Fazia uns vinte anos que assisti A CONVERSAÇÃO (The Conversation), de Francis F. Coppola. A única assistida, aliás, num VHS de locadora… Não sei porque nunca mais revi, mas é desses filmes que eu senti que não precisaria de uma revisão tão cedo, tamanho foi o impacto. Mas vinte anos já é demais, então hoje resolvi revisitar e continua uma belezura…
A CONVERSAÇÃO de vez em quando é lembrado como o filme que o Coppola dirigiu entre os dois primeiros PODEROSO CHEFÃO. E talvez até tenha sido prejudicado ao sair espremido no meio desses dois mastodontes cinematográficos (saiu inclusive no mesmo ano de CHEFÃO II e ambos foram indicados a melhor filme no Oscar)… Mas não consigo ver outro momento tão ideal para o filme ser lançado. Um filme tão enraizado dentro do seu contexto, praticamente um emblema do cinema político paranóico dos anos 70, num cenário que o escândalo de Watergate estava deflagrando… E é aí que testemunhamos o trabalho diário de Harry Caul (Gene Hackman), um especialista em escutas, que atua como freelancer para espionar quem quer que seja. E o cara é realmente bom naquilo que faz. Consegue captar uma conversa particular a 200 metros e obter uma representação perfeita dos diálogos. Na sua missão atual, ele ouve uma conversa meio perturbadora.
A CONVERSAÇÃO, assim como todo o “movimento” do cinema da Nova Hollywood, é fortemente influenciado por cineastas europeus, e neste caso específico, Michelangelo Antonioni e seu BLOW UP, de 1966 – que trata de um fotógrafo que acredita ter capturado um assassinato no fundo de uma de suas fotos. Em A CONVERSAÇÃO, Harry acredita que a conversa que ele gravou – aparentemente um caso habitual de traição – pode ser evidência de um próximo assassinato, e fica obcecado com o que ouve na fita, analisando cada inflexão vocal para tentar descobrir quais os significados por trás das palavras.
À medida que as correções de Harry são feitas no som, a imagem do casal é mostrada para nós, remontada, com ângulos ligeiramente diferentes, cada vez destacando um pequeno detalhe que nos escapou e que vai se resignificando. Lembra também John Travolta em UM TIRO NA NOITE, de Brian De Palma, que por sempre “assistirem a mesma cena”, constantemente ouvirem os mesmos sons, eles acabam contaminando completamente esse universo, e daí em diante surge a fantasia, o que culmina, em A CONVERSAÇÃO, num final magnífico, cuja obsessão paranóica de Caul se transforma em tortura íntima e moral. Em questionamento ético.
A visão da sociedade, quase kafkaniana é terrível, visionária e completamente atual, no qual a sociedade está sob vigilância, que a esfera privada foi pulverizada pela obsessão pela segurança. E Coppola sabe como fazer tudo isso minar numa impressionante estrutura formal e narrativa de suspense. E isso talvez seja uma das coisas mais legais em A CONVERSAÇÃO, uma obra que trata sobre esses assuntos relevantes sem deixar de lado os aspectos do suspense. É um baita thriller atmosférico e psicológico, que não dá muitas alternativas para o seu protagonista, que acaba trancado em sua própria armadilha, afundado na paranóia que ele próprio ajudou a criar.
Acho que vale ainda destacar a construção de Harry Caul, um desses personagens que acaba se tornando o seu ofício. Mas uma das grandes sacadas de A CONVERSAÇÃO é permitir que o personagem expresse dilemas e dúvidas morais durante cenas de intimidade, no confessionário de uma igreja ou diante de uma mulher compassiva. Caul se ressente de várias coisas, sem admitir completamente, e vai-se desenhando um personagem atormentado, que tem dificuldade em assumir moralmente as consequências de seu trabalho. Especialmente para quem possui uma fé religiosa, como é o caso de Harry, que tem consciência de que tomar o lugar de um Deus onisciente é um pecado grave, e ele sente todos os espinhos.
Gene Hackman oferece um desempenho sutil e vigorosamente internalizado, mais silencioso do que estamos acostumados. Mas com grande força nos pequenos detalhes, uma das melhores atuações do sujeito. Gosto de brincar que INIMIGO DO ESTADO, de Tony Scott, lançado vinte e poucos anos depois, seja uma espécie de continuação de A CONVERSAÇÃO e que o personagem de Hackman, um paranóico gênio de vigilância tecnológica, talvez seja uma versão envelhecida de Harry Caul… John Cazale, Robert Duvall, Frederic Forest, Harrison Ford e Teri Garr também estão por aqui, nomes que já haviam trabalhado com Coppola e outros que ainda viriam a repetir a parceria.
Coppola dirigiu nos anos 70 mais três filmes. Os dois CHEFÕES que citei e APOCALYPSE NOW. Por vários motivos A CONVERSAÇÃO acabou não sendo tão celebrado quanto esses outros. Mas merecia. É um puta filme, um dos thrillers setentistas dos mais tensos, e uma dos melhores trabalhos de direção do homem. Enfim, não pretendo mesmo ficar vinte anos de novo sem revisitar essa maravilha.
Por coincidência vi o Blow-up e este com cerca de uma semana de intervalo. Consigo ver essa ponte entre os dois mas o aluno tornou-se mestre, na opinião suplantando claramente Antonioni. O Blow Out, também terá sido um filme influenciafo pelo mesmo Blow-up mas não me recordo de alguma vez o ter visto, mas faz sentido colocá-lo na listinha para poder fazer uma comparação a três.