ALDRICH – PARTE 2: 1956-1959

FOLHAS MORTAS (Autumn Leaves, 1956)
A carreira de Aldrich possui algumas inserções, em meio a tantos filmes masculinos, de exemplares que exploram o universo feminino com protagonistas fortes. FOLHAS MORTAS foi o primeiro, um drama que começa como um estudo sobre solidão antes que a datilógrafa interpretada por Joan Crawford receba a proposta de casamento de um homem muito mais jovem (Cliff Robertson), desencadeando a segunda metade do filme impregnada de confusão edipiana e neuroses esquizofrênicas. Aldrich, com uma câmera inventiva, eleva um conto de desejo feminino a uma obsessão histérica e tensão hitchcockiana. Não é perfeito, acho que esse material renderia mais nas mãos de um Sam Fuller (sobretudo como as coisas se desenrolam no desfecho), mas é bom pra ver como Aldrich evoluiria em relação a esse universo feminino em filmes futuros. E as atuações de Crawford e Robertson são tão boas que até passo pano pra alguns detalhes…

MORTE SEM GLÓRIA (Attack, 1956)
Eu nunca tinha visto, então estava esperando uma aventura de guerra escapista e divertida, como tantas outras do período, e o Aldrich vai lá e entrega um dos melhores e mais amargos manifestos anti-guerra produzido em Hollywood durante os anos 50, transcende até o drama de guerra convencional. Na verdade, acho que já dá pra perceber até aqui que nada em Aldrich é convencional, tudo é mais complexo e humano. 

A produção não teve a habitual cooperação do exército dos EUA, que não gostou da representação de seus oficiais no filme, então Aldrich foi forçado a realizá-lo com um orçamento pequeno em pouco mais de um mês de filmagens. Acabou sendo uma lição pro diretor, ainda que tivesse que aprendê-la outras vezes, constantemente se vendo em conflito com algumas cabeças de estúdio que não gostavam dos temas que ele escolhia filmar. Ao londo da carreira, Aldrich encontraria a incompetência nos estúdios da mesma maneira que a retrata o exército americano em MORTE SEM GRÓRIA – guardando as devidas proporções – e sofreu por isso, perdendo sua própria companhia de produção em mais de uma ocasião. Mas continuou lutando e encontrou sucesso ao parecer seguir as regras enquanto na verdade as desmantelava – quer blockbuster popular mais ácido e cínico do que OS DOZE CONDENADOS? Seu ataque à complacência, incompetência e corrupção em MORTE SEM GRÓRIA é tão forte quanto o de Kubrick em GLÓRIA FEITA DE SANGUE e eu diria até mais afiado e menos sentimental. Um filme que diz tanto sobre o exército americano e a ineficiência da hierarquia militar quanto da própria visão desprezível do diretor em relação a figuras de autoridade. Vale destacar as atuações maravilhosas de Jack Palance – SPOILER expressivo até fazendo papel de cadáver FIM DO SPOILER – e Lee Marvin que consegue engolir o cenário nos poucos momentos que aparece. E tem algumas das cenas de batalhas mais violentas do período.

A DEZ SEGUNDOS DO INFERNO (Ten Seconds to Hell, 1959)
Um rascunho de OS DOZE CONDENADOS, com o conceito fatalista de “grupo de homens em missão” que depois seria expandido para o filme de 1967, com orçamento maior, astros mais famosos e mais ação… Mas Aldrich costumava ser o primeiro a descer a lenha em A DEZ SEGUNDOS DO INFERNO, sobretudo na maneira como o retalharam no corte final, tirando mais de meia hora de uma introdução que daria mais sentido para os personagens agirem como agem. Muitos dos próprios admiradores de Aldrich admitem que é um trabalho falho. Nunca tinha assistido, só conhecia essa reputação desfavorável, mas apesar de não ser mesmo dos meus favoritos do diretor, achei excelente… Pode não cumprir a empolgação prometida no título, mas captura um lugar, um tempo, um estado de espírito com uma precisão quase documental, a Berlim pós-guerra, que era um terreno baldio de prédios destruídos por bombas, pobreza extrema, cidadãos desmoralizados e o mercado negro à todo vapor. E é nesse cenário que Aldrich traz à vida um melodrama existencial sombrio que fascina em vários níveis, desde o contraste nos estilos de atuação entre Jack Palance e Jeff Chandler (que estão geniais) até a excelente cinematografia em preto e branco de Ernest Laszlo. As sequências dos desarmamentos de bombas são verdadeiras aulas de tensão.

COLINAS DA IRA (The Angry Hills, 1959)
Das poucas coisas que salva por aqui, é uma ceninha em que Mitchum e mais um sujeito vão para um bar na Grécia e assistem a uma dançarina exótica de topless. Isso mesmo, em 1959 temos um filme do Aldrich, estrelado pelo Mitchum, com uma mulher de seios à mostra… Cheguei a fazer um post por aqui de tão surpreso que fiquei na época que assisti pela primeira vez. Depois fiquei sabendo que o Aldrich nem filmou a cena, mas o produtor Raymond Stross. A cena foi incluída apenas em algumas versões. Provável que na época nem tenham visto a moça de topless… Na verdade, havia muito pouco que Aldrich gostava em COLINAS DA IRA. Ele teve sérios conflitos com a Columbia Pictures por causa de um trabalho anterior, THE GARMENT JUNGLE, no qual fora demitido e substituído por Vincent Sherman, que recebeu o crédito de direção. Isso levou Aldrich a buscar uma maior liberdade artística na Inglaterra, onde fez o belo thriller de desarmamento de bombas que comentei acima. E logo depois iniciou essa nova empreitada, um thriller de espionagem em tempos de guerra, baseado num romance de Leon Uris, ambientado entre partisans gregos e informantes da Gestapo. Parecia um projeto ideal para Aldrich e também tinha o que parecia ser o herói perfeito nos moldes do diretor, o maior ator de todos os tempo, Robert Mitchum.

Mas no fim, o que prometia ser um exemplar emocionante, acabou resultando em algo enfadonho, com uma trama cheia de escolhas erradas, triângulos amorosos aborrecidos e um final totalmente insatisfatório… Há pouca coisa pra se aproveitar nessa aventura. Óbvio que os seios da dançarina exótica, como já disse, é um destaque e que surpreende não pela nudez em si, mas por ser quase um ato simbólico de ousadia e subversão pro tipo de produto de estúdio que é COLINAS DA IRA. Pena que foi logo no pior filme do Aldrich que vi até agora.

Parte 3 em breve.

ALDRICH – PARTE 1: 1953-1955

Ando assistindo neste início de ano aos filmes do diretor Robert Aldrich. E aqui vão uns comentários sobre:

BIG LEAGUER (1953)
Primeiro filme dirigido pelo homem. Não há muita coisa a se destacar, o próprio Aldrich dizia que o material não era pessoal, não indicava muito o que queria expressar no “meio cinematográfico”. Mas também não é de se jogar fora. É um draminha decente de esportes, sobre jovens que participam das peneiras de um time de baseball com o sonho de chegar às grandes ligas; o companheirismo que surge entre os atletas nesse universo competitivo, e etc… Mas as melhores partes acabam sendo a que tem o grande Edward G. Robinson em cena, bem à vontade, como treinador com bom senso de humor, fazendo suas expressões e, num dos momentos mais inspirados, dançando ao som de uma jukebox. E o filme tem pelo menos uma cena que já indicava o talento do Aldrich, a que um dos jovens desiste de ir embora de ônibus e a câmera acompanha – num enquadramento e movimento interessante pra época – as costas da mocinha que havia tentado convencer o rapaz de ficar… Longe de estar no nível dos grandes filmes do diretor, mas como trabalho de estreia até que se sai bem.

PÂNICO EM SINGAPURA (World for Ransom, 1954)
É meio que um rascunho de A MORTE NUM BEIJO (1955) de alguma maneira. Mas pode-se dizer que a carreira de Aldrich, com suas peculiaridades, começa aqui, nessa mistura de film noir com spy movie num território exótico, em Singapura, quando um detetive particular e as autoridades britânicas estão na cola de uma gangue com planos diabólicos, o que inclui sequestrar um físico nuclear… Aldrich já demonstra seu olhar irônico e às vezes desprezível em relação ao seu herói, algo que se tornaria característico do Diretor. Aqui, esse herói é vivido por Dan Duryea, um caso interessante. Em determinado momento o filme faz questão de mostrar como o cara é durão, badass, mas no fim acaba esbofeteado pela mulher que ama, que o iludiu de várias formas e agora o despreza. É de dar pena. Mas nada mais “aldrichiano” que isso…

Filmado em apenas 11 dias, utilizando os estúdios montados para o seriado CHINA SMITH, também com o Duryea, e que Aldrich chegou a dirigir alguns episódios. Já demonstra um diretor bem consciente visualmente e do universo fílmico que desenvolveria nas próximas três décadas.

O ÚLTIMO BRAVO (Apache, 1954)
Nunca tinha visto esse, embora seja um filme até que bem conhecido pelos fãs de faroeste clássico e dos maiores sucessos do diretor no início de carreira. Me surpreendeu como é bom! Quero dizer, Aldrich com Lancaster é sempre garantia de coisa boa, mas o filme é mais interessante que isso, já possui um caráter de revisionismo histórico que só seria consolidado no faroeste americano quase vinte anos depois. Num período em que os índios eram frequentemente retratados como alvo para levar tiro de cowboy, temos aqui uma perspectiva mais simpática, sobre um Apache obstinado chamado Massai (Lancaster) que travou uma guerra solitária contra os Estados Unidos e se tornou uma lenda tribal. Mas, como estamos num filme de Robert Aldrich, não usaria o termo “herói” para descrevê-lo. É uma figura ambígua, individualista, na qual suas facas, flechas e balas frequentemente atingem soldados brancos de surpresa e até irmãos indígenas. Sem contar o tratamento violento que dá à mulher que o ama… É preciso um esforço tremendo pra amolecer o coração do sujeito. O típico “herói” aldrichiano já tava cristalizado aqui no seu terceiro trabalho como diretor.

Apesar da jornada de Massai ter suas raízes históricas, o roteiro, adaptado de um romance chamado “Bronco Apache”, entrega uma boa dose de ação, fiel à tradição dos westerns, e Aldrich já demonstra muita habilidade na condução. E é um daqueles filmes cujo final, mais otimista, foi imposto pelo estúdio, bem diferente do que era planejado inicialmente pelo diretor… Não chega a estragar a aventura, mas é meio surreal o que fizeram aqui. Mas, como disse no início, o filme foi um sucesso. Então quem sou eu pra reclamar? Lancaster e Jean Peters estão excelentes e interpretam seus papéis indígenas com compreensão, sem os estereótipos habituais. Não sou do tipo que vai entrar em discussão sobre atores brancos fazendo “brown face” num filme de 1954, já tem muito crítico de Twitter e Letterboxd por aí chorando por causa disso. É preciso entender o contexto da época pra não ficar falando bobagens e não estregar a apreciação de um belo western como este aqui.

VERA CRUZ (1954)
Gary Cooper, Burt Lancaster, Ernest Borgnine, Jack Elam e Charles Bronson entram em um saloon… É muita gente foda junta no mesmo ambiente. Aí eu não resisto. Os dois primeiros são os protagonistas da aventura, uma jornada pelo México cheia de ação durante a Guerra Franco-Mexicana. Uma relação baseada no equilíbrio entre esses dois monstros sagrados do western americano, no carisma, cada um seguindo um código de honra muito pessoal, suas fraquezas tornando-os ainda mais humanos. Há uma dose de respeito, muita traição, umas mulheres no meio e um cofre cheio de moedas de ouro numa carruagem… Isso aqui tem tanta influência em filmes que vieram depois que não vou nem me dar o trabalho de listar, mas eu não tenho dúvida alguma que Sergio Leone devia ter este filme em alta conta.

A MORTE NUM BEIJO (Kiss Me Deadly, 1955)
Agora, isso aqui é um filme foda! Acho que já tinha uns 20 anos que não assistia e sempre guardei boas lembranças. É difícil esquecer alguns momentos especiais dessa belezinha. Mesmo assim, o impacto foi gigante nessa revisão! Não apenas pela trama e seus desdobramentos catastróficos e sombrios – até mesmo para os padrões de um film noir – mas sobretudo pela forma como Aldrich conduz isso aqui, um verdadeiro trabalho de mestre, que mais uma vez influenciou uma penca de filmes que vieram depois. E certamente é um dos seus filmes mais brilhantes, modernos, surpreendente em cada detalhe, cada movimento da trama, desde sua magistral sequência de abertura até o desfecho mítico, devastador, um dos mais aterradores da história. Numa noite, Hammer (Ralph Meeker) dá uma carona pra Christina, uma moça que tá fugindo do hospício ali por perto. Uns caras ruins aparecem e fazem o carro dele bater. Quando Hammer acorda meio grogue, escuta Christina sendo torturada até a morte. Depois de finalmente recobrar a consciência, o sujeito decide ir atrás dessa trama maluca, tanto por vingança quanto na esperança de que algo bem grande esteja por trás disso tudo.

Ralph Meeker é brutal como protagonista, leva a lógica do detetive desprezível a outro nível, e a direção de Aldrich é barroca na maneira como compõe suas imagens, agressivas e frequentemente desalinhadas, no uso dos espaços e do preto e branco, que destacam a atmosfera densa e a ameaça difusa que paira sobre uma misteriosa caixa de Pandora no cerne da trama. É a essência do film noir elevada a uma incandescência inigualável. Merecia um texto maior, mas por enquanto fica assim mesmo, só pra registrar que é uma obra-prima sem equivalente no gênero.

A GRANDE CHANTAGEM (The Big Knife, 1955)
O astro de cinema Charlie Castle (Jack Palance) entra na mira do produtor de Hollywood, Stanley Hoff (Rod Steiger), quando se recusa a assinar um novo contrato. Castle tá cansado da baixa qualidade dos filmes do estúdio e quer começar uma vida nova. Enquanto sua ex-esposa o apoia na decisão, o agente de talentos de Castle insiste pra ele reconsiderar. Quando Castle continua irredutível, Hoff apela pra chantagem pra conseguir o que quer. Uma fábula ácida sobre a podridão de Hollywood, com um Jack Palance em estado de graça, vivendo esse astro que vê seu mundo desmoronar, amarrado por um contrato com o diabo – e um Rod Steiger explosivo – e pela culpa por trágicos eventos passados. Um drama anti-indústria forte, com um texto afiado e excelentes atores – e o primeiro filme produzido pela empresa independente Associates & Aldrich – que corta Hollywood até o âmago.

Em breve, volto com a parte 2.

OS PROFISSIONAIS (1966)

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O diretor Richard Brooks vinha de um fracasso com sua adaptação de Joseph Conrad, LORD JIM, de 1965, e resolveu não correr muitos riscos no seu projeto seguinte. Embora o western na sua forma clássica estivesse em relativo declínio, estava na moda em meados dos anos 60 reunir astros de grande calibre para dividirem às telas em épicas aventuras. Dos filmes de guerra, como FUGA DO INFERNO, passando pelos “Men in a Mission“, como OS CANHÕES DE NAVARONE, até os faroestes, especialmente com SETE HOMENS E UM DESTINO, a ideia de aglomerar atores de peso poderia garantir o sucesso de uma produção. E foi exatamente isso que Brooks resolveu fazer por aqui, em OS PROFISSIONAIS (The Profissionals), um western de aventura que reuniu Lee Marvin, Burt Lancaster, Robert Ryan e Woody Strode na missão de resgatar Claudia Cardinale de um revolucinário mexicano vivido por Jack Palance e seu exército.

Sim, é como se fosse uma versão dos anos 60 de OS MERCENÁRIOS. E se você olhar para este elenco e não sentir a mínima vontade de ver OS PROFISSIONAIS, você deve ter sérios problemas… Melhor ir assistir um Wong Kar Wai ou Apichatpong Weerasethakul…

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Enfim, revi OS PROFISSIONAIS esta semana e continua um dos meus westerns favoritos dessa época, ficando ali meio intermediário entre a aventura divertida na tradição de SETE HOMENS E UM DESTINO ao mesmo tempo que possui uma densidade revisionista pré-MEU ÓDIO SERÁ SUA HERANÇA, que foi quando Sam Peckinpah redefiniu de vez o gênero nos EUA (algo que já vinha acontecendo gradualmente, em especial com os faroestes de Monte Hellman com Jack Nicholson, DISPARO PARA MATAR e A VINGANÇA DE UM PISTOLEIRO).

A premissa de OS PROFISSIONAIS é estruturada de maneira clássica e bastante simples. Um magnata do Texas contrata quatro experientes mercenários, cada um com uma característica especializada específica, para resgatar sua esposa sequestrada por um revolucionário mexicano, que a mantém do outro lado da fronteira. Lee Marvin vai interpretar o líder do grupo, o estrategista e especialista em armas. Burt Lancaster é experiente no manuseio de explosivos. E aqui estamos falando tanto de dinamites quanto de uma mulher fogosa (a cena que apresenta o personagem é impagável nesse sentido). Woody Strode é um atirador virtuoso com seu arco e flechas e um ótimo rastreador. E Robert Ryan é o especialista em cavalos e a consciência moral da equipe.

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Apresentados os personagens e a missão, os quatro sujeitos partem para o México numa jornada cheia de perigos num cenário de desertos e os estreitos montanhosos da região. Brooks mantém o ritmo e a ação firme para deixar as coisas mais animadas. A sequência do resgate da moça, especificamente, é um espetáculo à parte, com Woody Strode atirando flechas explosivas. Enfim, a sequência é um prodígio de pirotecnia. Depois vem a peregrinação de volta para os EUA em meio a uma reviravolta que coloca uma grande interrogação na cabeça dos nossos heróis… Considerando o contexto e o período no qual OS PROFISSIONAIS foi feito, fica óbvio o subtexto sobre a guerra do Vietnã: uma unidade de combate selecionada enviada para outro país por razões problemáticas questionando seus motivos.

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Embora seja evidente que os protagonistas da trama sejam Marvin e Lancaster, os únicos que possuem um pano de fundo, um histórico que envolve outras lutas armadas durante a revolução mexicana, é preciso destacar como Woody Strode recebe igual importância no grupo, o que já é notável para um ator negro da época no meio do elenco formado por brancos em uma produção de grande estúdio. O mesmo não dá pra dizer sobre a equipe de marketing da Columbia, que não colocou seu nome nas artes de divulgação do filme…

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O restante do elenco é fenomenal. Jack Palance, como já mencionei, surge em cena como um mexicano, queimado de sol e bigodudo. E está incrível como sempre. Eleva o seu personagem imbuindo-o de dignidade, evitando qualquer clichê maniqueista óbvio. O dramático reencontro entre Lancaster e Palance, depois de um longo tiroteio para atrasar o bando do mexicano, um jogo de gato e rato entre as rochas que é um dos grandes momentos do filme, demonstra porque Palance (e Lancaster, numa performance física impressionante) foi um dos maiores de todos os tempos. Cardinale é outro caso interessante. Sua beleza descomunal chama a atenção, mas Brooks não a utiliza como mero colírio sexual (embora haja umas ceninhas bem calientes pra época). Sua personagem é provavelmente a mais forte do filme, lutando pelo homem que ama e pela causa em que acredita. E o rico rancheiro que financia a missão é retratado perversamente por Ralph Bellamy.

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A direção de Brooks não chega nem a ser um primor, mas é de uma competencia, de uma secura, coerente com o material que filma e com a jornada desses indivíduos. Com bom senso de tensão e aventura. Não é a toa que o sujeito foi indicado ao Oscar de melhor diretor naquele ano (e também de roteiro). Adiciona-se ainda a luxuosa fotografia de Conrad Hall (que também foi indicado por seu trabalho), a trilha sonora de Maurice Jarre, uma tonelada de diálogos incríveis e OS PROFISSIONAIS se torna um filme que eu admiro cada vez mais sempre que revejo.

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Uma curiosidade: na época do lançamento, o sucesso do filme levou o estúdio a considerar uma sequência, mas com a condição de que todos os quatro atores principais estivessem envolvidos. Não queria correr riscos por causa do fiasco em torno da sequência de SETE HOMENS E UM DESTINO, no qual apenas Yul Brynner havia retornado. No entanto, durante muito tempo a agenda dos atores nunca batia para que a coisa acontecesse… Quando finalmente as agendas casaram, a saúde de Robert Ryan (devido ao câncer de pulmão) tornou impossível pra ele realizar o trabalho físico necessário para o filme. Após sua morte em 1973, qualquer plano para uma sequência de OS PROFISSIONAIS foi descartado.

ÁTILA – O REI DOS HUNOS (1954); CLASSICLINE

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De vez em quando o diretor Douglas Sirk dava um tempo dos seus habituais melodramas hollywoodianos, carregados dos conflitos emocionais que davam dignidade às lágrimas do público, e resolvia fazer outra coisa completamente diferente, explorar outros gêneros, respirar novos ares. Daí surgia obras como ÁTILA, O REI DOS HUNO, um maravilhoso épico de aventura histórica, do estilo “sandália e espada”, que para os fãs dos famosos melodramas do diretor pode até soar, à primeira vista, um bocado estranho… No entanto, lá pelas tantas, deve ter batido em Sirk uma saudade de trabalhar certos temas e, sem abandonar a proposta de aventura épica, toda a angústia humana da marca registrada do diretor acaba surgindo por aqui.

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Com isso, o recorte histórico do personagem título ganha um outro sentido, que ultrapassa as batalhas e conquistas de territórios e transcende a outras coisas, a uma dissecação da jornada dessa figura histórica chamada Átila. Uma jornada que já não é mais física, mas espiritual. Não são mais as lutas de espadas, os conflitos entre os povos da época ou a fidelidade histórica, mas sim uma religiosidade que é inerente a este mundo povoado por figuras apegadas na fé que interessa a Sirk.

O título original de ÁTILA – O REI DOS HUNOS parece concordar mais com as intenções do diretor. O seu belo título é THE SIGN OF THE PAGAN. Trata-se, portanto, menos de uma biografia, que é o que o título nacional parece indicar, sobre o mais famoso dos líderes bárbaros, e mais um filme sobre o homem em conflito com sua fé, num choque de civilizações entre o Império Romano e os bárbaros, e mais particularmente entre o cristianismo representado por Roma e o culto pagão celebrado pelos hunos. É menos o “cinema do corpo” dos filmes de “sandália e espadas” e os pepla italianos, e mais uma odisseia espiritual do indivíduo diante da sorte…

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O cerne do filme acaba sendo Jack Palance, num desempenho tão magistral, tão poderoso, talvez o maior de sua carreira. Num primeiro momento, Palance entrega um Átila orgulhoso, confiante e ávido guerreiro com um ódio mortal do Império Romano, com uma filosofia da barbárie que se contrapõem com seu brilho tático e habilidades militares. E uma presença física em cena fenomenal, como na cena de sua chegada à festa dada pelo imperador Teodósio aos bárbaros, em Constantinopla, onde Átila impõe autoridade pra cima dos romanos e tem a chance de humilhar o melhor guerreiro local. Mas não demora muito o filme começa e revelar-lhe as fraquezas, as dúvidas, o conflito com a fé… E Palance vai crescendo, cada vez mais sublime.

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Seu oposto é Jeff Chandler, que interpreta Marciano, o centurião romano que, por fim, carrega o fardo de salvar todo o Império. Os dois se encontram pela primeira vez quando o personagem de Chandler é capturado a caminho de Constantinopla levando uma mensagem para o imperador. O sujeito consegue fugir e se apressa para a famosa cidade, onde encontra um aliado de importância, a adorável Princesa Pulcheria. Só que as advertências de Marciano sobre a ameaça bárbara são ignoradas. Enquanto isso, Átila decide realizar a ousada ação de atacar Roma, apesar das sombrias previsões de seu vidente.

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Previsões, fé, conflitos do espírito são coisas que Douglas Sirk se apega. E algumas das melhores sequências do filme partem da dialética cristianismo vs paganismo. Destaco duas: a primeira é um clichezão, mas que nunca perde a sua força: logo depois de um discurso de cólera de Átila contra Roma e promovendo um grande ataque contra seus muros, um raio atinge e parte ao meio a árvore mais próxima do grupo, trazendo à tona a possibilidade de uma resposta do divino às afrontas do bárbaro. A segunda é o ponto alto do filme, quando já nos arredores de Roma, o próprio papa se aproxima num pequeno barco pelo rio, envolto em uma névoa celestial, para tentar influenciar os bárbaros a desistirem do ataque… É bem provável que esta seja uma das sequências mais belas que Sirk filmou em sua carreira.

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A partir daí, os presságios do vidente acabam se mostrando verdadeiros, Átila se vê encarando um longo processo de definhamento espiritual e se perde no abismo, enquanto Marciano convoca os romanos para um ataque surpresa. O confronto final do exército romano contra os Hunos de Átila, apesar de curto e sintético, também serve para provar que Sirk definitivamente tinha talento para dirigir ação com o mesmo vigor de seus dramas suburbanos pelos quais ele é mais conhecido. Mas é mesmo no prazer de narrar essa grande jornada espiritual de Átila que reside um filme magnífico. E claro, em Jack Palance, que é o centro das atenções. Um verdadeiro monumento.

Assisti a ÁTILA, O REI DOS HUNOS em DVD, lançamento fresquinho de Janeiro da Classicline. O disco é apresentado em uma edição com uma cópia excelente, num belíssimo widescreen, áudio original e dublagem em português para aumentar o clima nostálgico. Acompanha trailer de cinema e uma galeria de imagens como extra. O DVD pode ser adquirido nas melhores lojas ou na loja virtual da própria distribuidora.

 

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ALONE IN THE DARK (1982)

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Um divertido filme de terror do glorioso inicio dos anos 80, dirigido por Jack Sholder, e que nos presenteia pela reunião de três grandes figuras do cinema de gênero: Donald Pleasence, Martin Landau e a “cereja do bolo”, Jack Palance. Este é o pequeno clássico ALONE IN THE DARK, chamado no Brasil de NOITE DE PÂNICO.

Pleasence interpreta o Dr. Leo Bain, diretor de um hospício onde se encontram, além de pacientes comuns, figuras extremamente perigosas sob tratamento psiquiátrico. Dois deles são vividos Landau e Palance. O primeiro é um ex-padre que colocou fogo em sua própria igreja e o outro é um ex-prisioneiro de guerra e que acabou se tornando o líder de grupo psicopata do tal manicômio. O que inclui ainda mais dois malucos para completar o time: um sujeito extremamente obeso e um perigoso assassino conhecido como Bleeder, já que seu nariz sangra toda vez que comete um assassinato.

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A trama de ALONE IN THE DARK tem seu inicio quando o psiquiatra Daniel Potter (Dwight Schultz) é contratado pelo Dr. Bain (que é tão louco quanto seus internos) para substituir o Dr. Harry Merton, antigo responsável pelos pacientes mais perigosos acima citados e que foi transferido para outra clínica. Mas vocês sabem como são os loucos, não é mesmo? Quando colocam alguma ideia na cabeça é difícil tirar. Sendo assim, o personagem de Palance comenta que o Dr. Potter, na verdade, assassinou o Dr. Merton para tomar o seu lugar, então o grupo de perigosos desequilibrados decidem bolar um plano para matar seu novo psiquiatra.

No “campus” do hospício, os pacientes podem vagar tranquilamente, inclusive os quatro psicopatas desvairados, embora sejam muito bem vigiados. À noite, a única circunstância que os mantém presos é o sistema eletrônico de segurança que depende de energia. Para nossa sorte, acontece um inusitado apagão que coloca a pequena cidade do filme num verdadeiro caos (com direito à invasão de lojas e crimes em massa) e os quatro loucos varridos aproveitam para escapar e ir atrás do Dr. e toda sua família.

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A trama é bem simples, como podem perceber, mas são vários os pontos que se destacam para uma boa degustação. Uma delas consiste na direção de Jack Sholder, que está longe de ser perfeita, mas passa a impressão de que seja o trabalho de um veterano que dirigiu vários exploitations de terror nos anos setenta, com muita bagagem nas costas, etc. Só que ALONE IN THE DARK é o primeiro filme do cara (que faria mais tarde alguns filmes legais do gênero, como A HORA DO PESADELO – PARTE 2 e THE HIDDEN), apresentando ótimo domínio de cena e na criação de atmosfera de terror. Além de saber como aproveitar a presença quase mística de alguns do atores envolvidos sem mostrá-los demais.

Jack Palance, por exemplo, aparece em pouquíssimas cenas, mas só de saber que é o sujeito que está cercando a casa do Dr. Potter com toda sua família dentro, no meio da noite, já é suficiente para impressionar, mesmo que a câmera do diretor mostre, quase sempre, dentro da casa onde estão as prováveis vítimas dos lunáticos. É o caso de uma forte presença do ator que vai além do “estar” em cena ou não. A mesma coisa acontece com o Martin Landau (que aparece um pouquinho mais).

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Palance inclusive se recusou a filmar uma sequencia em que seria visto matando um motorista antes de roubar-lhe o carro. Ele disse que não era necessário expor tanto o personagem desta maneira para mostrar ao publico o quanto ele era perigoso. E estava totalmente certo. Seu personagem é de longe o mais sombrio, assustador e ameaçador e sem precisar de muito esforço. Sem dúvida alguma, é o que o filme te de melhor. Ainda conta com efeitos especiais do mestre Tom Savini e várias situações antológicas, como o sonho surrealista do personagem de Martin Landau ou o final com o Palance entrando no Pub punk.

Outra coisa legal é o fato do personagem Bleeder nunca mostrar seu rosto. Em determinado momento, ele utiliza uma mascara de hockey que lembra a mesma que outro famoso assassino oitentista viria a usar algum tempo depois, mas que surgiu na mesma época deste aqui… seria alguma coincidência?

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Não importa, o que vale mesmo é a diversão, e é o que ALONE IN THE DARK concede com garantia. Dificilmente vou ver um filme sobre louco(s) psicopata(s) sem antes pensar nesta belezinha.