FOLHAS MORTAS (Autumn Leaves, 1956)
A carreira de Aldrich possui algumas inserções, em meio a tantos filmes masculinos, de exemplares que exploram o universo feminino com protagonistas fortes. FOLHAS MORTAS foi o primeiro, um drama que começa como um estudo sobre solidão antes que a datilógrafa interpretada por Joan Crawford receba a proposta de casamento de um homem muito mais jovem (Cliff Robertson), desencadeando a segunda metade do filme impregnada de confusão edipiana e neuroses esquizofrênicas. Aldrich, com uma câmera inventiva, eleva um conto de desejo feminino a uma obsessão histérica e tensão hitchcockiana. Não é perfeito, acho que esse material renderia mais nas mãos de um Sam Fuller (sobretudo como as coisas se desenrolam no desfecho), mas é bom pra ver como Aldrich evoluiria em relação a esse universo feminino em filmes futuros. E as atuações de Crawford e Robertson são tão boas que até passo pano pra alguns detalhes…
MORTE SEM GLÓRIA (Attack, 1956)
Eu nunca tinha visto, então estava esperando uma aventura de guerra escapista e divertida, como tantas outras do período, e o Aldrich vai lá e entrega um dos melhores e mais amargos manifestos anti-guerra produzido em Hollywood durante os anos 50, transcende até o drama de guerra convencional. Na verdade, acho que já dá pra perceber até aqui que nada em Aldrich é convencional, tudo é mais complexo e humano.
A produção não teve a habitual cooperação do exército dos EUA, que não gostou da representação de seus oficiais no filme, então Aldrich foi forçado a realizá-lo com um orçamento pequeno em pouco mais de um mês de filmagens. Acabou sendo uma lição pro diretor, ainda que tivesse que aprendê-la outras vezes, constantemente se vendo em conflito com algumas cabeças de estúdio que não gostavam dos temas que ele escolhia filmar. Ao londo da carreira, Aldrich encontraria a incompetência nos estúdios da mesma maneira que a retrata o exército americano em MORTE SEM GRÓRIA – guardando as devidas proporções – e sofreu por isso, perdendo sua própria companhia de produção em mais de uma ocasião. Mas continuou lutando e encontrou sucesso ao parecer seguir as regras enquanto na verdade as desmantelava – quer blockbuster popular mais ácido e cínico do que OS DOZE CONDENADOS? Seu ataque à complacência, incompetência e corrupção em MORTE SEM GRÓRIA é tão forte quanto o de Kubrick em GLÓRIA FEITA DE SANGUE e eu diria até mais afiado e menos sentimental. Um filme que diz tanto sobre o exército americano e a ineficiência da hierarquia militar quanto da própria visão desprezível do diretor em relação a figuras de autoridade. Vale destacar as atuações maravilhosas de Jack Palance – SPOILER expressivo até fazendo papel de cadáver FIM DO SPOILER – e Lee Marvin que consegue engolir o cenário nos poucos momentos que aparece. E tem algumas das cenas de batalhas mais violentas do período.
A DEZ SEGUNDOS DO INFERNO (Ten Seconds to Hell, 1959)
Um rascunho de OS DOZE CONDENADOS, com o conceito fatalista de “grupo de homens em missão” que depois seria expandido para o filme de 1967, com orçamento maior, astros mais famosos e mais ação… Mas Aldrich costumava ser o primeiro a descer a lenha em A DEZ SEGUNDOS DO INFERNO, sobretudo na maneira como o retalharam no corte final, tirando mais de meia hora de uma introdução que daria mais sentido para os personagens agirem como agem. Muitos dos próprios admiradores de Aldrich admitem que é um trabalho falho. Nunca tinha assistido, só conhecia essa reputação desfavorável, mas apesar de não ser mesmo dos meus favoritos do diretor, achei excelente… Pode não cumprir a empolgação prometida no título, mas captura um lugar, um tempo, um estado de espírito com uma precisão quase documental, a Berlim pós-guerra, que era um terreno baldio de prédios destruídos por bombas, pobreza extrema, cidadãos desmoralizados e o mercado negro à todo vapor. E é nesse cenário que Aldrich traz à vida um melodrama existencial sombrio que fascina em vários níveis, desde o contraste nos estilos de atuação entre Jack Palance e Jeff Chandler (que estão geniais) até a excelente cinematografia em preto e branco de Ernest Laszlo. As sequências dos desarmamentos de bombas são verdadeiras aulas de tensão.
COLINAS DA IRA (The Angry Hills, 1959)
Das poucas coisas que salva por aqui, é uma ceninha em que Mitchum e mais um sujeito vão para um bar na Grécia e assistem a uma dançarina exótica de topless. Isso mesmo, em 1959 temos um filme do Aldrich, estrelado pelo Mitchum, com uma mulher de seios à mostra… Cheguei a fazer um post por aqui de tão surpreso que fiquei na época que assisti pela primeira vez. Depois fiquei sabendo que o Aldrich nem filmou a cena, mas o produtor Raymond Stross. A cena foi incluída apenas em algumas versões. Provável que na época nem tenham visto a moça de topless… Na verdade, havia muito pouco que Aldrich gostava em COLINAS DA IRA. Ele teve sérios conflitos com a Columbia Pictures por causa de um trabalho anterior, THE GARMENT JUNGLE, no qual fora demitido e substituído por Vincent Sherman, que recebeu o crédito de direção. Isso levou Aldrich a buscar uma maior liberdade artística na Inglaterra, onde fez o belo thriller de desarmamento de bombas que comentei acima. E logo depois iniciou essa nova empreitada, um thriller de espionagem em tempos de guerra, baseado num romance de Leon Uris, ambientado entre partisans gregos e informantes da Gestapo. Parecia um projeto ideal para Aldrich e também tinha o que parecia ser o herói perfeito nos moldes do diretor, o maior ator de todos os tempo, Robert Mitchum.
Mas no fim, o que prometia ser um exemplar emocionante, acabou resultando em algo enfadonho, com uma trama cheia de escolhas erradas, triângulos amorosos aborrecidos e um final totalmente insatisfatório… Há pouca coisa pra se aproveitar nessa aventura. Óbvio que os seios da dançarina exótica, como já disse, é um destaque e que surpreende não pela nudez em si, mas por ser quase um ato simbólico de ousadia e subversão pro tipo de produto de estúdio que é COLINAS DA IRA. Pena que foi logo no pior filme do Aldrich que vi até agora.
Parte 3 em breve.