse filme mais rotineiro do Hawks, apesar de ser bom de acompanhar, com os personagens hawksianos que estamos acostumados a ver, com os temas habituais do diretor. Mas tirando um ou outro momento mais inspirado, como a sequência do pouso às cegas – uma aula de tensão e atuação do elenco – o restante me parece conduzido no piloto automático, muito numa zona de conforto de Hawks. O suficiente pra fazer um bom filme, divertido, mas não para um GRANDE filme. O que tá bom também, normal para um diretor desse calibre, com uma filmografia longa. Nem todos precisam ser obras-primas. Minha única reclamação é que justamente os dois trabalhos que Hawks fez com James Cagney (este aqui e THE CROWD ROARS) resultaram em filmes menores… Essa parceria merecia ter rendido pelo menos algo do nível de PARAÍSO INFERNAL, RIO VERMELHO, HATARI! RIO BRAVO…
THE ROAD TO GLORY (1936) A história da vida nas trincheiras durante a Primeira Guerra Mundial através de um regimento francês. No centro da trama, à medida que os homens são mortos e substituídos, um tenente (Fredric March) torna-se cada vez mais sombrio e seu rival pelo carinho de uma enfermeira (June Lang) é o seu próprio capitão (Warner Baxter). É muito louco ver a filmografia de um diretor como a do Hawks, um sujeito tão autoral, em ordem cronológica e num curto espaço de tempo (este aqui era o décimo quinto assistido em menos de duas semanas)… Corre-se o risco de tudo parecer uma repetição de si mesmo. O que de certa forma é, mas não num mau sentido, porque é a obsessão por certos temas que faz a assinatura do cara ser tão pessoal. Aqui, é mais um filme sobre um grupo de homens lidando com a morte durante uma guerra (THE DAWN PATROL, TODAY WE LIVE), novamente temos dois homens apaixonados pela mesma mulher (TIGER SHARK, BARBARY COAST, TODAY WE LIVE, CEILING ZERO), de novo um deles fica cego (TODAY WE LIVE) e parte para uma missão suicida, um último sacrifício (praticamente todos os filmes que citei)… Mas é só tomar cuidado, que dá pra fugir dessa armadilha. Foi um prazer ver filme a filme do Hawks e sim, perceber suas “repetições”. Este aqui é um sólido filme de guerra, cuja direção de Hawks e o elenco entregam até mais do que era de se esperar do roteiro de William Faulkner. A subtrama romântica nem tem tanta força quando uma boa parte do filme vemos um grupo de personagens hawksianos tentando sobreviver em trincheiras sujas ou em meio à explosões e balas. Enfim, mais um grande filme do diretor. Esse recomendo muito mesmo.
COME AND GET IT (1936), co-direção de William Wyler Um lenhador ambicioso abandona a mulher que ama para se casar com a filha de um milionário, mas anos depois se apaixona pela filha da sua antiga paixão. Só que agora vai ter que disputar o amor dela com o próprio filho. Concordo com o próprio Hawks que diz, numa entrevista com Peter Bogdanovich, que a história é meio boba, mas é desses exemplares que mostram que um grande diretor pode dar vida até num material desse nível. Os primeiros vinte minutos são Hawks puro: grupo de homens focados num trabalho específico (no caso, lenhadores), sequências semi documentais da profissão (como em TIGER SHARK) e uma sequência de bar que termina numa briga generalizada com o humor hawksiano típico… Depois a trama dá uma caída, ainda sobra a velha situação dos dois homens apaixonados pela mesma mulher. A variação aqui é a que mencionei: os dois sujeitos são pai e filho. No final, percebe-se a mudança de tom, ritmo, cadência, já era o William Wyler quem dirigia (Hawks se demitiu, de saco cheio do produtor Sam Goldwyn, mas uns 80% do filme é dele). Filme irregular, mas bem assistível e com ótimas atuações de Frances Farmer (em papel duplo) e do bom e velho Walter Brennan, na sua segunda colaboração com Hawks, e que lhe rendeu o Oscar de melhor ator coadjuvante
Muito se diz de que filmes com grandes elencos que envolvem vários personagens do submundo, de pequenos criminosos a grandes chefões, bebam diretamente do QuentinTarantino. Se levarmos em consideração CÃES DE ALUGUEL, PULP FICTION e mesmo parte do KILL BILL, é verdade, ao menos até certo ponto. Existe um outro diretor que penso eu ter tido pelo menos tanta influência quanto o “Queixada” para a fetichização desse universo, se não tiver tido ainda mais: Guy Ritchie, o ex-senhor Madonna, que atualmente está sempre com ternos bem cortados até mesmo quando vai pro banho, aparentemente. Figura oriunda da publicidade, Ritchie levou as histórias de gangsters, recheadas de humor ácido e tragédia para novos patamares, tanto no texto quanto na estética. Inclusive podemos afirmar sem receio que o mundo do crime é muito mais objeto do seu fascínio do que do Tarantino, tendo em vista que metade de sua filmografia lida diretamente com o assunto, e alguns outros, como os dois Sherlock Holmes e sua versão de Rei Arthur, são populados por essas figuras literalmente marginais. Então, se formos chamar TREM-BALA (Bullet Train), de derivativo, eu diria que ele deve mais aos bandidos do Ritchie do que os do Tarantino. E se o próprio diretor David Leitch disser que estou errado, recomendo ao mesmo rever SNATCH, ROCKNROLLA e REVOLVER e comparar com o que ele fez neste aqui.
Pra quem não tá sabendo do que se trata, uma breve sinopse: um grupo de assassinos está em um trem-bala, cada um com uma missão, mas ao longo da noite seus caminhos e missões irão se entrecruzar, gerando situações cômicas e sangrentas.
É muito curioso quando você entende porque determinado filme é odiado ou adorado. Neste aqui, por exemplo, eu consigo ver claramente o porquê do filme dividir tanto opiniões: David Leitch decidiu explorar com ainda mais força a comédia, e embora eu particularmente ache seus filmes engraçados na maior parte do tempo, ele abraça muito daquele cinismo auto-consciente que tomou conta de Hollywood nos últimos 10 anos.
Fora a decepção de muitos de ver um dos melhores coordenadores de ação de Hollywood investindo tão pouco da sua técnica para o desenvolvimento de momentos gloriosos de ação, como seu sócio Chad Stahelski faz na franquia JOHN WICK. Eu gosto muito de todas as cenas de ação, embora me pareça que o coração do Leitch está bem mais na história e nos personagens, e acho que ele foi feliz pela maioria de escolhas que tomou quanto a isso. E eu tenho a impressão que a maior piada de todas – e a que certamente me fez rir bastante – foi perceber que Brad Pitt, na trama, está substituindo o Ryan Reynolds, sendo que a personalidade do protagonista é a mesma de todos os filmes do Reynolds desde o primeiro DEADPOOL. Cabe dizer que Pitt fez ele mesmo uma breve participação em DEADPOOL 2, numa das melhores piadas do filme.
Aliás, eu consigo notar aqui o surgimento de um diretor autorreferente: as pontas feitas por figuras com quem já trabalhou – a Zazie Beets também fez DEADPOOL 2, assim como Ryan Reynolds Hiroyuki Sanada em WOLVERINE – IMORTAL, onde Leitch trabalhou como diretor de segunda unidade; Channing Tatum, quando foi coordenador de dublês em O DESTINO DE JÚPITER; além do diretor ter sido dublê do Brad Pitt no passado; a questão da sorte/má sorte vai gerar a cena do Brad Pitt sobrevivendo a colisão do trem da mesmíssima forma como funcionavam os poderes da Beets no já citado DEADPOOL 2; o Pitt utiliza livros, bandejas, laptops como JOHN WICK; tem cenas com capangas no topo do trem-bala que remetem diretamente a WOLVERINE – IMORTAL; uma trama repleta de assassinos e mafiosos, representando um mundo à parte do nosso, tal qual JOHN WICK. Eu sinto que existe, no fundo, um subtexto que critica o sistema de trabalho de Hollywood, onde homens e mulheres literalmente dão o seu sangue e correm riscos por gente metida que recebe dinheiro demais e não se importa, mas isso provavelmente sou eu lendo demais o filme.
O que acredito ser o problema maior de TREM-BALA é que esse citado cinismo do humor do Leitch acaba sabotando o que o filme tem de melhor, que é a presença dessas figuras marginais em situações crescentemente mais absurdas e, de certa forma, até trágicas. A necessidade da piada arrebenta com o peso da subtrama do Andrew Koji – um talento, aliás, desperdiçado aqui -, com algumas das perdas, como a do assassino Limão, vivido por um inspirado Aaron Taylor-Johnson, e principalmente com a figura do misterioso Morte Branca (Michael Shannon), que chega ao fim do filme menos como a encarnação do mal e mais como uma caricatura.
O filme tinha potencial para terminar em um intenso embate entre esses peões e o grande rei que domina todo esse tabuleiro de xadrez, mas a necessidade de fazer o espectador supostamente rir implode isso. Ele também acaba tendo seu maior ápice emocional muito antes do arco final, o mesmíssimo erro que Leitch cometeu em HOBBS & SHAW. Ainda teremos muita coisa boa acontecendo, assim como no filme do The Rock com o Jason Statham, mas parece que Leitch ainda não entende porque um de seus heróis do cinema, Jackie Chan, dá o seu máximo nos últimos 30 minutos de duração.
Ainda que o filme termine com um extenso – e engraçado – set piece, a verdade é que já chegamos ao fim como convidados para uma festa que está se estendendo um pouco mais do que devia. Mas, se formos citar o lado positivo, temos o já mencionado Aaron Taylor-Johnson em estado de graça, dividindo vários momentos com um também inspirado Brian Tyree Henry, o Brad Pitt também se garante como o desajeitado “Joaninha”, que divide também excelentes diálogos com seu contato, vivido – descobriremos depois – pela Sandra Bullock, e também gostei muito da Joey King como a insidiosa Príncipe, se afastando com força de sua persona teen dos filmes da Netflix.
Leitch sempre trabalhou muito bem com cores e blocagem, e aqui temos mais uma parceria bem sucedida sua com o diretor de fotografia Jonathan Sela. Nada daquelas cores mortas ou de câmera tremida, já que o homem também chamou novamente a competente Elísabet Ronaldsdóttir para editar o filme. Para cuidar da ação, o homem chamou sua rapaziada da 87eleven, então temos aqui um nível de qualidade só rivalizado pelas equipes da Ásia.
No fim, assim como Ritchie, Leitch se mostra um artesão com talento, mas sem uma noção clara de quais são os seus pontos fortes e fracos. Vem se mostrando um autor – sim, definitivamente um autor – com uma abordagem muito particular, mas que, assim como o ex-senhor Ciccone, deve ter uma carreira recheada de filmes interessantes, mas que vão fascinar e alienar a audiência na mesma proporção com frequência. Tendo dito isto, se Guy Ritchie fez ALADDIN, quero O Corcunda de Notre Dame dirigido pelo David Leitch, assim como uma releitura do Arsène Lupin.
A essa altura, na maratona Howard Hawks que me propus a fazer, já foram 26 filmes conferidos. A velocidade com a qual tenho assistido aos filmes é muito maior do que o tempo que tenho pra parar e postar individualmente sobre cada filme, como no post anterior. Então, vamos de mini reviews mesmo, porque aí dá pra cobrir tudo aos poucos. Aqui vão mais cinco filmes do homem.
THE CRIMINAL CODE (1930) Depois que um jovem comete um assassinato bêbado, defendendo uma garota, ele é processado por um ambicioso promotor (Walter Huston) e condenado a dez anos. Seis anos depois, esse mesmo promotor se torna o diretor da prisão e oferece ao jovem um emprego como motorista. O rapaz se mantém íntegro no local, mas às vésperas de sua liberdade condicional, um companheiro de cela o arrasta de volta ao mundo da violência, e ele enfrenta escolhas difíceis de fazer… O único problema do filme é a forçada história de amor que surge no final entre o jovem e a filha do promotor, que quase coloca tudo a perder. Mas no geral ainda é um drama prisional bem forte, um olhar duro sobre o efeito que o sistema de justiça criminal pode ter sobre os homens apanhados por ele. Hawks explora mais as possibilidades do cinema sonoro, testando o que fazer com isso. A abertura do filme, com dois detetives tendo um desacordo prolongado sobre as regras de um jogo de cartas a caminho da cena do crime e a capacidade de Huston de transformar um simples “Yeah?” em uma espécie de mantra é algo para se contemplar. Hawks conta uma história muito mais dependente de diálogos e o resultado é bem sólido. Ajuda muito ter um ator do calibre de Huston num desempenho magnífico.
Boris Karloff, num papel pré-Frankenstein, tem pelo menos uma cena memorável, a do assassinato do delator, que aproveita muito bem a sua fisicalidade e expressão corporal. A forma como se move pelas salas com uma graça pesada e aterrorizante é o tipo de coisa que eu não duvido que possa ter influenciado na hora de escalarem Karloff como o famoso monstro no ano seguinte.
SCARFACE (1932) Esse aqui merecia um texto mais longo. Mas fica pra depois. Por enquanto, a gente ressalta que se trata da primeira obra-prima de Hawks. A trama é obviamente inspirada em Al Capone e é um trabalho definitivo sobre a ascensão e queda de um mafioso com fome de poder. O filme ficou famoso na época por causa da controvérsia e pela violência nessa escalada de poder do protagonista, mas resistiu bem ao teste do tempo (mesmo depois de algumas revisões, apesar de que fazia uns bons anos que não revia), por causa do forte roteiro, as ótimas atuações do elenco, sobretudo um Paul Muni explosivo, e a direção – já magistral a essa altura – de Hawks. Um filme de gangster essencial.
THE CROWD ROARS (1932) Um famoso campeão de automobilismo (James Cagney) retorna à sua cidade natal para competir em uma corrida local e descobre que seu irmão mais novo tem aspirações de se tornar um campeão de corrida, ao mesmo tempo em que tem que lidar com uma relação amorosa complicada. É outro trabalho do Hawks que tem uma subtrama de amor cego que me tira um pouco do filme (lembram de FAZIL que comentei no outro post?). Mas, no fim das contas, é um filme de 70 minutos que não consegue se aprofundar em muita coisa, acaba sendo divertido de se ver, em especial pelas sequências muito bem feitas de corridas de carro, que tem um senso de tensão e tragédia muito forte. Primeiro filme que Hawks utiliza Cagney, que tá excelente como sempre.
TIGER SHARK (1932) Esse aqui é um filmaço do Hawks que eu não conhecia. A trama é sobre um pescador de atum português que se casa com uma mulher cujo coração fica dividido entre ele e o seu primeiro imediato no barco. Junto com THE DAWN PATROL, provavelmente é o filme mais puro do Hawks deste período, tem muito dos seus temas habituais, os tipos de personagens e os tipos de valores que ele respeita. Uma colônia unida de homens no trabalho, arriscando a vida, tendo se acostumado com despedidas sem saber se voltam. As sequências de pesca, semi documentais, são tão boas quanto as sequências de ação que Hawks fazia até aquele momento. Mas a alma do filme é o grande Edward G. Robinson interpretando o pescador português maneta, num desempenho magnífico.
TODAY WE LIVE (1933) Sem dúvida um belo filme. Só demora um bocado pra chegar lá. Começa como um melodraminha bobo, sobre uma moça (Joan Crawford) que se apaixona por um piloto de caça (Gary Cooper) durante a primeira guerra mundial, mas que é dado como morto, então ela vai pra guerra como enfermeira – ou algo do tipo – e se casa com o melhor amigo do seu irmão, até que descobre que o piloto, na verdade, está vivo… Enfim, uma confusão. No entanto, essa traminha de alguma forma ganha força e eventualmente se transforma em um sólido drama romântico com alguns temas habituais do Hawks: um triângulo amoroso em meio à guerra, missões que envolvem sacrifício, homens disputando pra ver quem tem o pau maior… Coisas do tipo.
Sabe-se que a personagem de Crawford foi empurrada à força na trama, os produtores a tinham sob contrato e pediram a Hawks para incluí-la (o roteiro foi escrito por William Faulkner e não tinha a sua personagem). Ela tá até bem, mas as coisas nem sempre acontecem de maneira orgânica (a forma como se apaixona pelo personagem de Cooper é muito esquisita). O filme fica realmente interessante quando os dois homens que disputam seu coração começam a se desafiar, colocando suas vidas em risco além das linhas inimigas. As cenas de ação, tanto pelo ar, quanto pela água, são de encher os olhos. Hawks voltaria a trabalhar com Gary Cooper algumas vezes ainda…
Se querem mais Hawks, teremos mais Hawks. PATRULHA DA MADRUGADA (The Dawn Patrol) foi o segundo filme sonoro do diretor (o primeiro, THE AIR CIRCUS, se perdeu). É também uma amostra fascinante do estágio de sua carreira em que não havia ainda chegado no ápice, tava aperfeiçoando seu estilo, mas já tava chegando bem perto disso. Os temas que seriam sua obsessão já começam a cristalizar melhor aqui e podemos ver em embrião as maneiras pelas quais ele abordaria esses temas repetidas vezes.
No final de 1915, durante a Primeira Guerra Mundial, o 59º Esquadrão do Royal Flying Corps passa por maus bocados. Seu comandante, Major Brand (Neil Hamilton, o comissário Gordon da série do Batman dos anos 60), se vê tendo que enviar jovens pilotos inexperientes direto para o meio da batalha e, inevitavelmente, muitos não sobrevivem nem mesmo à primeira missão. O estresse piora para o sujeito, já que ele próprio, como comandante, não pode voar em missões de combate e o resultado é o sentimento de um carrasco enviando homens para seu destino final.
Major Brand entra em conflito sobretudo com seu subordinado Capitão Courtney (Richard Barthelmess). Supostamente tem havido rixa entre eles desde um incidente envolvendo uma mulher em Paris, mas como o gentil ajudante do esquadrão aponta para um dos pilotos, a realidade é que eles são amigos muito próximos. Eles simplesmente acham mais fácil lidar com uma situação difícil desabafando um com o outro. A guerra avança e Major Brand é promovido. O capitão Courtney, que sempre zombou dos oficiais de escritório que enviam homens para o combate, agora se vê desempenhando exatamente esse papel.
Uma interpretação simplista seria que o filme é um comentário sobre a futilidade da guerra, mas isso não seria característico de Hawks e, de qualquer forma, o próprio filme deixa bastante claro que essa não é a intenção. Na verdade, o filme enfatiza que o perigo e a morte são sempre os inimigos e estão enraizados na vida desses homens. O filme simpatiza com os alemães que são retratados como adversários honrados e heróicos e isso é mais uma indicação de que o inimigo não é o soldado do lado oposto. O inimigo é a própria morte. Em uma cena, um aviador alemão capturado é trazido à base. Logo lhe oferecem uma bebida e não demora para estar farreando alegremente com os aviadores britânicos. Ele não é um inimigo; ele é um homem que enfrenta os mesmos perigos que os pilotos britânicos enfrentam.
De certa forma há um equilíbrio entre o sentimento anti-guerra com uma aceitação existencial mais estóica do dever e amor pelo trabalho, pela missão, ação, destruição, mesmo quando não existe muita esperança, conscientes do sacrifício. Hawks sempre foi fascinado pelo comportamento de homens confrontados com o perigo iminente e a morte. Fascinado pela maneira como grupos de homens lidavam com a morte.
Além disso, PATRULHA DA MADRUGADA nos oferece o tipo de configuração que ele usaria repetidamente, como em sua obra-prima posterior, PARAÍSO INFERNAL (Only Angel Have Wings), na forma como os homens do 59º Esquadrão parecem estranhamente isolados. Nunca vemos os oficiais superiores que dão as ordens ao comandante do esquadrão, temos poucas cenas e eventos em outros locais, praticamente todo o filme se passa no escritório do comandante, na sala de recreação do esquadrão e no ar onde acontecem as violentas batalhas. Ao isolar esse grupo de homens do mundo exterior, Hawks é capaz de se concentrar nos próprios homens e na maneira de se relacionar uns com os outros.
E os homens do 59º Esquadrão aprenderam, no clássico estilo hawksiano, que a única forma de enfrentar a morte é rindo na cara dela.
As cenas de batalhas aéreas são um destaque à parte, tão boas que foram até reutilizadas no remake de 1938, com Errol Flynn e David Niven. A assinatura de Hawks também é aparente aqui. O que importa para o diretor não é a ação, mas a maneira como os homens reagem a ela e, em várias ocasiões, Hawks mostra as aeronaves decolando e corta imediatamente para o comandante do esquadrão esperando ansiosamente pelo som das aeronaves retornando. Não precisamos ver a luta; é o custo emocional que importa. No entanto, quando as cenas de luta aérea são mostradas, o resultado é um espetáculo de ação que impressionam até hoje.
Richard Barthelmess tem uma performance taciturna e discreta que captura perfeitamente o espírito do obstinado herói Hawksiano. Douglas Fairbanks Jr é um tanto expansivo, mas se dá bem. Agora, Neil Hamilton, esse é um caso perdido. Seu desempenho destoa completamente do restante com folgas, hum mau sentido, exagerado ao estilo do cinema mudo, que Hawks evitava.
O roteiro de PATRULHA DA MADRUGADA ganhou o Oscar, creditado a John Monk Saunders, que havia escrito outro clássico de guerra e aviação, ASAS (27), também conhecido como o primeiro filme a ganhar o Oscar de Melhor Filme. Mas dá pra perceber que Hawks teve peso sobre a história e dá até pra dizer o que realmente tem o dedo dele – sequências dos pilotos em bebedeira, a farra, a cantoria, a cena com o aviador alemão capturado… Coisas que se tornariam constantes no cinema de Hawks. E que vale a pena conhecer aqui em seu estágio inicial.
Iniciei este ano de 2023 assistindo aos filmes do diretor Howard Hawks em ordem cronológica. Se vou conseguir ir até o fim da filmografia do homem, aí é outra história. Mas pelo menos já vi todos os filmes da fase muda. Quero dizer, os filmes que ainda existem dessa fase, porque alguns trabalhos do Hawks estão perdidos. Mas vamos lá.
FIG LEAVES (1926) Como disse, todo o trabalho do Hawks anterior a FIG LEAVES se perdeu, então esse aqui é o seu “primeiro” filme. A história gira em torno de Adam, um encanador, que tem um casamento feliz com Eve, uma dona de casa obcecada por guarda-roupas, até que ela acidentalmente conhece um designer de moda. Por sugestão de sua vizinha, que tem seus próprios planos secretos com Adam, Eve secretamente se torna uma modelo durante o dia, sabendo que seu marido desaprovaria… Fruto da época, hoje seria impossível de fazer pela visão machista. Hawks disse pro Bogdanovich em entrevista que até pode-se zombar das mulheres, contanto que não ofenda ninguém, ou algo do tipo, o que daria um belo cancelamento ao diretor. Mas consegui me divertir com as várias situações engraçadas sobre o casal protagonista e seus problemas matrimoniais. A sacada de começar o filme levando as questões de “hoje” a um período pré-histórico, de Adão e Eva, é um toque de mestre.
THE CRADLE SNATCHERS (1927) Já dava pra perceber desde cedo o quanto Hawks levava jeito para o humor e a trama deste aqui é um prato cheio pra isso: para curar seus maridos paqueradores de se relacionarem com outras garotas, três esposas combinam com três universitários a flertarem entre si em uma festa. Durante um ensaio da festa, chegam os três maridos, acompanhados de suas amigas melindrosas, gerando as complicações cômicas que se espera. Só é uma pena que este filme esteja incompleto. E o que sobrou, só consegui ver em imagens de condições muito precárias no youtube. Mas valeu a pena pra conhecer.
PAID TO LOVE (1927) Hawks podia ter esperado mais uns anos e feito esse filme com som. É uma comédia que pede demais as falas dos atores e poderia estar até melhor rankeado na filmografia do homem. A trama é sobre um banqueiro americano que vai para um pequeno país dos Bálcãs procurando investir o dinheiro de seu banco e fortalecer a fraca economia do país para maximizar o retorno de seu investimento. Para esse fim, ele faz amizade com o rei do país e eles bolam um esquema para casar o príncipe herdeiro (o que ajudaria a fechar o negócio), mas algo que não é particularmente atraente para o príncipe – até que ele vê a bela atriz de cabaré que os velhos escolheram para ele se casar. É mais outro belo exemplar que prova o talento de Hawks pra um certo tipo de humor, com tensões sexuais, e bom olho para composições, câmera e metáforas visuais. Impossível não citar a cena que o primo (William Powell) do príncipe descasca uma banana assistindo a protagonista a se despir. Mostra já um diretor mais sofisticado daquele que realizou FIG LEAVES no ano anterior.
A GIRL IN EVERY PORT (1928) Dois marinheiros com uma rivalidade em perseguir mulheres tornam-se amigos. Quando um deles decide finalmente estabelecer um relacionamento mais sério, acaba colocando em risco a amizade entre eles. A resolução do filme envolve esses dois homens considerando sua amizade mais importante do que o afeto de uma mulher. Dois homens que aprenderam a se amar através das pelejas e pelo trabalho a bordo de um veleiro e que descobrem que sempre podem contar um com o outro. Achei ousado. Pensem como quiserem, mas muito antes de RIO VERMELHO Hawks já tava abordando amizades diferenciadas entre homens. E é um filme bem bonito, muito bem feito, com vários momentos que arrancam fácil um sorriso do público. Victor McLaglen tá excelente e Louise Brooks é realmente o diabo vestido de mulher… E que mulher! Enfim, uma pequena joia divertida do início da carreira de Hawks. O melhor filme dessa lista.
FAZIL (1928) Um príncipe árabe nascido e criado no deserto e uma bela francesa de Paris se apaixonam e se casam, mas as enormes diferenças em suas origens e culturas entre suas duas sociedades colocam tensões em seu casamento que podem ser irreparáveis. Talvez o filme mais bem dirigido pelo Hawks até aqui, com algumas composições bonitonas e trabalho de câmera realmente apurado. A sequência que mostra o harém de Fazil é digna de antologia – além de provavelmente ter deixado alguns senhores de 1928 bastante, digamos, animados. Sobre a história, o próprio Hawks dizia que não gostava e não tinha interesse em fazer, mas deu um jeito de tornar a coisa assistível, apesar das atitudes da protagonista e esse conto de amor cego exagerado me deixarem um pouco irritado.
Vou continuar vendo mais uns filmes do Hawks, agora já no período sonoro. E talvez coloque mais impressões por aqui.
Por aqui a gente só assiste a filme novo pra fazer listinha de final de ano. Brincadeira, tem muita coisa boa saindo e aqui está a prova disso, uma relação de filmes realmente notáveis e que valeram uma conferida. Pelo menos pra mim…
Como sempre faço, a minha lista de favoritos tem uma margem de um ano, pra incluir e contemplar os filmes do ano passado que acabei assistindo no ano vigente. Portanto, alguns filmes de 2021 que só fui assistir pela primeira vez em 2022 estão presentes.
Deste ano, a única coisa que resolvi deixar de fora foi a obra-prima chamada “Final da Copa do Mundo entre Argentina e França”, que foi um dos maiores espetáculos audiovisuais dos últimos anos… Enfim, mantendo a tradição, segue um top 20 dos meus favoritos de 2022:
20. VORTEX (2021), de Gaspar Noé Retrato de um casal de idosos lidando com a demência da esposa e a fragilidade crescente do marido, interpretado por ninguém menos que o mestre do horror italiano Dario Argento. O filme tem aquelas frescurites do Noé, tela dividida durante todo o filme, uns blackouts, ao mesmo tempo em que é também o trabalho mais “discreto” do diretor em termos de câmera e ritmo. O resultado não deixa de ser tão amargo, barra-pessada e trágico quanto os filmes mais frenéticos de Noé.
19. OCCHIALI NERI (2022), de Dario Argento Por falar em Argento, não poderia faltar também o filme que ele dirigiu. Acho que todos que assistiram a isso aqui concordam que tá longe dos melhores trabalhos do homem, mas a essa altura do campeonato, pela idade do Argento e pelo próprio contexto histórico do cinema italiano de gênero nos últimos 20, 25 anos, é bobagem ficar esperando algo do nível de SUSPÍRIA ou PROFONDO ROSSO. Dito isso, o filme mostra que o sujeito ainda tem bala na agulha para construir um thriller tenso, divertido e cheio de novas possibilidades a serem exploradas.
18. SHIN ULTRAMAN (2022), de Shinji Higuchi Essa brincadeira do Hideaki Anno (criador de Neon Genesis Evangelion) de atualizar filmes kaiju e tokusatsus conhecidos da cultura pop japonesa ao seu imaginário peculiar tem rendido coisas curiosas. Esse SHIN ULTRAMAN, por exemplo, que Anno escreveu o roteiro e é o segundo que lançaram até o momento (o primeiro foi SHIN GODZILLA em 2016, esse dirigido por Anno), é um barato, um espetáculo de estética, cores, composições e MUITA pancadaria entre o herói do título contra monstros gigantes. Pode não ter a mesma complexidade e seriedade de SHIN GODZILLA, mas me deixou sorrindo durante toda a sessão. Agora aguardo ansiosamente por SHIN KAMEN RIDER que deverá sair em breve.
17. IN FRONT OF YOUR FACE (2021), de Hong Sang-Soo O cinema de Sang-Soo me encanta de um jeito que não sei explicar. Acho que são os pequenos detalhes, gestos, interações desajeitadas, revelações que vão surgindo em situações tão simples e banais. Uma mancha de molho numa roupa, um ponto de encontro alterado, um sonho que não se pode contar, uma gargalhada que não se sabe bem se é de desespero ou de zoeira… E nisso já tô completamente imerso nesses micro universos, diante de mais uma pequena obra gigante desse diretor que filma coisa pra cacete. Este é o primeiro filme do homem – de dois – que consta nesta lista.
16. THE BANSHEES OF INISHERIN (2022), de Martin McDonagh Muitos anos depois de IN BRUGES, McDonagh reúne novamente Colin Farrell e Brendan Gleeson para outra comédia dramática bizarra, sobre a separação complicada de dois amigos, que termina mais sombrio e melancólico que eu esperava… Gosto do McDonagh e ele novamente consegue fazer o que Michael Mann conseguiu em MIAMI VICE e Woody Allen em CASSANDRA’S DREAM: convencer a todos de que Collin Farrel é um ator de primeira.
15. VIKRAM (2022), de Lokesh Kanagaraj 2022 foi o ano que entrei numa de me interessar pelo cinema indiano de ação. Acabei não vendo tantos filmes quanto queria, mas a quantidade já foi maior do que assisti em uma década. VIKRAM é um desses exemplares que merece estar nessa lista, um thriller de ação intrigante, com personagens fantásticos, e sequências de ação de arrepiar. Vikram é um dos meus personagens favoritos do ano e o ator que o interpreta, Kamal Haasan, até pode ter aparência daquele seu tio que vive no bar com uma lata de Brahma na mão, mas o sujeito é mais cool e badass que 99% dos heróis de ação que Hollywood nos enfia goela abaixo no cinema atual.
14. KARNAN (2021), de Mari Selvaraj Mais cinema indiano… Eu posso até não entender com profundidade alguns aspectos políticos e culturais do que acontece na Índia, mas KARNAN é um filme quase didático que consegue pôr em evidência questões que as castas mais baixas enfrentam no país. Isso sem deixar de ter uma abordagem que visa em primeiro lugar o entretenimento. O que significa que a pancadaria rola solta em vários momentos. Mas o melhor do cinema indiano ainda está por vir mais aí pra baixo… Sim, serão três filmes indianos na minha lista.
13. ARMAGEDDON TIME (2022), de James Gray Um James Gray “menor” ainda é melhor que MUITA coisa que o cinema atual produz. E esse trabalho autobiográfico é um conto de moral muito bonito e bom de acompanhar, ambientado no Queens de 1980, com atuações magníficas de Anthony Hopkins, Anne Hathaway, Jeremy Strong e o jovem Banks Repeta, o sensível protagonista, que faz amizade com um garoto negro ao mesmo tempo que descobre a realidade de uma escola particular e o racismo descarado de seus colegas.
12. NOPE (2022), de Jordan Peele O que acho massa no Jordan Peele é que me parece que ele não se acomoda, é um daqueles raros diretores do mainstream hollywoodiano que não tem medo de se arriscar sem ficar seduzindo o espectador com obviedades. Aqui ele funde ficção científica, horror e faroeste para criar um novo tipo de filme de monstro. O resultado é uma obra estranha, que não tá isenta de falhas (como todo bom filme que se arrisca) mas que é enervante, perturbador e ocasionalmente engraçado, iluminado pela performance de Keke Palmer e de um estoico Daniel Kaluuya. Mas o que realmente perdura é a meditação elegíaca sobre pessoas negras em uma indústria que transformou seu sofrimento em espetáculo.
11. STARS AT NOON (2022), de Claire Denis A Claire Denis lançou dois filmes este ano. Só gostei realmente deste aqui. Um thriller político, adaptação atualizada de um romance de Denis Johnson dos anos 1980, sobre uma jornalista americana (Margaret Qualley, numa das grandes performances que eu vi este ano) à deriva na Nicarágua sob ditadura militar e atraída por intrigas misteriosas na fronteira ao se relacionar com um britânico de terno branco. O filme também abre espaço para algumas coisas que interessam à Denis, como o erotismo latente de seu cinema.
10. THE FABELMANS (2022), de Steven Spielberg Ah, esse sentimentalismo açucarado de Spielberg sempre me encanta, incomparável em sua capacidade de fazer o que em outras mãos poderia parecer muito piegas, e como transforma em arte, em filmes genuinamente comoventes. E THE FABELMANS não é diferente – um relato semi-autobiográfico da juventude de Spielberg na casa tumultuada, mas amorosa, de seus pais e sua descoberta como cineasta. A sequência final que o jovem protagonista encontra um John Ford desbocado interpretado pelo David Lynch de tapa-olho e fumando um charutão é uma das melhores do ano.
09. BLONDE (2022), de Andrew Dominik Aproveitem que essa vai ser das poucas listas de melhores do ano com BLONDE em posição tão privilegiada. Filme que gerou um certo desconforto por um suposto viés misógino, muita problematização, etc, os quais não entro em detalhes. Cada um interprete, goste ou deixe de gostar pelos motivos que quiser. Do lado de cá, gostei muito, o pesadelo hollywoodiano filmado por Dominik é uma das experiências visuais mais interessantes de 2022. E que performance da Ana de Armas!
08. AFTER BLUE (2021), de Bertrand Mandico O cinema de Mandico foi uma das grandes descobertas que fiz este ano. Mesmo atrasado. Sejam em curtas metragens psicodélicos, clipes musicais ou seu primeiro longa, o fantástico LES GARÇONS SAUVAGES, percebe-se um artista bem consciente de suas influências e do tipo de imagem que quer colocar na tela. AFTER BLUE é o seu segundo longa e pode ser definido como um faroeste sci-fi de fantasia lésbica surreal e espiritual, com estética colorida dos anos 70 e sem um único plano, composição ou enquadramento desperdiçado, que parece ter saído direto das páginas de alguma comic book européia. Muito vanguardista ou experimental para quem gosta de filmes de super heróis da Marvel, e muito filosófico e reflexivo para quem quer ver apenas bizarrices trash. Uma maravilha.
07. RRR (2022), de S. S. Rajamouli Último filme indiano da lista, prometo. Mas esse aqui não poderia faltar. Foi a sensação que conquistou os nossos corações este ano. Situado na Índia dos anos 20, ele se concentra num soldado e um aldeão que se unem contra o Império Britânico em busca de uma garota sequestrada. A partir disso, o diretor Rajamouli joga todos os ingredientes que maximizam o cinema indiano em termos de ação em escala épica e, como pano de fundo, uma bela história de fraternidade e companheirismo. Ah, e vários números musicais de encher os olhos que não poderiam faltar na receita…
06. THE NOVELIST’S FILM (2022), de Hong Sang-Soo Aqui tá o outro filme do Sang-Soo da lista. É sobre uma escritora que a partir de encontros casuais resolve fazer um filme. Tudo que disse sobre o outro lá em cima cabe aqui, os pequenos detalhes em situações banais, conversas fiadas em interações desajeitadas… Só que o nível de fascínio e imersão deste foi ainda maior.
05. AMBULANCE (2022), de Michael Bay É um VELOCIDADE MÁXIMA para a geração GTA 5. Ou uma bela maneira de matar saudades do Tony Scott, um dos caras mais influentes no cinema de Bay. O que poderia ter sido um conto de crime rápido e discreto (como o filme dinamarquês original), recebe o tratamento completo do homem: um filme de ação como uma visão poética da desunião americana contemporânea, ação essa quase ininterrupta num filme que é praticamente uma longa perseguição, com tiros, explosões e carros colidindo aos montes; Gyllenhaal tá surtadíssimo. Filmaço!
04. TOP GUN MAVERICK (2022), de Joseph Kosinski Por falar em Tony Scott, taí a continuação do clássico oitentista que dirigiu. Superou todas as minhas expectativas, é um dos filmes de ação dos mais puros, sinceros e anacrônicos do blockbuster americano dos últimos anos, com toda a carga de adrenalina que o fã do original merece. Tom Cruise tem uma dos seus melhores desempenhos como herói de ação, constrói um personagem que finalmente aceita o peso da idade, falho e mortal. As sequências aéreas, aliás, são um deleite, um espetáculo vertiginoso de tão bem filmadas e editadas. Joseph Kosinski, vou ser obrigado a te dar mais uma chance…
03. CRIMES OF THE FUTURE (2022), de David Cronenberg O aguardado retorno de Cronenberg ao seu universo do body horror só poderia resultar em coisa boa. Escrevi sobre o filme aqui. Então vou poupá-los de mais um mini-comentário. Podem continuar rolando aí pra baixo que já tá acabando.
02. THE FIRE WITHIN: REQUIEM FOR KATIA AND MAURICE KRAFFT (2022), de Werner Herzog “Eu Nunca tenho medo porque vi tantas erupções em 23 anos que, mesmo que eu morra amanhã, não me importaria”, é o que diz Maurice Krafft diante das câmeras nesse documentário que mostra como o casal Kraftt se colocava no limite para filmar vulcões de forma inacreditável. Herzog concorda “Eles desceram ao inferno para arrancar aquelas imagens das garras do próprio diabo”. Herzog é um dos meus diretores favoritos justamente por ter criado algumas das imagens mais fascinantes da história do cinema, mas aqui ele se depara com um tipo de material que nem ele mesmo conseguiu superar e as usa para dar um novo significado. Acabou criando um dos filmes mais poderosos visualmente do ano.
01. AVATAR: THE WAY OF WATER (2022), de James Cameron James Cameron tem lugar reservado no céu. E é isso. O filme que mais me fascina, que mais me empolgou, que mais me emocionou, a maior experiência que tive dentro de uma sala de cinema este ano foi AVATAR: THE WAY OF WATER. Um filme cheio de emoção e ideias para absorver e, sim, um épico de ação sublime. Ao longo de mais de uma década fico feliz em perceber que Cameron não perdeu o tato pra contar boas histórias, par a criar personagens cativantes, não perdeu o senso de grandeza do tipo de aventura que se propõe a criar e, principalmente, não perdeu o talento para fazer de cada plano, cada imagem, cada frame de AVATAR: THE WAY OF WATER uma experiência visual arrebatadora.
Enfim, o ano acabou. Já não quero saber de mais nada. Em 2023 retornamos. Sigam-me no instagram e outras redes. Tem uns links aí do lado. Até breve.
Esse aqui é a continuação de um filme que postei outro dia, 976-EVIL, ou FORÇA DEMONÍACA, ou como o amigo leitor Anselmo Luiz prontamente lembrou nos comentários, que o filme foi exibido por aqui no Cine Trash da Band como LINHA DIRETA PARA O INFERNO. Enfim, o que importa agora é que eu finalmente assisti a PERSEGUIÇÃO DEMONÍACA, ou FORÇA DEMONÍACA – LINHA DIRETA PARA O INFERNO 2 (976-Evil II), que apesar de não ser melhor que o filme original, é uma boa brincadeira.
Não tinha como dar errado, já que o diretor é o Jim Wynorski (como frisei no post do primeiro filme), mestre dos filmes B nos anos 80 e 90, que dirigiu clássicos como CHOPPING MALL (1986), filme sobre robôs assassinos vagando por um shopping e que, prometo, ainda vou escrever algumas coisas por aqui, e NOT OF THIS EARTH (1988), remake estrelado por Traci Lords do original de Roger Corman de 1957 e que já postei por aqui há alguns bons anos. depois cliquem aqui, porque eu já escrevi sobre vários filmes do Wynorski no blog. E pretendo escrever mais…
Eu gosto demais do Wynorski, como já devem ter notado, e já nos primeiros primeiros dois minutos de PERSEGUIÇÃO DEMONÍACA dá pra perceber alguns motivos… Temos de cara algumas assinaturas de Wynorski impressas na tela: MOMENTO BORRACHARIA.
Nudez gratuita, uma moça no chuveiro, depois vestindo uma camiseta molhada sendo perseguida em corredores escuros por um indivíduo sobrenatural maligno. Sim, é um pouco insípido, mas é do Wynorski que estamos falando aqui. E também de terror do início dos anos 90… Então, por favor, não me venham com moralismo.
Pra compensar, a sequência termina com a moça de pouca roupa sendo assassinada no teatro da faculdade, onde o cenário de uma peça de Fausto está preparado… Então temos aqui o melhor dos dois mundos wynorskiano resumidos em uma cena. A essência do cinema de Wynorski: a mistura perfeita do Wynorski diretor de filmes de arte com o Wynorski diretor safado.
O enredo dessa continuação gira em torno do reitor (René Assa) dessa faculdade onde aconteceu essa abertura fantástica, que acaba se tornando a tal figura maligna, que mencionei ali em cima, depois de começar a fazer ligações para a mesma linha direta do Horrorscope do primeiro filme. Como resultado, desenvolve alguns poderes sobrenaturais, incorporando algum tipo de demônio, que o leva a matar alguns alunos. Não demora muito para acabar atrás das grades, mas nem isso segura o sujeito. Enquanto seu corpo físico está na prisão, seu espírito (ou algo assim) atravessa as grades da cela para continuar tocando o terror.
Temos o retorno de Spike, o jovem sobrevivente do primeiro filme, novamente interpretado por Patrick O’Brien (ainda fazendo uma imitação de um James Dean oitentista fajuto), que reúne forças com Robin (Debbie James), a filha do delegado da cidade e estudante da faculdade dirigida pelo reitor dos infernos. Os dois passam o filme inteiro mantendo alguma tensão sexual e, claro, tentam descobrir como capturar, matar, destruir – ou seja lá o que se faça com os espíritos do mal – o reitor possuído.
PERSEGUIÇÃO DEMONÍACA não é um filme perfeito, mas eu só tenho elogios a fazer. Wynorski realizou um filme muito melhor do que precisava. É como se ninguém dissesse à ele que isso aqui deveria ser apenas uma sequência descartável de um filme que ninguém mais lembrava para ser exibida na TV a cabo tarde da noite. E o que o Wynorski faz? Bom, é um sujeito que eu já disse antes que tem talento para além da safadeza e tosquice que são seus filmes, que sabe trabalhar com criatividade nas mais adversas produções, com baixíssimos orçamentos… Quero dizer, claro que aqui não deixa de ter um pouco de tosquice e safadeza (algo que tá até bem abaixo da média dos filmes do diretor) mas também há uma direção genuinamente criativa e muitas coisas interessantes acontecendo na tela.
Há uma perseguição de carros no meio do filme que é muito maior e melhor do que eu esperaria de uma produção com esse orçamento. Foi aqui também que Wynorski, que é um sujeito esperto, filmou uma sequência na qual Spike com sua motocicleta explode um caminhão com dinamite e que o diretor reaproveitou as imagens para inserir neste outro filme que já comentei aqui. Gênio da picaretagem.
E de alguma forma, alguém deu a Wynorski os direitos de usar cenas do clássico ACONTECEU NAQUELA NOITE, do Frank Capra, numa das sequências mais incríveis de PERSEGUIÇÃO DEMONÍACA, quando a amiga de Robin é sugada para sua televisão e se vê participando de uma mistura bizarra entre ACONTECEU NAQUELA NOITE e A NOITE DOS MORTOS VIVOS, do Romero. Sério, é uma ideia legitimamente boa e criativa. Em algum lugar, o Capra deve estar se contorcendo no seu túmulo, mas tudo bem…
Algumas aparições de figuras notáveis do cinema B do período também tornam as coisas mais divertidas em PERSEGUIÇÃO DEMONÍACA, como Monique Gabrielle, uma das musas scream queen dos anos 80 fazendo uma advogada; George ‘Buck’ Flower, que tem uma morte terrível por aqui; e numa das melhores sequências do filme, Spike vai a uma livraria de ocultismo chamada Lucifer’s e descobrimos que ela é administrada por ninguém menos que Brigitte Nielsen.
Se alguém por aí é, de alguma forma, o público deste tipo de tralha, admira o trabalho do Jim Wynorski, então fica a recomendação. PERSEGUIÇÃO DEMONÍACA é curto, bobinho, barato, o ritmo é bom, as mortes são frequentes e algumas bem sangrentas – repito: fiquem de olho na morte do ‘Buck’ Flower. Os efeitos especiais são pobres, mas funcionam, possuem o charme que só esse tipo de filme proporcionava. Quase nunca o filme cai em momentos de tédio. É tudo o que poderia querer da continuação de um filme que ninguém se lembra e que ninguém pediu, feita com baixo orçamento por um mestre do B Movie americano no início dos anos 90.
AVATAR: O CAMINHO DA ÁGUA: Como disse no post anterior, estou ansioso pra ver.
ELVIS: Do jeito que eu odeio o Baz Luhrmann, é capaz de demorar muito pra ver isso aqui. Tenho outras prioridades…
OS FABELMANS: Outro que quero muito ver. Spielberg raramente me decepciona.
TAR: Preguiça absurda de ver isso aqui.
TOP GUN: MAVERICK: O único que assisti por enquanto, o que demonstra o quão inútil é esse post… Mas achei legal a indicação desse novo TOP GUN, é um dos meus favoritos do ano, não apenas de ação. Um dos mais puros, sinceros e anacrônicos exemplares do gênero lançados recentemente na seara do blockbuster americano, com toda a carga de adrenalina que o fã do filme original merece. Tom Cruise constrói um personagem que finalmente aceita o peso da idade, falho e mortal… Se seu personagem em MISSÃO IMPOSSÍVEL parece de alguma forma indestrutível, Maverick se sente perto de ultrapassar seus limites, um ponto sem retorno, correndo risco de não conseguir desviar dos mísseis inimigos, suando e bufando pra fazer as manobras no cockpit. Sem deixar de ser badass, é claro. As sequências aéreas, aliás, são um deleite, um espetáculo vertiginoso de tão bem filmadas e editadas. Me deu até vontade de rever…
MELHOR FILME – MUSICAL/COMÉDIA
BABILÔNIA: Filme do Damien Chazelle, né? Até gosto de WHIPLASH, mas não vejo graça alguma no que ele fez depois. E esse aqui tá com uma cara de filme do Baz Luhrmann e, bom… Eu odeio o Baz Luhrmann.
OS BANSHEES DE INISHERIN: Quero muito ver. Qualquer coisa dirigida pelo Martin McDonagh eu vou aguardar ansiosamente. Este aqui ganhou melhor roteiro e melhor ator (Collin Farrell) no último festival de Veneza.
TUDO EM TODO LUGAR AO MESMO TEMPO: É o “filme do momento” de 2022. Talvez até ganhe nessa categoria… Mas querem saber? Achei um porre. Num primeiro momento até estava interessado, mas depois que o filme se transforma num comercial do Itaú de uma hora e pouco, a única coisa que eu desejava era que chegasse ao fim e acabasse a tortura… Puta filme chato.
GLASS ONION: UM MISTÉRIO KNIVES OUT: O primeiro KNIVES OUT é até ok. Vou acabar assistindo isso aqui em algum momento. Mas não tenho pressa alguma.
TRIÂNGULO DA TRISTEZA: Filme que ganhou a Palma de Ouro em Cannes deste ano. Tem seus momentos, especialmente todo o arco que se passa no iate, sobretudo quando o Woody Harrelson tá em cena. Mas num geral, é um filme muito besta, filme de mensagem ideológica óbvia, longo pra cacete, metido a espertinho. Tenho paciência pra esse tipo de coisa não. Mas pelo menos é melhor que o THE SQUARE, filme anterior do mesmo diretor, que é um lixo completo.
MELHOR FILME ESTRANGEIRO
RRR (Índia): O filme que me fez rever meus conceitos sobre o cinema de ação indiano e ir atrás de outras coisas do lado de lá. Eu não tenho nem palavras pra descrever o espetáculo que é RRR e o talento do diretor S.S. Rajamouli na criação de algumas das sequências mais emocionais, fascinantes e divertidas do ano. Como disse o Hideo Kojima, é um filme que nos faz lembrar do poder do entretenimento. Altamente recomendado.
NADA DE NOVO NO FRONT (Alemanha): Eu já devia ter visto. Adoro o romance de Erich Maria Remarque e até parei pra ver recentemente o clássico de 1930, de Lewis Milestone, que ganhou o Oscar de melhor filme naquela ocasião, e que eu nunca tinha assistido. Tenho visto alguns elogios à essa nova versão, então é só criar vergonha na cara mesmo pra assistir…
ARGENTINA, 1985 (Argentina): Não li nada a respeito e não sei do que se trata. Mas a patroa viu e disse que era pra eu ver, que eu ia gostar. Então, vou ver.
CLOSE (Bélgica): Não fazia nem ideia da existência desse filme até começar a escrever este post. E provavelmente vou continuar sem saber…
DECISION TO LEAVE (Coréia do Sul): Ainda respeito o Chan-wook Park pelos filmes de início de carreira, como OLDBOY e ZONA DE RISCO, mas se tem um cara que tem dado uma preguiça de acompanhar atualmente, é ele… O nível de seu cinema tem caído na mesma proporção que seus filmes têm ficado looooongos. Não são exatamente ruins, mas uma podada, alguém pra dar uns toques pra cortar umas cenas, ia ajudar muito o resultado. Enfim, este aqui tá nesse balaio. Tem umas coisas boas, mas no fim das contas, é mais um filme interminável e chato do homem…
DOIS INDICADOS DE INTERESSE:
THE WHALE: Curioso pra ver a performance elogiadíssima do Brendan Fraser nesse aqui, concorrendo a Melhor Ator – Drama. Sem contar que gosto bastante do diretor Darren Aronofsky. Se for na mesma pegada que THE WRESTLER, já tá bom demais.
BLONDE: Esse eu vi. Torcendo pela Ana de Armas, indicada como Melhor Atriz – Drama, na sua magnífica transformação em Marilyn Monroe, no pesadelo filmado por Andrew Dominik. Filme que gerou um certo desconforto por um suposto viés misógino, muita problematização, etc, os quais não entro em detalhes. Cada um interprete, goste ou deixe de gostar pelos motivos que quiser. Do lado de cá, gostei muito, uma das experiências visuais mais interessantes do ano. E que performance da Ana de Armas!
Só tinha assistido AVATAR uma única vez nos cinemas na época do lançamento, no final de 2009. Então, agora que finalmente vamos ter a tão aguardada continuação resolvi rever. Naquela época não saí do cinema com a mesma empolgação de algumas pessoas. Tinha curtido, mas considerei o filme o “menos bom” do Cameron. Como eu adoro tudo que o cara fez, obviamente não queria dizer que eu não tivesse gostado. Ao contrário. Inclusive cheguei a elogiar bem o filme aqui no blog na época (quando ainda atualizava no blogspot e o blog se chamava Dementia 13). Depois da revisão de agora, continuo com a opinião de que se trata do mais “fraco” do diretor (aliás, eu cheguei a revisitar toda a filmografia do Cameron este ano), mas essa revisão de AVATAR só confirma a minha admiração pelo filme. Muito mais que a primeira vez que vi.
Não vou entrar muito na questão técnica “revolucionária” do filme. Quero falar da experiência de rever a obra. Até porquê esse ponto já foi tratado à exaustão na época do lançamento, em como Cameron sempre se propõe a profundas alterações no aspecto técnico da sétima arte, e trabalha quase como um engenheiro desenvolvendo novas tecnologias para poder filmar (motivo pelo qual o segundo filme demorou tanto para ser produzido). Utilizou, portanto, tecnologia de ponta para renderizar esse universo, personagens e imagens num 3D que realmente encheu os olhos lá em 2009… Passado mais de uma década, o legado de AVATAR está aí, para o bem e para o mal, nos efeitos especiais, sobretudo no cinema blockbuster americano. A coisa ficou tão saturada que ver AVATAR pela primeira vez hoje talvez nem tenha tanto impacto de caráter de surpresa e inovação.
No entanto, e mais importante, o filme ainda deve ter impacto de caráter poético visual. Porque, afinal, o mundo criado por Cameron continua um negócio simplesmente espetacular, de uma exuberância quase subversiva. Nesse sentido AVATAR funciona muito até hoje.
Tá tudo tão intacto que até mesmo as ressalvas de 2009 as tenho em alguma medida: os diálogos piegas, o enredo pouco sutil, tudo é mastigadinho e vários personagens são o cúmulo do arquétipo e estereótipo que remete a uma porção de filmes, obras literárias, quadrinhos na qual o protagonista se bandeia para o lado do “selvagem”. Reciclar obras alheias e fazer essa mistura de referências nem é um problema pra mim, mas discorrer tudo isso numa longa e desnecessária duração que não traz nenhuma novidade narrativa também me leva a considerar AVATAR um nível abaixo do restante da filmografia de Cameron…
E, no entanto, tudo isso fica ofuscado pelas qualidades do filme. Foi uma experiência fascinante estar envolvido novamente pela exuberância de AVATAR; em como num nível mais superficial continua sendo uma ótima aventura de ficção realmente empolgante, com momentos de tirar o fôlego; e como ainda fico maravilhado com um cineasta que dirige bem, que tem total domínio do espetáculo, e deposita tanta paixão e energia para a criar esse universo, com esse esplendor visual imponente, para contar essa história com tanto amor… Cameron pode não ser o mais original dos diretores, mas sabe como elaborar um grande evento cinematográfico autoral que não sacrifica o prazer do entretenimento. Vamos torcer para que Cameron não tenha perdido isso…
Alguns momentos continuam notáveis. A batalha final, por exemplo, eu nunca me esqueci, com aquele plano do cavalo em chamas, ou o clímax que rola o confronto entre o coronel Miles Quaritch (Stephen Lang) e Jake (o protagonista do filme, vivido por Sam Worthington). Mas não lembrava como a sequência da destruição da Árvores das Almas é tão poderosa. Um espetáculo visual sem precedentes, com o coronel comandando a destruição em uma das naves, tomando uma caneca de café quentinho, assistindo a gigantesca árvore indo abaixo e uma raça inteira alienígena, os Na’vi, fugindo desesperada. Stephen Lang, aliás, é uma das melhores coisas do filme. Apesar do clichê de militar truculento, é um vilão fantástico, entregando algumas pérolas na sua performance, genuinamente ameaçador.
Sobre alguns temas, a abordagem política do filme é sentida de forma palpável, sem muita sutileza: o retrato sombrio da ganância corporativa; preocupação com a natureza; mostra-nos o homem que procura alargar o seu campo de ação e riqueza, e as catástrofes que daí advêm, já que é incapaz de respeitar os ambientes que o acolhem. Tudo bem óbvio, mas que funciona. Há também uma boa reflexão sobre gameficação. E embora haja um exotismo na representação dos Na’vi que permanece até hoje, acredito que eles possuem mais texturas, com uma cultura e uma ideia real sobre as coisas, que eu já não lembrava. O que deixa tudo mais interessante.
E é um bom presságio para as sequências de AVATAR. Uma expansão de mundo com um senso de detalhes não apenas de quem são os Na’vi, mas de como todo esse ecossistema funciona, sua flora e fauna e a curiosa ciência que governa o planeta Pandora. A obsessão do diretor serve bem à AVATAR; ele tenta expandir tanto esse universo, criando desde um pequeno inseto até o seu aparelho respiratório, que dá até pra ignorar a fórmula genérica e clichê de sua narrativa. Quero dizer, eu consegui ignorar, por isso achei o filme tão fascinante nessa revisão. Mas não tenho dúvidas de que muitas pessoas vão acabar achando AVATAR tão ruim quanto naquela época, ou até pior, numa revisão.
Enfim, essa foi uma maneira – mais longa do que eu tinha planejado – de dizer que estou bastante animado com a sequência, em retornar ao universo tão vívido criado por Cameron, agora em AVATAR: O CAMINHO DA ÁGUA. Recomendo uma revisão deste aqui, caso estejam interessados em ver a continuação e também estavam na mesma situação que eu, que só havia assistido na época do lançamento. Reafirmo que sempre gostei de AVATAR, mas acabei descobrindo um filme bem melhor do que lembrava nessa revisão. Ainda que esteja no final da fila da filmografia do diretor. Tudo bem, o sujeito até hoje não errou e tem várias obras-primas no currículo. Talvez AVATAR: O CAMINHO DA ÁGUA também seja. Vamos descobrir em breve.
O querido ator e diretor guarulhense Rubens Mello está finalizando seu primeiro longa-metragem, uma mistura de horror com comédia deliciosamente chamada A NOITE DAS VAMPIRAS.
Sinopse: Justine é uma jovem que foi criada por pais adotivos. Em sua vida adulta, tornou-se uma atriz que faz muito sucesso em comerciais de TV. Em certo momento, recebe um convite para conhecer sua família biológica. O encontro se dá às vésperas de uma festa, que acontece anualmente, para celebrar o sucesso do açougue gerido pela sua família. Mas, o que era para ser apenas uma reaproximação com sua verdadeira família, torna-se algo sinistro e bizarro, onde coisas absurdas e engraçadas acontecem, levando Justine a conhecer o verdadeiro segredo do sucesso dos negócios da família.
Sabe aquela máxima que usamos quando relatamos uma história interessante que aconteceu e percebemos que o relato nunca vai ser suficiente pra deixar, seja lá quem for, tão fascinado quanto nós, que vivenciamos o fato? Dizemos algo do tipo: “Você tinha que estar lá pra ver“… O mesmo vale para filmes. Vocês simplesmente tinham que estar lá quando tal filme foi lançado nos cinemas, ou nas locadoras – antes que seu impacto fosse diluído pela repetição e imitação – para entender porquê aquele tal filme foi bem sucedido, ou foi um fenômeno, até hoje se fala dele, etc…
Isso tudo me remete ao caso de O FUGITIVO (The Fugitive), de Andrew Davis, que finalmente revi depois de mais de vinte anos…
Assistí-lo hoje pela primeira vez pode até dar a impressão de um filme banal e repetitivo, mas se vocês estiveram lá na época do lançamento, lembram que se tratou de um dos grandes acontecimentos do cinema blockbuster da primeira metade dos anos 90, com uma massiva campanha de marketing, cartazes e revistas estampando o Harrison Ford correndo de alguma coisa, e o trailer passando até na TV aberta… O FUGITIVO foi um enorme sucesso de bilheteria, foi bem elogiado pela crítica, teve o Tommy Lee Jones ganhando o Oscar de ator coadjuvante, e o próprio filme foi indicado para a categoria principal de Melhor Filme (perdeu para A LISTA DE SCHINDLER). O filme em si, apesar de não ter nada de original, foi um dos exemplares responsáveis por modelar a estética do thriller de ação dos anos 90, influenciando uma penca de filmes a partir dali. Então acho que dá pra ter uma noção do que foi O FUGITIVO. Do seu impacto. Mas “Você tinha que estar lá pra ver“…
A trama, acredito, todo mundo conhece. Até quem nunca viu. Baseado numa série de TV dos anos 60, temos uma trama meio Hitchcockiana sobre Richard Kimble (Ford), um médico que se vê fugindo da lei após o assassinato brutal de sua esposa, tentando provar sua inocência ao mesmo tempo em que precisa encontrar o real assassino. E como na série de TV, o público nunca duvida da inocência do sujeito ou mesmo de sua crença de que o verdadeiro perpetrador é um “homem de um braço”.
Kimble é o herói perfeito – combinando inteligência com notável resistência física e um toque de compaixão – e o fato de ser interpretado por Harrison Ford, ator que sempre teve o dom de causar o nível certo de empatia, para não mencionar um astro já alojado na cultura pop com personagens como Han Solo e Indiana Jones, ajuda muito. Então acabamos comprando a perfeição do bom Dr. Kimble sem muita dificuldade. E Ford tá realmente ótimo no papel.
Mas, como um bom filme de policial, um bom filme de perseguição, a coisa realmente prospera quando o herói tem a contraparte certa como desafio. Sam Gerard de Tommy Lee Jones, o US Marshall que passa o filme inteiro obstinado no rastro de Kimble, é um adversário digno, tão afiado e tão duro quanto sua presa. Talvez seja o indivíduo mais mais humano do filme, um homem dividido entre o dever e a crença pessoal. Jones é tão bom que (além de ter ganhado o Oscar, como já mencionei) o personagem chegou a assombrar sua carreira. Ele o reprisou oficialmente no filmaço US MARSHALS, de 1998, mas esse tipo de personalidade o seguiu durante muito tempo em filmes como MIB – HOMENS DE PRETO (97), o petardo de William Friedkin CAÇADO (03), que é quase um terceiro capítulo espiritual deste aqui, e já mais envelhecido em ONDE OS FRACOS NÃO TÊM VEZ (07).
A relação que se estabelece entre Gerard e Kimble é bem mais interessante do que aquela entre Kimble e a figura do vilão real do filme (seja o homem de um braço ou o verdadeiro mandante que a trama revela), o que pode ser o motivo pelo qual o clímax do filme, a troca de socos entre herói e vilão permaneça menos na mente do que muitos dos momentos compartilhados entre Kimble e Gerard ao longo da caçada, como por exemplo a já clássica sequência dos túneis da represa, onde ocorre o primeiro contato dos dois e que culmina com Kimble se jogando de uma altura considerável…
“Ui, ui, mas era pra ele ter morrido na queda, ninguém sobrevive pulando de uma altura assim, blá, blá, blá”… O tipo de coisa que eu passei décadas ouvindo. Mas a minha resposta é sempre a mesma. Meu amigo, se você quiser realismo, eu posso indicar uns bons documentários.
Já elogiei por aqui no blog o trabalho do diretor Andrew Davis. Um sujeito que faz filme com Chuck Norris e dois dos melhores veículos de Steven Seagal merece sempre meu respeito. Aqui consegue se sair muito bem, demonstrando suas habilidade sob a batuta de um grande estúdio, onde tudo é super controlado e é difícil deixar alguma impressão pessoal. Mas o Davis nunca foi um diretor autoral, então tá em casa. De todo modo, Davis tava inspirado: tudo em O FUGITIVO é filmado e editado com uma intensidade para desgastar os nervos e aumentar o pulso. A câmera sempre se move, enfatizando a emoção da perseguição e as relações de poder entre a presa e o predador.
Sequências como a fuga de Kimble depois que o ônibus da prisão capota na floresta e vai parar em cima da linha do trem e o sujeito precisa pular pela janela um segundo antes de uma locomotiva acertar em cheio o veículo é praticamente uma aula de tensão… Dessas imagens do cinema de ação que permeia sempre meu imaginário do gênero nos anos 90.
Ainda assim, não acho que o grande trunfo de O FUGITIVO seja a ação, mas sim a força do seu elenco e a capacidade de contar uma boa história. Temos participação de figuras como Julianne Moore, Joe Pantoliano, Jeroen Krabbé, mas são mesmo os gigantes Harrison Ford e Tommy Lee Jones que definem as coisas por aqui por meio de puro carisma, atuando numa narrativa clássica que realmente funciona e que tem peso dramático e atenção aos detalhes. E que ao mesmo tempo entrega emoções.
O FUGITIVO não chega a ser nenhuma maravilha, mas é o tipo de filme que, apesar da influência no período, é cada vez mais raro de se encontrar nos dias de hoje… Uma produção grandiosa à sua maneira, mas não inchada de trocentas horas; um thriller inteligente e eficaz, embora com algumas conveniências de roteiro, mas de tirar o fôlego do início ao fim e que consegue atrair a atenção de um grande público, sem dar a impressão de que os realizadores pensam que o espectador é idiota. Em suma, um filmaço que valeu a pena rever, do tempo em que contar boas histórias era regra básica para se fazer um filme em Hollywood.
Outro dia tava revendo esse filme do Coppola que já tá completando três décadas. E, mais uma vez, fiquei maravilhado como da primeira vez que vi, quando era moleque, mais ou menos na metade dos anos 90… Essa sequência de abertura em especial simplesmente me deixa sem chão.
Podem dizer o que quiser, eu sei que quando se discute a carreira do Coppola, muita gente já enche a boca pra destacar a trilogia O PODEROSO CHEFÃO e APOCALYPSE NOW como as obras primordiais do homem. E provavelmente essas pessoas estão certas. Sobretudo APOCALYPSE NOW e O PODEROSO CHEFÃO – PARTE III são dois dos maiores filmes já feitos na história.
No entanto, é DRÁCULA DE BRAM STOKER (Bram Stoker’s Dracula, 1992) que certamente está entre as maiores realizações pessoais do diretor.
Na edição de novembro de 1992 da Fangoria – cuja capa se refere ao filme em questão como “O evento de horror da década!” – apresenta uma entrevista com o Coppola, que fala sobre sua tentativa de fazer um filme experimental a partir do romance de Bram Stoker, enquanto o estúdio queria um grande e luxuoso filme de terror de primeira linha. Coppola vinha de uma década de fracassos, não podia ficar de molecagem, mas o próprio filme demonstra que ele conseguiu algo. Ao final da entrevista, ele conclui:
“A ironia é que mesmo que este filme não tenha sido tão experimental como eu planejei originalmente – eu consegui talvez 40 % do que eu queria – ainda não é um filme convencional. Certos aspectos dele escaparam de mim, ficaram maior do que eu pretendia; eu estava pensando em fazer uma versão menor, estranha e artística, e o que eu consegui é uma versão grande, estranha e artística.“
Caso familiar de eventos na carreira de Coppola: a intenção de fazer um filme menor fugir de seu controle e se transformar em algo muito mais extravagante, épico e suntuoso… Nesse caso, porém, DRÁCULA acabou sendo um raro sucesso de sua carreira pós anos 70, em grande parte graças ao conceito estético da coisa. O homem de alguma forma convenceu um grande estúdio a trazer à vida uma visão experimental do horror para um público então desavisado, que achava que receberia uma super produção tradicional do gênero (e que foi bombardeado na época com uma massiva campanha de marketing), mas que acabou se deparando com um triunfo de vanguarda estética das mais radicais, barrocas, revolucionárias e inventivas no cinema mainstream americano.
E acho que é exatamente isso que mantém DRÁCULA tão vivo até hoje. Mesmo para quem nunca o assistiu e o ainda fará pela primeira vez (e por favor, se alguém aí ainda não viu, faça imediatamente), o que salta aos olhos de maneira instantânea são os mesmos elementos formais pelos quais o filme foi aclamado e premiado há trinta anos.
O sucesso é antes de tudo visual com uma das estéticas góticas mais extravagantes já vistas, um primor de direção de arte, fotografia, exuberância de cores, cenários, figurinos, composições visuais meticulosamente trabalhadas, montagem complexa, efeitos visuais ópticos à moda antiga, buscando mais pureza nas trucagens, na arte de fazer um cinema mais artesanal, com maquetes, teatro de sombras, maquiagens, sobreposição de imagens estilizadas… Ou seja, o que mantém a grandeza de DRÁCULA é esse esforço de Coppola em contar essa história em termos puramente visuais. São duas horas de um festival sensorial que sintetiza o cinema de horror como arte.
Coppola teria ainda delegado bastante responsabilidade ao seu filho Roman Coppola, que teria sido um dos cabeças dos efeitos especiais e também diretor de segunda unidade e que quase poderia ser descrito como um diretor não oficial de DRÁCULA. Tudo isso depois que Coppola demitiu a equipe original de efeitos especiais, que não conseguiu acompanhar as ideias artesanais que o homem queria pro seu filme.
Toda essa ideia de fazer efeitos especiais arcaicos é claramente uma forma de homenagear o próprio cinema e transcender suas inspirações, as outras grandes obras que adaptaram o mito de Drácula para a tela grande, desde os clássicos da Universal aos filmes da Hammer, mas também da poesia fantástica francesa com A BELA E A FERA, de Jean Cocteau. E, claro, NOSFERATU, de Murnau. Apesar de que ao mirar nesse filme do Murnau, Coppola parece ter acertado mais em FAUSTO. Quem assistiu aos filmes do alemão vai perceber…
Uma coisa que não lembrava tanto aqui é como o filme é intensamente erótico. Sexo e morte sempre andaram de mãos dadas no cinema de horror (especialmente quando se trata do subgênero “filmes de vampiro”), mas Coppola trabalha num nível quase fetichista de fantasias libidinosas. O encontro inicial de Jonathan Harker (Keanu Reeves) com as Noivas do Conde (entre elas uma jovem Monica Bellucci) é de matar um idoso do coração, com o leito dando lugar a corpos emergentes que se entrelaçam; bocas, línguas, braços, pernas, seios se encontram antes de Drácula enxotá-los, reivindicando para si o rapaz desnorteado.
A personagem de Lucy (Sadie Frost) nessa versão também dá uma alegrada, toda sapeca, rindo com Mina (Winona Ryder) depois de deixar cair uma cópia do Kama Sutra, antes de acariciar a faca de um de seus pretendentes, dizendo a ele que não pode acreditar o quão grande é. Na verdade, todos os principais temas que geralmente são suprimidos ou mascarados em versões antigas do mito de Drácula adaptadas para o cinema estão aqui de forma mais explícita: a estreita relação da maldição do vampiro com o sexo, AIDS, drogas, além do progresso da medicina, espiritualidade, religião, etc.
É fácil esquecer, dado o número de mudanças em centenas de adaptações que Drácula teve ao longo da sua existência, que não há uma única interação romântica entre o personagem título e Mina Harker no romance de Stoker. O Conde não tem nenhum interesse nela, além do desejo de se banquetear com seu sangue e transformá-la em uma de suas noivas. Ela é apenas a vítima de um predador;
Mas aqui o olhar de Drácula é a de um amante. De repente, não estamos mais assistindo as façanhas de um monstro sem alma, mas sim um espírito assombrado, alimentando desesperadamente sua jornada através de épocas para alcançar o destino de possuir aquela que ele perdeu há muito tempo.
E a história de amor entre Drácula e Mina, apesar de cafona, até que é boa de acompanhar, com alguns momentos tocantes, como o primeiro encontro dos dois, seguido da cena no cinema; ou a sequência em que Mina se entrega ao sujeito e bebe seu sangue. Coppola realmente conseguiu fazer do personagem um indivíduo trágico através desta história e causar um sentimento misto, no qual queremos tanto vê-lo perecer por seu lado maligno quanto em reencontrar o seu amor.
Sobre o elenco, A primeira coisa que as pessoas costumam lembrar para difamar o filme é, claro, a atuação de Keanu Reeves como Harker. Sabe-se que Coppola queria Johnny Depp para o papel, mas o estúdio não achava que ele tinha o nome forte o suficiente na época. O próprio Reeves diz que não gosta de sua atuação aqui, vinha de uma série exaustiva de trabalhos e quando filmou DRÁCULA estava esgotado, não conseguiu entregar algo melhor. Mas não acho que chega a prejudicar, embora não seja mesmo das suas melhores performances.
Mas para além disso, curto praticamente todos os rostos que aparecem por aqui, especialmente Anthony Hopkins, obviamente, no papel de um Van Helsing divertido e astuto.
Outros destaques do elenco incluem Tom Waits interpretando Renfield como um comedor de insetos, e Sadie Frost, que, como já falei, assume o papel de Lucy, personagem tipicamente ingrato da melhor amiga da protagonista, que Drácula seduz primeiro, mas que aqui acaba tornando algo especial. É uma das minhas personagens favoritas do filme.
E enquanto isso, a própria personagem Mina não exige tanto de Ryder na maior parte do tempo. Ela tá ótima, mas acho suas outras performances do período muito mais interessantes…
É Gary Oldman, porém, quem rouba o filme e seus talentos camaleônicos são perfeitos para o Drácula como concebido aqui. Conseguindo atuar de forma convincente através dos vários designs complexos de maquiagem, Oldman é igualmente expressivo como um Drácula idoso decrépito, um jovem galã vitoriano ou um morcego de 1,80 m de altura. Suas cenas românticas com Ryder lembram aqueles livretos de banca, Harlequin, A Paixão de Jéssica, O Moinho do Amor, coisas do tipo, mas ele é persuasivo o suficiente para que, quando expõe seu peito e rasga um teco para Mina beber seu sangue, seja possível perceber que ela realmente tá a fim do cara.
É provável que DRÁCULA tenha sido um dos primeiros de uma onda de filmes de vampiros dos anos 90, como ENTREVISTA COM O VAMPIRO, que adotaram uma abordagem gótica, sombria, mas ao mesmo tempo romântica, que atraíam o público jovem do período.
Anos depois, é fácil traçar uma linha desse tipo de filme até, sei lá, a série CREPUSCULO, embora os fãs de DRÁCULA provavelmente zombem dessa comparação. A verdade é que eles exploram as mesmas fantasias. Porém, é muito provável que em comparação com a sexualidade casta de Stephanie Meyer, o filme de Coppola é praticamente pornográfico… Pessoalmente, nunca vi esses filmes dessa saga.
Enfim, a única parte negativa disso tudo é notar é que este aqui foi o último grande filme do diretor. Coppola até possui vários ótimos trabalhos depois, como TETRO, mas nada que chegue aos pés de DRÁCULA. E lá se vão trinta anos…
Já tinha assistido a FORÇA DEMONÍACA (976-Evil) antes, já faz alguns bons anos, e queria ver a continuação, que é dirigido pelo Jim Wynorski. O que pra mim é obrigatório. Nem sei porque ainda não vi. Só que eu não lembrava de quase nada deste primeiro filme. Então, cá estou, resolvi compartilhar essa revisão com meus caros cinco leitores… “Mas que raios de filme é esse?” alguém deve estar se perguntando.
Escrito por Brian Helgeland e Rhet Topham, FORÇA DEMONÍACA deveria gerar algum interesse dos fãs de terror simplesmente porque é a estreia na direção de um certo Robert Englund. Sim, o próprio Freddy Krueger arranjou um tempinho entre as continuações de A HORA DO PESADELO e se meteu atrás das câmeras.
Aparentemente, Robert Englund dirigiu FORÇA DEMONÍACA simplesmente porque queria fazer, foi o filme que surgiu da sua mente. Não tem nenhuma ligação com produtores de A HORA DO PESADELO, não teve nenhum acordo do tipo “aparecer em mais um filme como Freddy Krueger e em troca poder dirigir um filme”… Nada. Englund conhecia os roteiristas, vomitou todas as ideias que tinha e assim foi surgindo FORÇA DEMONÍACA.
No entanto, como não poderia ser diferente, após alguns anos encarnando um dos maiores ícones pop do horror dos anos 80, sua estreia na direção acaba tendo uma dose de influência da série de filmes criada por Wes Craven… A inspiração em A HORA DO PESADELO é bem óbvia.
A história gira em torno de Hoax (Stephen Geoffreys), um tipo nerd, deslocado, que ainda dorme de pijama e não pode comer chocolate no sofá da sala, totalmente dominado por sua mãe fanática religiosa, vivida por Sandy Dennis – Oscar de melhor atriz coadjuvante em 1967 por QUEM TEM MEDO DE VIRGINIA WOOLF?. Além disso, o moleque é impiedosamente intimidado pelos bad boys do ensino médio da escola. A única luz na sua vida é seu primo rebelde Spike (Patrick O’Bryan), uma espécie de James Dean oitentista, que anda pela cidade numa Harley, aumentando suas dívidas nos círculos de pokerunderground.
Tudo que Hoax quer é ser como seu primo, ou pelo menos tê-lo sempre por perto, lhe protegendo… Depois de se humilhar na frente da namorada de Spike, Suzie (a maravilhosa Lezlie Deane), quando ela descobre que ele roubou suas roupas íntimas, Hoax recorre a uma linha telefônica de auto ajuda chamada Horrorscope, que utiliza o tal 976 do título para fazer as chamadas (nos anos oitenta esse tipo de prefixo “9 alguma coisa” era extremamente popular nos Estados Unidos), para obter algum consolo. Depois de seguir o conselho da misteriosa linha de apoio, o rapaz lentamente começa a se transformar em uma poderosa criatura demoníaca e assim começa sua busca por vingança.
Começando um pouco inseguro de si mesmo, meio sem saber definir o tom, o filme eventualmente se transforma num produto de terror bastante agradável, que se eleva acima do pequeno orçamento e diverte com esse conceito tão batido. Sim, o tema “nerd-on-revenge” já foi feito um milhão de vezes antes e Englund sabe disso, ele apenas quis requentar uma historinha que ainda pode render bons frutos, adicionando temas que até podem soar clichês e derivativos em alguns momentos, mas que possui personalidade, uma visão pessoal de Englund – agora como criador de imagens de horror – e um bocado de humor.
E ele se sai muito bem. De vez em quando dá uma derrapada no ritmo, algo normal para um estreante… Em termos visuais, o sujeito demonstra boa noção de composições, de como trabalhar a câmera, há aquele charme sombrio do horror oitentista marcado por neons que o sujeito explora de forma belíssima. Gosto bastante dos cenários, tudo tem uma qualidade exagerada. E embora não seja um filme muito sangrento, os efeitos especiais de maquiagem do mestre Kevin Yagher são ótimos. A sequência do massacre no cinema, com direito a um bocado de gore, e o final em que a casa de Hoax se transforma na porta de entrada para o inferno, são particularmente especiais.
Tirando esses momentos, não é um filme que há grandes cenas que permanecerão na memória. Como disse antes, eu já tinha apagado da mente 90% do filme… Mas revendo agora é interessante notar uma agradável atmosfera crescente de desconforto à medida que Hoax se torna mais atraído pelo tal serviço telefônico. Nunca é explicado de onde surgiu o número demoníaco, como Spike obteve o cartão, há apenas uma revelação no desfecho, mas que também não diz muita coisa. E em duas ocasiões mostra outras vítimas que acabam tendo um destino cruel por estarem envolvidas com o Horroscope… Há até a presença de um detetive que investiga essas mortes misteriosas ligadas ao serviço, que gera alguns momentos curiosos, mas o que importa mesmo é Hoax e sua jornada diabólica de vingança.
O paralelo com A HORA DO PESADELO torna tudo ainda mais interessante. FORÇA DIABÓLICA é quase um primo distante da franquia de Freddy Krueger, com sequências de terror e clima de pesadelo inspiradas e ambiciosas, cuja produção talvez não tivesse o orçamento suficiente para realizar de forma mais eficiente, mas que vale pelo esforço. Hoax até se transforma, no fim, num monstro brincalhão com unhas afiadas que é impossível não se lembrar de Freddy. Sem contar os temas em comum, sobretudo com A HORA DO PESADELO 2 – A VINGANÇA DE FREDDY, com subtexto gay e tudo, mas neste enredo de possessão satânica juvenil.
O elenco é um destaque à parte. Stephen Geoffreys tá muito bom como Hoax. Um bocado irritante no início, mas funciona. Outro papel famoso de Geoffreys é como o vampiro Evil Ed no clássico do horror oitentista A HORA DO ESPANTO. Depois disso, além de um ou outro trabalho mais conhecido, o sujeito trocou o viés do cinema que vinha fazendo e começou uma carreira longa e bem sucedida como ator de filme pornô gay, usando pseudônimos como Sam Ritter e Stephan Bordeaux. Nunca assisti nada dessa fase, mas fica a dica pra quem tiver interesse…
Sandy Dennis está bem divertida como a mãe de Hoax e rouba a cena quando aparece. Patrick O’Bryan não é lá muito expressivo, mas Englund consegue extrair o suficiente do rapaz. Lezlie Deane tem boa presença na tela; e há um pequeno papel para o grande Robert Picardo que é muito bem-vindo.
Certamente FORÇA DIABÓLICA não está no mesmo nível dos melhores exemplares do horror de baixo orçamento dos anos 80, mas é uma maneira agradável de passar o tempo e mostra que Robert Englund pode se sair quase tão bem atrás da câmera quanto na frente dela. Pena que além deste aqui, ele acabou fazendo só mais um filme, já nos anos 2000… FORÇA DIABÓLICA é um filme meio estranho, muito bobo em alguns momentos, mas não deixa de ser divertido na maior parte do tempo e que de alguma forma consegue ser mais notável e gratificante do que eu lembrava.
E agora sim, posso assistir sem peso na consciência a continuação, 976-EVIL II, lançada no Brasil como PERSEGUIÇÃO DEMONÍACA, de 1991, dirigido pelo grande Jim Wynorski… Até!