
Recentemente revi e postei sobre OPERAÇÃO FRANÇA (1971), de William Friedkin, e aproveitei pra revisitar também a sua continuação, dirigida por John Frankenheimer, lançada quatro anos depois. Do primeiro, como disse naquele post, ressalto se tratar de uma obra-prima. OPERAÇÃO FRANÇA II (The French Connection II), apesar de muito criticado quando do seu lançamento e até hoje não ter a mesma notoriedade, também é muito bom, com aquela atmosfera sensacional do cinema policial setentista e que tem muito da essência do próprio Frankenheimer na condução, cujo estilo é bem diferente do de Friedkin, mas do qual sou grande admirador.
O preconceito com OPERAÇÃO FRANÇA II talvez tenha a ver com a questão inevitável de que o filme “não precisava existir“, para início de conversa. A conclusão totalmente aberta do anterior é uma das coisa que mais me fascina. E provavelmente “continuar” essa história é preencher uma lacuna que às vezes nem precisava ser preenchida. Mas, bom, sou da opinião de que, se estão mesmo dispostos a filmar alguma coisa, que façam algo decente, da melhor maneira possível… Mesmo que esse algo seja desnecessário.
E é exatamente o que Frankenheimer faz aqui. Então valeu a pena rever OPERAÇÃO FRANÇA II, redescobrir seus encantos e relembrar aqui no blog sua existência, porque pode haver pessoas por aí que nem sabem que existe essa sequência do clássico de Friedkin. E podem até se surpreender com o quão genuinamente eficaz é este trabalho do mestre Frankenheimer.


A trama se passa algum tempo depois dos eventos de OPERAÇÃO FRANÇA, Popeye Doyle, novamente interpretado por Gene Hackman, chega à Marselha tentando rastrear o traficante de drogas Charnier (Fernando Rey), que escapuliu das mãos do detetive no final do primeiro filme. O que Doyle não sabe é que a polícia de Nova York e de Marselha estão atuando juntas, usando-o como isca, na tentativa de trazer Charnier à público para capturá-lo. O policial local Barthélémy (Bernard Fresson) tenta manter Doyle constantemente sob vigilância, mas a coisa não corre como planejado quando Charnier, consciente de que seu inimigo está no local, consegue sequestrá-lo.
Quando Doyle se recusa a responder qualquer uma de suas perguntas, Charnier inicia um processo para viciá-lo em heroína. O detetive estrangeiro é mantido em cativeiro enquanto a droga é injetada nas suas veias repetidamente por um looooongo período… Quando Charnier finalmente percebe que Doyle não tem utilidade alguma, ele é jogado na frente da delegacia onde, já completamente viciado, passa agora por um outro loooongo processo, uma agonizante desintoxicação…
Uma das coisas que mais gosto em OPERAÇÃO FRANÇA II é como o filme faz pouca tentativa de superar, ou até mesmo imitar, o filme original. É quase como se estivéssemos diante de um filme policial setentista completamente independente, com um cenário totalmente oposto à Nova York do filme de 71, e que, por acaso, Hackman interpreta um personagem que já havia feito antes… O filme ensaia até mesmo um estudo sobre o choque existente entre duas culturas que é bem interessante. O fato de não oferecer, por exemplo, sua própria perseguição de carros (na verdade o filme tem pouquíssimas sequências de ação) não é apenas corajoso, mas demonstra o domínio narrativo de Frankenheimer em segurar a tensão antes que ela se dissipe, especialmente no miolo do filme, no longo trecho que consiste no vício forçado de Doyle e a sua desintoxicação subsequente.
E meio aí que mora o perigo de OPERAÇÃO FRANÇA II. Esse miolo talvez seja o momento mais frágil do filme. Porque se por um lado funciona como um angustiante ato cênico conduzido com maestria pelo diretor e com um desempenho fantástico de Hackman, por outro a coisa realmente demora MUITO a se definir. Fica no limite entre um processo de tensão extremamente bem realizado e uma situação verdadeiramente chata e enfadonha.
Pessoalmente, curto bastante esse miolo, mesmo reconhecendo que passe um pouco do ponto… Mas o mais importante é que essas cenas funcionam como palco para uma performance espetacular de Hackman, algo que nem no primeiro filme – no qual ele havia recebido o Oscar de melhor ator – o sujeito teve oportunidades para explorar.
Passado o tal miolo, o filme retoma às investigações de Doyle pelas ruas de Marselha, mas agora com um tempero de vingança a mais para dar uma apimentada no sabor. E a coisa segue num ritmo mais frenético até o fim – o que significa que temos até umas sequências de ação, como Doyle retornando ao seu cativeiro e tocando o terror no local. Ou o tiroteio num porto que é um espetáculo. E que Frankenheimer era fera em realizar.
É preciso destacar também o gran finale que, pra mim, já se tornou clássico em OPERAÇÃO FRANÇA II. Popeye Doyle numa perseguição à pé seguindo Charnier pelas ruas de Marselha é uma das coisas mais memoráveis do filme. O sujeito com dor, exausto, retirando forças sabe-se lá de onde para continuar se movendo, provavelmente sua própria obsessão e determinação em terminar as coisas de uma vez por todas, numa das atuações mais físicas de Hackman. Será que dessa vez ele consegue pegar Charnier? O filme segura até os últimos instantes para dar a resposta…
No elenco, não preciso falar mais nada de Hackman, né? O sujeito arregaça como sempre. Talvez uma grande desvantagem de OPERAÇÃO FRANÇA II seja a falta de Roy Scheider, que não retorna em seu papel como Buddy Russo, perceiro de Doyle no filme anterior (preferiu rabalhar em TUBARÃO talvez?). Mas considerando a premissa, acho que faz mais sentido ter Doyle sozinho nessa aventura.
Fernando Rey oferece sua elegância habitual de maneira excelente como Charnier – a cena no restaurante quando ele percebe a presença de Doyle na cidade demonstra um bocado do seu talento. Bernard Fresson também está muito bem, principalmente nas cenas em que contracena com Hackman no processo de desintoxicação de Doyle. Duelo de atuação de gente grande. E temos uma pequena participação de Ed Lauter.
OPERAÇÃO FRANÇA II pode ter suas falhas e não ser do mesmo nível do filme de Friedkin, mas ainda assim é um baita filme policial com Frankenheimer usando sua câmera para explorar Marselha num registro quase documental, contar uma história tensa e entregar algumas excelentes cenas de ação. Além de servir de vitrine para o belíssimo desempenho de Hackman encarnando Popeye Doyle pela última vez.
O personagem quase retornou no início dos anos 80 com um terceiro filme, no qual Doyle enfrentaria um terrorista europeu em Nova York. Hackman acabou pulando fora, mas o projeto continuou em frente e se transformou em outra coisa: FALCÕES DA NOITE, com Sylvester Stallone.
Popeye Doyle só voltou a ser visto em 1986, num filme produzido para a TV chamado POPEYE DOYLE, mas desta vez sendo interpretado pelo grande Ed O’Neill (o Al Bundy de UM AMOR DE FAMÍLIA). Na verdade, era um piloto para uma série de TV que acabou não acontecendo. Cheguei a ver esse filme passando na televisão em algum momento da vida, mas não lembro de nada. Não deve ser grandes coisas, mas só revendo mesmo pra descobrir…
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