HOWARD HAWKS: FINAL

HATARI! (1962)
Hawks no seu modo tardio descontraído pós ONDE COMEÇA O INFERNO. Muito pouco a título de enredo, trama, não há antagonistas, apenas um amontoado de situações com o senso de aventura fenomenal do diretor, seu humor típico e a dinâmica entre os personagens. Um bando de marmanjos na África, à serviço de um zoológico, enchendo a cara e contando prosa, um rinoceronte ensandecido, três filhotes de elefante assanhados e uma italiana que chega pra balançar o coração do Duke. Como dizia o Carlão Reichenbach: a aventura maior do cinema.

O ESPORTE FAVORITO DOS HOMENS (Man’s Favorite Sport?, 1964)
Um renomado especialista em pesca, vivido por Rock Hudson, que sem o conhecimento de seus amigos, colegas de trabalho ou chefe, nunca lançou uma linha de pesca em sua vida. Um dia, ele cruza o caminho de uma garota irritante (Paula Prentiss) que acaba de persuadir seu chefe a inscrevê-lo em um torneio anual de pesca. A confusão está armada. Não é a comédia perfeita do diretor, mas há muito o que gostar em seu próprio jeito. Engraçado, leve, romântico e, afinal, quantos filmes de Hawks temos um urso andando de motoca? Uma despedida divertida, a última Screwball Comedy de um dos maiores mestres do gênero.

RED LINE 7000 (1975)
O filme gira em torno de corredores da Stock Car e todo um universo que os rodeia, as paixões, desilusões, relações, num turbulento retrato sobre indivíduos do mundo das corridas profissionais. Acho foda que Hawks já na reta final da carreira fez esse petardo esquisito, que mesmo sendo um filme tão hawksiano, parece mais um filme do Roger Corman produzido pela AIP. É troncho, uma grande novela da globo, tem alguns dos piores diálogos da filmografia do diretor, o próprio Hawks detestava, mas ao mesmo tempo é um dos filmes mais verdadeiros, humanos e com mais força emocional que o sujeito já fez. Lindo, o tipo de obra-prima imperfeita que eu não resisto…

EL DORADO (1966)
Hawks se reuniu novamente com John Wayne para este “remake espiritual” de seu clássico ONDE COMEÇA O INFERNO. É tipo um “copia, mas faz diferente“. O Duke faz um pistoleiro que se junta a seu velho amigo, o xerife bêbado de Robert Mitchum, para ajudar uma família de fazendeiros a lutar contra um rival que tenta roubar suas terras. James Caan também tá aqui, depois de trabalhar com o diretor em RED LINE 7000. Hawks cria mais uma mistura especializada de emoção, ação e boas risadas, apresentando os dois dos veteranos da era de ouro de Hollywood, Wayne e Mitchum, em estado de graça, entregando desempenhos divertidos de ver, embora o filme no geral não chegue no mesmo nível de seus melhores trabalhos.

RIO LOBO (1970)
Último filme que Hawks dirigiu. Após a Guerra Civil, o personagem de John Wayne procura o traidor cuja deslealdade causou a derrota da unidade de sua unidade e a perda de um amigo próximo. Durante a jornada, acaba se envolvendo numa aventura cheia de ameaças e figuras hawksianas. Embora não seja dos seus melhores westerns e colaborações com o Duke – o filme já nasce anacrônico para o período e com a trama cansada (Hawks recria pela terceira vez a mesma situação de ONDE COMEÇA O INFERNO e EL DORADO, encerrando a carreira numa espécie de trilogia com estes outros dois) – não deixa de ser divertido e ter seus momentos. Uma bela despedida de um dos maiores diretores que Hollywood já teve.

Acima, o último plano do último filme de Hawks. Fim da maratona.

OPERAÇÃO YAKUZA (1974)

O roteiro original de OPERAÇÃO YAKUZA (The Yakuza), de Sydney Pollack, foi escrito por Leonard e Paul Schrader em uma tentativa desesperada de vender algo comercial. Eles estavam falidos e escreveram o roteiro em poucas semanas. Por sua vez, o agente deles conseguiu vender o roteiro, brilhantemente apresentado como uma mistura de O PODEROSO CHEFÃO com Bruce Lee, e os Schraders levaram para casa 300 mil dólares – um recorde de venda de roteiro na época. Robert Towne foi trazido depois só para dar aquela refinada, aquela reescrita marota eficaz com sua voz mais sensível, mas a essência pertence à psique dos Schraders, com um debruce sobre honra errática e disciplina rígida. E que não tem nada a ver nem com O PODEROSO CHEFÃO, muito menos com Bruce Lee…

A trama é centrada, na maior parte do tempo, em Harry Kilmer, interpretado pelo maior de todos, Robert Mitchum, enquanto ele retorna ao Japão para ajudar um velho amigo, George Tanner (Brian Keith), a resgatar sua filha das garras da Yakuza. Eu disse retornar porque Kilmer já tem um histórico no Japão de longa data e muitas pontas soltas para atar… Como, por exemplo, reencontrar a japonesa Eiko Tanaka (Keishi Keiko), que foi o seu grande amor, e encarar seu irmão, Ken Tanaka (o lendário Ken Takakura), que o odeia. Isso leva a uma complexa trama de conflitos internos do personagem de Mitchum, que acrescenta um ingrediente a mais dentro da jornada de violência pelo submundo de Tóquio na qual ele tem que percorrer.

Vários diretores foram cogitados para dirigir OPERAÇÃO YAKUZA e acabaram sendo preteridos ou pulando fora do barco (Frankenheimer, Aldrich, Scorsese), até parar nas mãos de Sydney Pollack, que na época era um dos mais interessantes do cinema americano. Mesmo que pareça uma escolha estranha para este tipo de material, que é um autêntico noir yakuza, um petardo badass, sobretudo depois do sucesso do romance NOSSO AMOR DE ONTEM (1973), com Robert Redford e Barbra Streisand, que o diretor havia lançado um ano antes. Mas Pollack provou que podia transitar perfeitamente entre gêneros e, olhando em retrospecto, é notável como ele contribuiu para definir o modelo de thriller dos anos 70 com filmes como OS TRÊS DIAS DO CONDOR ( 1975). E OPERAÇÃO YAKUZA é um prólogo perfeito para suas habilidades. No entanto, Pollack dizia que não queria fazer um filme de “gênero” do jeito que Schrader imaginou. Por isso a presença de Towne no roteiro, para alinhar as coisas com a visão dramática de Pollack.

E, obviamente, o talento de Pollack para dirigir grandes atores é um diferencial e faz do elenco de OPERAÇÃO YAKUZA um dos destaques. Posso dizer com toda segurança que é uma das grandes atuações de Robert Mitchum. A vulnerabilidade de seu personagem, que tenta posar de durão, raramente foi tão complexa, tão fascinante. Nesse sentido, só deve ficar abaixo de seu desempenho em OS AMIGOS DE EDDIE COYLE, de Peter Yates. Gosto bastante do persoangem de Richard Jordan, um desses rostos frequentes do cinema dos anos 70 que acabou esquecido. Aqui ele faz Dusty, um jovem guarda-costas sensível impressionado pelos códigos de honra japoneses.

Depois há Ken Takakura, uma dos maiores astros do Japão e que mantém sua aura cool intacta durante o filme todo. Não é um personagem que fala muito, mas seu rosto taciturno, de poucas expressões, diz muito mais que palavras. E o homem sabe como manusear uma katana. Juntos, Mitchum e Ken têm uma química que surge do improvável e ganha contornos de tragédia com algumas revelações ao longo da trama. A oferta de Mitchum para o sujeito nos minutos finais do filme é digna de antologia nas carreiras desses dois gigantes do cinema.

Lindamente fotografado por dois diretores de fotografia, Duke Callaghan (nas poucas sequências que se passam nos EUA) e Kozo Okazaki (no restante do filme), OPERAÇÃO YAKUZA também recria fielmente as composições widescreen habituais do cinema japonês. E Pollack aproveita bem tudo que compõe, nos mínimos detalhes, a construção desse universo, seja à nível estético dos ambientes, das ruas, da arquitetura, seja à nível cultural e filosófico. O sujeito tava inspirado por aqui, provavelmente OPERAÇÃO YAKUZA é a melhor produção americana a fazer a ponte EUA-Japão.

Pollack se destaca até mesmo na ação. Temos várias sequências de lutas, tiros, filmadas de forma classuda. A violência é ao mesmo tempo estilizada, mas com um peso dramático realista. Quando alguém é perfurado por uma espada, tremem e murmuram enquanto morrem; conforme membros são cortados, os personagens mostram náusea e repulsa; enquanto as balas voam no caos que é um tiroteio, as pessoas gritam e tropeçam desajeitadamente (é bem provável que Pollack tenha assistido a algum filme de Kinji Fukasaku do período). O confronto final em uma base da yakuza é puro cinema, são quase dez minutos de tensão, com a katana de Takakura fazendo um estrago, enquanto Mitchum distribui bala pra todo lado. Uma das grandes sequências de ação dos anos 70.

Fiquei feliz de saber que o DVD nacional, que foi por onde revi esse filmaço, vem com comentários de Sydney Pollack. Ele demonstra bastante orgulho de OPERAÇÃO YAKUZA e o considera um de seus melhores filmes. Eu não tenho como discordar. É disparado o meu filme favorito do homem.

WOMAN OF DESIRE (1994)

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WOMAN OF DESIRE é um desses filmes aleatórios que por algum motivo, provavelmente pelo elenco, acabei catando de algum tracker e assisti um dia desses. E por algum outro motivo que nunca vou saber explicar, vou postar alguma coisa sobre ele… Temos Jeff Fahey, Steven Bauer em papel duplo, temos o maior ator de todos tempos, Robert Mitchum, e a musa dos anos 80 Bo Derek, que, apesar de inexpressiva, não desperdiça nosso tempo com sua beleza e muitas cenas com pouca roupa. Pronto, já temos motivos suficientes para assistir a esse neo-noir sem-vergonha dos anos 90.

Dirigido por Robert Ginty, mais conhecido pelo trabalho na frente das câmeras em filmes de ação exagerados dos anos 80, como THE EXTERMINATOR, de James Glickenhaus, WOMAN OF DESIRE é sobre um sujeito, Jack (Fahey) que é encontrado totalmente nu em uma praia sem lembrar direito o que aconteceu e como chegou ali. Ao mesmo tempo, Christina (Derek) está no hospital local contando sobre uma noite muito estranha dentro de um pequeno iate, no qual, segundo a moça, Jack trabalhava como capitão transportando ela e Ted (Bauer), quando os dois sujeitos começam uma violenta discussão que acaba em briga. Jack teria atirado em Ted, que caiu no mar e seu corpo desapareceu, logo depois o sujeito estuprou Christina e uma tempestade jogou ambos no mar.

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As coisas não parecem boas para Jack, que contacta seu advogado, interpretado por Mitchum, que passa a remontar os eventos como um quebra-cabeça. E o filme vai encaixando as peças, abusando de flashbacks e uma variedade de reviravoltas confusas, envolvendo irmãos gêmeos, um jogo de sedução perigoso entre Jack e Christina, até que a coisa toda vira um filme de tribunal, com um looongo julgamento, que desemboca num tiroteio em um desfile de rua no pequeno balneário onde a trama se passa, e tudo é finalmente explicado.

Parece interessante, mas não é bem assim. A direção pesada e “televisiva” de Ginty não é lá muito inspirada, sem estímulos visuais. Não consegue criar muito a atmosfera que um Eric Red, Bradford May ou Bobby Roth criavam nesse tipo de produto nos anos 90. E a trama é enfadonha na maior parte do tempo, apesar da premissa, inicialmente, ser interessante. Não é das melhores performances de Fahey, ator que geralmente eu gosto bastante, mas não me parece muito feliz aqui. Já o trio restante tenta salvar a sessão. Bauer e Mitchum estão sempre ótimos em cena, mesmo um Mitchum já envelhecido, mamado de uísque em cada frame, mas que tem o vigor que sempre exalou em décadas atuando. E Derek não precisa fazer muita coisa, contanto que esteja beeem à vontade, se é que me entendem. Num bom dia, aquele que você acordar com o pé direito e quiser encarar um thrilerzinho vagabundo, fica a dica de WOMAN OF DESIRE.

ANGEL FACE (1952)

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Em 1952, o famigerado magnata e produtor de filmes Howard Hughes estava tão decidido a forçar a atriz Jean Simmons a fazer mais um filme para ele, que resolveu dar ao diretor Otto Preminger o controle artístico completo da produção, se ele conseguisse filmar em 18 dias, que era exatamente o que restava do contrato dela depois de seu último trabalho. Batalhas judiciais à parte entre a atriz e o produtor, Preminger aproveitou a chance e o resultado foi ANGEL FACE (no Brasil, o título um bocado ridículo, ALMA EM PÂNICO), um filme que é ao mesmo tempo um ótimo exemplo de film noir e uma obra pouco convencional dentro do gênero.

Robert Mitchum é o motorista de ambulância Frank Jessup, que é chamado, logo no início do filme, para a mansão de um escritor, cuja esposa quase morreu devido aos efeitos de um vazamento de gás. Um acidente? A mulher não pensa assim. No decorrer do atendimento, ele conhece a filha do escritor, Diane (Jean Simmons), cujas reações a esses eventos são estranhas, para dizer o mínimo. Jessup tem uma namorada, Mary, mas Diane o persegue nas noites e ele se vê fascinado por essa jovem bonita, mas enigmática. Uma típica configuração clássica do noir, com o sujeito sendo puxado para o abismo por uma femme fatale com intenções nefastas.

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No entanto, as coisas não são tão “preto no branco” por aqui, existem nuances, Preminger não nos dá nada tão direto, tão óbvio. Seus personagens realizam ações que consideram essenciais para sua própria proteção ou para a proteção de alguém que ama. Podem até estar errados, mas é assim que eles vêem as coisas, é assim que Diane acredita no que faz. E Preminger nunca entrega soluções fáceis ou faz julgamentos sobre essas ações, prefere jogar a responsabilidade para que o público faça seus próprios julgamentos. Até mesmo o comportamento de um personagem que pode ser interpretado como “vilão” da trama segue uma lógica de que seus atos podem ser vistos como razoáveis e morais, dependendo do ponto de vista, e de como entendemos a situação. E o que vemos é Diane atuando em algum sentido como uma clássica femme fatale, mas quando se espera que ela faça algo que uma femme fatale faria, ela faz o oposto.

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Toda essa espécie de desconstrução de modelos só é possível porque ANGEL FACE é um desses exemplos do período clássico do studio system – onde os produtores tinham o controle das obras – só que, como já disse, feito por um diretor que estava na posição de impor sua própria visão sem interferências, de poder atuar como um autêntico autor – não é toa que Preminger ganhou destaque entre a crítica francesa do período. Acredito que, por isso tudo, podemos colocar na conta do diretor sequências brutais, como a do carro que despenca na ribanceira, com os corpos dos ocupantes sendo estraçalhados (bonecos, obviamente, mas de um realismo impressionante), algo que provavelmente um produtor mais afrescalhado, no auge de 1952, teria vetado…

Preminger voltaria a trabalhar com Mitchum em O RIO DAS ALMAS PERDIDAS, que já comentei aqui no blog, numa das minhas fases mais “Mitchuniana”… Aliás, o sujeito está muito bem em ANGEL FACE. É um trabalho mais discreto, mas com boa presença. Quem acaba se destacando mesmo é Jean Simmons, nessa personagem complexa, ambígua, uma irresistível femme fatale atípica, que não se parece em nada com as traidoras de noirs como PACTO DE SANGUE, de Billy Wilder, e ALMAS PERVERSAS, de Fritz Lang.

Em 1964, Jean-Luc Godard colocou ANGEL FACE como um dos dez maiores filmes americanos da era do som. De fato é um grande filme.

ANGRY HILLS

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É isso. Em COLINAS DA IRA (The Angry Hills), uma produção AMERICANA mainstream estrelada pelo Robert Mitchum, o diretor Robert Aldrich colocou uma dançarina exótica de topless, balançando tudo em frente às câmeras. Em 1959.

Já não se fazem diretores com colhões como o Aldrich.

O EMBAIXADOR (The Ambassador, 1984)

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Hoje assisti a’O EMBAIXADOR, uma produção da Cannon Films, estrelada por um velho Robert Mitchum, só pra não perder o costume aqui no blog. O filme foi uma das oito colaborações entre os notórios produtores israelenses, Golan & Globus, com o mestre subestimado do cinema de ação clássico J. Lee Thompson (OS CANHÕES DE NAVARONE) e trata-se de um dos thrillers políticos dos mais sinceros que eu já vi.

O roteiro nem é lá grandes coisas e, na trama, temos Mitchum vivendo um embaixador americano em Israel tentando selar a paz entre judeus e palestinos, tema que até hoje é complicado de tratar. Mas os esforços do sujeito são dificultados quando sua esposa (Ellen Burstyn) acaba pulando a cerca e é filmada na cama com um dos líderes da OLP (Organização para a Libertação da Palestina). A coisa é tão ingênua que as ideias do embaixador para a paz no local é tentar reunir jovens estudantes palestinos e israelenses para conversar, bater um papinho, acender umas velas, gritar por paz… Mas Mitchum passa tanta segurança e credibilidade no seu desempenho que não fica muito difícil relevar certa inocência.

Mas o grande destaque de O EMBAIXADOR é a presença de Rock Hudson, em sua última performance. O sujeito parece se divertir como o braço direito e conselheiro de segurança da Mitchum, e não aparenta nenhum sinal de alguém que sofria com o vírus da AIDS. Hudson morreria um ano depois.  Continuar lendo

O RIO DAS ALMAS PERDIDAS (River of No Return, 1954)

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O primeiro que enjoar das postagens com o Robert Mitchum vai ser a mulher do padre… Até porque depois que se mergulha de cabeça na obra deste estupendo ator fica difícil parar. É como um vício. Mas um dos bons, saudável, recomendável aos amantes de boas atuações. E, neste ofício, Mitchum foi um dos grandes… Quiçá o maior… Se cuida, Lee Marvin!

O RIO DAS ALMAS PERDIDAS foi o último que vi estrelado por Mitchum.

Dirigido pelo gênio Otto Preminger, o filme é um western de aventura que se passa durante a famigerada corrida do ouro do final do século IXX. O fazendeiro Matt Calder (Bob Mitchum), que vive em uma fazenda remota com seu jovem filho Mark, ajuda um casal que perde o controle de sua jangada num rio nas proximidades. Um deles é Harry Weston, um jogador profissional que está tentando chegar à cidade mais próxima o mais rápido possível para registrar uma reivindicação de uma mineiradora que ele alega ter ganho em um jogo de poker. Sem cavalo, achou que a melhor maneira era descer o perigoso rio de jangada… Junto dele, sua namorada, a bela Kay (Marilyn Monroe), uma cantora de salão.

Quando Calder se recusa a deixar Weston “pegar emprestado” seu único rifle e seu único cavalo para seguir viagem, o clima fica pesado entre os dois. O local é cercado de índios e é o rifle de Calder que protege ele e seu filho dos peles-vermelhas. Além disso, o cavalo é seu “instrumento” para arar a terra nas suas plantações… Mas, como sabemos, Weston precisa urgentemente chegar à cidade mais próxima. Demonstrando ser um grandessíssimo filho da puta, o jogador acerta a cabeça de Calder e parte montado no animal levando o rifle do protagonista embora. A trairagem foi tão grande que até Kay resolve ficar para trás.

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Incapazes de se defender de um iminente ataque índio, Calder, seu filho e Kay só vêem na jangada e nas perigosas águas do rio o único meio de manterem a pele intácta. E assim, a aventura de O RIO DAS ALMAS PERDIDAS começa, com esse improvável trio tentando sobreviver às correntesas do rio com a jangada e aos eventuais ataques de índios. E só um pensamento que dá força a Calder nessa jornada: vingança.

Parece divertidão, não é? Uma montanha-russa em forma de filme de aventura. Pois é, o produtor do filme, Stanley Rubin, também achava que deveria ser assim. No entanto,  O RIO DAS ALMAS PERDIDAS é bem mais complexo, intimista e reflexivo do que parece. E grande parte dessa lógica de aventura descompromissada se perde graças a Otto Preminger.

Na ocasião, Rubin achava que Preminger teria sido uma escolha equivocada. Queria alguém mais ligado a aventuras mais rotineiras, alguém que já tivesse dirigido western, algo que Preminger nunca tinha feito. Rubin queria mesmo o grande Raoul Walsh, que já era célebre por balancear filmes escapistas com um bocado de substância… Mas o chefão da Fox, o lendário Darryl F. Zanuck, precisava arranjar um projeto rápido para Preminger, porque já estava pagando um sálario astronômico na época de 2.500 dólares por semana com o sujeito trabalhando ou não. Preminger, a princípio, não queria saber muito de  O RIO DAS ALMAS PERDIDAS, mas aceitou na boa após ler o roteiro e perceber que poderia explorar alguns conceitos, tanto estéticos quanto humanos com aqueles personagens. O que gerou certo desconforto entre Stanley Rubin e o diretor, que sempre teve fama de autoritário. Continuar lendo

A MANCHA DE UM PASSADO (Going Home, 1971)

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Ah, o bom e velho cinema americano dos anos 70… Cada dia é uma nova descoberta. Hoje assisti A MANCHA DE UM PASSADO. Não fez muito sucesso na época do lançamento e hoje é praticamente esquecido entre os vários filmes americanos que marcaram esse período conhecido como “Nova Hollywood”. Eu mesmo não fazia a menor ideia da existência. Só acabei vendo porque ando numa onda de ver uns filmes do Robert Mitchum ❤ . E que agradável surpresa! Filme de drama forte, sombrio, com alguns momentos realmente densos sobre uma família que sofre os impactos de uma tragédia ocorrida mais de uma década atrás.

Mitchum interpreta um sujeito que numa noite qualquer enche a cara de cachaça, fica bebaço e mata sua esposa brutalmente cortando-lhe uma artéria do pescoço com a ponta de uma garrafa quebrada. A mulher ainda cambaleia sob o olhar do filho pequeno do casal e acaba perdendo a vida diante do menino. Treze anos mais tarde, Mitchum obtém liberdade condicional, vai morar num acampamento de trailers e se apaixona por uma moça (Brenda Vaccaro). E tem de lidar com a presença de seu filho (Jan-Michael Vincent), agora com dezoito anos.

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E é do ponto de vita do moleque que acompanhamos A MANCHA DE UM PASSADO. No entanto, o filme se constrói mesmo em torno de Mitchum, que é gênio, engole as atenções. Um filme que parece tão disposto a confiar num ator, como se fosse um jogo de atração e ao mesmo tempo repulsa entre a incógnita personagem de Mitchum e o espectador.

Na cena inicial, a deste frame aí embaixo, o sujeito surge apenas com as cuecas e a garrafa quebrada com o corpo da mulher aos seus pés, uma dessas imagens que mostram o monumento que era Mitchum. Mas também o apresenta como um assassino psicótico de filme de terror. Depois, quando o filho reaparece para ele pela primeira vez, após de treze anos, e diz “Oi, pai“, chega a ser tocante ver a reação daquele monstro assassino embargar e adentrar seu trailer sem dizer uma palavra sequer, totalmente arrasado…

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Mas não pensem que tomamos simpatia pelo rapaz. O mundo é sórdido em A MANCHA DE UM PASSADO, há mais nobreza num velho bêbado assassino na condicional do que num rapaz inocente que tenta perdoar o pai pelos pecados do passado. E o filme aproveita-se disso para nos pregar umas peças. talvez seja por isso que várias críticas que li são negativas e reclamam da dificuldade de se identificar com os personagens… Mas é exatamente um dos principais motivos que me fez gostar do filme.

A direção é de Herbert B. Leonard, cuja carreira é mais ligada à produção para a televisão. Tem pouquíssimos longas como diretor. Aqui faz um bom trabalho, ousado na condução dos atores, com sequências pesadas, como a cena do galinheiro com os galos de briga, ou no climax, o provável último encontro dramático entre pai e filho. Tão singelo e brutal ao mesmo tempo.

Vale a pena conhecer A MANCHA DE UM PASSADO. Vale, acima de tudo, pela estupenda atuação de Mitchum.

ARMADO ATÉ OS DENTES (The Man With the Gun, 1955)

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Assisti a este western rotineiro que no Brasil ganhou o divertido título ARMADO ATÉ OS DENTES. Mas referir-se ao filme como rotineiro pode não parecer uma recomendação muito entusiástica. No entanto, como a década de 50 foi um período tão fértil para filmes excelentes do gênero, digamos que “rotina” pode ser tomada como algo positivo…

O filme possui muitos dos elementos padrões que eram populares na época: temos o solitário e misterioso pistoleiro, com um passado sombrio, que encara as forças do vilão sem escrúpulo numa cidade cuja população de homens tímidos e indefesos precisa contar com o estranho pistoleiro para salvá-los de serem explorados e enganados.

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Robert Mitchum, ainda começando a se tornar um astro, interpreta Clint Tollinger, um pistoleiro com uma reputação de “domar” cidades selvagens. E o local que chega tem um baita problemão. Um tal de Dade Holman (Joe Barry), um poderoso fazendeiro, tem usado seus consideráveis ​​recursos financeiros para comprar toda a terra circundante à sua e utiliza mercenários armados para aterrorizar ou matar qualquer pessoa que não ceder às suas propostas de compra.

E Tollinger entra na cidade para descobrir que sua reputação o precede. Ele acaba contratado pelo conselho local para frustrar os planos de Holman e seus lacaios, que também habitualmente têm perturbado a paz. Tollinger aceita o trabalho contanto que tenha controle total sobre os métodos que emprega, o que inclui a regra “sem armas na cidade” e também um toque de recolher. Em pouco tempo, os empresários que o contrataram estão reclamando que agora as coisas estão pacíficas demais e seus negócios vão de mal a pior.

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Enquanto isso, os pistoleiros de Holman não demoram muito para testar Tollinger, que prova ser rápido e certeiro o suficiente para se defender. Mesmo quando seus adversários estão maior número. O filme também investe bastante tempo na relação que Tollinger estabelece com um jovem casal prestes a se casar: a adorável Stella Atkins (Karen Sharpe) e seu noivo cabeça-dura Jeff Castle (John Lupton), que continua a desafiar os homens de Holman e acaba seriamente ferido por sua recusa em ceder suas terras.

Tollinger também encontra na cidade sua ex-mulher, Nelly (Jan Sterling), que administra o bordel local. Os dois não ficam lá muito felizes em se ver, e quando Nelly revela um segredo chocante sobre sua filha, Tollinger enfurecido resolver tocar o terror pra cima da bandidagem.

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ARMADO ATÉ OS DENTES sofre de um título original brando, sem muita inspiração e genérico (MAN WITH THE GUN). Mas o filme em si é bastante envolvente. Mitchum está ótimo como sempre, fazendo um personagem bem mais complexo que a impressão superficial sugere. E já nessa fase inicial da carreira havia evidências claras de um astro sendo lapidado. O elenco de apoio também é muito bom, especialmente alguns atores como Henry Hull (O LOBISOMEM DE LONDRES), Emile Meyer (OS BRUTOS TAMBÉM AMAM), James Westerfield (SINDICATO DE LADRÕES) e outros rostos familiares da época (incluindo um jovem Claude Akins). O filme, habilmente dirigido por Richard Wilson (talentoso assistente de Orson Welles), certamente não é nenhum clássico espetacular, mas por outro lado, é sólido, divertido e tem Robert Mitchum fazendo a alegria da moçada.

TOMBSTONE (1993)

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Mais um daqueles filmes que faziam minha cabeça na pré-adolescência, no início anos 90, que devo ter visto na época umas duzentas vezes e que já fazia uns bons quinze anos que eu não revisitava e nem lembrava se era mesmo tão bom… Mas TOMBSTONE valeu muito a revisão que fiz esta semana. Baita western noventista com um dos elencos mais espetaculares que eu já vi! Curioso que já naquela época Hollywood lançava uns filmes em dose dupla sobre temas semelhantes quase ao mesmo tempo… E não tô falando de rip-offs picaretas e independentes, mas de super produções de grandes estúdios. Se hoje em dia temos um WHITE HOUSE DOWN e OLYMPUS HAS FALLEN lançados no mesmo ano, nos anos 90 tivemos ARMAGGEDON sendo lançado com IMPACTO PROFUNDO, ou VOLCANO e O INFERNO DE DANTE e até mesmo MARTE ATACA com INDEPENDENCE DAY… TOMBSTONE também não saiu ileso e quase teve que disputar bilheterias com WYATT EARP, lançado poucos meses depois.

Ambos os filmes tem como protagonista o lendário xerife Wyatt Earp, aqui interpretado por outra lenda, o grande Kurt Russell. Já WYATT EARP, dirigido pelo Lawrence Kasdan, tem Kevin Costner no papel do xerife e possui uma abordagem mais biográfica e historicamente enraizada, o que não quer dizer que não seja bom… Gosto dos dois, mas TOMBSTONE  é outra pegada, mais divertida, estilizada e com muito mais ação e um elenco de fazer cair o queixo. Numa comparação, digamos, esdrúxula, WYATT EARP seria um filme do John Ford, com um certo rigor e suntuosidade, enquanto TOMBSTONE é um equivalente aos descompromissados faroestes de matinée dos anos 40.

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O curioso é que o roteirista Kevin Jarre, que iniciou as filmagens também como diretor de TOMBSTONE, tinha planos bem mais ambiciosos para o filme. A sua ideia era fazer um estudo de personagem mais aprofundado, mas acabou despedido, seja lá por qual motivo, com um mês de trabalho e o filme tomou outros rumos. TOMBSTONE retrata o período em que Earp, seus irmãos (Bill Paxton e Sam Elliott) e suas mulheres se mudam para a cidade de Tombstone, no Arizona, para fazer uma nova vida e que não envolve o trabalho de xerife. O problema é que a cidade é encrenca e não demora muito Earp, seus irmãos e Doc Holliday (o grande e único Val Kilmer) marcham em slow motion rumo ao O.K. Corral para o provável mais famoso tiroteio da história americana… O filme ainda prossegue com a repercussão e as consequências explosivas desse fato, que trouxe algumas desgraças para Earp, mas também algum senso de ordem e justiça… Ou vingança… A eterna linha fina que separa as duas coisas.

O filme já seria totalmente assistível só pelos temas e a violência que surge a partir daí, mas temos ainda um elenco que é simplesmente de encher os olhos. Além de Russell, Paxton, Elliott e Kilmer, temos Powers Boothe, Michael Biehn, Charlton Heston, Stephen Lang, Thomas Haden Church, Billy Bob Thornton, Michael Rooker, Billy Zane e Frank Stallone! Além disso, Robert Mitchum é o narrador. Como não amar um filme desses?

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Mas o que torna TOMBSTONE realmente transcendental é a interação de Earp com o tuberculoso Doc Holliday. Qualquer momento em que esses dois cavalheiros dividem a tela é simplesmente sublime e engrandece a obra absurdamente. É quando se percebe o quão fascinantes e fortes são esses personagens… Tão opostos, ambos gigantes.

É facilmente o melhor desempenho da carreira de Kilmer e na minha opinião o melhor Doc Holliday do cinema, que me perdoem Victor Mature e Stacy Keach. Alguns dos melhores momentos de TOMBSTONE é marcado pela presença de Kilmer, seja abrindo a boca pra soltar alguma frase genial de efeito, seja em sequências como quando encara Michael Biehn pela primeira vez e demonstra sua agilidade com uma caneca de café, ou no duelo final entre eles. Mas especialmente nos seus últimos diálogos com Earp, que é capaz de fazer até o coração mais duro ficar amolecido… Mas é só inventar a velha desculpa do cisco no olho que ninguém vai se importar.

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Já Russell com seu Wyatt Earp não consegue chegar no mesmo nível de Kilmer, que está mesmo perfeito. Mas o sujeito também possui aqui alguns bons momentos e o bigode mais badass dos anos 90. Grande atuação do homem. É um casca-grossa total! Principalmente quando entra em ação e distribui tiros nas mais variadas formas, nos mais variados bandidos que entram em seu caminho.

Por falar em ação, eu poderia elogiar o trabalho do diretor George P. Cosmatos em algumas sequências, mas corro o risco de cometer injustiça. O Tiroteio no O.K. Corral ou o duelo entre Doc Holliday e Johnny Ringo (Biehn) são dignos de antologia do cinema de faroeste dos últimos trinta anos, mas quem realmente as dirigiu? Cosmatos é um diretor legal, fez RAMBO 2, COBRA, LEVIATHAN e ganhou os créditos por TOMBSTONE, mas em duas entrevistas não tão antigas, Kurt Russell afirma que assumiu a direção logo depois que Jarre foi demitido. Na verdade, em uma das ocasiões, Russell diz que dirigiu a grande maioria do filme e que o nome de Cosmatos nos créditos era apenas de fachada para fazer a produção correr bem… Enfim, puta trabalho do Russell como diretor, se for mesmo verdade…

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Eu havia citado Ford ali em cima. Sua versão de Wyatt Earp, com Henry Fonda vivendo o personagem, MY DARLING CLEMENTINE, é um belíssimo filme… O do Kasdan, como já disse, é outra adaptação que gosto bastante. Aliás, a história do famigerado xerife já foi para as telas diversas vezes. Até o Doc Holliday já ganhou filmes solos… No entanto, não tem jeito, tenho um carinho tão especial por TOMBSTONE que na minha opinião é o melhor exemplar tendo o velho Wyatt Earp como destaque… Pelo elenco magistral, especialmente a presença de Kilmer e Russell, pelas as cenas de ação incríveis, os diálogos afiados e o fator nostálgico, com os vários momentos marcantes que carrego desde a infância.

ESPECIAL DON SIEGEL #3: O CAIS DA MALDIÇÃO (The Big Steal, 1949)

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THE BIG STEAL começa aos 45 minutos do segundo tempo, quando somos colocados no meio de uma trama onde todos os acontecimentos da premissa já ocorreram. “Colocados” seria muito leve. Somos arremessados no olho do furacão, com o Robert Mitchum trocando socos com um sujeito, escapando, perseguindo, a pé, de carro, trocando tiros, mais socos… Se o filme fosse mostrar sua história desde o início, o recorte que assistimos aqui seria a sequência de ação final. E acho que isso define bem o que é THE BIG STEAL: uma grande sequência de ação/perseguição, dilatada ao máximo, que fecha uma trama que nem chegamos a acompanhar. Continuar lendo