A NOITE DA CRUELDADE (Dangerous Game, 1987)

Hey! Um post novo!

Vi esse primeiro longa do diretor Stephen Hopkins. Quem? Pois é, uma pena que hoje em dia seja um nome pouco lembrado. O sujeito é desses diretores “pistoleiros de aluguel” – atira bem e não deixa muito rastro – e teve uma carreira até bem respeitada em Hollywood no final dos anos 80 e durante a década seguinte com um tipo de filme de orçamento médio que fazia relativo sucesso nos cinemas e nas locadoras – CONTAGEM REGRESSIVA (94), UMA JOGADA DO DESTINO (93), A SOMBRA E A ESCURIDÃO (96). Dirigiu também exemplares de franquias famosas como A HORA DO PESADELO 5 (89), PREDADOR 2 (90), fez a atualização da série sci-fi PERDIDOS NO ESPAÇO (98)… Nos anos 2000 e até hoje ele continua fazendo algumas coisas, mas meio que saiu dos radares.

Hopkins nasceu na Jamaica, mas passou boa parte da vida na Austrália. Foi lá que realizou A NOITE DA CRUELDADE. Um filme que faz bater certa curiosidade de como seria a carreira de um diretor como Hopkins se não tivesse sido engolido por Hollywood, tivesse continuado a fazer filminhos de gênero em seu país, pequenas joias como esta aqui.

Na trama, um policial meio surtado, psicótico, chamado Murphy (Steven Grives), começa a infernizar a vida de um estudante universitário, filho de seu ex-superior na corporação policial. Numa noite, quando o tal aluno e seus amigos, que se vestem como a banda A Flock of Seagulls, invadem o sistema de segurança de uma grande loja de departamentos e adentram no local, só por diversão, o policial decide assustá-los. Só que as coisas fogem do controle e dão muito errado…

Uma das coisas que eu realmente gosto em A NOITE DA CRUELDADE é como o policial psicopata é caracterizado. A maioria desses filmes já descamba pro slasher, assume que o personagem é maluco e, portanto, não terá remorso. A única coisa que lhe faz feliz é matar adolescentes aleatórios. O que é algo bom também, não estou dizendo que um jeito é melhor que outro. Mas, em contraste, Murphy é uma pessoa torturada e em conflito, o que torna isso aqui peculiar. E o bom desempenho de Grives ajuda muito a entender melhor o personagem. É um bocado exagerado nas expressões faciais, mas pro tipo de filme que temos aqui funciona bem.

A sequência que ele acidentalmente mata um garoto é um destaque. Podemos ver toda a sua vida desmoronar quando ele percebe o que fez. E a primeira reação é ligar pra polícia e relatar a cagada… Mas aí se dá conta de que, não importa o que diga, ele será o responsável pela morte e desliga sem falar nada. E o que acontece a partir daí é um jogo de gato e rato noite adentro pelos departamentos escuros dessa grande loja.

É evidente que sente-se a falta de algumas coisas, o filme se arrasta um pouco e os realizadores acabam não explorando tanto o material “explorativo” que tem em mãos. Enfim, não é um filme perfeito… No entanto, se você realmente conseguir se conectar e entrar na brincadeira, vai perceber que nem sempre um filme precisa de uma toneladas de peitos de fora ou alta contagem de corpos para manter o público interessado.

Na contagem:

Duas mortes
Uma ceninha curtíssima de peitos
Sem explosões
Nenhuma sequências de sonho alucinante
Sem tempestades relampejantes
Nenhum ator que apareceu em Star Trek

E ainda assim um bom filme.

PERSEGUIÇÃO DEMONÍACA (1991)

Esse aqui é a continuação de um filme que postei outro dia, 976-EVIL, ou FORÇA DEMONÍACA, ou como o amigo leitor Anselmo Luiz prontamente lembrou nos comentários, que o filme foi exibido por aqui no Cine Trash da Band como LINHA DIRETA PARA O INFERNO. Enfim, o que importa agora é que eu finalmente assisti a PERSEGUIÇÃO DEMONÍACA, ou FORÇA DEMONÍACA – LINHA DIRETA PARA O INFERNO 2 (976-Evil II), que apesar de não ser melhor que o filme original, é uma boa brincadeira.

Não tinha como dar errado, já que o diretor é o Jim Wynorski (como frisei no post do primeiro filme), mestre dos filmes B nos anos 80 e 90, que dirigiu clássicos como CHOPPING MALL (1986), filme sobre robôs assassinos vagando por um shopping e que, prometo, ainda vou escrever algumas coisas por aqui, e NOT OF THIS EARTH (1988), remake estrelado por Traci Lords do original de Roger Corman de 1957 e que já postei por aqui há alguns bons anos. depois cliquem aqui, porque eu já escrevi sobre vários filmes do Wynorski no blog. E pretendo escrever mais…

Eu gosto demais do Wynorski, como já devem ter notado, e já nos primeiros primeiros dois minutos de PERSEGUIÇÃO DEMONÍACA dá pra perceber alguns motivos… Temos de cara algumas assinaturas de Wynorski impressas na tela: MOMENTO BORRACHARIA.

Nudez gratuita, uma moça no chuveiro, depois vestindo uma camiseta molhada sendo perseguida em corredores escuros por um indivíduo sobrenatural maligno. Sim, é um pouco insípido, mas é do Wynorski que estamos falando aqui. E também de terror do início dos anos 90… Então, por favor, não me venham com moralismo.

Pra compensar, a sequência termina com a moça de pouca roupa sendo assassinada no teatro da faculdade, onde o cenário de uma peça de Fausto está preparado… Então temos aqui o melhor dos dois mundos wynorskiano resumidos em uma cena. A essência do cinema de Wynorski: a mistura perfeita do Wynorski diretor de filmes de arte com o Wynorski diretor safado.

O enredo dessa continuação gira em torno do reitor (René Assa) dessa faculdade onde aconteceu essa abertura fantástica, que acaba se tornando a tal figura maligna, que mencionei ali em cima, depois de começar a fazer ligações para a mesma linha direta do Horrorscope do primeiro filme. Como resultado, desenvolve alguns poderes sobrenaturais, incorporando algum tipo de demônio, que o leva a matar alguns alunos. Não demora muito para acabar atrás das grades, mas nem isso segura o sujeito. Enquanto seu corpo físico está na prisão, seu espírito (ou algo assim) atravessa as grades da cela para continuar tocando o terror.

Temos o retorno de Spike, o jovem sobrevivente do primeiro filme, novamente interpretado por Patrick O’Brien (ainda fazendo uma imitação de um James Dean oitentista fajuto), que reúne forças com Robin (Debbie James), a filha do delegado da cidade e estudante da faculdade dirigida pelo reitor dos infernos. Os dois passam o filme inteiro mantendo alguma tensão sexual e, claro, tentam descobrir como capturar, matar, destruir – ou seja lá o que se faça com os espíritos do mal – o reitor possuído.

PERSEGUIÇÃO DEMONÍACA não é um filme perfeito, mas eu só tenho elogios a fazer. Wynorski realizou um filme muito melhor do que precisava. É como se ninguém dissesse à ele que isso aqui deveria ser apenas uma sequência descartável de um filme que ninguém mais lembrava para ser exibida na TV a cabo tarde da noite. E o que o Wynorski faz? Bom, é um sujeito que eu já disse antes que tem talento para além da safadeza e tosquice que são seus filmes, que sabe trabalhar com criatividade nas mais adversas produções, com baixíssimos orçamentos… Quero dizer, claro que aqui não deixa de ter um pouco de tosquice e safadeza (algo que tá até bem abaixo da média dos filmes do diretor) mas também há uma direção genuinamente criativa e muitas coisas interessantes acontecendo na tela.

Há uma perseguição de carros no meio do filme que é muito maior e melhor do que eu esperaria de uma produção com esse orçamento. Foi aqui também que Wynorski, que é um sujeito esperto, filmou uma sequência na qual Spike com sua motocicleta explode um caminhão com dinamite e que o diretor reaproveitou as imagens para inserir neste outro filme que já comentei aqui. Gênio da picaretagem.

E de alguma forma, alguém deu a Wynorski os direitos de usar cenas do clássico ACONTECEU NAQUELA NOITE, do Frank Capra, numa das sequências mais incríveis de PERSEGUIÇÃO DEMONÍACA, quando a amiga de Robin é sugada para sua televisão e se vê participando de uma mistura bizarra entre ACONTECEU NAQUELA NOITE e A NOITE DOS MORTOS VIVOS, do Romero. Sério, é uma ideia legitimamente boa e criativa. Em algum lugar, o Capra deve estar se contorcendo no seu túmulo, mas tudo bem…

Algumas aparições de figuras notáveis do cinema B do período também tornam as coisas mais divertidas em PERSEGUIÇÃO DEMONÍACA, como Monique Gabrielle, uma das musas scream queen dos anos 80 fazendo uma advogada; George ‘Buck’ Flower, que tem uma morte terrível por aqui; e numa das melhores sequências do filme, Spike vai a uma livraria de ocultismo chamada Lucifer’s e descobrimos que ela é administrada por ninguém menos que Brigitte Nielsen.

Se alguém por aí é, de alguma forma, o público deste tipo de tralha, admira o trabalho do Jim Wynorski, então fica a recomendação. PERSEGUIÇÃO DEMONÍACA é curto, bobinho, barato, o ritmo é bom, as mortes são frequentes e algumas bem sangrentas – repito: fiquem de olho na morte do ‘Buck’ Flower. Os efeitos especiais são pobres, mas funcionam, possuem o charme que só esse tipo de filme proporcionava. Quase nunca o filme cai em momentos de tédio. É tudo o que poderia querer da continuação de um filme que ninguém se lembra e que ninguém pediu, feita com baixo orçamento por um mestre do B Movie americano no início dos anos 90.

A NOITE DAS VAMPIRAS e o humor macabro de Rubens Mello

O querido ator e diretor guarulhense Rubens Mello está finalizando seu primeiro longa-metragem, uma mistura de horror com comédia deliciosamente chamada A NOITE DAS VAMPIRAS.

Sinopse: Justine é uma jovem que foi criada por pais adotivos. Em sua vida adulta, tornou-se uma atriz que faz muito sucesso em comerciais de TV. Em certo momento, recebe um convite para conhecer sua família biológica. O encontro se dá às vésperas de uma festa, que acontece anualmente, para celebrar o sucesso do açougue gerido pela sua família. Mas, o que era para ser apenas uma reaproximação com sua verdadeira família, torna-se algo sinistro e bizarro, onde coisas absurdas e engraçadas acontecem, levando Justine a conhecer o verdadeiro segredo do sucesso dos negócios da família.

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30 anos de DRÁCULA DE BRAM STOKER

Outro dia tava revendo esse filme do Coppola que já tá completando três décadas. E, mais uma vez, fiquei maravilhado como da primeira vez que vi, quando era moleque, mais ou menos na metade dos anos 90… Essa sequência de abertura em especial simplesmente me deixa sem chão.

Podem dizer o que quiser, eu sei que quando se discute a carreira do Coppola, muita gente já enche a boca pra destacar a trilogia O PODEROSO CHEFÃO e APOCALYPSE NOW como as obras primordiais do homem. E provavelmente essas pessoas estão certas. Sobretudo APOCALYPSE NOW e O PODEROSO CHEFÃO – PARTE III são dois dos maiores filmes já feitos na história.

No entanto, é DRÁCULA DE BRAM STOKER (Bram Stoker’s Dracula, 1992) que certamente está entre as maiores realizações pessoais do diretor.

Na edição de novembro de 1992 da Fangoria – cuja capa se refere ao filme em questão como “O evento de horror da década!” – apresenta uma entrevista com o Coppola, que fala sobre sua tentativa de fazer um filme experimental a partir do romance de Bram Stoker, enquanto o estúdio queria um grande e luxuoso filme de terror de primeira linha. Coppola vinha de uma década de fracassos, não podia ficar de molecagem, mas o próprio filme demonstra que ele conseguiu algo. Ao final da entrevista, ele conclui:

A ironia é que mesmo que este filme não tenha sido tão experimental como eu planejei originalmente – eu consegui talvez 40 % do que eu queria – ainda não é um filme convencional. Certos aspectos dele escaparam de mim, ficaram maior do que eu pretendia; eu estava pensando em fazer uma versão menor, estranha e artística, e o que eu consegui é uma versão grande, estranha e artística.

Caso familiar de eventos na carreira de Coppola: a intenção de fazer um filme menor fugir de seu controle e se transformar em algo muito mais extravagante, épico e suntuoso… Nesse caso, porém, DRÁCULA acabou sendo um raro sucesso de sua carreira pós anos 70, em grande parte graças ao conceito estético da coisa. O homem de alguma forma convenceu um grande estúdio a trazer à vida uma visão experimental do horror para um público então desavisado, que achava que receberia uma super produção tradicional do gênero (e que foi bombardeado na época com uma massiva campanha de marketing), mas que acabou se deparando com um triunfo de vanguarda estética das mais radicais, barrocas, revolucionárias e inventivas no cinema mainstream americano.

E acho que é exatamente isso que mantém DRÁCULA tão vivo até hoje. Mesmo para quem nunca o assistiu e o ainda fará pela primeira vez (e por favor, se alguém aí ainda não viu, faça imediatamente), o que salta aos olhos de maneira instantânea são os mesmos elementos formais pelos quais o filme foi aclamado e premiado há trinta anos.

O sucesso é antes de tudo visual com uma das estéticas góticas mais extravagantes já vistas, um primor de direção de arte, fotografia, exuberância de cores, cenários, figurinos, composições visuais meticulosamente trabalhadas, montagem complexa, efeitos visuais ópticos à moda antiga, buscando mais pureza nas trucagens, na arte de fazer um cinema mais artesanal, com maquetes, teatro de sombras, maquiagens, sobreposição de imagens estilizadas… Ou seja, o que mantém a grandeza de DRÁCULA é esse esforço de Coppola em contar essa história em termos puramente visuais. São duas horas de um festival sensorial que sintetiza o cinema de horror como arte.

Coppola teria ainda delegado bastante responsabilidade ao seu filho Roman Coppola, que teria sido um dos cabeças dos efeitos especiais e também diretor de segunda unidade e que quase poderia ser descrito como um diretor não oficial de DRÁCULA. Tudo isso depois que Coppola demitiu a equipe original de efeitos especiais, que não conseguiu acompanhar as ideias artesanais que o homem queria pro seu filme.

Toda essa ideia de fazer efeitos especiais arcaicos é claramente uma forma de homenagear o próprio cinema e transcender suas inspirações, as outras grandes obras que adaptaram o mito de Drácula para a tela grande, desde os clássicos da Universal aos filmes da Hammer, mas também da poesia fantástica francesa com A BELA E A FERA, de Jean Cocteau. E, claro, NOSFERATU, de Murnau. Apesar de que ao mirar nesse filme do Murnau, Coppola parece ter acertado mais em FAUSTO. Quem assistiu aos filmes do alemão vai perceber…

Uma coisa que não lembrava tanto aqui é como o filme é intensamente erótico. Sexo e morte sempre andaram de mãos dadas no cinema de horror (especialmente quando se trata do subgênero “filmes de vampiro”), mas Coppola trabalha num nível quase fetichista de fantasias libidinosas. O encontro inicial de Jonathan Harker (Keanu Reeves) com as Noivas do Conde (entre elas uma jovem Monica Bellucci) é de matar um idoso do coração, com o leito dando lugar a corpos emergentes que se entrelaçam; bocas, línguas, braços, pernas, seios se encontram antes de Drácula enxotá-los, reivindicando para si o rapaz desnorteado.

A personagem de Lucy (Sadie Frost) nessa versão também dá uma alegrada, toda sapeca, rindo com Mina (Winona Ryder) depois de deixar cair uma cópia do Kama Sutra, antes de acariciar a faca de um de seus pretendentes, dizendo a ele que não pode acreditar o quão grande é. Na verdade, todos os principais temas que geralmente são suprimidos ou mascarados em versões antigas do mito de Drácula adaptadas para o cinema estão aqui de forma mais explícita: a estreita relação da maldição do vampiro com o sexo, AIDS, drogas, além do progresso da medicina, espiritualidade, religião, etc.

É fácil esquecer, dado o número de mudanças em centenas de adaptações que Drácula teve ao longo da sua existência, que não há uma única interação romântica entre o personagem título e Mina Harker no romance de Stoker. O Conde não tem nenhum interesse nela, além do desejo de se banquetear com seu sangue e transformá-la em uma de suas noivas. Ela é apenas a vítima de um predador;

Mas aqui o olhar de Drácula é a de um amante. De repente, não estamos mais assistindo as façanhas de um monstro sem alma, mas sim um espírito assombrado, alimentando desesperadamente sua jornada através de épocas para alcançar o destino de possuir aquela que ele perdeu há muito tempo.

E a história de amor entre Drácula e Mina, apesar de cafona, até que é boa de acompanhar, com alguns momentos tocantes, como o primeiro encontro dos dois, seguido da cena no cinema; ou a sequência em que Mina se entrega ao sujeito e bebe seu sangue. Coppola realmente conseguiu fazer do personagem um indivíduo trágico através desta história e causar um sentimento misto, no qual queremos tanto vê-lo perecer por seu lado maligno quanto em reencontrar o seu amor.

Sobre o elenco, A primeira coisa que as pessoas costumam lembrar para difamar o filme é, claro, a atuação de Keanu Reeves como Harker. Sabe-se que Coppola queria Johnny Depp para o papel, mas o estúdio não achava que ele tinha o nome forte o suficiente na época. O próprio Reeves diz que não gosta de sua atuação aqui, vinha de uma série exaustiva de trabalhos e quando filmou DRÁCULA estava esgotado, não conseguiu entregar algo melhor. Mas não acho que chega a prejudicar, embora não seja mesmo das suas melhores performances.

Mas para além disso, curto praticamente todos os rostos que aparecem por aqui, especialmente Anthony Hopkins, obviamente, no papel de um Van Helsing divertido e astuto.

Outros destaques do elenco incluem Tom Waits interpretando Renfield como um comedor de insetos, e Sadie Frost, que, como já falei, assume o papel de Lucy, personagem tipicamente ingrato da melhor amiga da protagonista, que Drácula seduz primeiro, mas que aqui acaba tornando algo especial. É uma das minhas personagens favoritas do filme.

E enquanto isso, a própria personagem Mina não exige tanto de Ryder na maior parte do tempo. Ela tá ótima, mas acho suas outras performances do período muito mais interessantes…

É Gary Oldman, porém, quem rouba o filme e seus talentos camaleônicos são perfeitos para o Drácula como concebido aqui. Conseguindo atuar de forma convincente através dos vários designs complexos de maquiagem, Oldman é igualmente expressivo como um Drácula idoso decrépito, um jovem galã vitoriano ou um morcego de 1,80 m de altura. Suas cenas românticas com Ryder lembram aqueles livretos de banca, Harlequin, A Paixão de Jéssica, O Moinho do Amor, coisas do tipo, mas ele é persuasivo o suficiente para que, quando expõe seu peito e rasga um teco para Mina beber seu sangue, seja possível perceber que ela realmente tá a fim do cara.

É provável que DRÁCULA tenha sido um dos primeiros de uma onda de filmes de vampiros dos anos 90, como ENTREVISTA COM O VAMPIRO, que adotaram uma abordagem gótica, sombria, mas ao mesmo tempo romântica, que atraíam o público jovem do período.

Anos depois, é fácil traçar uma linha desse tipo de filme até, sei lá, a série CREPUSCULO, embora os fãs de DRÁCULA provavelmente zombem dessa comparação. A verdade é que eles exploram as mesmas fantasias. Porém, é muito provável que em comparação com a sexualidade casta de Stephanie Meyer, o filme de Coppola é praticamente pornográfico… Pessoalmente, nunca vi esses filmes dessa saga.

Enfim, a única parte negativa disso tudo é notar é que este aqui foi o último grande filme do diretor. Coppola até possui vários ótimos trabalhos depois, como TETRO, mas nada que chegue aos pés de DRÁCULA. E lá se vão trinta anos…

FORÇA DEMONÍACA (1988)

Já tinha assistido a FORÇA DEMONÍACA (976-Evil) antes, já faz alguns bons anos, e queria ver a continuação, que é dirigido pelo Jim Wynorski. O que pra mim é obrigatório. Nem sei porque ainda não vi. Só que eu não lembrava de quase nada deste primeiro filme. Então, cá estou, resolvi compartilhar essa revisão com meus caros cinco leitores… “Mas que raios de filme é esse?” alguém deve estar se perguntando.

Escrito por Brian Helgeland e Rhet Topham, FORÇA DEMONÍACA deveria gerar algum interesse dos fãs de terror simplesmente porque é a estreia na direção de um certo Robert Englund. Sim, o próprio Freddy Krueger arranjou um tempinho entre as continuações de A HORA DO PESADELO e se meteu atrás das câmeras.

Aparentemente, Robert Englund dirigiu FORÇA DEMONÍACA simplesmente porque queria fazer, foi o filme que surgiu da sua mente. Não tem nenhuma ligação com produtores de A HORA DO PESADELO, não teve nenhum acordo do tipo “aparecer em mais um filme como Freddy Krueger e em troca poder dirigir um filme”… Nada. Englund conhecia os roteiristas, vomitou todas as ideias que tinha e assim foi surgindo FORÇA DEMONÍACA.

No entanto, como não poderia ser diferente, após alguns anos encarnando um dos maiores ícones pop do horror dos anos 80, sua estreia na direção acaba tendo uma dose de influência da série de filmes criada por Wes Craven… A inspiração em A HORA DO PESADELO é bem óbvia.

A história gira em torno de Hoax (Stephen Geoffreys), um tipo nerd, deslocado, que ainda dorme de pijama e não pode comer chocolate no sofá da sala, totalmente dominado por sua mãe fanática religiosa, vivida por Sandy Dennis – Oscar de melhor atriz coadjuvante em 1967 por QUEM TEM MEDO DE VIRGINIA WOOLF?. Além disso, o moleque é impiedosamente intimidado pelos bad boys do ensino médio da escola. A única luz na sua vida é seu primo rebelde Spike (Patrick O’Bryan), uma espécie de James Dean oitentista, que anda pela cidade numa Harley, aumentando suas dívidas nos círculos de poker underground.

Tudo que Hoax quer é ser como seu primo, ou pelo menos tê-lo sempre por perto, lhe protegendo… Depois de se humilhar na frente da namorada de Spike, Suzie (a maravilhosa Lezlie Deane), quando ela descobre que ele roubou suas roupas íntimas, Hoax recorre a uma linha telefônica de auto ajuda chamada Horrorscope, que utiliza o tal 976 do título para fazer as chamadas (nos anos oitenta esse tipo de prefixo “9 alguma coisa” era extremamente popular nos Estados Unidos), para obter algum consolo. Depois de seguir o conselho da misteriosa linha de apoio, o rapaz lentamente começa a se transformar em uma poderosa criatura demoníaca e assim começa sua busca por vingança.

Começando um pouco inseguro de si mesmo, meio sem saber definir o tom, o filme eventualmente se transforma num produto de terror bastante agradável, que se eleva acima do pequeno orçamento e diverte com esse conceito tão batido. Sim, o tema “nerd-on-revenge” já foi feito um milhão de vezes antes e Englund sabe disso, ele apenas quis requentar uma historinha que ainda pode render bons frutos, adicionando temas que até podem soar clichês e derivativos em alguns momentos, mas que possui personalidade, uma visão pessoal de Englund – agora como criador de imagens de horror – e um bocado de humor.

E ele se sai muito bem. De vez em quando dá uma derrapada no ritmo, algo normal para um estreante… Em termos visuais, o sujeito demonstra boa noção de composições, de como trabalhar a câmera, há aquele charme sombrio do horror oitentista marcado por neons que o sujeito explora de forma belíssima. Gosto bastante dos cenários, tudo tem uma qualidade exagerada. E embora não seja um filme muito sangrento, os efeitos especiais de maquiagem do mestre Kevin Yagher são ótimos. A sequência do massacre no cinema, com direito a um bocado de gore, e o final em que a casa de Hoax se transforma na porta de entrada para o inferno, são particularmente especiais.

Tirando esses momentos, não é um filme que há grandes cenas que permanecerão na memória. Como disse antes, eu já tinha apagado da mente 90% do filme… Mas revendo agora é interessante notar uma agradável atmosfera crescente de desconforto à medida que Hoax se torna mais atraído pelo tal serviço telefônico. Nunca é explicado de onde surgiu o número demoníaco, como Spike obteve o cartão, há apenas uma revelação no desfecho, mas que também não diz muita coisa. E em duas ocasiões mostra outras vítimas que acabam tendo um destino cruel por estarem envolvidas com o Horroscope… Há até a presença de um detetive que investiga essas mortes misteriosas ligadas ao serviço, que gera alguns momentos curiosos, mas o que importa mesmo é Hoax e sua jornada diabólica de vingança.

O paralelo com A HORA DO PESADELO torna tudo ainda mais interessante. FORÇA DIABÓLICA é quase um primo distante da franquia de Freddy Krueger, com sequências de terror e clima de pesadelo inspiradas e ambiciosas, cuja produção talvez não tivesse o orçamento suficiente para realizar de forma mais eficiente, mas que vale pelo esforço. Hoax até se transforma, no fim, num monstro brincalhão com unhas afiadas que é impossível não se lembrar de Freddy. Sem contar os temas em comum, sobretudo com A HORA DO PESADELO 2 – A VINGANÇA DE FREDDY, com subtexto gay e tudo, mas neste enredo de possessão satânica juvenil.

O elenco é um destaque à parte. Stephen Geoffreys tá muito bom como Hoax. Um bocado irritante no início, mas funciona. Outro papel famoso de Geoffreys é como o vampiro Evil Ed no clássico do horror oitentista A HORA DO ESPANTO. Depois disso, além de um ou outro trabalho mais conhecido, o sujeito trocou o viés do cinema que vinha fazendo e começou uma carreira longa e bem sucedida como ator de filme pornô gay, usando pseudônimos como Sam Ritter e Stephan Bordeaux. Nunca assisti nada dessa fase, mas fica a dica pra quem tiver interesse…

Sandy Dennis está bem divertida como a mãe de Hoax e rouba a cena quando aparece. Patrick O’Bryan não é lá muito expressivo, mas Englund consegue extrair o suficiente do rapaz. Lezlie Deane tem boa presença na tela; e há um pequeno papel para o grande Robert Picardo que é muito bem-vindo.

Certamente FORÇA DIABÓLICA não está no mesmo nível dos melhores exemplares do horror de baixo orçamento dos anos 80, mas é uma maneira agradável de passar o tempo e mostra que Robert Englund pode se sair quase tão bem atrás da câmera quanto na frente dela. Pena que além deste aqui, ele acabou fazendo só mais um filme, já nos anos 2000… FORÇA DIABÓLICA é um filme meio estranho, muito bobo em alguns momentos, mas não deixa de ser divertido na maior parte do tempo e que de alguma forma consegue ser mais notável e gratificante do que eu lembrava.

E agora sim, posso assistir sem peso na consciência a continuação, 976-EVIL II, lançada no Brasil como PERSEGUIÇÃO DEMONÍACA, de 1991, dirigido pelo grande Jim Wynorski… Até!

PYTHON: A COBRA ASSASSINA (2000)

Às vezes eu me pergunto o que tô fazendo com a minha vida. Poderia estar postando sobre um filme noir, um western do John Ford, até mesmo um horror italiano de um Mario Bava ou filmes de ação dos anos 90 estrelados por algum action hero icônico da época. Mas não, tô escrevendo sobre um filme de uma cobra gigante feita de CGI tosco dos anos 2000…

Tudo bem, vamos lá… Aproveitando o sucesso de ANACONDA, na segunda metade dos anos 90, e o surgimento de filmes como KING COBRA (1999) que tinha vendido à beça no mercado, dando início a uma demanda por filmes de cobras gigantes, PYTHON: A COBRA ASSASSINA (Python), de Richard Clabaugh (que diz que a sua inspiração, na verdade, foi O ATAQUE DOS VERMES MALDITOS), foi um dos primeiros exemplares da interminável onda de filmes do gênero, com cobras e crocodilos gigantes à solta, que surgiram nesse período.

E é um dos melhores que já vi. O que não significa que seja bom… Mas confesso que PYTHON tem peculiaridades suficientes pra me fazer sorrir no fim da sessão.

Primeiro, é um filme que não é chato. Tem sempre coisas acontecendo, sub-tramas e mini-histórias que não deixam o ritmo cair, pelo menos em boa parte de projeção. Além disso, PYTHON tem algo que a grande maioria dessas tralhas não tem: senso de humor. Daí faz até algum sentido Clabaugh dizer que O ATAQUE DOS VERMES MALDITOS tenha sido sua inspiração… É quase uma tentativa falha de combinar uma trama de horror com comédia em alguns momentos. Embora no fim das contas acabe mesmo sendo uma comédia involuntária durante o tempo todo.

Olha, pra mim funciona em algum nível. Deu pra dar boas risadas com algumas coisas… E, convenhamos, quem procura um filme sobre uma cobra gigante comendo ou matando pessoas não dá pra exigir muito. Dar risadas já é estar no lucro.

Na trama, quando um avião militar – que transporta um projeto ultrassecreto do governo – cai perto da pequena cidade de Ruby, ninguém parece se importar muito, apesar do misterioso fato de que o piloto e o outro tripulante a bordo morrerem por estarem cobertos com ácido. Então, quando esse tal projeto do governo, que é um híbrido genético de uma cobra atingindo 30 metros de comprimento, começa sua matança no local, a polícia acredita que um serial killer está à solta, matando suas vítimas com ácido. Incluindo o casal de lésbicas, as primeiras vítimas, que transam numa barraca na floresta, desconstruindo um pouco a habitual sequência de sexo ao ar livre do casal “homem e mulher” tradicional desse tipo de filme…

A polícia começa a ter um suspeito, John Cooper (Frayne Rosanoff), um praticante de BMX e aventureiro que voltou à cidade para ajudar seu irmão a administrar a fábrica de plástico de sua familia.

Entra em cena algumas figuras legais que deixam o filme mais divertido. Casper Van Dien com um bigodinho canalha é o líder da equipe mais atrapalhada de soldados que já vi e que tem a missão de capturar ou destruir o perigoso animal.

Temos também a presença (com muito mais tempo de tela que eu esperava) do Robert Englund, fazendo o cientista que é o expert sobre a cobra gigante e não quer que ela seja morta, porque é um experimento muito valioso e tal, blá, blá, blá, a mesma história que já vimos em um milhão de filmes. De qualquer forma, Englund em cena sempre abrilhanta qualquer situação.

A performance mais engraçada é de Scott Williamson como um corretor de imóveis babaca. Ele rouba o filme inteiro. Há uma sequência particularmente ótima em que ele tenta transar com a Jenny McCarthy mostrando uma casa à venda pra ela, mas é interrompido ironicamente pela cobra… Outro que merece destaque é o policial vivido por William Zabka, que tem dor de cotovelo por ter perdido a namoradinha para o protagonista da trama (e que rememora seu tempo de Cobra Kai lutando contra o protagonista no meio da rua, numa das cenas mais sem noção de PYTHON). Ah, e o piloto do avião na sequência de abertura é o grande Ed Lauter.

Sério, acho que nem o Quentin Tarantino poderia ter escolhido um elenco melhor para um filme de cobra assassina gigante em CGI.

Aliás, sobre a cobra em si, ou seja, os efeitos especiais em CGI da cobra gigante, como já devem ter notado nas imagens que coloquei aqui no post, podem até não ser dos melhores resultados, não ter o nível de um PARQUE DOS DINOSSAUROS… Mas não há nada de errado nisso. Pelo contrário, para o período que em que PYTHON foi produzido e com o orçamento claramente risível, não dá pra ficar esperando algo melhor. E ainda há o charme a mais que esse tipo de tosquice visual acrescenta. Já o trabalho com efeitos especiais práticos, de maquiagem, em especial as vítimas derretidas pelo ácido da cobra, são muito bons.

E é isso. PYTHON é a prova de que com o elenco certo, um bocado de bom humor, roteiro que tenta de alguma maneira criar personagens e desconstruir alguns elementos tradicionais, e com uma cobra gigante feita em CGI tosco, qualquer coisa pode funcionar… Claro, como disse, ainda não dá pra considerar isso aqui um “bom filme”. E em especial o último terço da narrativa, justamente o confronto final dos heróis com a cobra gigante, a coisa meio que desanda de vez. Mas ainda é o tipo de porcaria que me diverte.

E no fim das contas, não me arrependo por não estar escrevendo sobre um noir dos anos 40, ou um western do Ford…

RANKING PSICOSE

Já que estamos no mês de Halloween, nada mais justo que ver uns filmes de horror pra variar… Como se eu já não assistisse coisas do gênero o ano inteiro. Mas enfim, há alguns dias resolvi rever a franquia PSICOSE. Sim, o clássico de Alfred Hitchcock de 1960 teve algumas continuações nos anos 80 e 90, caso alguém não saiba. Eu já tinha visto quando era moleque e não me lembrava de nada. E foi uma boa jornada. Quero dizer, pelo menos alguns valeram muito a pena. Outros nem tanto. Então resolvi listar os filmes da série em ordem de preferência, do pior ao melhor.


6. BATES MOTEL (1987), de Richard Rothstein

O pior filme da franquia PSICOSE disparado é isso aqui. Entre PSICOSE III (1986) e PSICOSE IV (1990), tentaram fazer um spin-off da coisa toda, uma série de TV que acabou não indo pra frente. O piloto acabou virando esse TV movie meia boca que ignora as continuações produzidas até ali e imagina como seria se o serial killer Norman Bates tivesse ficado amigo de um garoto dentro da instituição que estava preso logo após os eventos do primeiro filme. 27 anos depois, Bates morre e deixa o famigerado motel de herança pro rapaz, que precisa reformar e reabrir o local… É o multiverso PSICOSE.

É fraquinho, uma comédia dramática sobre esse sujeito chamado Alex West (Bud Cord), um deslocado social tentando lidar com a vida fora da instituição onde passou a vida inteira preso, as burocracias para reabrir o motel, fazendo amizade com novas pessoas e, de vez em quando, encarando uma ou outra situação de horror, como se o mal que assombrou a família Bates ainda estivesse ligado ao local. Se o trabalho de suspense e horror não fosse nulo, talvez rendesse algo, mas nem pra isso BATES MOTEL presta. O arco da escritora, por exemplo, no terceiro ato, uma historinha de fantasmas totalmente deslocada da trama principal, é constrangedor e provavelmente dá um gostinho do que seria a série. Da mesma forma, a revelação final, ao estilo desfecho de Scooby Doo é um dos troços mais ridículos que já vi. Enfim, não vale muito a recomendação, a não ser que você seja um completista obcecado.

5. PSICOSE (1998), de Gus Van Sant

É o único filme que não revi, então nem vou me prolongar muito. Um experimento que o Van Sant fez de refilmar o clássico de Hitchcock quadro a quadro… Há quem defenda, mas eu particularmente acho uma inutilidade. Prefiro rever o original trocentas vezes. Mesmo assim, pelas minhas lembranças, ainda é melhor que BATES MOTEL.

4. PSICOSE IV (1990), de Mick Garris

O quarto e último da série PSICOSE também é um filme feito pra TV. Ao longo de quase 90 minutos assistimos Norman Bates (Anthony Perkins já imortalizado pelo personagem) tentar desempacotar toda a sua bagagem emocional e psicológica ao telefone num programa de rádio, com um monte de flashbacks da sua infância e adolescência, explorando as origens que o levaram a ser um serial killer e sua relação edipiana com a mãe (Olivia Hussey). Também descobrimos que Norman agora se casou e está tentando acabar com seus demônios para sempre. O que inclui matar sua esposa grávida para que o mal não passe para a próxima geração…

Mas é tudo meio decepcionante. Até curto algumas coisas do Mick Garris, mas acho que sempre foi mais simpatia pela sua boa vontade com o gênero do que realmente talento, mas temos alguns momentos aqui e ali mais inspirados em PSICOSE IV, como quando Henry Thomas (o garotinho do E.T. O EXTRATERRESTRE) assume o papel de Norman Bates adolescente, lutando com seus sentimentos inquietantes por sua mãe e propensão a esfaquear mulheres. Mas num geral as coisas não funcionam muito bem, é tudo muito chato e nem trazer o roteirista do original e a trilha sonora de Bernard Herrmann ajuda muito…

3. PSICOSE III (1986), de Anthony Perkins

Aqui começam as surpresas. Não lembrava que este terceiro filme era tão legal. Foi dirigido pelo próprio Anthony Perkins, que não se aguenta em criar uns fan service para homenagear o filme original (com alguns detalhes e enquadramentos que copiam o filme de 1960) e o próprio Hitchcock (a sequência inicial das freiras remete muito a VERTIGO), mas ao mesmo tempo transporta o material para o slasher dos anos 80 em toda sua essência: exagerado, com grande dose de nudez, um bocado de violência, muito neon, só coisa boa… Pode não ter um trabalho psicológico tão complexo, como o de PSICOSE II (1982), mas todos esses elementos típicos do horror oitentista compensam pra diversão.

Perkins, particularmente, tá um bocado over, mas ainda é maravilhoso assisti-lo como Norman Bates. E ainda demonstra um bom domínio na direção, na condução das coisas, construção de atmosfera tão peculiar do slasher e da estética do horror dos anos 80 num geral… Podia ter investido mais no ofício. Mas o que realmente se destaca em PSICOSE III é a presença insana do grande Jeff Fahey. O cara tá sensacional!

2. PSICOSE II (1982), Richard Franklin

Uma sequência que consegue expandir o cânone do primeiro filme, que é um dos maiores da história (e a essa altura já sabem que ficou em primeiro lugar neste ranking), ao mesmo tempo em que se aprofunda nos seus mistérios. Um filme com grande interesse em examinar essa figura que é Norman Bates (Anthony Perkins simplesmente genial aqui) sem transformá-lo em um rato de laboratório, simpático ao espaço mental do personagem, interessado em descompactar as camadas de uma vida inteira de trauma, culpa e medo na sua psique, 22 anos depois dos eventos do primeiro filme.

Há também uma boa dosagem de momentos de tensão e horror para equilibrar o drama, com algumas mortes realmente divertidas (e como já estamos nos anos 80 aqui, um pouco mais de violência gráfica que o clássico) e algumas boas reviravoltas. Ótimo roteiro de Tom Holland e a direção sempre competente de Richard Franklin, o “Hitchcock australiano”. Pode não chegar aos pés do original (poucos filmes do gênero chegam) mas temos aqui um dos melhores filmes de psicopatas dos anos 80.

1. PSICOSE (1960), de Alfred Hitchcock

Por fim, a cereja do bolo. Não tinha como ser diferente. E talvez neste momento, revisto pela milésima vez, PSICOSE seja o meu Hitchcock preferido… Desses filmes que eu já coloquei numa prateleira especial dos exemplares que nunca vou cansar de rever. É perfeito. Quantos filmes podem se orgulhar de terem reformulado um gênero? Não acho exagero nenhum dizer que essa obra-prima de Hitchcock, talvez o mais famoso filme de serial killer da história, criou o horror moderno.

Dessa vez fiquei atento nos detalhes da atuação de Anthony Perkins como o jovem Norman Bates – seu rosto, no final, é uma das mais terríveis expressões do mal já vistas. É tão antológica que não surpreende o sujeito nunca mais conseguir se livrar do papel. Mas o que faz mesmo de PSICOSE um filme extraordinário é a brilhante construção de planos que Hitchcock usa para costurar uma história que é simplesmente fantástica. Desde o plano inicial, a Janet Leigh de sutiã, o domínio do suspense durante cada segundo de sua “fuga”, a trilha sonora do Herrmann entoando, o encontro com Bates, até chegar na cena do chuveiro, que é uma das mais icônicas da história e que desconstruiu toda a noção de protagonismo que o cinema havia trabalhado até então.

É brutal, tenso, tesudo pra cacete e com aquela ironia macabra tão inerente ao velho Hitch.

Enfim, tudo já foi dito sobre PSICOSE. Essa revisão, mesmo depois de tantas e tantas ao longo de décadas, foi primordial só pra perceber ainda mais o quanto amo esse filme.

CRIMES DO FUTURO (2022)

Existem certos diretores que eu simplesmente acho que nunca mais vão conseguir trabalhar ou financiamento pra filmar. E a carreira acabou… Sou um cara pessimista por natureza. Coppola, De Palma, Verhoeven, Paul Schrader, Abel Ferrara, Michael Mann, Clint Eastwood agora que perdeu o contrato com a Warner, e muitos outros. Alguns desses até tem filmado com certa frequência, mas sempre acho que o último filme que lançaram será realmente o último. Com o Cronenberg foi esse mesmo receio.

Depois de uns 8 anos sem filmar, já tinha perdido as esperanças. Mas eis que em 2022 tivemos a alegria de ver um novo Cronenberg. CRIMES DO FUTURO (Crimes of the Future), que também é o nome de seu segundo longa, lá atrás, em 1970. O que dá a impressão de um encerramento de ciclo… Mas não só por isso, mas sobretudo pela própria proposta do filme, que parece uma auto-reflexão do seu cinema, um retorno a todos os seus grandes temas conceituais e visuais. É quase um resumo de sua obra. Um filme de Cronenberg definitivo. É fascinante, é bizarro, é uma coisa linda…

Não é perfeito. Tá longe dos seus melhores trabalhos, mas tudo bem. Não deixa de ser maravilhoso poder ver esse mestre, um dos meus diretores favoritos, ainda com criatividade deflagradora, fazendo o que quer, fazendo seu cinema sem concessões e interferências.

Estamos, portanto, num terreno familiar – principalmente pra quem costuma revisitar os filmes do homem com mais frequência, e no meu caso fiz uma maratona completa dos longas do diretor no início deste ano – mas ao mesmo tempo mergulhamos numa atmosfera cheia de frescor e autenticidade.

Num futuro próximo, a raça humana evoluiu em certos aspectos fisiológicos anormais, como a perda da sensação de dor e desaparecimento de infecções, doenças, enquanto alguns indivíduos experimentam até mesmo o crescimento de novos órgãos no interior de seus corpos. Dando origem à pessoas que utilizam essa capacidade de modificação corporal como forma de expressão artística.

O que de certa forma é a base do body horror que o Cronenberg abordou ao longo da carreira. E é o que me faz acreditar que Saul Tenser (Viggo Mortensen) seja uma espécie de alter ego do próprio Cronenberg. Saul é um um famoso artista performático que, em colaboração com sua parceira, Caprice (Lea Seydoux), fazem apresentações ao público de remoção de seus novos órgãos, depois de serem tatuados internamente.

Mas não nos apeguemos muito à trama. CRIMES DO FUTURO é mais uma jornada por esse mundo estranho, experimentando o ambiente doentio do lugar, sentindo sua realidade, tecnologias e organizações estranhas que vamos encontrando no caminho. Como o recém formado Órgão de Registro Nacional, que tenta catalogar os novos órgãos que crescem nas pessoas (onde trabalha a personagem da Kristen Stewart). Ou a figura de Lang, um sujeito que convence Saul a usar o corpo de seu filho morto em uma apresentação de autópsia ao vivo, porque o sujeito acredita que o hábito de seu filho de comer plástico foi uma mutação natural que marca um próximo estágio da evolução humana. O próprio Tenser tem seus segredos como informante de um detetive, um oficial da New Vice, que investiga esse universo de mutações… Ou algo do tipo. Sei lá.

Nesse universo, a busca da emoção se dá através de experiências extremas, resumidas na frase “cirurgia é o novo sexo“: incisões, mutilações, enxertos, autópsias… CRIMES DO FUTURO é um mergulho nas entranhas do corpo, que pode ser visto como uma consequência transumanista de VIDEODROME e EXISTENZ, cujos conceitos estabelecidos a partir do vídeo e da realidade virtual são substituídos pela arte contemporânea. O novo “Long live the new flesh” é bem mais palpável e a cirurgia é, de fato, o novo sexo.

Cronenberg já havia abordado os desvios e a possível evolução da sexualidade com sua obra-prima, CRASH, mas aqui ele explora outros caminhos, mais viscerais e sombrios. Até porque é no interior do corpo que se fixará a beleza. Literalmente a “beleza interior”.

Surpreende ver o quanto desse mundo é coerente e como aceitamos todas as aberrações da coisa de boa. Acreditamos nesses personagens, nessas invenções sórdidas, e mergulhamos de cabeça no ritmo estranho e lento, nos longos diálogos e falatórios inusitados, nas situações improváveis – da ejaculação precoce na prática do “sexo velho” ao zíper para acesso direto aos órgãos. Ainda é preciso talento para nos fazer aceitar tão rapidamente esse tipo de coisa sem parecer bizarrices fúteis, afetadas e vazias.

Mas aqui, às vésperas de ser octogenário, Cronenberg demonstra mais uma vez que não perdeu o brilho. Menos rítmico e mais teórico, algo que já se via nos seus filmes anteriores, mas ainda capaz de nos encantar com suas obsessões, principalmente por se tratar a um retorno ao body horror, e criar imagens que causam desconforto. Só espero que não fique tanto tempo sem filmar de novo. Mas se for realmente seu último trabalho, fechou com chave de ouro.

BONECOS DA MORTE (1989)

Não lembro se já comentei muita coisa por aqui sobre a Full Moon, produtora especializada em Filmes B, comandada pelo mestre Charles Band, produtor de mais de trezentos filmes, incluindo alguns que ele mesmo dirigiu. Clássicos como TRANCERS (1984), PARASITE (1982), DOCTOR MODRID (1992), METALSTORM (1983), DOLLMAN vs DEMONIC TOYS (1993), enfim, se não comentei, eu deveria… Qualquer indivíduo interessado em cinema de baixo orçamento dos anos 80 e 90, vai acabar se deparando com algumas obras produzidas pela Full Moon.

E por falar em Demonic Toys, um dos principais sucessos da produtora é outra franquia de horror que envolve bonecos assassinos. E essa semana eu revi o primeiro deles, o clássico BONECOS DA MORTE (Puppet Master), que não foi dirigido pelo Band, mas tem outro mestre do cinema classe B no comando: David Schmoeller. O que o torna ainda mais obrigatório.

Lançado direto para o mercado de vídeo já naquele período, e tendo a Paramount como distribuidora do VHS, BONECOS DA MORTE foi extremamente bem sucedido financeiramente, o que possibilitou sua penca de continuações – dezesseis filmes, se considerarmos DOLLMAN vs DEMONIC TOYS como parte desse universo – e permaneceu como um dos principais títulos da Full Moon até os dias de hoje. Inclusive no Brasil também foi um VHS bastante alugado no início dos anos 90. Lançado por aqui pela Top Tape.

A trama de BONECOS DA MORTE começa em 1939, onde um marionetista idoso chamado Andre Toulan (William Hickey) fabrica seus bonecos no hotel The Bodega Inn, nas margens da Califórnia. Embora Toulan possa parecer apenas um marionetista normal, ele descobriu como dar vida às suas criações inanimadas usando feitiçarias ancestrais do antigo Egito. Espiões nazistas aparecem no local e, claro, querem se apossar desse conhecimento. No entanto, antes que os alemães o encontrem, Toulon tira a própria vida, mas não sem esconder suas criações e a fórmula misteriosa nas entranhas do hotel.

Corta para 1989 e um grupo de quatro indivíduos com poderes psíquicos – Alex (Paul Le Mat), Dana (Irene Miracle), Frank (Matt Roe) e sua excêntrica namorada Carlissa (Kathryn O’Reilly) – tentam descobrir por que eles teriam sido convocados para o mesmo Bodega Inn do início do filme por um conhecido em comum de todos eles, Neil Gallagher (Jimmie F. Skaggs). Supondo que tenha algo a ver com a busca de Gallagher pela vida eterna, eles chegam para encontrá-lo, mas sua esposa, Megan (Robin Frates), informa que Gallagher, na verdade, havia se matado recentemente. Eles percebem que essa história não bate muito bem e decidem ficar no local e investigar. E uma vez que pessoas começam a desaparecer e morrer violentamente, eles percebem que algo muito estranho está acontecendo no Bodega Inn e que leva de volta a Toulan e suas criações.

BONECOS DA MORTE pode sofrer de problemas de ritmo na primeira metade (apesar da sequência de abertura ser ótima) para aquele espectador mais ansioso. Realmente não dá pra dizer que Schmoeller lida com a história que quer contar com muita pressa. O diretor prefere ir com calma, apresentando os personagens e trabalhando uma atmosfera sinistra e desagradável. Há planos mais longos, elaborados, enquadramentos estáveis com boas composições e sim, pode-se dizer que há uma tentativa esquisita aqui de colocar um pouco de arte no meio de toda a exploração.

Até porque a segunda metade do filme mais do que compensa a lentidão. Uma vez que a trama é estabelecida no famigerado hotel e as criações de Toulan estão à solta, furiosas e sedentas por sangue, todas as apostas são canceladas. Temos mortes horríveis e violentas e até uma pequena dose de sexo e nudez. Ou seja, só coisa boa para atrair nosso interesse. A última meia hora a coisa esquenta ainda mais, com os bonecos de Toulon fazendo a festa, atacando os personagens, com momentos genuinamente perturbadores. A sequência final dentro de um elevador é um dos pontos altos.

No que diz respeito ao elenco, tudo ocorre bem para um filme de baixo orçamento como esse. Nada muito especial, variando alguns destaques, como Paul Le Mat, da turma dos psíquicos – que possui o dom da premonição através de sonhos – e é o personagem que mais aproxima de um protagonista. A pequena participação de William Hickey como Toulon no início do filme também é bem boa. E não deixem de prestar atenção na pequena, mas muito divertida, aparição da musa Barbara Crampton.

Mas, convenhamos, ninguém vai parar pra ver BONECOS DA MORTE pelas performances – você assiste pelas coisas que Schmoeller explora: uma atmosfera bacana, a violência dos ataques, uns peitos de fora, e, obviamente, os bonecos assassinos em ação. São eles as verdadeiras estrelas do show, muito bem feitos e criados com personalidade. E numa época em que era impensável fazer algo do tipo em CGI, é bom ver que os efeitos especiais de stop motion, entre outros truques old school, com esses bonecos são tão eficazes. Belo trabalho do animador e especialista em stop motion David Allen.

Junte isso tudo com a excelente trilha instrumental de Richard Band, o bom trabalho de fotografia e uma pretensão de ser apenas um pequeno filme divertido, com bonecos matando humanos, BONECOS DA MORTE acaba se saindo muito bem. Completamente merecedor de seu status de clássico cult.

URBAN MENACE (1999)

URBAN MENACE é um daqueles “filmes treta” do Albert Pyun, que, para quem já acompanha o blog há mais tempo, sabe que é um dos diretores favoritos do recinto. E pra quem conhece mais ainda a figura, sabe também que o sujeito vivia se metendo em encrenca pra fazer seus filmes. Neste aqui, Pyun deveria ir para a Eslováquia e fazer, em apenas 18 dias, uma antologia, filme com várias historinhas, de crime urbano. Em 1999 já não era muito modinha os chamados hood films, mas os anos 90 nos deu uma boa safra desse tipo de crime movie protagonizado por rappers metidos a gangster, mas era isso que o Pyun faria por aqui. E teria no elenco umas figuras como Snoop Dogg, Big Pun, Fat Joe, Ice-T, que também teria participação na trilha sonora, com trechos de um novo álbum que havia lançado na época…

Mas, enfim, sabem como é o Pyun. Em vez fazer o que foi contratado, um único filme, o sujeito resolveu fazer três longas metragens nesses 18 dias. Daí saiu este URBAN MENACE, CORRUPT e THE WRECKING CREW. Tudo reutilizando o mesmo elenco, locações e equipamentos. Ah, e fez os três filmes ao mesmo tempo, com os atores muitas vezes nem sabendo pra qual filme estavam fazendo tal cena em determinados momentos. Imaginem a qualidade dessas produções…

Independente dos resultados, Pyun conseguiu terminar a façanha no prazo. O problema foi na hora de voltar. Nessa entrevista que fizemos com ele há dez anos, Pyun nos conta que várias fitas miniDV com as filmagens foram perdidas pela Air France no transporte de volta para os Estados Unidos. Então, segundo ele, teve que finalizar apenas com a metade do que havia sido filmado de cada um. Na verdade, o que descobri depois de alguns anos, é que o diretor usou imagens de uma versão workprint do filme para substituir as partes que foram perdidas. Tanto que a janela dos filmes é em letterbox, pra esconder o timecode na parte inferior da tela. Mas, isso são detalhes. Embora expliquem porque a imagem do filme é uma bosta.

Não assisti ainda a CORRUPT e THE WRECKING CREW, mas URBAN MENACE eu parei aleatoriamente pra ver essa semana. E não me decepcionei. Esperava uma porcaria e o que vi foi exatamente isso. Uma porcaria. Mas é um filme tão ruim, mas tão ruim, que me peguei fascinado com sua inépcia, com sua imagem tosca, com as atuações e diálogos ridículos… Um exemplar de Pyun da pior espécie e, por isso mesmo, adorei.

O filme é uma mistura de gangsta/hood movie com elementos de horror. Começa com a cara do Ice-T olhando diretamente pra nós, como um narrador/comentarista social que fala para a câmera seu discurso, desferindo palavões e ameaças. É o que URBAN MENACE tem de melhor.

A trama é sobre um pastor (Snoop Dogg) que busca vingança contra o sindicato do crime local (chefiados por Big Pun & Fat Joe) pela morte de sua família e pelo incêndio de sua igreja. Não se sabe ao certo se o pastor morreu também no incêndio ou se é o fantasma (a resposta acaba sendo revelada mais pro final), mas seja o que for, ele se esconde num armazém abandonado e criminosos são enviados ao local para o matar. Na maior parte do tempo, Snoop Dogg age como uma entidade, um espírito que vaga pelos escombros e corredores do local levando a morte. E Pyun usa uns efeitos especiais e de edição da pior qualidade pra enfatizar o tom de ambiguidade nessa persona fantasmagórica de Snoop Dogg.

Mas quem seguimos realmente nessa história são três capangas (liderados por T.J. Storm), que passam o resto do filme andando em círculos pelos corredores do local procurando Snoop Dogg, ou correndo atrás dele quando o avistam (para ser mais específico, o dublê do Snoop Dogg)… E fica nisso, praticamente toda a narrativa se passa nesse armazém, com diálogos bestas, fotografia horrorosa e toda estourada, fora de foco, e os caras tentando pegar o Snoop. Pelo menos a trilha do Ice-T é maneira.

Quando o filme te leva pra outra situação, em outra locação, na base do sindicato do crime, com Big Pun e Fat Joe sentados conversando com seus capangas, a coisa piora ainda mais – ou melhora, dependendo do seu humor – e temos alguns dos piores trabalhos de câmera, edição, enquadramentos e mise en scene que já vi na vida. É de rolar de rir!

No final, todos os bandidos decidem invadir o armazém. Snoop Dogg faz uma chacina, dando tiro em todo mundo. É uma sequência até divertida, demonstra o velho Pyun experimental do cinema de ação de baixo orçamento, com resultado interessante. Tosco. Mas interessante… E, enfim, URBAN MENACE só tem 72 minutos. Contando os créditos. Claro, às vezes dá a impressão que possui 3 horas de duração, com os persoangens zanzando por um tempão pelos cenários e a cara do Snoop Dogg inserida na edição de forma ordinária. Mas tudo bem. Eu adoro essas porcarias, achei tudo engraçadíssimo, então gostei de URBAN MENACE. Só não vou recomandar e dizer que vale a pena assistir, porque tenho minhas dúvidas se até os leitores que gostam de uma tralha não se decepcionariam com isso aqui. Portanto, estejam avisados.

Curiosidades: Um dos bandidos também enviados ao local para matar o Snoop Dog é vivido por Vincent Klyn, o Fender, de CYBORG – O DRAGÃO DO FUTURO, a obra-prima de Pyun. E o roteiro, se é que podemos chamar esse lixo de roteiro, foi escrito por Tim Story, que alguns anos mais tarde dirigiria aqueles filmes do QUARTETO FANTÁSTICO dos anos 2000… Podem acreditar, URBAN MENACE é, pelo menos, melhor que esses aí.

Em breve comento também CORRUPT e THE WRECKING CREW, que provavelmente devem ser tão ruins quanto esse. Mal posso esperar!

O MASSACRE DA SERRA ELÉTRICA – DO PIOR AO MELHOR

Outro dia lançaram um novo filme da série O MASSACRE DA SERRA ELÉTRICA na Netflix, então eu resolvi ver toooodos os filmes da franquia que ainda não tinha assistido e rever os que já tinha conferido antes de encarar esse mais recente. O resultado foi esse ranking, do pior ao melhor, já incluindo o tal novo filme da Netflix:

9. Na última posição, ficou O MASSACRE DA SERRA ELÉTRICA 3D – A LENDA CONTINUA (Texas Chainsaw 3D, 2013), de John Luessenhop. Na maioria das vezes eu sou a favor da desmitificação e revisionismo de padrões, ícones e cânones no cinema, mas transformar o Leatherface numa espécie de anti-herói, um tipo de protetor, e alguém que mereça algum cuidado e carinho, é algo que eu não sei ainda como lidar. Especialmente depois de ver cada filme da franquia em sequência. Talvez se o filme fosse bom, eu não ficaria me procupando muito com esses detalhes, mas é bem meia boca na maior parte do tempo, a tram demora pra engrenar, e não consegui entrar muito na dos personagens na primeira metade do filme. 

A segunda metade já vira aquele banho de sangue padrão, sem muito brilho, mas sempre divertido de acompanhar, com algumas boas mortes… E tendo ainda Alexandra Daddario como protagonista, que é uma belezinha. Enfim, tem seus momentos. Mas é bem estúpido.

8. Agora, daqui pra frente é só alegria. Não que os filmes da série sejam geniais (na verdade, dois são sim, mas vamos esperar as primeiras posições), mas no geral me divertem em maior ou menor grau. MASSACRE NO TEXAS (Leatherface, 2017), de Alexandre Bustillo & Juliem Maury, já ganha uns pontinhos por tentar contar uma história diferente de tudo relacionado ao cânone de O MASSACRE DA SERRA ELÉTRICA. A maior parte da trama se passa em meados dos anos 60, com o jovem Leatherface escapando de uma instituição mental. Há uma espécie de componente whodunnit no filme, porque é mostrado que os internos têm seus nomes alterados para evitar a associação com seu passado criminoso, então nem sabemos exatamente quem é o Leatherface no grupo fugitivo até certo momento chave. E o filme é incrivelmente violento, incluindo um tiroteio em um restaurante ao estilo ASSASSINOS POR NATUREZA.

Longe de ser perfeito, surpreende pela visão brutal do horror da dupla francesa Bustillo e Maury (L’INTÉRIEUR e LIVIDE), que conduz com segurança um filme agressivo, macabro (a cena de sexo com o cadáver é um troço bizarro), com bons personagens e atuaçõs fortes (Stephen Dorff e Lily Taylor estão muito bem), excelentes efeitos de gore práticos, belo clima e até mesmo uma história convincente de origem, bem respeitosa ao personagem do título.

7. Olha o novo filme aí. O MASSACRE DA SERRA ELÉTRICA: O RETORNO DE LEATHERFACE (Texas Chainsaw Massacre, 2021), de David Blue Garcia, tem uma sequência em um ônibus de festa, com um monte de influenciadores digitais sendo cortados em pedaços pelo Leatherface que é simplesmente uma delícia e já vale o filme. Que aliás, só tem cerca de 80 minutos de duração. Então, por mais bobo e descartável que seja, é difícil até culpá-lo por desperdiçar seu tempo, porque ocupa tão pouco… E a contagem de corpos é altíssima, tem várias mortes legais, uns momentos bem tensos, umas sacadas visuais interessantes – como Leatherface no meio dos girassóis. Que venham mais filmes da franquia, mesmo que sejam massacrados pela crítica, mas tão divertidos como este aqui.

6. LEATHERFACE: O MASSACRE DA SERRA ELÉTRICA 3 (Leatherface: The Texas Chainsaw Massacre III, 1990), de Jeff Burr. A década de 80 ficou marcada pela ascensão do slasher, não apenas como um subgênero, mas como uma fonte de criação de ícones de terror na cultura popular. A New Line, estúdio que trouxe Freddy Krueger ao mundo, resolveu colocar as mãos numas outras franquias, como O MASSACRE DA SERRA ELÉTRICA, com a ideia de que Leatherface precisava ser o próximo grande ícone do gênero. Então, o terceiro filme da série colocou seu nome no título, um tempinho a mais de tela, com o personagem confeccionando uma de suas máscaras de pele humana, e até mesmo presenteou-o com uma motosserra mais épica, de aço inoxidável com a frase “The Saw Is Family” gravadas na lâmina.

A intenção também era desviar-se do humor de O MASSACRE DA SERRA ELÉTRICA 2 e devolvê-la às raízes do horror mais puro do filme original; contrataram David J. Schow pra isso, um pioneiro da literatura “splatterpunk” para escrever o roteiro, e na direção, Jeff Burr, que não é um Tobe Hooper, mas sempre mandou bem em produções pequenas, embora aqui tivesse que lidar com vários problemas durante as filmagens, além da série de cortes da MPAA, que meteu tanto a tesoura nas cenas de violência que até a versão unrated é branda.

O resultado, convenhamos, não é lá grandes coisas, mas ao longo do tempo se tornou um “filme do coração”, um pequeno e belo exemplar do horror noventista, que muitos odeiam, eu sei, mas que tenho um carinho especial. Acho divertidíssimo, é direto, não chega a 90 minutos de duração e consegue entregar um certo nível de insanidade que a franquia precisa.

O problema é que a trama é basicamente uma recauchutagem do filme original e o casal protagonista, interpretados por Kate Hodge e William Butler, são muito chatos. Temos novamente uma sequência que recria o jantar, sem a mesma força dos dois filmes anteriores, mas, vejamos, temos a mocinha com as mão pregadas à marteladas numa cadeira, um jovem Viggo Mortensen como um dos canibais, chamado Tex, um sujeito pendurado de cabeça para baixo pronto para ser abatido com uma martelada, Leatherface com sua nova motosserra cromada, personagens da família canibal nunca visto antes. E de quebra, a presença de Ken Foree como herói badass que surge nesta mesma cena metralhando todo mundo, para logo depois encarar Leatherface no mano a mano dentro de um mangue cheio de pedaços de corpos. Cacete, não tem como não se divertir com essa porcaria…

5. Se O MASSACRE DA SERRA ELÉTRICA: O INÍCIO (The Texas Chainsaw Massacre: The Beginning, 2006), de Jonathan Liebesman, é um filme que não justifica tanto sua existência – a de ser um prequel do remake de 2003, mostrando como os Hewitts (a nova família) se tornaram canibais assassinos e contando as origens de Leatherface – ao menos se justifica como um filme de horror muito eficiente, mais direto, sujo, violento pra cacete e com um trabalho de tensão bem muito competente, de fazer o espectador pregar na poltrona durante um bom tempo. Não deixa de ser descartável, mas para quem quer ver uma boa dose de matança, com Leatherface fazendo bom uso de sua motosserra, este aqui é altamente recomendável… R. Lee Ermey, que já havia brilhado no filme de 2003, continua um destaque. E para o roteiro trouxeram mais uma vez o pioneiro “splatterpunk” David J. Schow, que já havia trabalhado no filme acima, MASSACRE DA SERRA ELÉTRICA 3.

4. Eu não diria que O MASSACRE DA SERRA ELÉTRICA (The Texas Chainsaw Massacre, 2003), de Marcus Nispel, seja um filme obrigatório, não é nada lá muito memorável. Mas uma coisa que eu não lembrava e que foi uma grande revelação pra mim nessa revisão é o fato de ser um remake que não tenta ser o original e muda tudo aquilo que lhe convém – trama, situações, personagens… Não que isso o torne melhor, mas pelo menos lhe dá alguma autenticidade dentro de sua proposta conceitual, mesmo que o resultado geral seja genérico em tom e visual. O problema é que o Marcus Nispel filma mal, com um ou outro momento de destaque. Um diretor mais talentoso teria transformado isso aqui num clássico do horror dos anos 2000. Mas ok, ainda assim, tudo funciona pra mim de alguma maneira, sobretudo no terceiro ato quando o filme se torna só uma frenética – e realmente tensa – perseguição de Leatherface à final girl de Jessica Biel, com alguns momentos bem inspirados e violentos. No fim, fiquei bem satisfeito. Me parece um filme que se arrisca mais, o que acaba adicionando uns pontos à seu favor, mesmo que falhe em algumas coisas no percurso.

Mas aí entra o xerife de R. Lee Ermey, que é o que o filme tem de mais desconcertante, e uma das melhores coisas da franquia inteira. Tudo sobre a presença do sujeito é simplesmente aterradora, tensa e desagradável de assistir – uma performance que merecia ser mais lembrada. O sujeito era foda.

3. O quarto filme da franquia, O MASSACRE DA SERRA ELÉTRICA: O RETORNO (The Texas Chainsaw Massacre: The Next Generation, 1995), foi escrito e dirigido por Kim Henkel – que é o co-criador do primeiro filme, o clássico de 74, junto com Tobe Hooper. Henkel considera o filme uma paródia da franquia (ele até recria algumas cenas do original), mas o público na época não achou muita graça e foi um fracasso nas bilheterias. Desde então, vem ganhando um status cult e agora eu entendi porquê (esse foi um dos que eu nunca tinha assistido antes)… Trata-se de um dos filmes mais surtados, bizarros, anarquistas, doentios, com um humor debochado dos mais absurdos que eu já vi dentro de uma franquia de horror mais conhecida. Em determinado momento eu pensei que tava vendo um filme do David Lynch… As atuações de Matthew McConaughey e Renée Zellweger, os dois nomes que acabaram ficando famosos, acompanham toda a loucura com a mesma intensidade de suas performances; e o filme também apresenta um Leatherface travestido, o que é simplesmente genial. Toda vez que lembro desse filme, gosto ainda mais.

2. O MASSACRE DA SERRA ELÉTRICA 2 (Texas Chainsaw Massacre 2, 1986) foi produzido pela Cannon Group como parte de um acordo com Tobe Hooper, que poderia dirigir este aqui contanto que fizesse mais dois filmes para o estúdio. Foi inicialmente planejado como uma continuação muito maior, mais épica e bizarra, com uma cidade inteira de canibais. De certa forma, continua sendo um filme “maior”, mais épico e bizarro, porém o orçamento foi reduzido durante a produção e algumas ideias foram deixadas de lado. Não sei se estava no projeto inicial, mas Dennis Hopper está aqui como um Texas Ranger obcecado, parente de vítimas do primeiro filme. Ele quer se vingar e vai usar motosserras para atingir seu objetivo! E só por isso, já dá pra colocar o filme num pedestal.

Lembro da decepção que foi ver esse filme pela primeira vez. Provavelmente porque não esperava a total mudança de tom, mais carregado no humor, e é tudo ainda mais exagerado, mais colorido, em muitos aspectos o oposto do primeiro filme. Mas com várias revisões que fui fazendo ao longo dos anos passei a apreciá-lo cada vez mais. Hoje considero uma obra-prima. sobretudo por compreender melhor a ideia de Hooper em fazer uma continuação que reagisse aos anos 80, numa sátira autoconsciente do próprio produto que criou e também pelo contexto daquela época, de uma América oitentista cheia de traumas e ressaca das últimas décadas…

Certamente não era a continuação que os fãs do primeiro filme queriam, há uma recusa em atender as expectativas, um grande foda-se pra tudo isso. Mas ainda assim estamos falando de Tobe Hooper, então, para quem embarca na loucura, vai se deliciar com alguns dos momentos mais antológicos do horror nos anos 80. Como Leatherface descobrindo o “amor” e usando sua motosserra como extensão de seu… Bom, vocês sabem. Ou Dennis Hopper encarando Leatherface num duelo de motosserras, que é algo para se ver de joelhos. E apesar de Hopper estar maravilhoso, é preciso destacar Bill Moseley, que dá uma “roubada de cena” quando aparece. Pode não estar no mesmo nível do primeiro (óbvio, até porquê pouquíssimos filmes estão), mas de alguma maneira acabou sendo uma continuação perfeita de um filme perfeito.

1. Obviamente que o primeiro lugar seria do clássico de 1974. Não tinha como ser diferente. O MASSACRE DA SERRA ELÉTRICA (Texas Chain Saw Massacre, 1974), de Tobe Hooper, continua uma das experiências mais perturbadoras mesmo depois de tantas revisões, e permanece na mente como um pesadelo. Ok, “pesadelo filmado” é uma daquelas expressões que acabaram banalizadas pelo seu uso excessivo, mas aqui não existe definição mais perfeita. Tobe Hooper tira toda a gordura habitual do gênero, concentra-se no essencial e nos serve um filme aterrador, sublime e revolucionário; horror na sua forma mais pura e cristalina: um pesadelo filmado.

A antológica sequência do jantar com a família de canibais é um é uma das coisas mais absurdas e subversivas que existe no gênero até hoje; a mise-en-scène de Hooper, os ângulos oblíquos dos enquadramentos, a luz desorientadora, o pandemônio auditivo potencializados pelos gritos desesperados de Marilyn Burns, possui todos os ingredientes daquilo que é feito um… pesadelo. E convenhamos: só a ideia de um psicopata brutamontes, com uma máscara feita de pele humana, portando uma motosserra perseguindo uma garota inocente é algo simplesmente genial. Com isso em mente, o filme culmina numa das sequências mais inesquecíveis da minha vida, uma perseguição final que tem desfecho na icônica imagem cristalizada de Leatherface (Gunnar Hansen), perfilado contra o sol fumegante, agitando sua motosserra como numa dança macabra. Obra-prima, clássico, etc, qualquer termo desse tipo é pouco pra classificar isso aqui.

NECRONOMICON: O LIVRO PROIBIDO DOS MORTOS (1993)

Taí um filme que nunca tinha visto e que tem vários sujeitos legais envolvidos. Pra quem não conhece, NECRONOMICON tem três diretores relativamente respeitáveis – pelo menos pra quem se interessa por cinema de gênero – cada um fazendo um episódio que forma uma antologia inspirada em H.P. Lovecraft.

Bom, na época apenas um deles era mais conhecido, Brian Yuzna, que falei dele recentemente por aqui, os outros dois eram estrangeiros em Hollywood: o francês, então iniciante, Christophe Gans, bem antes de fazer coisas como PACTO DOS LOBOS e a adaptação do jogo SILENT HILL. E o japonês Shusuke Kaneko, da trilogia GAMERA.

Temos uma história base que mantém três outras histórias conectadas, que segue a tradição das antologias de horror. Nessa trama, somos apresentados ao próprio H. P. Lovecraft, vivido por ninguém menos Jeffrey Combs (RE-ANIMATOR), carregado de tanta maquiagem que até demorei pra reconhecê-lo, em busca do lendário Necronomicon numa biblioteca cheia de mistérios e guardada por monges. Proibido de frequentar certos aposentos do local, Lovecraft dá um jeito de despistar os monges e encontra o livro escondido num cofre. E então, o sujeito começa a escrever ali mesmo as histórias que veremos durante o filme.

THE DROWNED é o primeiro e mostra um Christophe Gans como um diretor bem promissor, com talento para o visual. O rapaz só havia realizado até aquele momento um curta metragem no início dos anos 80. Na trama, Bruce Payne (o vilão de PASSAGEIRO 57) é o herdeiro de um antigo hotel caindo aos pedaços, local que guarda algumas lembranças ruins. Payne descobre que seu antepassado (interpretado por um brilhante Richard Lynch) usou o amaldiçoado Necronomicon para trazer de volta sua esposa e filho mortos, só que as consequências desse ato foram terríveis… E acontece que o personagem de Payne recentemente perdeu sua mulher amada num acidente. Como o sujeito não aprendeu com os erros do seu antepassado, ele usa o livro para trazer de volta seu amor perdido (encarnada pela musa do cinema erótico noventista Maria Ford), obviamente com resultados não lá muito agradáveis. Mas para o espectador é só alegria. Dirigido com estilo e aquela energia de iniciante, o episódio tem boa atmosfera, momentos perturbadores e ótimos efeitos especiais.

O segundo episódio é THE COLD, de Shusuke Kaneko, um conto sobre uma jovem que aluga um quarto numa casa onde um cientista solitário e recluso (interpretado por David Warner) reside no andar superior estranhamente gelado e que talvez seja mais velho do que aparenta. Quando a moça faz amizade com o triste e frágil cientista, ela descobre que ele encontrou o segredo da imortalidade. Claro, esse tipo de porcaria tem um preço… O sujeito só pode permanecer vivo aplicando constantes injeções de fluido espinhal humano fresquinho.

Ainda que eu goste da premissa e algumas ceninhas (especialmente no final quando abusam de efeitos especiais práticos, com muito sangue e gosma verde), é o episódio mais fraco de NECRONOMICON. É sabido que Kaneko não falava inglês quando filmou e provável que a barreira da comunicação deve ter sido um problema, embora em alguns momentos dá pra sentir o diretor tentando extrair uma dramaticidade considerável desta parábola sobre o preço horrível que se deve pagar por enganar o destino. Mas no geral THE COLD não é lá grandes coisas.

O filme volta nos trilhos com WHISPERS de Yuzna. É o meu favorito, o mais surtado e absurdo de NECRONOMICON. Yuzna realmente mostrou pros outros dois colegas como se faz! A história se passa, curiosamente, em um ambiente moderno, urbano; uma policial segue um suspeito até uma instalação aparentemente abandonada que abriga horrores inimagináveis e os monstros mais antigos da humanidade. Atraída para as profundezas, a policial é empurrada para dentro de um buraco que na verdade são as entranhas de um monstro e tem que lidar com criaturas sugadoras de medula óssea e até o corpo oco reanimado do seu parceiro num cenário saído de um filme do Mario Bava. Yuzna, que é um grande fã do bizarro e surreal, preenche seu segmento com imagens “porraloucas” e um banho de sangue daqueles, que vai satisfazer os fãs de um horror mais visceral.

Depois o filme retorna à história base, com Lovecraft agora tentando fugir da biblioteca. Acho que não disse ainda, mas essa parte também é dirigida pelo Yuzna. E Jeffrey Combs arrasa até o último minuto. Vale destacar alguns nomes responsáveis pelos efeitos especiais old school de NECRONOMICON, elemento fundamental por aqui, artistas soberbos do nível de Tom Savini, Todd Masters e Screaming Mad George.

Mas NECRONOMICON é bem mais que efeitos especiais e imagens grotescas, violentas, ou monstros com tentáculos que sugam o sangue de suas vítimas. É também uma meditação provocativa e interessante sobre o domínio do homem em relação à sua realidade, à um submundo assustador que, se invadido por nós, indivíduos estúpidos e curiosos, pode se tornar uma jornada fascinante, mas também mortal.

Infelizmente, NECRONOMICON não conseguiu ser lançado nos cinemas nos EUA, sabe-se lá porquê. Mas como teve dinheiro investido por produtores japoneses e franceses, os caras lançaram o filme nos cinemas em seus territórios para recuperar o investimento. Em seguida, a New Line adquiriu os direitos de distribuição, mas decidiu que era mais seguro lançar direto em vídeo do que arriscar dinheiro em uma campanha para lançar nos cinemas. Três anos depois, acabou chegando nas prateleiras das locadoras. Até hoje tenho a impressão de que é um filme pouco visto. Não é nenhum marco obrigatório do cinema de horror, mas é um filme que merecia uma conferida.

PROGENY: O INTRUSO (1998)

Essa semana vi esse pequeno filme do produtor/diretor Brian Yuzna que não tinha assistido ainda. Boa descoberta. O Yuzna é um cara que respeito e sempre que paro pra ver umas coisas dele, saio no mínimo agraciado com uma boa diversão.

Depois de produzir alguns trabalhos de Stuart Gordon, como o clássico oitentista RE-ANIMATOR e FROM BEYOND, Yuzna rapidamente conquistou uma reputação como cineasta com seu petardo SOCIETY, de 1989 (no Brasil: SOCIEDADE DOS AMIGOS DO DIABO). O sujeito, ao longo da carreira, conseguiu criar um universo original e certo senso de eficiência no horror, com algumas belezinhas nos anos 90, como O DENTISTA, NATAL SANGRENTO 4: A INICIAÇÃO e as continuações de RE-ANIMATOR. Rapidamente se tornou uma figura cult, embora alguns de seus filmes sofressem com um orçamento limitado que o impedia de prosperar como um Carpenter, Craven, Romero, Tobe Hooper… E um desses trabalhos que sofre com isso é justamente PROGENY: O INVASOR, uma fita de baixíssimo orçamento sobre abdução alienígena, que não tem nada de original, mas que se destaca pela forma na qual Yuzna conduz as coisas, pelo elenco afiado e, bom, por não tentar ficar inventando a roda e deixar de ser aquilo que é: um bom horror sci-fi noventista.

Mais uma vez Yuzna se reúne com o já citado parceiro de longa data, Stuart Gordon, que aqui atua como roteirista, junto com Aubrey Solomon, fazendo um belo trabalho de pesquisa, estudando casos “reais” de abdução, para chegar num enredo rigoroso e personagens mais, digamos, realistas. Temos, portanto, muitos elementos habituais deste tipo de evento (luzes estranhas no meio da noite, perda da noção de tempo durante o fenômeno, paranóia e crises de identidade, etc.), de forma que a história às vezes remete muito ao livro Communion, de Whitley Streiber (e à sua adaptação pra cinema, que tem o título no Brasil de ESTRANHOS VISITANTES), considerado uma autêntica bíblia da ufologia.

Além disso, PROGENY adiciona uma pegada de O BEBÊ DE ROSEMARY misturado com ARQUIVO X na trama, deixando as coisas ainda mais interessantes. Devo dizer que o filme não é lá uma obra-prima, mas armado com todo esse trabalho de pesquisa, as influências, mais o talento natural de Gordon/Yuzna, o resultado não é nada mau. PROGENY é redondinho e bem escrito, demonstra hábil na arte de detalhar a degradação de um casal em crise, personagens oprimidos por eventos estranhos, diante do horror e do inexplicável, e que funciona também como boa alegoria do casal diante do “horror” do primeiro filho.

O filme começa quando o cirurgião Craig Barton (Arnold Vosloo) faz amor com sua esposa Sherry (Jillian McWhirter) e uma luz azul ofuscante surge do nada e clareia o aposento. O casal recupera a consciência duas horas depois, sem nenhuma memória do que aconteceu. Craig então começa a sofrer de insônia, problemas de comportamento, agressividade… Sherry fica grávida e começa a sentir dores estranhas no abdômen. Em sessões de hipnose o casal relembra o que aconteceu naquela noite e a revelação não vai ser das melhores para eles. Mas para o público, é só alegria, já que se trata de abduções, nave espacial, alienígenas cheios de tentáculos roçando no corpo nu de Sherry e, obviamente, o que cresce na barriga da mulher é puro terror.

Yuzna faz umas escolhas interessantes, abraça a narrativa, no drama e paranoia dos protagonistas, sendo mais comedido do que o normal em cenas de choque e violência, deixando a atmosfera tomar conta e a tensão aumentar. E faz com que as sequências mais apelativas, com um bocado de gore, quando chega a hora, se mostrem mais imprevisíveis e especiais. Um bom exemplo é a sequência do flashback de Sherry, que mostra o que rolou durante aquelas duas horas, dentro da nave alienígena, um dos momentos mais angustiantes do filme. Assim como o final, quando a coisa descamba de vez pra uma violência mais gráfica, com tripas e sangue rolando na tela. E tudo muito bem feito. Os efeitos especiais de PROGENY são bastante satisfatórios, na maior parte do tempo, para uma produção de orçamento tão curto. O visual dos aliens pode decepcionar, mas é curioso como Yuzna faz a coisa dar certo de alguma maneira. Cortesia também do grande mestre Screaming Mad George, que já havia realizado os efeitos especiais de outros filmes do diretor.

Yuzna também aproveita para apoiar as câmeras no seu elenco, que é de qualidade. Vosloo ficou marcado interpretando o papel título em A MÚMIA, de 99, sempre demonstrou talento fazendo outros vilões, como em O ALVO, mas aqui prova que conseguia carregar um filme como protagonista e se sai muito bem. McWhirter acaba se destacando mais, num papel corajoso, com muitas sequências de nudez, e bastante expressividade corporal. Em várias entrevistas ela conta como foi difícil, tanto físico e emocional, o seu trabalho por aqui. O resultado na tela é fascinante.

Outras figuras aparecem por aqui pra acalentar o coração dos fãs de cinema B, como o grande Brad Dourif em papel pequeno, como um especialista em ufologia, que vale a pena acompanhar; e Wilford Brimley, que é sempre divertido.

Longe de ser dos melhores filmes de Yuzna, PROGENY teve lançamento limitadíssimo nos cinemas em poucos países, após circular em alguns festivais especializados no gênero. No fim, acabou tendo lançamento no mercado em vídeo, com até relativo sucesso. Hoje anda esquecido, mas foi um prazer redescobrir essa jóia. Boas referências, belo clima, boas atuações. Mais do que se vê em muitos filmes de horror lançados nos últimos anos. PROGENY é certamente um dos trabalhos obrigatórios para conhecer mais do diretor.

CROCODILO (2000)

Acreditem, pode parecer que não, tendo em vista alguns dos últimos posts aqui no blog, mas até eu tenho meus limites com o nível de ruindade de alguns filmes. E CROCODILO (Crocodile) parece testar esses limites ao máximo. Produzido pela Nu Image e dirigido pelo grande Tobe Hooper, que tem no currículo alguns dos maiores clássicos do horror de todos os tempos – O MASSACRE DA SERRA ELÉTRICA, FORÇA SINISTRA – trata-se de um exemplar de eco-horror, que até possui seus momentos, mas no geral é um produto decepcionante para os fãs do diretor.

A trama possui uma semelhança passageira com outro filme de Hooper, a maravilha EATEN ALIVE, de 1976. Ambos contam com a presença de um hotel isolado e um grande réptil faminto. Mas em CROCODILO a coisa não gira em torno exatamente disso, ao contrário do filme de 76, apenas surge uma historinha contada ao redor de uma fogueira sobre o dono de um hotel no início do século XX, que importou um crocodilo egípcio ao local… A trama mesmo transcorre num Spring Break, quando oito jovens decidem se reunir numa casa-barco para curtir, beber e aproveitar a vista do lago… À medida que a coisa avança, eles descobrem que o lago esconde o tal crocodilo gigante que vai mastigar alegremente qualquer um que se aproxime de seus preciosos ovos.

O lado bom de CROCODILO é quando o dito cujo está em cena. Quero dizer, “bom” entre aspas, porque aqui entra o lado galhofa e tosco que eu realmente amo nesse tipo de filme, apesar de Tobe Hooper saber o que fazer com a câmera para criar um suspensezinho bacana e algumas cenas de violência. Só que os efeitos especiais, sobretudo o crocodilo de CGI, são alguns dos mais vagabundos que eu já vi na vida, parece imagens saídas de algum jogo de Playstation 1 do final dos anos 90, o que torna esses momentos deliciosamente mais incríveis. Uma lindeza.

Agora, o lado ruim é… Só todo o restante do filme. A trama meio que se arrasta na maior parte do tempo, algumas decisões que o filme toma são as mais equivocadas possíveis, gerando momentos absurdos de constrangedores, como a cena final da mocinha entregando ao crocodilo assassino o seu filhote (imagem acima)… O bagulho é, ao mesmo tempo, engraçadíssimo pela tosquice, mas também de um mau gosto que chego a duvidar se o Tobe Hooper realmente tava feliz em filmar algo do tipo (e com o resultado na pós-produção). 

Além disso, somos obrigados a acompanhar um grupo de personagens enfadonhos e irritantes, com seus dramas de relacionamento que ninguém dá a mínima. E todos interpretados sem o menor carisma por um elenco indiferente. Talvez se o co-produtor Boaz Davidson, que até recebe crédito pela história, tivesse realmente escrito o roteiro e aplicado sua visão da juventude, como demonstrou quando dirigiu a obra-prima O ÚLTIMO AMERICANO VIRGEM, os jovens protagonistas de CROCODILO teriam sido menos desagradáveis. Ou pelo menos teria valido a pena se preocupar com eles. Aqui, a gente só quer vê-los devorados pelo grande crocodilo o mais rápido possível…

Enfim, não vou nem me prolongar. Curioso pra saber se vocês acham que estou sendo muito injusto com o filme ou se esse é realmente o pior filme de Tobe Hooper. Deixem aí nos comentários alguma impressão, caso tenham assistido. E se você por acaso botou na cabeça que quer encarar essa tralha mesmo assim, recomendo deixar algumas latinhas de Itaipava bem geladas à mão para diminuir a dor. E assista com alguns amigos pra pelo menos tirar um sarro com o crocodilo de CGI. O filme vai continuar uma merda, mas pelo menos vai deixar a experiência mais interessante..

O ENIGMA DE TALOS (1998)

Filme de múmia, lançado em 1998, que foi eclipsado pelo seu “primo rico” no ano seguinte, A MÚMIA (99), de Stephen Sommers. Hoje ninguém mais lembra de O ENIGMA DE TALOS (Tale of the Mummy), dirigido pelo grande Russell Mulcahy. Mas não vou julgar… O filme é mesmo meia boca, um tipo de produto barato que, muito provavelmente, produziram às pressas pra tentar lançar no mercado de home video à tempo de aproveitar o sucesso do filme de Sommers. Acabaram se adiantando até demais. Só não deve ter dado muito certo sobre “aproveitar o sucesso”. O resultado é uma desgraça, a trama é toda bagunçada, cheia de momentos ridículos e constrangedores.

Mas lá fui eu ver, porque sou grande admirador do trabalho do Mulcahy (HIGHLANDER, RAZORBACK, etc…) e nunca tinha visto este ainda. E apesar de concordar com tudo que disse ali em cima, eu gosto dessa tralha. O que posso fazer? É o tipo de filme todo errado que me diverte, tem um elenco bacana e percebe-se que tentaram fazer algo… Diferente? Original? Por exemplo, um filme de múmia sem que aparecesse uma múmia na maior parte do tempo. Ao invés disso, a múmia é representada apenas pelas suas bandagens, sem corpo, que voam, rastejam e atacam as pessoas nas mais diversas formas. Se tivessem orçamento para fazer algo decente, acho que isso não soaria tão bizarro. Mas, bem, não tinham…

Senhoras e senhores, o assassino do filme.

A premissa de O ENIGMA DE TALOS até que é interessante, envolvendo o básico dos filmes de múmias – antigas maldições, reencarnação e ressurreição de algum feiticeiro egipcio de tempos longínquos. O filme começa no Egito, na década de 40, com uma escavação arqueológica malfadada que desenterra a tumba de um tal Talos. Liderando a expedição está Sir Richard Turkel (o inigualável Christopher Lee, que já foi múmia para a Hammer Films), que percebe tarde demais que a tumba contém uma força maligna. Sir Richard é forçado a se sacrificar e selar a tumba antes que o mal possa escapar.

Essa sequência inicial talvez seja a melhor de todo o filme. E demonstra o contraste da direção de Mulcahy, que é ótima, com suas composições elaboradas, bom trabalho de câmera, de atmosfera, mas com os efeitos especiais em CGI dos mais ordinários que os anos 90 nos proporcionava. Coisa do nível de MORTAL KOMBAT ANNIHILATION. Ou seja, uma maravilha!

Ainda na trama, passam-se décadas e a neta de Sir Richard, Samantha Turkel (Louise Lombard), que também se tornou arqueóloga, reabre a tumba na esperança de descobrir o que realmente aconteceu com seu avô. Dentro da tumba, Samantha e uma equipe de cientistas descobrem uma câmara mortuária incomum contendo o sarcófago de Talos. No entanto, em vez de encontrar uma múmia dentro do sarcófago, apenas suas bandagens são tudo o que parece ter sobrado do misterioso Talos.

E nisso temos outra sequência sensacional comandada pelo Mulcahy, com direito a participação de um jovem e desconhecido Gerard Butler…

Uma vez removidos dos confins da tumba, e levados para um museu em Londres, os envoltórios assumem vida própria, reivindicando órgãos de suas vítimas pela cidade. As mortes vão acontecendo com essas bandagens assassinas e o filme se transforma numa trama de investigação policial, tendo como protagonista Jason Scott Lee, um americano, investigador de polícia, que se envolve no caso e acaba tendo que proteger Samantha da força que foi libertada quando ela abriu o túmulo de Talos.

E pra deixar tudo ainda mais doido, quando Talos finalmente surge na tela, o sujeito tem um aspecto de alienígena, peladão, com pés de bode… Não sei que tipo de drogas os caras usaram pra conceber algo dese nível, mas queria também. É uma das coisas mais tronchas e engraçadas que já vi na vida.

Enfim, eu realmente não sei o que pode ter acontecido, mas a impressão que dá é que o dinheiro para a pós-produção desapareceu, acabou, alguém passou a mão, e no final das contas eles fecharam um filme muito bem realizado, bem dirigido, mas com efeitos especiais e outros detalhes realmente pífios. Claro, o roteiro não é mesmo dos melhores, a coisa é totalmente desconjuntada e sem sentido em alguns momentos e os últimos 20 minutos de filme deixa isso ainda mais evidente (embora o desfecho tenha umas surpresinhas que me deixaram com um sorriso no rosto), mas fica o sentimento de que começaram algo com uma ideia em mente e depois cagaram tudo…

Mas é aquilo, se você olhar para além da tosqueira, é um terrorzinho bem divertido e imaginativo, com Mulcahy em alta forma. O filme tem bom ritmo (existe uma versão que possui vinte minutos a mais e eu, sinceramente, dispenso), é altamente visual, as ideias, claro, são bizarras (como a cena do cara sendo sugado pra dentro de um vaso sanitário numa boate) mas funcionam de alguma maneira e os atores estão muito bem. O elenco conta ainda com Sean Pertwee (um dos destaques do filme), Jon Polito, Jack Davenport, Honor Blackman e a “Olívia Palito” Shelley Duvall.

É como se O ENIGMA DE TALOS fosse concebido para ser uma obra muito maior, um filme de múmia visionário. Vai saber o que aconteceu, acabou negligenciado de alguma forma… Mas os fãs de terror que conseguem separar um momento para serem menos exigentes e curtir umas tralhas certamente terão um tempinho de entretenimento com o filme. Nem que seja pra dar umas risadas das ataduras assassinas…

MORELLA: O ESPÍRITO SATÂNICO (1990)

Uma das fases mais emblemáticas do produtor e diretor Roger Corman foi o seu ciclo Edgar Allan Poe nos anos 60, adaptando livremente vários contos do autor e criando algumas maravilhas do cinema de horror americano do período. E tendo como presença quase constante o ator Vincent Price, no seu auge, a coisa se torna ainda mais obrigatória a qualquer amante do gênero. Já comentei alguns desses filmes aqui no blog (clique aqui).

Nos anos 80 e 90, Corman resolveu produzir refilmagens de seus filmes, sobretudo vários sci-fis que havia realizado nos anos 50, colocando seus pupilos para dirigir e atualizar seu imaginário para este novo momento. E obviamente retoma sua abordagem em Poe, como por exemplo MORELLA: O ESPÍRITO SATÂNICO (The Hauting of Morella), um conto gótico atmosférico bem ao estilo do que fazia nos anos 60 com Vincent Price, cujo conto original havia sido adaptado por Corman numa das historinhas que fazem parte da antologia MURALHAS DO PAVOR (1962).

E o diretor da vez, para esta nova versão, foi o grande Jim Wynorski.

O enredo é vagamente baseado no conto intitulado Morella, publicado em 1835. Na história original de Poe, a personagem Morella estuda os filósofos alemães Fichte e Schelling, conhecidos por seu “idealismo transcendental”, teoria sobre o qual os objetos da cognição humana são aparências e não coisas em si mesmas. Um troço filosófico pra cacete. Ainda no conto original, quando Morella morre, ela amaldiçoa sua filha recém-nascida que cresce para se parecer com ela. Após seu batismo, é possuída por sua mãe. Já nessa versão de Corman/Wynorski, Morella, interpretada por Nicole Eggert (uma daquelas moças de maiô vermelho da série SOS MALIBU), é brutalmente morta, queimada na fogueira, como uma bruxa e amaldiçoa sua filha recém-nascida na esperança de renascer nela.

Dezessete anos depois, sua filha Lenora (novamente Nicole Eggert, em papel duplo), é agora uma adolescente super protegida pelo seu pai, Gideon (David McCallum), arrasado e decrépito desde a morte da esposa. A governanta da casa, Coel Devereux (Lana Clarkson), serva de Morella e que sabe da maldição, acha que é hora de sua ama retornar e deixar Lenora ser possuída por sua mãe. Mas Lenora é forte e a possessão não dura o suficiente. Então o próximo plano é ressuscitar completamente o corpo de Morella dos mortos, e isso significa sacrifícios humanos, cujo sangue reconstrói o cadáver da mulher.

MORELLA: O ESPÍRITO SATÂNICO representa uma rara digressão a um horror mais sério para Jim Wynorski, evitando o humor irônico que tipifica seu trabalho. Algo que refletiu durante um tempo em alguns dos seus melhores trabalhos subsequentes, como 976-EVIL II (1991) e TENTAÇÃO (1995), e que redefinem várias das ideias e cenas de MORELLA: O ESPÍRITO SATÂNICO. Especificamente em situações que envolve a linha fina que separa fantasia e realidade. E Wynorski demonstra boa mão para criar uma atmosfera mais densa e trabalhar situações de puro horror. As sequências que envolvem o cadáver decomposto de Morella são especialmente interessantes, e quando Lenora navega por uma paisagem infernal, depois de atravessar um espelho, é um espetáculo visual de fantasmagoria que lembra bastante alguns momentos do próprio Corman em seus filmes dos anos 60.

Eu realmente fiquei surpreso com o resultado aqui. Tem tudo o que você espera de um horror gótico; cemitérios nebulosos, antigas catacumbas de pedra, candelabros por corredores de uma mansão escura, cerimônias macabras, banhos de sangue e elementos sobrenaturais pairando a trama. Como estamos em 1990 por aqui, o período em que MORELLA: O ESPÍRITO SATÂNICO foi realizado proporcionou alguns ingredientes a mais para misturar nessa receita gótica. Então temos uma adaptação de Poe com tudo aquilo que Corman não podia colocar trinta anos antes: boas doses de sangue e de peitos balançando na tela. O resultado é puro CINEMA!

E quem já está familiarizado com o cinema de Jim Wynorski, diretor que contribuiu bastante até com exemplares de filmes que passam (sim, ainda passam) no Cine Privé, sabe que não vai faltar por aqui uma quantidade admirável de pele aparecendo na tela. E nesse sentido, é impossível não destacar a presença escultural de Lana Clarkson, que além de permitir que seus dotes respirem um ar puro em algumas cenas, ainda está magnífica em seu papel como a ameaçadora Devereux.

A mulher está de arrasar por aqui. Maldito seja o Phil Spector! Gosto como até em momentos mais singelos, Clarkson consegue deixar a coisa estranhamente erótica, como a cena em que Eggert senta com o rosto numa altura bastante propícia ao lado dela, tudo muito bem enquadrado por Wynorski (imagem abaixo). A sequência em que ela dá uns amassos em Maria Ford (outra beldade habitual nos filmes do diretor), antes de assassiná-la e oferecer seu sangue à Morella, debaixo de uma cachoeira, é uma das mais belas de toda a carreira de Wynorski (também abaixo). E sim, nós sabemos que esse tipo de vestimenta não era usada no período que o filme se passa… Mas quem liga pra isso?

Nicole Eggert tem um desempenho bem decente como Morella/Lenora (mais como Morella, pra ser sincero) – papéis inicialmente oferecidos a Traci Lords, ex-atriz pornô que já havia trabalhado com Wynorski em NOT FOR THIS EARTH. Nada que fosse despertar a atenção de um prêmio de talento dramático para a moça, mas ela consegue convencer sua situação de crise existencial enquanto lida com sua linhagem contaminada por uma maldição.

É evidente que se você for um admirador mais purista do horror gótico de uma Hammer Films, Mario Bava ou do próprio Corman no Ciclo Poe dos anos 60, talvez ache THE HAUNTING OF MORELLA um bocado caído e apelativo. E realmente não é lá um grande filme. Mas, pra quem só quer ter 90 minutos (e isso aqui não chega nem a isso tudo) de diversão, é um filme que oferece vários atrativos. O enredo é simples. O visual é legal. E a quantidade de mulheres nuas é generosa. Então pra mim já tá muito melhor que a maioria dos filmes de horror da atualidade.

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CARNOSAUR (1993)

Depois do sucesso de PARQUE DOS DINOSSAUROS, de Steven Spielberg, em 1993, era evidente que algum produtor espertinho entraria na modinha dos filmes de dinossauros. E por que não? Roger Corman, que não é chamado de rei dos B Movies à toa, antes mesmo de saber se a coisa ia vingar colocou CARNOSAUR em produção ao mesmo tempo em que Spielberg fazia o seu blockbuster. Com um décimo do orçamento, é claro. O filme acabou sendo lançado antes até que o seu “primo rico”…

Na trama, um conglomerado secreto de agências governamentais dá à Dra. Jane Tiptree (Diane Ladd) financiamento e equipamentos para seus experimentos de biotecnologia. Mal sabem eles que ela usou seu gênio do mal e recursos do governo para criar uma nova raça de predadores, misturando genes de galinhas com os de lagartos pré-históricos. Seu plano é exterminar a humanidade com uma nova raça de dinossauros bio-projetados. A coisa só melhora, atingindo alto nível de absurdo: ela criou um vírus que infecta apenas mulheres, fazendo com que fiquem grávidas dando à luz a embriões de dinossauros. Seu plano diabólico é fazer com que todas as mulheres na Terra sejam infectadas, deixando a raça humana morrer enquanto os dinossauros assumiriam o controle.

Quando misteriosamente um caminhão de galinhas transporta um bebê dinossauro do tipo Velociraptor para fora do laboratório, a coisa dá-se início… Em outro cenário, num canteiro de obras, conhecemos o herói da trama, o vigia noturno Doc Smith (Raphael Sbarge), que é adepto a um goró e anda tendo alguns problemas com hippies abraçadores de árvores que invadem o local para se acorrentarem às máquinas, seja lá por qual motivo. Enquanto isso, corpos estraçalhados vão surgindo e o vírus vai infectando as mulheres da região.

Quando os dinossauros começam a estourar seus ventres, o governo dos EUA entra em cena pra tomar uma atitude: matar todas as mulheres infectadas, à la THE CRAZIES, de George A. Romero… Uma garota chamada Thrush (Jennifer Runyon), ligada aos manifestantes hippies, acaba se infectando. E por estar envolvida com nosso amigo Doc, ele resolve adentrar no laboratório secreto para encontrar um antídoto antes que ela dê à luz a um dinossauro. E antes também que as forças do governo exterminem todas as mulheres infectadas.

Para escrever esse roteiro maluco, Corman escalou Adam Simon, diretor de uma de suas produções, MORTE CEREBRAL (1990), a partir do romance Carnosaur, do autor de ficção científica australiano John Brosnan, que não gostou muito do resultado, mas viu a procura pelo seu pequeno romance aumentar de forma considerável no período… Mas realmente, quem já assistiu ou pelo menos chegou até a este ponto do texto já matou que isso aqui não é nenhum PARQUE DOS DINOSSAUROS, nem tinha a pretensão de ser outra coisa além de um filme de monstro de baixo orçamento que consegue incluir tudo o que precisamos para ter um bocado de diversão. Dinossauros, violência e personagens peculiares e agradáveis de assistir.

Há algumas figuras aqui que se destacam até mais do que os dinossauros, como Diane Ladd. Sobretudo perto do final quando ela começa a se tornar poética e monologar sobre a grandeza da Terra e a natureza horrível da humanidade… Sua personagem é totalmente ridícula, mas ela consegue fazer o apreciador de uma boa tralha a não desgrudar os olhos da tela. E o curioso é que enquanto Ladd fazia este filme de dinossauros de baixo orçamento, sua filha, Laura Dern, era uma das estrelas de PARQUE DOS DINOSSAUROS. Que fase… Ned Bellamy não é um ator muito conhecido, mas também tem uma participação engraçadíssima por aqui, como diretor do conglomerado. No elenco, ainda temos Clint Howard interpretando o estranho da cidade local, o seu papel habitual. E qualquer filme em que Clint Howard tem a cabeça arrancada por um dinossauro já vale uma olhada.

Não querendo fazer nenhum tipo de comparação entre as duas produções, mas ao contrário de PARQUE DOS DINOSSAUROS, em vez de ver uma infinidade de espécies diferentes, em CARNOSAUR somos apresentados a apenas dois tipos de dinossauros, Raptors e um T-Rex. Se você só pode escolher apenas duas espécies, essas são definitivamente as escolhas certeiras. E ambos são confeccionados por meio do uso de efeitos especiais práticos, bonecos animatrônicos, miniaturas, etc… Claro, eles nunca parecem particularmente convincentes, as pessoas ficaram mal acostumadas com os dinossauros de Spielberg, mas a coisa aqui realmente funciona.

Todos os dinossauros são visualmente honestos, bem projetados, há só o pequeno detalhe de fazê-los se moverem… Hahaha! São um bocado rígidos e desajeitados. O tiranossauro é perfeito, até que ele começa a se mover. Mas não me interpretem mal, não são efeitos amadores. Você nunca vê zíperes, cordas, orifícios ou outras falhas, e os dinossauros nunca parecem estar “flutuando” ou algo parecido. O grande John Beuchler ficou responsável pela coisa e, apesar do orçamento, cumpre o que promete.

Já as cenas de violência, essas sim, merecem destaque… CARNOSAUR tem uma boa dose de gore e não tem receio algum de matar personagens. Na verdade, fiquei bastante surpreso com algumas das mortes. O filme se dá ao trabalho de apresentar figuras para logo em seguida armar para serem dilacerados por uma das criaturas. A sequência que o grupo hippie, acorrentado nos tratores no campo de obra, acaba devorado por um Raptor, sem poder fugir e se defender, é um dos momentos mais sublimes do filme, com direito a membros arrancados e muito sangue… E quando começam a mostrar mulheres dando à luz a dinossauros, o resultado pode ser bem nojento. Talvez seja o filme com mais violência gráfica que o Corman produziu.

Adam Simon, além de ter escrito o roteiro, faz um trabalho decente também na cadeira de diretor. Não é um sujeito brilhante, mas sabe exatamente o que é preciso colocar na tela para alegrar o coração dos fãs de B Movies, e tenta manter o ritmo rápido e agitado o suficiente para tornar CARNOSAUR realmente divertido. Um momento ou outro que a coisa fica enrolada, como a sequência da revelação da Dr. Triptree, montada com ações paralelas, um pouco longa demais. Mas no geral, CARNOSAUR é essa belezura do baixo orçamento. Não tenta copiar PARQUE DOS DINOSSAUROS, até porque seus realizadores nem o tinham como referência, a não ser a ideia de que era preciso entrar na onda dos filmes de dinossauro, e fizeram com muita personalidade. E, claro, com um óbvio objetivo de ganhar alguma grana. Você pode até não ficar emocionado com efeitos especiais espetaculares de dinossauros em CGI, mas certamente vai sair satisfeito com o que Corman e sua trupe fizeram aqui. Que é ser basicamente um filme de dinossauros mastigando humanos.

E até que o que filme teve relativo sucesso, recebeu alguns comentários de críticos “sérios”, como Gene Siskel, a dupla de Roger Ebert no programa Siskel & Ebert, e se tornou uma referência no circuito de exibição de “meia-noite” nos anos 90. E para expandir ainda mais seu universo, acabou ganhando duas continuações nos anos seguintes que também valem uma conferida.

FORÇA SINISTRA (1985)

Eu não assistia a FORÇA SINISTRA (Lifeforce), de Tobe Hooper, por anos e anos e praticamente a única coisa que me recordava era… Bom, se você já assistiu a este filme alguma vez na sua vida, vai saber exatemente o que é. Se não viu, vai saber no momento em que botar os olhos… Mas vamos ser adultos por aqui. Ano passado eu revi para gravar um episódio do Cine Poeira e desde então tenho aceitado o fato de que se trata não apenas de um dos meus sci-fi‘s favoritos, mas de um dos meus filmes favoritos da vida. Estou realmente convencido disso. É a obra-prima de Tobe Hooper, uma das produções mais caprichadas da Cannon Films e revi mais uma vez agora para tirar a prova e saber se eu não estava ficando doido. Bem, talvez eu esteja, mas pelo menos não tenho dúvidas. Realmente se trata de um dos grandes fimes da história do cinema, na minha opinião.

A história da produção de FORÇA SINISTRA começa com um romance cujo título é The Space Vampire, publicado em 1976, escrito por Colin Wilson (escritor, filósofo e especialista em sobrenatural). Com um conceito interessante, obviamente atraiu a atenção de Hollywood no período e o livro rapidamente se transforma em um projeto de filme. Eu não li o romance, mas tenho informações que dizem que não é o material mais fácil de se adaptar. Um terço da história se passa no espaço e o resto na terra onde acontece uma caça aos vampiros espaciais, tudo narrado por formulações filosóficas… Do tipo que acho que seria necessário um Kubrick ou um Tarkovsky para levar adiante tal feito.

Mas, como sabemos, de vez em quando os executivos de Hollywood são muito insistentes. Algum estúdio realmente comprou os direitos do livro, deixando o trabalho dos futuros roteiristas num difícil desafio de adaptar. Calhou, em algum momento, à Dan O’Bannon e Don Jakoby o afazer. Ao longo do tempo, como era de se esperar, o livro foi passando de mãos em mãos entre os estúdios até parar com os nossos guerreiros da Cannon Films, que realmente tocaram o projeto adiante, em meados dos anos 80. Naquele período, ninguém menos que o diretor de O MASSACRE DA SERRA ELÉTRICA, o inigualável Tobe Hooper, acabara de ser contatado pelo estúdio. O sujeito estava numa fase estranha e a polêmica que cercou as filmagens de POLTERGEIST (ainda seu maior sucesso comercial) fez a carreira de Hooper estagnar. Esteve associado por um tempo ao projeto de A VOLTA DOS MORTOS VIVOS, que acabaria sendo dirigido pelo já citado Dan O’Bannon, mas foi com a Cannon que Hooper voltou às atividades sob um contrato para três filmes, sendo que um deles obrigatoriamente deveria ser O MASSACRE DA SERRA ELÉTRICA 2.

Mas antes, jogaram no colo de Hooper o famigerado projeto de FORÇA SINISTRA. Com um orçamento absurdo de US$ 25 milhões de dólares, que era coisa pra burro na época, foi a produção mais cara da Cannon até então. Uma mistura de ficção científica e horror, que não esconde lá suas ambições de tentar aproveitar o sucesso de um filme como ALIEN – O 8º PASSAGEIRO, de Ridley Scott e roteiro de quem? Mais uma vez o nosso amigo Dan O’Bannon. Mas basta assistir ao filme para perceber que a visão e o autorismo de Tobe Hooper se sobressaem. Fica evidente que o homem está feliz em reencontrar as câmeras depois de três anos sem filmar, criando um espetáculo visual/sensorial único, demonstrando maestria na condução de sequências grandiosas, mostrando a seus detratores que ele era capaz de administrar um grande orçamento e efeitos especiais. Que era capaz de fazer um filme especial.

E esse filme, meus caros, é FORÇA SINISTRA.

Na trama, enquanto investigava o cometa Halley, que passava perto da Terra em 1986, a tripulação americana/britânica da espaçonave Churchill, comandada pelo coronel Tom Carlsen (Steve Railsback), descobre uma nave misteriosa escondida na cauda do cometa. Um grupo da tripulação decide se aventurar dentro da nave e descobre coisas magníficas do imaginário sci-fi, como morcegos gigantes mumificados, bem como três sarcófagos de vidro nos quais estão dois homens e uma mulher (Mathilda May), que são levados a bordo do Churchill.

Logo depois, toda a comunicação com a nave é perdida e é enviado um outro ônibus espacial para investigar. Eles descobrem um Churchill destruído por dentro por conta de um incêndio, mas os três corpos misteriosos ainda estão intactos. Eles são trazidos à terra, em Londres, para ser mais exato. Quando esses corpos despertam, inicia-se um verdadeiro apocalipse na cidade. Descobrimos que o Col. Carlsen não morreu. Ele voltou à Terra em uma cápsula de fuga com sua própria história sobre o que aconteceu, mas mesmo que ele possa dar algumas respostas, já não se sabe se vão ser capazes de evitar a destruição em massa que está ocorrendo em Londres.

De certa maneira, apesar da trama parecer simples, a forma como as coisas transcorrem deixa uma impressão de bagunça narrativa. O roteiro de O’Bannon e Jakoby é tão errático em como está estruturado, que é difícil entender o quão coerente isso poderia parecer nas páginas do script. Mas ao mesmo tempo, é tudo o que você deseja em um filme desse tipo – tem cenas no espaço sideral, temos zumbis-vampiros, temos caos e explosões enormes. Tem até uma garota nua andando por aí matando pessoas! Que é, obviamente “aquilo” que eu lembrava antes de rever… É uma trama totalmente dispersa, mas tratada por Tobe Hooper de forma tão fascinante, que não há como negar que ele definitivamente sabe como tirar vantagem do material, da escala monumental do apocalipse instaurado e, claro, do conceito de uma garota nua por aí a matar pessoas.

Mathilda May passa 99% de seu tempo na tela completamente nua. Apesar disso, não posso dizer que a nudez é gratuita. A maioria dessas cenas são tiradas diretamente do livro e da essência dessas criaturas, esses vampiros espaciais que se alimentam das forças vitais humana, sendo o sexo um desses elementos. Portanto, o teor sexual não foi adicionado apenas para apimentar o filme. Embora, é claro, os atributos físicos de Mathilda May certamente ajudaram a vender o filme…

Ainda sobre o elenco, uma das questões que atingiu a produção foi a recusa consecutiva de vários atores renomados que, normalmente, não são tão criteriosos nas escolhas de seus papeis (como Christopher Lee e Klaus Kinski). Hooper então recorre a Steve Railsback, que está muito bem no seu personagem. Aparentemente, houve uma tentativa consciente de fazer o seu Col. Carlsen morrer ainda na nave espacial, Churchill, fazendo um filme sem personagem principal, o que só aumentaria a sensação de desorientação que podemos sentir às vezes. É até meio estranho, portanto, vê-lo retornando ao filme depois… Mas acho que perceberam a enrascada que teriam sem uma figura central.

Com as filmagens feitas na Inglaterra, Hooper acabou tendo outras escolhas interessantes para completar seu elenco, apesar de Chris Lee e Klaus Kinski serem insubstituíveis. Mas o cinema inglês está cheio de atores secundários de qualidade, como Peter Firth, Frank Finlay, Michael Gothard e Aubrey Morris, que entregam ótimos momentos por aqui. Sem esquecer um quase desconhecido Patrick Stewart, que viria a ser o futuro Jean-Luc Picard da série Star Trek: The Next Generation e o professor Xavier dos X-MEN.

O papel dos vampiros espaciais também apresentou algumas questões, sobretudo para escolher o papel feminino, já que a maioria das atrizes anglo-saxãs recusou a proposta, pela grande parcela de cenas de nudez. Foi, portanto, Mathilda May, uma francesa, que herdou o papel, mostrando verdadeiro talento, apesar de uma presença quase silenciosa, mas numa performance muito, digamos, física.

Uma das coisas mais legais de FORÇA SINISTRA é o fato de toda a ação na Terra se passar em Londres e arredores. E o filme tem mesmo uma atmosfera da tradição do horror/sci-fi britânico, acho que seria o mais próximo de algo produzido pela Hammer Films se eles ainda existissem nos anos 80. Não há indícios de que foi dirigido por um sujeito do Texas ou produzido por uma dupla de primos israelenses malucos. Desde os atores e diálogos, o tom levemente melodramático das situações, o estilo visual com movimentos de câmera mais contidos, o ritmo menos apressado. Talvez seja esse o motivo do fiasco? O filme não querer ser mais um épico sci-fi americano exagerado, mas sim um épico sci-fi britânico exagerado e de muito bom gosto? O fato é que o filme foi um grande fracasso quando lançado, uma indicação real de que a fórmula da Cannon realmente não funcionaria em uma escala de blockbuster.

Mas pelo menos cada centavo gasto do gordo orçamento é visível na tela, desde os incríveis efeitos visuais de John Dykstra até um monte de coisas legais com animatrônicos, algumas cenas de violência, cenários incríveis, tanto em miniaturas quanto em escala gigantesca. O final é um dos melhores que existe, de uma intensidade impressionante e belas imagens de puro horror. A enorme nave espacial pairando sobre Londres atraindo as almas de todas as pessoas que estão infectadas através de um enorme feixe azul. Ao mesmo tempo, a infecção está se espalhando e transforma cada indivíduo na cidade em um monstro/vampiro/zumbi; cenas dessas criaturas em massa acabando com Londres, pontos de referência sendo feitos em pedaços, uma atmosfera de loucura destrutiva e, no meio disso tudo, uma cena de sexo alucinante entre Railsback e Mathilda May em uma igreja no meio do feixe azul. Tobe Hooper era foda…

FORÇA SINISTRA era o filme que deveria ter revivido a carreira de Hooper, o que não aconteceu, comercialmente falando. Mas, como já mencionei, isso aqui foi um fracasso. Hoje tem ganhado seus fãs, incluindo o autor desse blog. Hooper acabou cumprindo seu contrato com a Cannon, entregando os dois filmes que ele ainda devia ao estúdio: INVASORES DE MARTE e a maravilha que é O MASSACRE DA SERRA ELÉTRICA 2. Ou seja, o sujeito continuou em atividade, entregando ainda alguns dos mais belos exemplares do horror americano nas décadas seguintes, como COMBUSTÃO ESPONTANEA e THE MANGLER (esse eu sei que muita gente odeia, mas foda-se, não é mesmo?), construindo uma carreira fascinante e se consolidando como um dos maiores mestres do gênero.

Não deixem de conferir o episódio do Cine Poeira, onde eu, Luiz e Osvaldo conversamos sobre FORÇA SINISTRA (é só clicar aqui) e separem um tempinho para ler meu manifesto no Apoia-se. Precisamos da contribuição de vocês para mais posts como este e com mais frequência. É só clicar no botão abaixo:

BIGFOOT (1970)

A minha queda por filmes ruins me faz chegar aos níveis mais sombrios da incompetência cinematográfica. Acabo vendo cada coisa que é difícil de acreditar… Mas no caso de BIGFOOT quem resiste a um poster como esse?

Obviamente que nada de tão espetacular assim acontece no filme, não vamos esperar um pé-grande levantando uma motocicleta pro alto. Esse tipo de arte é realizada antes mesmo das filmagens começarem, como material pra conseguir investimento para a produção. E apesar da bela imagem acima, os realizadores não conseguiram convencer muito não… O orçamento que conseguiram, pelo visto, é ridículo! Mas mesmo assim seguiram em frente e hoje temos esse filme chamado BIGFOOT para assistir… Só não sei se isso é bom ou ruim.

Agora, “O maior filme de monstros desde King Kong!‘”? “O filme mais realista e horripilante de todos os tempos.“? Não tenho ideia de que tipo de droga que essas pessoas usam pra fazer esses elogios, mas seja lá o que for, eu quero um pouco! Para assistir BIGFOOT e gostar no nível desses caras só se tiver com muito tóxico na cabeça…

O filme começa com uma loura voluptuosa (Joi Lansing, em seu último papel no cinema antes de sua morte prematura de câncer) embarcando em um pequeno avião monomotor e decolando para… não faço ideia. Mas também não importa, porque numa reviravolta brilhante do roteiro escrito pelo próprio diretor, Robert F. Slatzer, e James Gordon White, algo dá errado no meio do vôo e ela é forçada a saltar do avião de paraquedas. Já no chão, no meio de uma floresta, acaba sendo atacada e capturada por um grande monstro peludo!

Enquanto isso, os vendedores ambulantes Jasper (a lenda do cinema de horror John Carradine) e Elmer (John Mitchum, irmão do ator Robert Mitchum) estão dirigindo pela floresta até chegarem numa pequena loja de conveniência à beira de estrada. Enquanto tentam vender seus produtos, Jasper e Elmer pedem cerveja ao dono do local, mas a loja acaba de ser limpa por um grupo de motoqueiros que está passando pela área para fazer o que quase todos os motoqueiros fazem nos filmes no início dos anos 1970: beber cerveja e dançar na floresta.

Um dos motoqueiros, vivido por Christopher Mitchum, filho de Robert Mitchum (sim, existem dois membros do clã Mitchum neste filme), se separa do grupo por algum tempo pra ficar mais à vontade com sua namorada. Depois de tropeçar em um inusitado cemitério de pés-grandes, acaba nocauteado por uma das criaturas. Acorda e descobre que sua garota foi sequestrada. Agora são duas belezinhas sequestradas pelos monstros. O motoqueiro volta ao armazém para telefonar às autoridades e, ao ouvir sua história sobre a existência de tal criatura, um autêntico Pé-grande, o velho Jasper vê cifrões em seus olhos e sai com Elmer para capturar a criatura e faturar uma grana.

Se serão capazes de resgatar as mulheres também, pouco importa… Aliás, e isso é uma das coisas mais bizarras de BIGFOOT, ficamos sabendo que as duas moças são mantidas prisioneiras numa caverna onde vive uma “comunidade” de Pés-grandes, cujos integrantes pretendem acasalar com as capturadas para preservar a espécie… Hahaha!

Pois é, BIGFOOT aparentemente possui todos os elementos para ser um filme da categoria “tão ruim que chega a ser bom“, mas em vez disso é apenas “tão ruim que é só ruim mesmo“. A trama, a partir desses acontecimentos, vira um grande NADA. Entra num estágio de monotonia que mesmo os fãs mais dedicados de cinema exploitation não vão conseguir encontrar muitos atrativos por aqui.

A premissa de monstros querendo acasalar com mulheres sequestradas e sendo perseguidos por uma gangue de motoqueiros realmente poderia render algo bem mais interesante, mas o resultado é pobre de forma lamentável em todos os sentidos. E até o nível de violência e nudez é zero. Existem poucas coisas mais tristes neste mundo do que um filme de exploração que não tem coragem de explorar nada daquilo que realmente enche os olhos dos fãs do gênero.

Como ponto positivo de BIGFOOT, temos John Carradine em cena numa boa participação, embora claramente trabalhando no modo “quero receber meu pagamento no fim do dia“, mas ainda assim à léguas acima da maioria dos outros atores. Christopher Mitchum é outro destaque nas atuações, mas num sentido oposto ao de Carradine, entoando suas falas com todo o entusiasmo de um paciente em coma. Consigo me divertir com isso… Já os Pés-grandes, apesar de serem ridículos, não são assim tão precários quanto se espera para o nível da produção. Obviamente que ainda dá pra perceber que são pessoas em fantasias peludas de loja de dez centavos, que é algo que eu adoro. Mas não tem jeito, BIGFOOT é chatíssimo, demora muito para as coisas acontecerem. E quando finalmente acontecem, não vale o tempo de espera… Assista por sua conta e risco.

THE AMUSEMENT PARK (2019)

Em 2018 fomos agraciados com THE OTHER SIDE OF THE WIND, filme inacabado de Orson Welles que conseguiu, através dos esforços de alguns indivíduos e da Netflix, ver a luz do dia. Naquele mesmo ano, noticiou-se a descoberta de mais um tesouro perdido, um filme do então recém falecido George A. Romero, um dos maiores mestres do horror americano, filmado ainda nos anos 70 e que nunca foi lançado. Esse filme era THE AMUSEMENT PARK.

Em 1973, a Igreja Luterana contratou Romero – aparentemente sem ter visto nenhum de seus filmes (o sujeito já havia realizado três longas, incluindo o clássico A NOITE DOS MORTOS VIVOS) – para comandar uma produção institucional sobre a situação dos velhinhos, dos abusos e preconceitos que pessoas em idade avançada sofrem na sociedade. O que ele entregou, uma obra alegórica de horror, surrealista, com uma narrativa de pesadelo, deixou a Igreja tão chocada que acabou arquivando o material. THE AMUSEMENT PARK foi considerado perdido até 2018. Encontrado, restaurado, chegou a passar em festivais em 2019 (tornando a data oficial) e foi lançado essa semana no serviço de streaming Shudder.

Estrelado por Lincoln Maazel, que está no icônico filme de Romero, MARTIN (77), THE AMUSEMENT PARK abre com um monólogo do ator direto para a câmera, nos dando uma introdução do tipo Rod Serling (criador de ALÉM DA IMAGINAÇÃO), antes que nossa história comece. Assim que o “espetáculo” inicia, o espectador se sente imediatamente lançado em um mundo surreal e estranho. Maazel, agora vestindo um terno branco, adentra em uma sala branca, todo otimista, mas vê a si mesmo também na sala, sentado em uma cadeira, sujo e derrotado. O velho avisa à sua versão otimista para não passar pela porta e ver o mundo lá fora, mas o homem otimista diz que gostaria de ver por si próprio. E assim ele entra num parque de diversões. Um parque comum, familiar, mas que serve de alegoria para a sociedade apodrecida que Romero aborda.

O que se segue a partir disso é uma representação surreal da angustiante existência dos idosos no convívio em comunidade, usando situações cotidianas de um parque de diversões como versões paralelas do mundo real, num crescente de paranóia e horror.

Uma montanha-russa assume o ritmo de um pesadelo. Uma tentativa de almoçar termina em humilhação. O velho acaba sendo espancado por motoqueiros e, quando tenta encontrar os primeiros socorros, é maltratado por uma tenda médica sem alma… E por aí vai. A gota d’água vem quando o velhote encontra sua primeira conexão – uma menina, fazendo um piquenique com sua família, que pede a ele para ler uma história – interrompida de forma dolorosa…

Ao final, o velho está em frangalhos, de volta à sala branca. E sua versão limpinha e otimista retorna com seu ávido desejo de se aventurar lá fora. Mais um ciclo de sofrimento que se inicia…

Quer THE AMUSEMENT PARK tenha ou não o efeito pretendido pela igreja Luterana, algo que incitasse as pessoas a serem mais atenciosas com os mais velhos, hoje isso pouco importa. Romero criou um pequeno filme poderoso (53 minutos), digno de comparação com qualquer um dos tormentos alucinógenos do cinema psicodélico dos anos 70, ou uma versão mais extrema de um episódio de ALÉM DA IMAGINAÇÃO. Sentimos muita falta dos talentos de George A. Romero, que morreu em 2017, e ao menos temos a oportunidade de apreciar um trabalho inédito. Um filme que, ainda hoje, talvez não agrade qualquer público, mas cuja existência e inclusão na filmografia de Romero merece a celebração.