MEDO X (2003)

Esse era o único filme do dinamarquês Nicholas Winding Refn que me faltava. Resolvi essa questão, assisti finalmente MEDO X (Fear X), primeiro filme de língua inglesa do diretor, um trabalho menos reverenciado do cara, menos até que seus filmes realizados na Dinamarca, PUSHER (96) e BLEEDER (99), mas que, na verdade, trata-se de uma experiência atmosférica e sensorial forte. A gênese do tom e estilo que Refn faz atualmente em filmes como ONLY GOD FORGIVES (13), THE NEON DEMON (16) e na série TOO OLD TO DIE YOUNG (19), com sua câmera onipresente, ritmo moroso, estética carregada e que possui uma performance grandiosa de John Turturro, coisas que transformam isso aqui em algo fascinante.

Ainda não tão hiperestilizado quanto os novos Refn’s, substituindo as paletas de cores vibrantes por corredores sujos e paisagens infernais e sombrias, Refn mal move a câmera em MEDO X, a mantém estática, muitas vezes em ressonância com a imobidlidade de Harry (Turturro), enquanto ele se senta em silêncio avançando pelas fitas VHS de segurança na esperança de encontrar pistas sobre o assassinato de sua esposa.

Uma vez que Turturro se aprofunda no coração do mistério, fazendo check-in em um hotel avermelhado que parece saído de um filme de David Lynch, o clima vai ficando mais pesado, a atmosfera dos quartos e corredores apertados se tornam as paredes da mente de Turturro, onde frequentemente o filme adentra e revela uma bolha vermelha com um rosto protuberante desesperado para escapar, além de manchas e imagens abstratas… Já disse que o filme lembra muito Lynch? O significado desse tipo de coisa eu não sei, mas em conversa com meu amigo Osvaldo Neto, do Cine Poeira, a conclusão é que a intenção é foder com a nossa mente mesmo… E consegue.

É uma pena que na metade de MEDO X o roteiro resolva sugerir algumas exposições. Preferia ficar mais tempo no escuro com o mistério. A primeira metade, onde as coisas não estão muito claras nem para o personagem do Turturro em sua busca, é absolutamente brilhante. Tantas perguntas, tantas cenas arrepiantes sem respostas. O filme não fica ruim, mas assim que a trama deixa a busca de Harry e nos apresenta ao personagem de James Remar, que está ótimo, dá uma quebrada no andamento e ficamos sabendo demais, estamos um passo à frente de Harry e o mistério dá uma diluida.

O filme entra no eixo novamente para um “gran finale“. Mas, claro, ao estilo do Refn, anti-clímax, quebrando qualquer expectativa. Do tipo que te prepara para algo espetacular e te joga um balde de água fria. Para quem já está familiarizado com o cinema de Refn, a coisa pode funcionar melhor. Mas esse final realmente é um ponto bastante discutível entre os detratores do filme. Eu, particularmente, adoro o desfecho e em como isso acentua a lógica do filme ser mais sobre a obsessão do protagonista por resposta do que a resposta em si.

E não vou dizer que MEDO X foi uma bela surpresa, porque eu sempre espero algo de alto nível do diretor, que é dos meus favoritos em atividade. Mesmo num trabalho de início de carreira. E o cara evoluiu bastante de lá pra cá, mas este aqui não deixa de ser um experimento admirável e muito imersivo, um interessante thriller psicológico. Infelizmente, foi um fracasso e levou a produtora de Refn à falência. O sujeito só foi recuperar a grana com o sucesso das duas continuações de PUSHER, que são outras pérolas da filmografia do dinamarquês.

TOP 09 NICOLAS WINDING REFN

tumblr_o78o16vuth1rtu6b7o8_1280

tumblr_och9mp74bw1slcooco7_1280

tumblr_od53npmrfw1vdbtsdo4_1280

Aproveitando o post anterior, umas palavras sobre THE NEON DEMON, novo filme do dinamarquês Nicolas Winding Refn, segue um top 09 do sujeito (que só tem, até o momento, dez filmes mesmo, mas eu não vi ainda a MEDO X…)

09. BLEEDER (1999)
08. PUSHER 2 (2004)
07. PUSHER (1996)
06. BRONSON (2008)
05. THE NEON DEMONS (2016)
04. PUSHER 3 (2005)
03. ONLY GOD FORGIVES (2013)
02. VALHALLA RISING (2009)
01. DRIVE (2011)

THE NEON DEMON (2016)

97029631_the_neon_demon-large_transeo_i_u9apj8ruoebjoaht0k9u7hhrjvuo-zlengruma

Gosto do cinema do Nicolas Winding Refn desde VALHALLA RISING, que é uma boa representação do que podemos chamar de “estilo” do sujeito. Mas o que tenho reparado é que as pessoas esperam sempre um novo DRIVE. Claro, também acho sensacional, um dos melhores filmes da década até agora (e meu favorito do homem), mas embora tenha muito a mão do dinamarquês, é uma obra muito bem equilibradinha nos pólos forma x conteúdo. Só que isso não é bem Refn. Não vou entrar nos méritos dos filmes antes de 2010, mas Refn nunca foi comercial. Ele é frio, leeeeeento, é atmosfera e ambiente, composições kubrickianas, cores e estética, personagens que fazem pose, poucos diálogos, sem muita explicação narrativa, carrega aquela merda toda de simbolismo e um monte de coisa estranha acontecendo, e você tenta entender isso tudo, interpretar, mas fica frustrado e prefere desfrutar como uma obra surrealista, poética e autoral, mas que funciona de forma literal também, porque… Bem, às vezes um charuto é apenas um charuto, como dizia Freud. Ou seja, é tudo que eu detesto em vários diretores atuais, mas que no caso do Refn me fascina de uma maneira singular… Refn é isso, é VALHALLA RISING, ONLY GOD FORGIVES e, agora, THE NEON DEMON.

Enfim, THE NEON DEMON é uma fábula para adultos sobre o universo cruel da moda, dos corpos magricelas de modelos que parecem meninos de 12 anos desnutridos, um padrão da beleza perfeita da atualidade. Sou muito mais uma gordinha, mas isso é outra história. “Beauty isn’t everything. It’s the only thing“, diz um dos personagens numa das falas mais simbólicas do filme. É no meio disso tudo que entra a inocente Jesse (Elle Fanning), uma aspirante a modelo que possui uma aura sobrenatural de encantamento que ao mesmo tempo em que tem sua acensão garantida pelo efeito que provoca com sua “beleza perfeita”, é também envolvida por todas as merdas que esse meio sórdido carrega. Mau pra moça, bom pra nós que acompanhamos a coisa toda se degradando pra ela. Não vou entrar em detalhes, só digo que a faceta violenta do Refn não dá moleza por aqui. E à medida em que a coisa caminha para o desfecho, THE NEON DEMON toma proporções épicas de bizarrices.

the-neon-demon-10maio2016-7

the-neon-demon-naked-girls-chicas-ducha-modelos

E não importa o quão repugnante são as situações, Refn filma tudo com a maior elegância e beleza possível. O grotesco é lindo em THE NEON DEMON. Fica bem claro pra mim que a única preocupação de Refn é com estética, cores, enquadramentos simétricos, a beleza das imagens em detrimento à própria narrativa, o que causa certa frieza e desconforto, mas que condiz perfeitamente com o universo do filme, e aí cito de novo o que aquele personagem diz: “Beauty isn’t everything. It’s the only thing“. Tudo bem pra mim, gosto de apreciar o espetáculo visual/sensorial de Refn. THE NEON DEMON é um filme para se ver, ouvir e sentir. Se tá tudo bem pra você também, então vai saber apreciá-lo.

Sobre THE NEON DEMON dialogar com o horror – na verdade foi anunciado como tal – quem conhece o Refn sabe que um filme de Vikings nunca vai ser só um filme de Vikings (VALHALLA), um car chase movie nunca será um car chase movie (DRIVE) e um kickboxer movie nunca vai ser um kickboxer movie (ONLY GOD) nas suas mãos, apesar de trabalhar com todos os elementos tais quais os gêneros estabelecem. THE NEON DEMON até possui vários ingredientes para saciar os fãs do horror, mas o estilo autoral do sujeito deve espantar o espectador “comum”. Em termos de história o filme nunca transcende o superficial, pelo menos não na forma convencional ou para aqueles que esperavam um novo DRIVE. Sobre o elenco, só tenho a dizer que o desempenho de Fanning é bem bom, assim como a de todo o elenco de desconhecidos. Já o Keanu Reeves tá sensacional e se destaca em todos os momentos em que aparece. E pra finalizar, descobri que justamente hoje é aniversário do Refn. Felicidades, man, e continue fazendo filmes sem concessões.

THE NEON DEMON – Artwork

Assisti ontem. Vou ver se escrevo alguma coisa, mas adianto que o Refn mandou bem de novo. Arrojado visualmente e cheio de referências “gialescas” e “Kubrickianas“, THE NEON DEMON Tá aprovado! Por enquanto, fiquem com essas peças alternativas e coloridas de artes (não) promocionais:

Neon-Demon-Poster-2_1200_1601_81_snd1nikita kaunjohn godfreyjay shawjoshua kellyboris pelcer little white liesBerkayBEN MCLEODMovie Poster Design

VALHALLA RISING, por Davi de Oliveira Pinheiro

Ao final do visionamento de VALHALLA RISING talvez você esteja um pouco machucado. Algumas marcas de machado no braço, alguns cortes de lâmina na barriga, mas nada que mate, afinal um filme é um filme, mas em tempos de tecnologias que tentam aumentar a imersão do espectador, é interessante uma obra que se atém a preceitos básicos de imagem e som para criar esta imersão.

VALHALLA RISING ao mesmo tempo em que ataca de forma visceral o espectador, lhe dá mais forças através de uma jornada que para cada um deve ser muito particular, já que é um filme de silêncios, da relação do homem com o ambiente, seja o espaço que separa continentes ou mesmo o compacto de uma embarcação. Trata superficialmente de fé, misturando mitologia nórdica e cristã, mas sua relação principal é com a transcendência do homem, a sua própria noção de importância e de seu lugar na história.

O personagem principal, o Caolho (Mads Mikkelsen, um de meus novos atores favoritos), não participa do filme e de ambições históricas, na verdade. Ele é nosso elo de ligação, mas as questões temáticas se estabelecem através dos demais personagens, de suas reações ao Caolho, cujas únicas ações são violentas, sempre seguidas de silêncio, de calma, de observação. Ele não procura conflitos, nem mesmo gera-os; ele os elimina através da violência. Talvez seja o personagem cinematográfico mais antitrama da história. Em todos os momentos que outros personagens reagem para “avançar” a trama, criar os pontos de trama que facilitariam a absorção do filme, o Caolho tem um rompante de violência e mata o plot point.

Ficamos presos a um filme estagnado, de reações. Um grupo de homens em uma procura, mas sem a força de vontade para chegar ao objetivo, sem capacidade de ir adiante. O que acaba por importar é a atmosfera, os enquadramentos, as locações, as cores e texturas do ambiente. Não cai no campo do experimental, pois a narrativa não é algo novo, mas sai do lugar comum dos filmes de aventura contemporâneos. É um filme de ação que a rejeita e com isso traz um leve sabor de novidade.

VALHALLA RISING (2009), de Nicolas Winding Refn

O novo trabalho do dinamarques Nicolas Widing Refn é o que podemos chamar de um curioso experimento perturbado. O ótimo Mads Mikkelsen interpreta uma versão hardcore e silenciosa de seu personagem em FÚRIA DE TITÃS. Aqui ele é um alegórico guerreiro caolho e mudo que parte com um grupo de Vikings cristão em uma jornada surtada à terra Santa. Em tempos de cenários formatados em 3D e criados em CGI pós-SENHOR DOS ANÉIS, VALHALLA RISING é um frescor! Com um fiapo de roteiro, Refn consegue hipnotizar o espectador com uma estética fora do comum no cinema atual e compensa totalmente uma possível falta de conteúdo nos brindando com momentos de rara beleza de imagens e sons sem deixar de lado o impacto causado pela violência e brutalidade explícita praticada pelo protagonista sobre suas vítimas.

O que realmente pega em VALHALLA RISING é que o filme é aparentemente bastante vago para justificar seu projeto e comportar 90 minutos de duração. Na verdade, o filme possui conteúdo, mas é preciso ter um conhecimento prévio da mitologia viking, e como eu não tenho, fiquei boiando. Os diálogos são escassos, os personagens pouco fazem além de andar pelos cenários e Refn preenche muito de seu tempo com imagens das paisagens, imagens belíssimas, diga-se de passagem, mas que podem afugentar o espectador que espera acompanhar de fato uma trama bem definida.

Confesso que isso não me incomodou. Conversando com o Leandro Caraça, ele associou VALHALLA ao AGUIRRE de Herzog. Um filme que segura o espectador mais pela força de suas imagens que pela trama em si, até porque se formos parar pra pensar, uma boa parte do filme do alemão maluco é uma espécie de embacarção rumando sem destino por um rio. Mas alguém consegue desgrudar os olhos da tela? Sei que é bem mais difícil aqui, mas quem conseguir embarcar nesta poesia visual e sonora de Nicolas Winding Refn, vai ser bem recompensado.

Acho difícil não entrar na minha lista de melhores filmes no fim do ano…