ESCALADO PARA MORRER (1975)

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Não sei o que rolou na concepção do roteiro de ESCALADO PARA MORRER (The Eiger Sanction), quarto filme dirigido pelo Clint Eastwood, mas a impressão que dá é que pegaram três histórias diferentes, não conseguiram resolver nenhuma delas, e decidiram transformar tudo em um filme só, colando cada pedaço com fita adesiva… O resultado é uma bagunça, uma salada maluca que mistura ação, espionagem e aventura de alpinismo, com cenários, ritmos e tons completamente diferentes entre si. Se me dissessem que se trata de um roteiro abortado pra um 007 do Roger Moore, eu acreditava… Embora eu saiba que se trata de uma adaptação de uma novela de Rod Whitaker, que também ajudou a escrever o roteiro.

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Não quer dizer também que o filme seja um desastre completo. No meio da bagunça há muita coisa boa em ESCALADO PARA MORRER, um dos filmes mais físicos de Clint, que oferece a si mesmo um papel não muito simpático de um assassino profissional alpinista. Dá a Clint a oportunidade de se colocar em algumas impressionantes sequências de escalada, que são a principal razão do filme existir, é o que une os três blocos que formam a narrativa e que se destacam por sua diversidade e diferentes abordagens estéticas.

Na trama, Clint se passa por um professor de arte chamado Jack Hemlock, viciado em colecionar obras pintadas por grandes mestres da história da arte, mas logo se vê retornando para sua verdadeira vocação de assassino da CIA, hoje aposentado, quando é convencido pelo seu ex-chefe, o Sr. Dragon (Thayer David), um albino que não pode suportar a menor exposição à luz solar e precisa de cuidados médicos diários (típico personagem de um Bond Movie). A missão de Hemlock é matar dois sujeitos que estiveram envolvidos no assassinato de um agente americano, grande amigo de Hemlock, que lhe salvou a vida em uma ocasião. E sua participação na missão é essencial por envolver escaladas de montanhas, algo que o protagonista costumava ser muito hábil. O maior problema, no entanto, é justamente a tal montanha na qual ele deve escalar: a Eiger, de 3.970 metros de altitude, na Suíça, e que Hemlock já havia tentado escalar duas vezes e fracassado em ambas, quase perdendo a vida. Dureza.

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A primeira parte de ESCALADO PARA MORRER adota um visual típico de filme de espionagem (um pouco como em FIREFOX, outro filme que tem elementos do gênero, que Eastwood viria a dirigir nos anos 80). O personagem de Clint vai parar na Europa onde precisa exterminar seu primeiro alvo, um espião do serviço secreto russo. A imagem desse primeiro bloco é fria, acinzentada, bem diferente do cenário do bloco central do filme: Clint vai para o calor do espetacular Monument Valley para entrar em forma e treinar alpinismo ao lado de seu velho amigo George Kennedy (e de uma bela nativa que incentiva o personagem de Clint a continuar seu treinamento de maneira bastante entusiasmante…). E é onde também encara um de seus nêmesis, Miles Mellough, vivido brilhantemente por Jack Cassidy.

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Esse esforço todo é para a missão que acontece no último bloco, quando Clint precisa escalar a perigosa Eiger, nos Alpes suíços, com três outros companheiros, sendo que um deles é o seu alvo. Só que ele não sabe quem deve matar, a informação deverá chegar a qualquer momento durante a subida. Portanto, eles escalam a montanha…

Só que a intriga rapidamente entra em segundo plano. Eastwood parece mais interessado em filmar seus personagens o mais próximo possível dos cenários impressionantes e reais durante o ato de escalar. O próprio Clint não utiliza dublê em boa parte das sequências e podemos ver o sujeito em grandes alturas pendurado por algumas cordas… Funciona. No meio de toda patuscada que é o roteiro, temos um espetáculo de imagens dos Alpes e vários momentos que são verdadeiras aulas de tensão. A cinematografia é ótima, especialmente durante essas sequências climáticas de escalada, que acaba sendo o destaque definitivo do filme. E temos ainda um John Williams arrebentando na trilha sonora, o que deixa tudo ainda mais divertido.

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No geral, o filme não é muito memorável, mas é interessante observar como Clint resolve visualmente essa aventura, mesmo trabalhando com um roteiro tão capenga. As sequências de escalada são certamente algumas das melhores coisas que o suejeito já filmou na vida. Impressionantes para a época e ainda funcionam lindamente hoje. Obviamente as pessoas mais sensíveis às tendências atuais de problematizar qualquer coisa fora do lugar não vão deixar de reclamar de certas posturas machistas do personagem de Clint. Fruto de sua época… Até existe uma certa vulgaridade e cinismo em Hemlock, que é tipo de coisa que deixa tudo mais engraçado… Mas não vou ficar entrando nesse mérito. Realmente não me interessa.

BREEZY (1973)

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Não costumo postar sobre filmes românticos, mas não resisti a este terceiro filme dirigido pelo Clint Eastwood (já que comentei recentemente sobre os dois primeiros, nada mais justo que continuar). Era um dos poucos filmes dele que ainda me faltava…

Em BREEZY o sujeito volta a deixar de lado o cinema de gêneros mais truculentos, como foi o anterior, e oferece um dos seus trabalhos mais delicados. Habitualmente lê-se por aí que o reconhecimento artístico e crítico de Clint como diretor veio a partir de HONKYTONK MAN, ou até mais tarde, com BIRD. Onde estavam esses críticos quando BREEZY apareceu?

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Desta vez, Clint resolve ficar atrás das câmeras para nos oferecer uma história de amor inusitada e de rara ternura. William Holden é Frank, cinquentão solitário que tenta manter o amor à distância para evitar certos transtornos e sofrimento, acaba conhecendo a jovem de espírito livre, Breezy (Kay Lenz, que se apropria da personagem título de corpo e alma) e, de um jeito ou de outro, vão construindo uma relação.

E por se tratar da paixão de um homem “bem vivido” por uma garota de 18 anos, acaba sendo um assunto mais desafiador que Eastwood aborda. Dúvidas, felicidade, amargura, perguntas sobre si mesmo, o olhar dos outros, sabemos até de antemão quais etapas terão que passar para o assunto ser abordado; e Clint realmente passa por todas. Bom, não é na originalidade que o sujeito quer nos tocar. Mas na maneira como trata tudo com franqueza, explorando o tema com plenitude, observando os pequenos detalhes sem muita extravagância, até porque o filme não apresenta taaantos conflitos dramáticos assim. É apenas um olhar preciso dos sentimentos humanos. E Clint é muito verdadeiro com esses personagens.

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A dupla central, obviamente, destrói em nas atuações: Holden alcança uma veracidade incrível. Um exemplo de rigor e sensibilidade; e Kay Lenz brilha até chegar ao sublime.

A direção de Eastwood é discreta, mas sempre com o olhar no lugar certo. A cena que Holden senta na cama pensando que Breezy havia deixado o local e das sombras surgem as mãos dela acariciando seu corpo é um dos momentos mais antológicos da carreira de Clint como diretor:

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Já as duas cenas introdutórias dos personagens centrais são verdadeiras aulas de direção de atores. Em poucos segundos, em uma ou duas linhas de diálogo simples, entendemos TUDO do caráter de Breezy, sua leveza, sua sede de vida e ingenuidade. Logo em seguida, o personagem de Frank é escovado em uma única situação: dispensando uma mulher com quem passou a noite, revelando o sujeito amargo, solitário e duro… Clint mantém todas as sequências de BREEZY nesse tom e é incrível como consegue criar tanta emoção de coisas tão simples. Ao final, quando os personagens se reencontram (“Olá, meu amor / Olá, minha vida”) eu já estava completamente devastado. A canção tema de Michel Legrand, ao mesmo tempo melancólica e serena, traz um último toque a esta bela história.

O título de BREEZY no Brasil é INTERLÚDIO DE AMOR.

O ESTRANHO SEM NOME (1973)

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O estranho do título nacional pode ser apenas um homem, um cowboy em busca de vingança, mas pode ser também um fantasma ou um ser demoníaco enviado para decretar a condenação de uma cidade. Como tal, O ESTRANHO SEM NOME (High Plains Drifter), segundo trabalho de Clint Eastwood como diretor, reflete a obscuridade e a paranóia da corrupção e complacência da América dos anos 70. O filme tem um tom niilista comparável a OS IMPERDOÁVEIS, que Clint ainda viria a fazer, mas mesmo neste havia muito mais homens decentes do que em O ESTRANHO SEM NOME.

A trama parece se passar em um plano totalmente diferente da realidade, como um purgatório, numa pequena cidade onde a maioria das pessoas perdeu a alma há muito tempo. O forasteiro chega para mudar algumas coisas, não sabemos de onde vem, para onde vai, porque apareceu por ali. Acaba contratado para proteger a cidade de três bandidos que acabaram de sair da prisão e que provavelmente retornarão ao local para se vingar daqueles que os colocaram no xadrez. O estranho aceita a missão e, em determinado momento, literalmente muda o nome da cidade para Hell (inferno), o que é bem mais apropriado.

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Difícil classificar o personagem de Clint, um herói ultra-antipático que em menos de dez minutos de filme limpa a cidade dos mal encarados à base de chumbo grosso para logo em seguida estuprar a primeira mulher que aparece em seu caminho. Obra grandiosa como quase todos os trabalhos de Eastwood, mas talvez seja um dos mais desagradáveis. Até porque demora um pouco para juntar todas as peças do quebra-cabeça e entender as motivações do personagem. Até então, impera uma moralidade ambígua. Quando revelado, faz desse “estranho” um dos personagens mais fortes e míticos das planícies do Western americano.

Enquanto isso, em sua jornada de vingança o estranho faz os cidadãos sofrerem vários tipos de humilhação, culpados pelo massacre de um homem que era apenas um grão de areia nos interesses econômicos dos poderosos da cidade. Sobretudo, é pela covardia de todos que se vêem condenados: como é possível deixar um homem morrer diante de seus olhos apenas porque os poderosos assim decidiram? É um filme altamente político, que aponta para a responsabilidade de cada cidadão em suas escolhas e, acima de tudo – mais forte – em sua não-escolha, em sua inação.

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Visualmente, O ESTRANHO SEM NOME também está repleto de ideias expressivas, como a cidade renomeada Inferno inteiramente pintada de vermelho… E no climax, a visão de Eastwood em uma noite iluminada pelo o fogo do inferno chicoteando seus adversários permanece gravado na memória. No fim das contas, o filme oferece tudo aquilo que esperamos de um Western de Clint Eastwood, apesar dele não estar tão interessado em emoções convencionais. Mostra também que Clint aprendeu direitinho os truques de um de seus mentores, Sergio Leone. Só que os subverte de maneira diabólica e alegórica.

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No elenco temos Verna Bloom, Billy Curtis como o simpático anão Mordecai, Geoffrey Lewis e Mitchell Ryan entre os destaques.

PLAY MISTY FOR ME (1971)

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Em 1971 Clint Eastwood era uma das principais figuras do cinema comercial americano, tendo construído seu nome em filmes de faroeste e ação. PLAY MISTY FOR ME, no Brasil lançado como PERVERSA PAIXÃO, foi sua primeira investida como diretor e a surpresa inicial é o fato do filme ser um crazy bitch thriller ao estilo de ATRAÇÃO FATAL, sobre um DJ de rádio que se torna o objeto de obsessão mórbida de uma fã obcecada. Um filme de romance às avessas que se torna um autêntico pesadelo. E, convenhamos, é algo que está bem longe dos filmes de ação pelos quais Clint era então conhecido.

Mas olhando hoje, quase 50 anos depois, percebe-se claramente que PLAY MISTY FOR ME trata-se de um trabalho muito pessoal de Clint, cheio de interesses e obsessões que de certa forma o acompanharam durante toda a sua carreira. Uma das principais características é o fato dele mesmo incorporar o protagonista, um apresentador de rádio responsável por um programa de jazz. O filme é, portanto, literalmente invadido pela música, onipresente, dos mais populares ritmos aos mais elegantes (Errol Garner, com a música Misty, citada no título do filme) e para quem não sabe o homem é um aficcionado por jazz e blues… Muita gente reclama do prolongamento da sequência do festival, mas acho que é a melhor exemplificação dessa lógica, esses minutos “ao vivo” do festival de Monterey, onde Eastwood filma os músicos e o público em transe, etc… Uma magnífica declaração de amor de Clint à música.

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A trama de PLAY MISTY FOR ME é sobre David Garver, este disc-jockey de fala mansa que Clint interpreta. Depois de uma noite caliente com sua fã número um, Evelyn (Jessica Walter), ele dá a ela a velha desculpa “Eu te ligo depois“. Só que ela realmente acredita nas palavras do sujeito. Logo, ela está surgindo na casa dele com compras, ligando em horários estranhos e aparecendo completamente nua em sua porta. À princípio David tolera o comportamento dela, mas quando ele resolve volta para Tobie (Donna Mills), um antigo romance, Evelyn entra no modo full-crazy bitch stalker. Invade a casa dele histérica, destrói seus móveis, estraga uma importante entrevista de emprego, até esfaqueia sua empregada antes de ir atrás da namorada de David. Ao final, por ser Clint Eastwood, ele não tem nenhum problema (SPOILER) em dar um soco na cara dela e vê-la cair com tudo e se espatifar nas pedras de uma ribanceira à beira-mar…

O legal é que PLAY MISTY FOR ME não gasta muito tempo enrolando. É bem direto no tema do “perseguidor obcecado” e alguns dos melhores momentos ilustram a facilidade com que David cai nas armadilhas de Evelyn e o quão impossível é para ele se livrar. Chega a ser angustiante… E David acaba sendo cúmplice em sua própria crise. O filme prenuncia cuidadosamente o lado sombrio de Evelyn, de um modo até exagerado no maniqueísmo, sem sutilezas, e o filme enfatiza que a única coisa que impede David de sentir o perigo é sua própria arrogância. E a luxúria, claro, já que David é um mulherengo cujo relacionamento com Tobie está sendo testado por conta de suas conquistas extracurriculares. E como o colega de David, Al (James McEachin), diz com uma piscadela: “Quem vive à espada, morre pela espada“.

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A última hora de filme compensa bem a premissa, com várias cenas tensas de suspense e violência. E Jessica Walter devora o seu papel, criando um monstro memorável, baseado em emoções críveis e perversas. Talvez falte a tal sutileza à personagem, mas dentro da proposta tão direta na qual o filme lida com o assunto, ela convence fácil com uma atuação expressiva e perturbadora. Clint também faz um bom trabalho na frente da câmera, desempenhando basicamente o mesmo que em todos os seus filmes, exceto que ele quase não mata ninguém por aqui. E transa mais (prefere usar a outra arma, se você me entende)…

Na direção, Clint se deixa guiar pelos ensinamentos de seus mestres, Sergio Leone (com vários planos detalhes dos olhos de seus personagens) e Don Siegel (e é até comovente que Clint tenha colocado Siegel para fazer um pequeno papel como o barman favorito de David). Mas muito do estilo autoral da direção de Eastwood se manifesta nesse seu primeiro trabalho, especialmente o uso da iluminação escura, no cuidado com as composições e no ritmo lânguido… Não deixa de ter falhas (pesa a mão alguns momentos melosos demais entre David e Tobie) e uma certa hesitação entre ser classicista ou Nova Hollywood… Mas o resultado não deixa de funcionar. PLAY MISTY FOR ME é uma sólida estreia, um thriller angustiante muito bem executado para o primeiro esforço de um diretor que se tornaria um dos melhores do ramo.

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89 anos de CLINT EASTWOOD

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Clint Eastwood fazendo aniversário hoje. Mesmo beirando os 90 anos é um dos diretores mais talentosos, relevantes e modernos do cinema americano atual. Aqui vai um top 10 dos meus filmes favoritos (hoje) dirigidos pelo sujeito como homenagem:

01. OS IMPERDOÁVEIS (Unforgiven, 1992)
02. UM MUNDO PERFEITO (A Perfect World, 1993)
03. AS PONTES DE MADISON (The Bridges of Madison County, 1995)
04. SOBRE MENINOS E LOBOS (Mystic River, 2003)
05. JOSEY WALES – O FORA DA LEI (The Outlaw Josey Wales, 1976)
06. CORAÇÃO DE CAÇADOR (White Hunter, Black Heart, 1990)
07. HONKYTONK MAN (1982)
08. MENINA DE OURO (Million Dollar Baby, 2004)
09. GRAN TORINO (2008)
10. A MULA (The Mule, 2018)

Vale ressaltar que preciso rever a maioria da filmografia do Clintão. A cada revisão é bem provável que essa lista modifique. O cara só tem filme foda!

ESPECIAL DON SIEGEL #29: FUGA DE ALCATRAZ (Escape from Alcatraz, 1978)

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Antes que eu me esqueça (ou que algum dos meus cinco leitores comece a me cobrar), tenho o Especial Don Siegel para dar continuidade. E empaquei logo agora que estamos no finalzinho, justamente num dos maiores clássicos do homem, a sua última obra-prima! Mas vamos lá, FUGA DE ALCATRAZ. Quando o projeto foi parar nas mãos do Siegel o sujeito deve ter lido o roteiro de Richard Tuggle, baseado no livro de J. Campbell Bruce, sentido o momento e pensado: “Preciso fazer um filme foda pra caralho!“.

Pois bem, estamos praticamente no fim de um ciclo… Não, não é o último trabalho do Siegel, mas ele viria a fazer só mais um filme por inteiro (LADRÃO POR EXCELÊNCIA, com Burt Reynolds) e já no seguinte (JINXED) seria interrompido por problemas de saúde que o impediria de filmar até a sua morte no início dos anos 90. O filme acabou finalizado pelo Sam Peckinpah. Além disso, ALCATRAZ marca também o desfecho da parceria de cinco filmes com seu ator fetiche, Clint Eastwood. Portanto, com o material que tinha em mãos, Siegel deve ter buscado um último suspiro, aquela forcinha e inspiração a mais para deixar, de uma vez por todas, a sua marca na história do cinema… O resultado é simplesmente magistral, não só um dos melhores filmes de fuga de prisão, mas uma das grandes obras de uma filmografia cheia de preciosidades.

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FUGA DE ALCATRAZ é baseado numa autêntica escapada d’A Rocha, a cadeia de segurança máxima localizada na Baia de São Francisco, também conhecida como Alcatraz, e que sempre se gabou de ser totalmente à prova de fuga. Na verdade, vamos aos números. Desde sua fundação, o presídio registrou quatorze tentativas de fugas, computando 39 presidiários que tentaram a proeza. 26 acabaram capturados e encarcerados de volta, sete tiveram a carcaça perfurada à bala e três morreram afogados. Ficam faltando três que desapareceram completamente. Como nunca mais ouviram falar de nenhum deles, as autoridades acreditam que tenham se afogado, embora seus corpos nunca tenham sido encontrados. Uma maneira das autoridades, hipócritas como sempre, manterem a aparência. De qualquer maneira ou de outra, um ano depois dos acontecimentos, a prisão fechou suas portas, transformando-se numa atração turística.

FUGA DE ALCATRAZ é justamente sobre a escapulida desse trio. Um deles é Frank Morris, interpretado pelo Eastwood, então já sabemos de antemão quem é o badass fodão da parada. Além disso, o sujeito já chega na penitenciária trazendo na bagagem a reputação de especialista em fugas de prisões. E não demora muito, Morris começa a colocar em prática a elaboração de um plano de fuga, junto com outros prisoneiros, entre eles os irmãos Anglin (Fred Ward e Jack Thibeau) e acrescentar mais uma façanha no currículo, até porque a vida na prisão é dura para Frank e o filme já predispõe o espectador a odiar o sistema carcerário do local. Uma galeria de guardas sádicos e desumanos e um diretor de prisão filho da puta mesquinho que solta “Não criamos bons cidadão, mas criamos bons prisioneiros“, ajudam na ideia de simpatizar por criminosos. E é o que acontece de fato… Quando a tentativa de fuga finalmente começa, fica impossível não torcer pelos encarcerados, não importa o crime que cometeram para estarem ali…

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No entanto, em momento algum Siegel parece se preocupar em fazer julgamentos moralistas com os prisioneiros, muito menos interessa a ele debater profundamente sobre o sistema penitenciário, algo que já fizera com grande eloquência no clássico REBELIÃO NO PRESÍDIO. Don Siegel se interessa mesmo é nas relações humanas dentro daquele universo e, obviamente, importa a ele a emoção do suspense, os mínimos detalhes do desenvolvimento de um plano fuga e, especialmente, a ação.

Mas aqui a ação é um caso delicado. A elaboração do plano e execução dos preparativos para a fuga é bastante simples, daquele jeitinho Siegel de filmar, só o essencial, trazendo sempre um divertimento a mais à narrativa, preparando o espectador para o que está por vir. Agora, quem conhece o trabalho do Siegel sabe que não vai saborear os desdobramentos dessa preparação com uma fuga espetacular e explosiva. A tal grande FUGA DE ALCATRAZ é mais uma questão de corpos e espaços e tempos. São os personagens se espremendo em locais apertados, entrando em poços, buracos em paredes, subindo em lugares altos, percorrendo telhados na surdina, agachando quando o guarda se aproxima… Enfim, sem espetáculo, tudo rigorosamente filmado da forma mais simples e crua possível, numa maestria de encher os olhos e prender a respiração do início ao fim.

Menos que um FUGINDO DO INFERNO e mais para um Bresson e seu UM CONDENADO À MORTE ESCAPOU. O que caracteriza o cinema de ação de Siegel é justamente seu anti-clímax, o modo cru e seco pelo qual lida com momentos que poderiam ser deflagradores nas mãos de outros diretores. Siegel nunca trabalha cenas de ação ou violência apenas para brincar de esmagar personagens – talvez na batalha final de OS ABUTRES TÊM FOME, mas é um filme que se assume num tom escapista. Geralmente, Siegel observa, ele analisa, desconstrói. É o que o torna um dos diretores de ação mais peculiares da história do cinema. O cunho “Intelectual da Ação” atribuído ao diretor não é a toa.

MAIS “DIRTY” HARRY

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THE ENFORCER (1976)

A trama principal é sobre um grupo terrorista que rouba uma carga de armamento pesado, incluindo lança mísseis e explosivos para fazer um tremendo estrago, e passa a chantagear os responsáveis pela cidade de São Francisco por alguns milhões de dólares. Novamente cabe a “Dirty” Harry Callahan a missão de investigar e parar os meliantes antes que uma merda muito grande aconteça. Mas isso tudo apenas serve de pretexto para outros propósitos. A ideia essencial de THE ENFORCER é fazer com que Harry trabalhe com um parceiro do sexo feminino. E aqui começam as chateações do protagonista… E também do filme. Ok, era algo relevante àquela altura ressaltar o poder feminino e etc, mas não precisavam fazer a tal parceira, interpretada por Tyne Daly, ser tão impertinente. Acaba prejudicando um bocado o andamento da história.

Por outro lado, THE ENFORCER é, de longe, o episódio da série com mais cenas de nudez. Não, Daly não mostra nada, mas dentre as várias cenas que acontecem durante o filme, há uma sequência de perseguição sobre os terraços de alguns prédios na qual o bandido cai numa claraboia e acaba no meio de uma filmagem de um pornô! E tome pêlos pubianos na tela… Dá até prá ver a manjuba de um sujeito antes de Harry continuar a perseguição. Embora eu considere o capítulo mais fraco da série, THE ENFORCER, dirigido pelo batedor de estaca James Fargo, ainda consegue ser melhor que a grande maioria dos filmes de ação policial realizados nos últimos quinze anos. Temos Clint Eastwood, mais uma vez vivendo um de seus personagens mais marcantes, um elenco bacana, diálogos bem elaborados e algumas boas cenas de ação que ajudam a manter o padrão dos dois exemplares anteriores. Infelizmente, sem nunca atingir o mesmo nível no geral… Saiu no Brasil com o título SEM MEDO DA MORTE.

dirtyharry4_06IMPACTO FULMINANTE (Sudden Impact, 1983)

Harry Callahan adentra os anos oitenta. Em THE ENFORCER a série já era toda do Clint, o roteiro passou pela sua aprovação, quase chegou a dirigir, mas desistiu pouco antes das filmagens começarem e ele mesmo escolheu James Fargo para substituí-lo. Em IMPACTO FULMINANTE não teve jeito. Mais maduro como cineasta, resolveu assumir o cargo de diretor. E deu certo, o filme é bem melhor que o terceiro e o quinto, só perde mesmo para os dois primeiros (imbatíveis), apesar de ser o capítulo mais deslocado da série.

Na trama, Harry novamente torra a paciência dos seus superiores por causa dos seus métodos nada ortodoxos. Mas dessa vez é afastado de São Francisco e enviado a uma cidade pequena para tentar resolver uma série de assassinatos que vem acontecendo. Só essa mudança de ambientação acaba tornando IMPACTO FULMINANTE o mais singular dentre os exemplares da franquia. Mas o filme vai além. É também o mais sombrio da série e praticamente não possui sequências de ação. Mas confesso que nem senti muita falta deste detalhe. A fórmula do gênero policial mais focada na investigação e no quebra-cabeça muito bem bolado do roteiro é interessante na medida certa. O suficiente para prender a atenção e não me importar com a falta de uns tiros calibre 44. E é evidente que a direção segura e autoral de Clint confere um salto de qualidade a este quarto capítulo.

dirtyharry5_06DEAD POOL (1988)

Sempre ouvi dizer como este último filme da série era ruim pra cacete e constrangedor para o velho Clintão. Fui esperando uma porcaria e acabei encontrando um exagerado filme de ação tão divertido quanto aos vários exemplares do gênero que surgiam naquele período. As pessoas são muito chatas ou eu que sou tolerante demais pra esse tipo de coisa? Tá certo que a trama repete a mesma fórmula dos três primeiros filmes: um serial killer a solta pelas ruas de São Francisco e Callahan precisa resolver a situação mais uma vez à sua maneira, para o desespero dos seus superiores. Mas o filme tem bom ritmo, é divertido e possui boa dose de suspense e tensão. Há também a ideia de uma lista negra rolando com os nomes das vítimas numa espécie de jogo e Harry Callahan faz parte dela.

O elenco é um atrativo a parte. Temos uma Patricia Clarkson no auge da beleza; Liam Neeson fazendo um diretor de filmes de horror todo afetado; e um Jim Carey numa participação especial extremamente ridícula, fazendo back vocal de Welcome to the Jungle, do Gun’s, que por si já pagaria o ingresso do filme. Dirigido pelo coordenador de dublês e assistente de Clint Eastwood, Buddy Van Horn, DEAD POOL traz bons momentos de ação. Nada muito especiais, mas os vários tiroteios são bem secos e classudos… A exceção é uma sequência inacreditável que só poderia ter surgido num filme de ação dos anos oitenta: uma perseguição em alta velocidade pelas ruas de São Francisco na qual um carrinho de controle remoto explosivo bota o velho Clint à pisar fundo no acelerador! Ok, DEAD POOL também possui seus problemas, está longe de ser um MAGNUM 44, tá mais um passatempo que um grande filme. Mas, convenhamos, essa sequência do carrinho é GENIAL!

DIRTY HARRY NA LISTA NEGRA é o título nacional da bagaça.

MAGNUM 44 (Magnum Force, 1973)

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O fato do policial Harry Callahan ter jogado fora seu distintivo ao final de DIRTY HARRY não valeu absolutamente de nada. O filme ganhou esta primeira continuação dois anos depois e logo no início o personagem de Clint Eastwood já aparece de volta agindo como homem da lei, seguindo ainda os seus princípios anti-sistema, algo que os críticos de cinema na época acusaram de fascismo. Bando de chatos politicamente corretos…

Em MAGNUM 44 não temos um mestre como Don Siegel na direção, calhou de ser o pau-pra-toda-obra Ted Post no comando, mas como temos John Milius e Michael Cimino assinando o roteiro fica fácil. Até o Uwe Boll e o Albert Pyun conseguiriam fazer um bom filme.

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Basicamente, o que temos em MAGNUM 44 é uma série de assassinatos inusitados acontecendo, colocando a força policial e “Dirty” Harry para esquentar os miolos. As vítimas são sempre pessoas do mundo do crime. Mafiosos, cafetões, meliantes procurados pela polícia, e o assassino é sempre um policial fardado com o uniforme da polícia de trânsito. Portanto já podemos perceber uma diferença crucial entre DIRTY HARRY e este aqui. Os bandidos não são serial killers com motivos banais, mas justiceiros que decidem iniciar um trabalho de execução para limpar as ruas de São Francisco.

É difícil alguém ter simpatia pelo Scorpio, vilão do primeiro filme, mas com esses caras de MAGNUM 44 você pode pensar “bem, eles agem mais ou menos como o Harry, não? Possuem a mesma ideologia“. E essa é a beleza da coisa. Nós já conhecemos o personagem de Harry, podemos confiar nele, sabemos que só vai atirar em bandidos armados e ainda soltar uma frase cool logo depois. Mas e esse bando de motoqueiros fardados? Quão fina é a linha traçada que separa “Dirty” Harry desses justiceiros? É algo a se pensar, mas parece que o personagem de Clint Eastwood já sabe a resposta e não quer perder muito tempo com estudos sociológicos. Seu negócio é ação.

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E neste quesito MAGNUM 44 se sai realmente muito bem. O diretor Ted Post segue a linha dos cineastas artesãos que sabem fazer a coisa muita bem feita, embora lhes falte o talento de um Siegel ou Peckinpah. Há boas ideias em termos de ação sendo aproveitadas aqui com muita eficiência, como a sequência de perseguição ao final que culmina numa embarcação abandonada e toda a tensão que é construída para deixar o espectador vidrado. Ajuda bastante a presença de Clint Eastwood em cena acrescentando seu habitual toque de classe.

Os assassinatos e o modo de agir dos justiceiros também são destaques. Lembro que foi o que mais me marcou quando era moleque e assisti de uma fita VHS que meu velho gravou da Globo no final dos anos oitenta. A sensação era de estar vendo um filme de horror… Me dava arrepio como tudo era conduzido de forma seca e brutal, o policial pedindo a carteira de motorista do indivíduo e do nada puxava o revolver e mandava chumbo na cabeça. Agora que já sou grandinho a sensação se perde, fica a lembrança. Mas essas cenas ainda possuem muita força.

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Como adiantei no post de DIRTY HARRY de ontem, tenho uma certa preferência por MAGNUM 44 em relação aos outros episódios do policial mais durão de São Francisco. Ok, o filme que originou a série, dirigido pelo mestre Don Siegel, é um autêntico clássico, isso não tenho dúvida alguma, mas este aqui de alguma maneira supera seu antecessor na minha opinião… Não sei, é mais tenso, pesado, é mais nostálgico e divertido, me traz certos sentimentos que o primeiro não traz. Mas também não preciso me justificar tanto, né? Este aqui é um baita filmaço e pronto!

ESPECIAL DON SIEGEL #24: PERSEGUIDOR IMPLACÁVEL (Dirty Harry, 1971)

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DIRTY HARRY é desses clássicos quase incontestáveis do cinema badass. Um dos filmes policiais mais influentes do gênero, ao lado de BULLIT e OPERAÇÃO FRANÇA, na renovação do policial americano tendo até inspirado a italianada a desenvolver o poliziesco, o tipo de filme equivalente realizado no país da bota. Além de criar um dos personagens mais controversos do gênero, “Dirty” Harry Callahan, o tira durão que age de acordo com suas próprias leis, cujos ideais nem sempre vão de acordo com os burocráticos métodos da policia e por aí vai…

Atores para encarnar esse tipo de personagem nos anos 70 não faltavam. Charles Bronson, Burt Reynolds, Lee Marvin, Warren Oates, enfim, a lista é gigantescas de figuras cascas-grossas que dariam vida com perfeição a “Dirty” Harry. Aliás, DIRTY HARRY foi originalmente anunciado tendo Frank Sinatra no papel título. O sujeito vinha fazendo personagens interessantes no fim dos anos sessenta em thrillers policiais e de ação. Mas antes de ser o escolhido, John Wayne, Steve McQueen e Paul Newman também estavam brigando pelo papel. Porém, quando Sinatra desistiu, quem acabou encarnando Harry Callahan foi mesmo o bom e velho Clint Eastwood.

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Eastwood já era um rosto conhecido após a enorme popularidade da trilogia de Spaghetti Westerns que fez com Sergio Leone, além de outras produções, mas foi com “Dirty” Harry que o sujeito atingiu o merecido status de grande astro de Hollywood naquele período por parte do público, que encarou o filme como um thriller de ação dos bons, e não como o produto fascista que alguns críticos apontavam. Sim, “Dirty” Harry tortura e mata bandido sem qualquer remorso… Me chamem de reacionário, mas no cinema e apenas no cinema isso é bom demais!

Com Sinatra pulando fora, o diretor original Irvin Kershner também não quis mais saber do projeto. Melhor pra nós, já que Don Siegel, o intelectual da ação, que já havia dirigido Clint antes diversas vezes, acabou assumindo o posto em mais uma parceria com o ator e fez bonito como sempre. Não faltam por aqui momentos classudos para entrar no currículo do diretor, como a clássica sequência do início, na qual Callahan impede um roubo a banco e aproveita para soltar um de seus discursos mais celebrados:

I know what you’re thinking, punk. You’re thinking “did he fire six shots or only five?” Now to tell you the truth I forgot myself in all this excitement. But being this is a .44 Magnum, the most powerful handgun in the world and will blow you head clean off, you’ve gotta ask yourself a question: “Do I feel lucky?” Well, do ya, punk?

Cortesia de alguns bons roteiristas daquele período do cinema americano, incluindo John Milius, que trabalhou numa das primeiras versões do script.

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Um detalhe que ajudou muito para o sucesso do filme na época, e que talvez não seja um fato tão conhecido assim, é que  DIRTY HARRY foi inspirado na série de assassinatos reais cometidos pelo serial killer chamado Zodíaco. Aquele mesmo que acabou virando um filme bem mais realista nas mãos do David Fincher em 2007. Um baita filmaço, aliás… Mas uma diferença crucial, obviamente, é que por aqui não há moleza para um assassino tendo um policial casca-grossa como “Dirty” Harry Callahan em seu encalço.

Clint Eastwood tem aqui uma atuação magnífica, daquelas que dá pra perceber que o sujeito realmente entende o personagem. E que presença que o sujeito tem na tela! “Dirty” Harry é um ícone, sem dúvida alguma! A cena na qual o bandido mantém um ônibus escolar como refém e avista de longe a figura de Dirty Harry estática, fria, esperando tranquilamente em cima de uma ponte, pronto para fazer sua magnum 44 cuspir chumbo grosso, é algo que não dá para esquecer facilmente.

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Na direção, o estilo de Siegel é magistral, como não poderia ser diferente. DIRTY HARRY praticamente sintetiza tudo o que eu disse em todos outros textos sobre o estilo de direção do homem: simples, cru, essencial… Quando se pensa em DIRTY HARRY, você não necessariamente pensa em grandes sequências de tiroteios e perseguições mirabolantes,  ou enquadramentos e movimentos de câmera elaborados. Você simplesmente pensa que temos aqui um filme bom pra porra, com um personagem principal badass pra caceta! E é exatamente isso que Siegel quer, que o espectador aprecie o grande filme que está diante dos olhos sem interferir, sem chamar a atenção para o seu trabalho. Mas obviamente está tudo lá em termos de direção, é surpreendente como tudo é bem construído, sem pressa, só filmando o essencial… E é evidente que as cenas de ação resultam em momentos de encher os olhos sem precisar agitar a câmera ou acelerar os cortes. Em tempos de HARDCORE HENRY, isso aqui é mágico.

DIRTY HARRY acabou tendo quatro sequências que vou postar logo a seguir… E vejam só, mesmo este aqui sendo essa grandiosidade, gosto mais de MAGNUM FORCE, o segundo filme da série. Mas, questão de gosto pessoal mesmo… A série de filmes do policial “Dirty” Harry Callahan é toda boa, com alguns mais interessantes, como IMPACTO FULMINANTE, outros mais fracos, como THE ENFORCER, mas nunca deixam de divertir com um dos policiais mais controversos do cinema. E os chatos de plantão podem achar o filme fascista ou não, eu prefiro ressaltar a importância que DIRTY HARRY teve para o gênero, a direção magistral de Don Siegel, a atuação de Clint e de Andrew Robinson como Scorpion, o tal serial killer, as sequências de ação pelas ruas de São Francisco e a sensacional trilha de Lalo Schifrin. O resto é resto.

ESPECIAL DON SIEGEL #23: O ESTRANHO QUE NÓS AMAMOS (The Beguiled, 1971)

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por MARCELO NARDI

Em 1971, independentemente do que viria no futuro, Clint Eastwood já tinha o seu nome assegurado como um ícone do cinema. O “Estranho Sem Nome” dos filmes de Sergio Leone já havia garantido o seu status para a eternidade. Nos faroestes, os personagens os quais ele se acostumou a interpretar, já haviam enfrentado sádicos bandidos, queimaduras no sol do deserto e surras monumentais, mas nunca antes um personagem do homem havia sofrido tanto quanto nas mãos das mulheres do filme mais perverso e estranho que Don Siegel dirigiu. Terceira parceria entre ator e diretor, THE BEGUILED baseado em uma adaptação literária do gênero sulista/rural americano, foi também, segundo Siegel, a sua própria realização preferida. E isso quer dizer muito, aliás, uma das curiosidades é que durante as filmagens Eastwood conduziu um documentário sobre os bastidores do filme intitulado “The storyteller”. Isto demonstra que na época o ator e iniciante diretor já era um devoto de Don Siegel, provando o seu respeito com essa produção documentária que abordava a visão criativa do artista. Em 1992 Clint Eastwood viria a dedicar sua obra-prima máxima OS IMPERDOÁVEIS para o próprio Siegel. Até poderíamos apontar alguns paralelos entre os dois filmes, como por exemplo a mola propulsora das tramas girarem ao redor de articulados e hierárquicos grupos de mulheres com lideranças bem definidas.

Nos meses finais da guerra civil americana, Clint é John, um soldado Yankee que nos é apresentado logo de cara ferido, sozinho, perdido em território inimigo e semi-inconsciente no meio de uma floresta no sul dos Estados Unidos. Ele tem a sorte (ou azar, difícil decidir) de ser encontrado por uma jovem garota que saltitando, colhe cogumelos na floresta como se no primeiro momento tivesse saído diretamente de algum filme completamente diferente.  Na primeira das muitas controversas cenas do filme, John lasca um beijo na menina apenas para confundir uma caravana de soldados locais que rapidamente passam por eles. “Livre do perigo”, aos trancos e barrancos o soldado a beira da morte é conduzido por ela até o portão de ferro de uma escola para mulheres, com ares de convento, onde ela mora junto a uma dezena de moças e uma diretora. A tradicional escola é um casarão colonial isolado no meio da floresta com um grande terreno cercado por enormes portões de ferro.

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Dividida entre acolher o inimigo ferido ou entregá-lo as autoridades militares conterrâneas, a diretora Mrs Martha (Geraldine Page) opta por “ajuda-lo” momentaneamente, o escondendo em um quarto improvisado e tratando todos os seus machucados. A presença de um homem entre elas, depois de muito tempo isoladas de companhia masculina, impacta de forma considerável a rotina das mulheres da casa. Entre elas está Edwina (Elizabeth Hartman) uma professora virgem de 22 anos que fica encarregada da chave do quarto de John. Relutante e tímida no inicio ela logo acaba apaixonada pelo camarada. Mesmo sem o peculiar charuto no canto da boca, aqui Clint encontra-se tão canastrão e persuasivo quanto nos faroestes da trilogia dos dólares e logo no início ele percebe na paixonite da professora uma alternativa para sair livre do lugar caso o perigo bater na porta, afinal a qualquer momento poderia adentrar um soldado local e o leva-lo preso ou até mesmo abatido dali.

Mas no seu primeiro momento desperto e bem alimentado, já com consideráveis mordomias e mesmo com boas possibilidades de sair facilmente portão afora, John não parece com muita pressa e aproveita as tardes livres trovando as garotas, a diretora e até mesmo a cozinheira da escola (sim até mesmo a cozinheira!). Entre as garotas maiores de idade também está a nem um pouco tímida e estonteantemente loira e linda Carol (Jo Ann Harris) que fazendo justiça ao soldado, foi a primeira a se oferecer aos braços do camarada. Curiosamente a atriz e Eastwood iniciaram um caso de amor que durou até alguns anos após a produção.

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Com o passar dos dias essas regalias femininas ao redor de John vão se acumulando em sentimentos de medo, atração, desejo, ciúmes, mágoa e até mesmo ódio e o filme lentamente e depois explosivamente vai ganhando formas mais perversas que colocam John em extremos maus lençóis.  O resultado é uma espécie de conto de fadas as avessas em crescente tensão (imaginem o que aconteceria se o lobo mau fosse mantido em cativeiro pela chapeuzinho vermelho e pela sua vovozinha ou algo parecido).

Don Siegel conduz muito bem essa atmosfera toda e coloca o espectador masculino a roer unhas e se contorcer na cadeira, com um desenrolar realmente muito pesado e em certas partes nauseante para o nosso ponto de vista. Esse é o filme de terror psicológico do grande diretor que escolhe a dedo um herói do cinema de gênero e o atira no meio de um furacão feminino de emoções suprimidas. Siegel deveria saber por isso que o filme não funcionaria com outro ator, que não tivesse um apelo popular tão grande.

No ápice de sua carreira Don Siegel não abriu mão da sua objetividade característica para conduzir um dos seus filmes mais embriagantes, ele mantém a direção concisa e com pés no chão seguindo uma narração linear e se utilizando apenas de breves flashbacks, um sonho e preciosos zoons nos rostos dos personagens para enfatizar a situação claustrofóbica vivida por John. Outro dos ingredientes brilhantes do filme é a canção de soldado entoada provavelmente por uma das meninas da escola, que abre e fecha os créditos contando como paisagem de fundo a parte externa do casarão, cheio do verde das árvores que é eficientemente capturado pela deslumbrante fotografia do filme. Nas sequências ao ar livre alguns enquadramentos remetem a um faroeste e o espectador que cair de paraquedas na sessão deve facilmente imaginar que a qualquer momento Clint Eastwood pode e vai se envolver em algum tiroteio ou algo parecido.

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Meses depois ainda em 1971, Don Siegel estaria lançando nos cinemas DIRTY HARRY e retomaria o seu curso no gênero policial e de ação com filmes empolgantes e populares, mas essa sua incursão nos bastidores da guerra civil (afinal o que diabos transcorre em uma escola para mulheres durante a guerra enquanto a bala come solta e os homens se matam do lado de fora?) ainda permanece como um dos seus filmes mais singulares e marcantes, além de representar uma rica contribuição do diretor a escola de cinema da Nova Hollywood, período no qual estúdios como a Universal, responsável por tornar possível THE BEGUILED estariam propensos e mais dispostos a lançar filmes controversos, autorais e livres de grandes censuras. Isto no papel, porque na prática o diretor e o seu ator principal tiveram que brigar bastante com os executivos da Universal para conseguir manter o final que eles idealizaram.

ESPECIAL DON SIEGEL #22: OS ABUTRES TÊM FOME (Two Mules for Sister Sara, 1970)

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por GABRIEL LISBOA

Se quando falei sobre MADIGAN foquei no início do filme, acho melhor começar pelo fim com essa análise e por isso esse texto tem vários spoilers. Começo com a sequência final de OS ABUTRES TÊM FOME e mais pra frente conto direito a estória. Enfim. Estamos no meio de uma invasão de um grande grupo de revolucionários mexicanos a uma base fortificada de interventores franceses no México (acho que nunca havia visto um filme com esse contexto histórico). Clint está do lado dos mexicanos, mandando para o saco todos os invasores da terra da “omelette du fromage”. Em determinado momento ele segura numa corda presa a um cavalo com uma mão e na outra acende uma dinamite. Ele toca o cavalo que avança arrastando Clint pelo chão, desviando das balas. O homem se solta, joga a dinamite num portão e depois de ter aberto a passagem corre enquanto balas ricocheteiam do seu lado. Coisa linda. Eu até tinha achado que tudo tinha acontecido no mesmo plano quando comecei a escrever mas depois voltei para rever a cena e notar os dois cortes rápidos.

Acho que aí podemos pensar um pouco sobre o que faz uma boa cena ou filme de ação já que em outros posts o Ronald ressaltou esse ponto da filmografia de Don Siegel, que eu não conhecia muito bem. Alguns pontos como trabalhar com uma profundidade de campo, planos abertos, respeitar os momentos dos cortes para que não interfiram com nosso interesse pela realidade do evento (coisas que André Bazin já falava em 1950 sobre NANOOK) são essenciais. Até gostaria de ficar falando mais sobre isso, mas já vi que ia enrolar demais. Quem sabe numa próxima. Mas o que fica de interessante sobre esse filme do Siegel é confirmar que toda cena de ação precisa ser construída e pensada para evoluir criativamente. Na maioria das vezes até dentro de um certo padrão. E é o tipo de coisa que raramente cansa os amantes do cinema de ação. A entrada furtiva, as explosões para confundir os inimigos, os tiroteios e no fim a trocação de sopapos e pontapés. Vários exemplares desse estilo seguem essa sequência e muitas vezes até nos decepcionamos se alguma coisa atrapalha o andar dessa carruagem. Siegel deixa ação fluir. Até há uma cena com uma metralhadora giratória que Clint usa para matar alguns soldados. E por pouco tempo, o que não deixa que esse artifício, por exemplo, canse pela repetição.

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Uma pausa para fazer propaganda de THE STRANGER AND THE GUNFIGHTER, com o Lee Van Cleef e Lo Lieh, um baita filme. Na sequência de ação final Cleef prende uma dessas gatling gun em dois cavalos e sai se arrastando enquanto gasta munição. A temática desse filme também lembra a de ABUTRES. Um sujeito estranho ao terreno hostil dos desertos do velho oeste é auxiliado por um cara durão e ambicioso para alcançar seu objetivo. Em THE STRANGER o peixe fora d’agua é um mestre do kung-fu que precisa ler pistas tatuadas em bundas de prostitutas em busca do tesouro do tio. Em ABUTRES o enredo não é tão interessante mas a dinâmica de Clint Eastwood com Shirley MacLaine, que interpreta uma freira simpática a causa dos Juaristas, é muito boa. O roteiro ajuda muito porque sempre coloca-os em várias situações de tensão. O primeiro encontro dos dois acontece quando a Sister Sara do título, personagem de MacLaine, está prestes a ser abusada por três canalhas. Hoogan, o personagem de Clint, resgata a moça seminua e depois descobre que ela é uma freira por suas roupas. Ela está sendo procurada por uma tropa de franceses por ajudar os revolucionários. Os dois fogem e depois, a noite, acabam percebendo que tem o mesmo interesse: acabar com o forte que comentei no início, ele pelos tesouros ali guardados e ela por raiva dos “colonizadores”.

Coincidências a parte, é na virada da personagem de Sara que a coisa fica um pouco confusa. Vou estragar a grande surpresa do filme. Sara na verdade não é uma freira mas uma prostituta. Ela matou um oficial e por isso odeia o regimento. Não há uma noção humanitária que a motiva em punir os opressores. Pelo que entendi era isso. Outro ponto é que no começo do filme ela mente dizendo que ia três vezes por semana “ensinar línguas” para os franceses como freira e por isso ela sabe tanto sobre a base. Então economicamente seria vantajoso para o prostíbulo a instalação vizinha com aquele bando de soldados. Ou não? Se ela só estava sendo procurada, poderia fugir e ponto. O desejo de destruir a base francesa faz até mais sentido para uma freira já que elas geralmente se envolvem em conflitos, assim como padres e afins. Quando vi A MISSÃO fiquei pensando nisso. Nossa noção de religiosidade é tão bombardeada com escândalos de lideres religiosos e doutrinas absurdas que hoje é difícil fazer um filme com uma personagem com uma perspectiva solidária sem parecer piegas ou inverossímil. Achei engraçado o lance dela, por fim, ser uma prostituta. E tem o fato de que ela e Clint “precisarem” ficar juntos no final. Mas ia achar interessante se o filme fosse um percursor do gênero freiras badass e do nunsploitation. Sara é uma personagem feminina forte pra caramba.

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Já o personagem do Clint é uma cópia do Estranho-Sem-Nome dos filmes do Leone. Não sei se posso chamar de cópia já que se trata do mesmo ator, mas gostaria de ver um pouco de variação num papel como esse interpretado por ele, um tempero que deixaria o personagem mais interessante. Sempre com a cara feita de pedra. Quem sabe um dia assisto PAINT YOUR WAGON para ver como ele e o Lee Marvin se saem num musical. Duas outras semelhanças com os westerns de Leone são as filmagens fora do lugar-comum do oeste americano e a trilha de Ennio Morricone. O filme foi gravado no México e vários membros da equipe são mexicanos. Quando li um pouco sobre esse tipo de realização bilíngue, no caso dos westerns italianos, fiquei interessado em entender um pouco mais como eram realizadas as filmagens. É algo que seria muito interessante de ver se naquela época os produtores se preocupassem com extras do DVD. Quanto a trilha de Morricone, assim como em qualquer filme em que compõe sua música, fica difícil não se empolgar com as variações e sons incomuns presentes nos temas e o uso dos leitmotivs. Tenho mais vontade de assistir EXORCISTA 2 por “Magic and Ecstasy” do que pelo próprio filme. Era alguém que merecia um documentário por décadas de trabalho.

Não me lembro de ter lido sobre esse filme em lugar algum, mas me surpreendi e gostei bastante. Talvez o filme não tenha um reconhecimento maior porque usa de várias fórmulas batidas de westerns e screwball comedies. Mas é tão bem encaixado, com bom ritmo e diálogos que a diversão é garantida. É o caso de 007. Eu acho que deveriam parar de fazer filmes de James Bond. Vinte e quatro filmes é muita coisa! Confundo as cenas e as tramas de vários deles (dá-lhe cena de esqui e mergulho). Mas bastou ver o trailer de SPECTRE para me empolgar. Amor e ódio a Hollywood. Agora, só não me venham refilmar AVENTUREIROS DO BAIRRO PROIBIDO, seus sanguessugas!

Gabriel Lisboa, além de eventualmente colaborar por aqui, edita o excelente blog Cine Bigode.

ESPECIAL DON SIEGEL #20: MEU NOME É COOGAN (Coogan’s Bluff, 1968)

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Depois de quatro faroestes altamente lucrativos (a Trilogia dos Dólares, de Sergio Leone, e A MARCA DA FORCA), MEU NOME É COOGAN coloca Clint Eastwood a viver novas aventuras agora no “mundo moderno”. O filme também dá início a uma das parcerias mais significativas do cinema badass, entre o diretor Don Siegel e o seu pupilo e ator principal, Eastwood, resultando cinco grandes obras que marcam essa reta final da carreira do diretor: além deste aqui, temos OS ABUTRES TÊM FOME, THE BEGUILED, DIRTY HARRY e o espetacular FUGA DE ALCATRAZ. Mas acalmem-se, ainda vamos chegar nesses exemplares, porque antes temos MEU NOME É COOGAN pela frente.

A transição do homem do velho oeste para o homem contemporâneo, no caso de Clint Eastwood, aconteceu de forma gradativa. Seu “homem moderno” não é tão moderno assim. Na verdade, é como se pegasse o cowboy mais matuto e reacionário do final do século IXX e o colocasse numa máquina do tempo para o final dos anos 60 e o soltasse em plenas ruas de Nova York. O resultado não seria muito diferente. Portanto, tirando o fato que Coogan surge em cena no início do filme dirigindo um jipe ao invés de montar um cavalo, a composição de seu personagem não é tão distinta do que tinha feito até então. A abertura de MEU NOME É COOGAN é todo faroeste, com Coogan, um assistente de xerife, buscando rastros no deserto do Arizona para capturar um índio que matara uma mulher.

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Após algumas desavenças com seu superior, Coogan recebe uma missão atípica. É despachado até a grande cidade de Nova York para extraditar um assassino, Ringerman (Don Stroud), de volta ao Arizona. E aí que a coisa fica ainda melhor. O sujeito dá de cara com os longos trâmites do processo de extradição e a espera da boa vontade de juízes em assinar papeladas sem fim, ou seja, com a boa e velha burocracia. O tipo de coisa que não entra na cabeça do nosso amigo anacrônico. Logo, Coogan se vê burlando algumas etapas, consegue a liberação do prisioneiro, mas acaba emboscado no aeroporto, leva uma pancada na cabeça, e o bandido foge sem deixar rastros.

Em maus lençóis com a polícia local, especialmente com o chefe McElroy, vivido em estado de graça por Lee J. Cobb, Coogan agora se encontra totalmente fora da sua zona de conforto, vestindo um suntuoso chapéu de cowboy e grandes botinas em plena Nova York, tendo que responder a todo mundo que veio do Arizona quando lhe perguntam se ele é do Texas. E ainda tem um criminoso a recuperar… Mas isso acaba sendo apenas o MacGuffin, como diria Hitchcock, é o que menos importa. O que realmente faz MEU NOME É COOGAN um grande filme é esse estudo de choque cultural, é colocar essa figura pictórica, que é Coogan, fora do seu “habitat natural”, solto nas áreas urbanas da cidade grande. Não apenas a ideia do xerife fora do seu território, mas a de um sujeito totalmente anacrônico que não está nada familiarizado com o estilo de vida agitada da cidade grande, a cultura lisérgica hippie, a atmosfera do final dos anos 1960 e a descoberta desse universo da pior maneira possível.

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O que gera momentos impagáveis, desde a primeira vez que entra num táxi até entrar num club noturno movido a LSD. Mas como estamos diante de um filme policial e, principalmente, dirigido pelo Don Siegel, é óbvio que teremos algumas cenas de ação que servem muito bem à narrativa. Até porque Coogan não economiza pancadas para tentar encontrar seu algoz, inclusive enfrentando um grupo de mal encarados num bar entre mesas de sinuca, e até batendo em mulher… tudo filmado com a secura habitual que marca o estilo do diretor. A maneira como utiliza o cenário na cena da briga no bar é coisa de mestre. O que leva à sequência final, uma perseguição de moto em alta velocidade que é de uma inventividade absurda. Siegel já tinha chegado ao seu ponto máximo como gênio do cinema badass aqui e basta ver MEU NOME É COOGAN pra confirmar.

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Enfim, pra finalizar, Clint Eastwood está muito à vontade, com a língua afiada e engraçado no papel de Coogan (o filme tem uma leveza cômica típica de um Blake Edwards ou Jerry Lewis, e algumas situações que o personagem se coloca são mesmo hilárias), as cenas de ação são da melhor qualidade e a trilha sonora de Lalo Schifrin é ótima e muito bem explorada. Mas o que vale mesmo é ficar atento aos detalhes desses estudo de choque cultural, que torna o filme tão interessante. Acabou gerando um seriado nos anos 70, chamado McCLOUD, estrelado por Dennis Weaver, e criado por Herman Miller, que foi quem escreveu o primeiro tratamento de MEU NOME É COOGAN, já pensando num piloto para a TV, antes de cair nas mãos de Don Siegel e se transformar neste filmaço.

Acho que inicia-se agora a fase mais interessante do Especial Don Siegel. Não exatamente pela qualidade dos filmes, vários já comentados estão entre os melhores da carreira do homem, como VAMPIROS DE ALMAS, THE LINE UP, FLAMING STAR, THE KILLERS, OS IMPIEDOSOS, todos esses entrariam no meu Top 10 facilmente. Obviamente falta aparecer também algumas obras-primas, como THE BEGUILED e CHARLEY VARRICK. Mas aqui começa a aparecer os filmes mais conhecidos do público, os mais comerciais, os exemplares que caíram na graça da moçada, digamos assim… Portanto, stay tunned!

FIREFOX (1982)

Não, não se trata de uma versão cinematográfica do browse de internet, Mozilla Firefox. FIREFOX, do Clint Eastwood, é simplesmente um dos thrillers mais extraordinários que o sujeito já dirigiu, basicamente por causa de uma ideia que beira a genialidade. Clint tem que roubar um avião russo super moderno, cujos comandos de controle devem ser enviado através do pensamento utilizando um capacete especial. Detalhe: o pensamento tem que ser em russo! Isso é fantástico!!! É para esse tipo de coisa que o cinema existe.

De uma forma geral, o filme não chega nem perto de ser uma obra prima ou coisa parecida, embora seja um eficiente thriller de espionagem. Mas a simples ideia do “pensar em russo” é desses detalhes que me causam fascínio extremo.

Clint interpreta um ex-piloto do exército americano que vive recluso no meio do nada, após sofrer alguns traumas durante a guerra do Vietnã, e é novamente recrutado para essa missão super secreta que eu escrevi ali em cima. Outro detalhe, o personagem do Clint sabe russo. E um dos grandes destaques de FIREFOX é poder acompanhar o ator/diretor nesse papel, um piloto que já não é mais tão jovem, resgatado da aposentadoria contra sua vontade para realizar um tipo de serviço que só ele pode fazer. E o Clint está bem à vontade no personagem.

A maior parte do filme é o sujeito se esgueirando pelas ruas de Moscou ou vilarejos na Rússia, usando disfarces diferentes, passaportes falsos, encontrando espiões que lhe ajudam, esse tipo de coisa que o Hitchcock fez muito bem em CORTINA RASGADA. Há momentos que são realmente intrigantes, alguns de prender a respiração, como na cena em que o protagonista precisa matar um agente da KGB num banheiro de metrô. Mas há uma série de trechos em que não acontece muita coisa. FIREFOX acaba sendo muito mais longo do que precisa.

Mas tudo prepara o espectador para o tal roubo do jato, durante o climax final. Quando isso de fato acontece, é um espetáculo, e o problema do ritmo já nem incomoda mais. As cenas do jato com o Clint pilotando com os pensamentos em russo – e uma perseguição que ocorre em pleno ar quando surge um outro super avião querendo derrubá-lo – foram supervisionadas pelo mestre dos efeitos especiais John Dykstra, que já estava na onda das naves espaciais, fazendo o mesmo trabalho em STAR WARS. O resultado aqui é visualmente incrível.

FIREFOX recebeu o título literalmente traduzido no Brasil: RAPOSA DE FOGO. Recomendo para quem curte um thriller de espionagem fora dos padrões.