THE OTHER SIDE OF THE WIND (2018)

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Estreou hoje na Netflix o novo filme do Orson Welles, THE OTHER SIDE OF THE WIND. É até esquisito anunciar isso… “O novo filme de Orson Welles“. Mas é exatamente isso, como já tinha falado neste post há alguns meses.

Então não vou explicar tudo de novo com detalhes, mas o fato é que depois de quarenta anos existindo apenas como uma hipotética obra final de um dos maiores artistas do século XX, que foi Welles, finalmente temos a oportunidade de ver seu derradeiro trabalho, graças a Netflix e algumas figuras que ao longo dos anos mantiveram a chama acesa na esperança de que um dia esse projeto visse a luz do dia. THE OTHER SIDE OF THE WIND foi reunido a partir de mais de cem horas de imagens brutas ou semi editadas pelo próprio diretor, filmadas na primeira metade da década de 70 e o resultado desse esforço é monumental, experiência das mais interessantes que teremos este ano, uma obra incrível que mostra como Welles estava à frente do seu tempo.

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E é curioso como o filme é premonitório de certa maneira. THE OTHER SIDE OF THE WIND se passa no dia do aniversário de um diretor de cinema, Jake Hannaford (interpretado pelo também diretor John Huston, como um alter-ego de Welles), grande parte da ação acontece na casa do sujeito, onde será exibido, vejam só, uma cópia inacabada de seu mais novo filme (também intitulado THE OTHER SIDE OF THE WIND). Comparecem câmeras de televisão, repórteres e dúzias de personagens baseados em figuras típicas de Hollywood: roteiristas, atores, produtores, críticos de cinema, que se aglomeram na casa de Hannaford, trocando farpas e gracejos entre si e com o diretor rabugento, insinuando a própria desilusão de Welles com Hollywood. Todo o propósito por trás da comemoração é uma tentativa de levantar financiamento para o seu filme inacabado, a mesma situação que o próprio Welles se encontrava naquele momento e que iria vivenciar até o fim.

Uma das ideias de Welles era contar a história através das câmeras que comparecem no local. Há câmeras por todo lado aparecendo na tela, seguindo os personagens durante toda a festividade ou às escondidas, tentando flagrar as conversas mais íntimas, numa lógica de falso documentário. É por essas câmeras que acompanhamos a “trama” e as alternâncias de uma câmera para outra – em cores, preto e branco, diferentes granulações, móvel, ou estática – contribuem para o deslumbre. Tudo montado de forma experimental, num estilo de edição frenético, radical e desorientador, acompanhado pela trilha jazzística de Michel Legrand e num amontoado de gente tagarelando de forma caótica, tornando difícil a tarefa de quem se preocupa em sempre buscar estabelecer uma linha narrativa ou algo do tipo, o que Welles parecia estar pouco se lixando, rompendo com toda a ideia de uma fluidez narrativa tradicional.

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É melhor deixar-se levar na viagem. Até porque há ainda o filme dentro do filme, cujas cenas se misturam com a trama central, numa meta-narrativa lisérgica, algumas das mais belas e hipnóticas imagens que Welles filmou na sua carreira, e que transcende tudo o que era feito em Hollywood no período. O único filme que me vem à mente neste momento à título de comparação é o incompreendido THE LAST MOVIE, de Dennis Hopper, que aliás, faz uma brevíssima participação por aqui também.

O elenco mais participativo é composto por Bogdanovich, Cameron Mitchell, Oja Kodar, Robert Randon, Edmond O’Brien, Susan Strasberg, Norman Foster, entre outros… Mas quem se destaca mesmo é John Huston, o único personagem que ganha alguma alma no meio deste espetáculo sensorial, numa figura que se alterna entre a fanfarronice e a amargura, entre arrogância e autopiedade, baseado na incapacidade de se adaptar a um mundo que se afastou dele e que ganha reflexo no próprio Welles.

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Um filmaço, como não poderia ser diferente vindo de um dos grandes gênios do cinema, desses que nos fazem vivenciar uma experiência rara e sensível, das mais ricas cinematograficamente. Pena que é de um diretor que já morreu há mais de trinta anos… Queria um filme novo do Welles todo ano…

THE OTHER SIDE OF THE WIND está disponível na Netflix Brasil e é recomendado à paladares finos dispostos a experimentar algo diferente.

PS: O diretor de fotografia do filme foi um dos principais colaboradores de Welles, chamado Gary Graver, que provavelmente vocês não devem conhecer de nome. Mas se você foi adolescente nos anos 90 e ficava acordado aos sábados, na Band, escondidos dos pais, para assistir ao Cine Privé, com certeza já deve ter assistido a um filme do sujeito. Ele acabou se especializando nesse tipo de material e possui mais de cem filmes no currículo, entre soft-porn e até produções hardcore.

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MAN IN THE SHADOW (1957)

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O diretor Jack Arnold está mais associado às suas contribuições no cinema fantástico, com os clássicos O INCRÍVEL HOMEM QUE ENCOLHEU (57), O MONSTRO DA LAGOA NEGRA (54), A AMEAÇA QUE VEIO DO ESPAÇO (53), entre outras coisas. No fim da carreira, já nos anos 70, não teve receio de se assumir como diretor de filmes de exploração. Seu melhor trabalho, no entanto, dentre os que assisti até o momento, é o pouco lembrado MAN IN THE SHADOW, um faroeste moderno marxista sobre um xerife de cidade pequena que resolve bater de frente com um poderoso rancheiro, desses que tem a população nas mãos e se acha acima da lei.

Em seus 80 minutos de duração, MAN IN THE SHADOW é de uma secura e simplicidade impressionante. A trama pode ser facilmente resumida na investigação policial do tal xerife (Jeff Chandler) a partir de um suposto assassinato ocorrido nas mediações do território do rancheiro vivido por um imponente Orson Welles. E é no confronto, no choque entre essas duas figuras que explode um filme bem mais forte que aparenta ser. Na construção e desconstrução desses personagens, o que eles representam em relação às classes; é, também, na direção econômica de Arnold, na fluidez narrativa, na quebra dos moldes do gênero policial, na anti-ação; é, especialmente, na atuação soberba de Welles, genial nos poucos momentos que surge em cena, criando um retrato assustador do inescrupuloso, fascista e medieval que ocupa o topo da pirâmide na cadeia alimentar. Foi seu envolvimento com MAN IN THE SHADOW, aliás, que Welles convenceu o produtor Albert Zugsmith a financiar um de seus projetos pessoais, um tal filme chamado A MARCA DA MALDADE…

MAN IN THE SHADOW dá uma bela double feature com BAD DAY AT BLACK ROCK (55), de John Sturges.

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THE OTHER SIDE OF THE WIND – TRAILER

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Só pra deixar registrado, saiu o trailer do filme THE OTHER SIDE OF THE WIND, que mencionei aqui outro dia, o tal filme nunca completado dirigido pelo Orson Welles na década de 70 e só agora finalizado graças aos esforços de alguns indivíduos e da Netflix (que justifica sua existência só por ter contribuído com esse projeto).

E o trailer? EXCEPCIONAL!!! Se havia alguma dúvida de qual era o filme mais aguardado por mim este ano, agora já não há mais! Não vejo a hora de poder assistir THE OTHER SIDE OF THE WIND! ORSON WELLES VIVE!!!

 

THE OTHER SIDE OF THE WIND EM VENEZA

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Saiu na semana passada o line up do Festival de Veneza deste ano e, fora de competição, teremos THE OTHER SIDE OF THE WIND. Nunca ouviu falar? Então prepare-se: Trata-se do último filme do gigante Orson Welles nunca completado, talvez a mais lendária e não vista produção de todos os tempos.

Na época, Welles prometeu que THE OTHER SIDE OF THE WIND seria o seu grande retorno triunfal, reuniu um elenco de figurinhas carimbadas, como os diretores John Huston e Peter Bogdanovich, mas também Susan Strasberg, Lilli Palmer, Edmond O’Brien, Cameron Mitchell, Dennis Hopper e por aí vai… As filmagens aconteceram entre 1970 e 1976 e segundo Huston, em sua autobiografia, o set era dos mais pirados que ele já pisou e que Welles simplesmente não tinha roteiro definido, portanto uma desorganização criativa pairava no ar ao mesmo tempo em que andava de mãos dadas com a poesia fílmica de seu diretor. Mas as fontes independentes de financiamento eram diversas e não muito confiáveis, a produção do filme se arrastou por muitos anos e Welles ainda tentava completá-lo quando morreu em 1985.

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Rymsza inventariando os rolos de THE OTHER SIDE OF THE WIND

Com a ajuda da Netflix, ano passado houve um esforço de crowdfunding que arrecadou 400 mil dólares para concluir essa obra final de Welles. O gerente de produção original do filme, o produtor Frank Marshall, supervisionou a conclusão do projeto, trabalhando em conjunto com o cineasta Filip Jan Rymsza, que foi um dos principais nomes na captação de recursos para esta finalização. Peter Bogdanovich, que era amigo de Welles, trabalhou diligentemente por muitos anos para completar THE OTHER SIDE OF THE WIND, mas sempre encontrou obstáculos e agora serviu de consultor no projeto Netflix. As poucas pessoas que chegaram a ver alguns trechos que Welles conseguiu completar na época de sua morte, apresentaram opiniões contraditórias, alguns dizendo que é um filme estranho e desanimador, enquanto outros o proclamam uma obra de gênio.

THE OTHER SIDE OF THE WIND passa então em setembro no Festival de Veneza e logo depois deve entrar na grade do Netflix. E se não entrar no Netflix Brasil, pelo menos já teremos outros meios de conseguir… Provavelmente, a melhor notícia do ano.

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RAIZES DO CÉU (Roots of Heaven, 1958)

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Em meados dos anos 40, ainda durante a Segunda Guerra, o diretor John Hunston  estava em Los Angeles finalizando algum de seus documentários filmados em campo de batalha. Huston, ao lado de John Ford, Frank Capra, William Willer e outros, contribuiu com o exército americano registrando imagens da guerra. Enfim, o fato é que neste período em que estava em LA, Huston passava os dias entre o trabalho e um bocado de festas. Segundo as palavras do próprio diretor, “Tendo acabado de voltar ao trabalho com heróis de verdade, não estava com vontade de aguentar a subespécie cinematográfica. Foi com essa disposição e ânimo que encontrei Errol Flynn parado no saguão durante uma recepção na casa de David O. Selznick“.

Flynn estava já com um copo de uísque na mão, como lhe era habitual. Devia ter enchido a cara… E Huston conta que o sujeito andava a procura de confusão. Não demorou muito, Flynn chamou a mulher que Huston estava paquerando na época de alguma coisa não muito agradável, Huston retrucou sem muita gentileza e ambos acabaram procurando um local mais isolado, ao fundo dos jardins, para chegarem às “vias de fato”.

Essa história é uma das melhores entre as tantas que Huston conta em sua biografia e que vale a leitura de cada palavra, cada linha, cada descrição… Mas, para resumir, a luta entre Errol Flynn e John Huston realmente aconteceu neste dia, ambos eram pugilistas e trocaram socos violentos por quase uma hora, sem golpes sujos e tudo dentro das normas do Marquês de Queensberry, ou seja, as regras oficiais do boxe. Detalhe que foi visto com grande decência para ambos oponentes.

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Errol Flynn vive um boxeador em GENTLEMAN JIM, de Raoul Walsh

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Nos anos 70, o diretor John Huston mostra a Stacy Keach como se faz em CIDADE DAS ILUSÕES

A coisa foi  tão respeitosa entre os dois que, na manhã seguinte, Flynn ligou para Huston para saber como o diretor estava passando (só para constar, o ator foi parar no hospital com algumas costelas quebradas). Todo esse respeito fez com que Huston tivesse sempre Flynn em alta estima. No fim dos anos 50, o diretor foi escalado para dirigir um filme na África em que um dos atores contratados era Errol Flynn. “Ele apareceu logo depois da nossa chegada e nós dois nos apertamos as mãos. Era o nosso primeiro encontro desde aquela noite sanguinolenta séculos atrás“. O filme: RAÍZES DO CÉU.

Quando fez RAÍZES DO CÉU, Errol Flynn estava muito longe de ter aquela imagem que o imortalizou nos filmes de aventura dos anos 30, vivendo heróis como Robin Hood e Capitão Blood. E não apenas por estar mais velho, mas pela seu notório problema com o alcoolismo. Em 1958, Flynn abandonou uma peça de teatro antes da estreia por alegar que era um veículo pobre e banal, mas também porque a essa altura ele era incapaz de memorizar suas falas e sua atuação era deplorável. Ganhou uma chance de Zanuck quando lhe ofereceu uma participação em RAÍZES DO CÉU justamente para fazer o papel de um bêbado…

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Já era a terceira vez em seguida que Flynn interpretava um bêbado, desta vez encarnando o Major Forsythe, um desertor britânico que se junta a um grupo de aventureiros – alguns deles bem oportunistas – para seguir o idealista Morel (Trevor Howard) nos seus esforços de preservar os elefantes africanos e impedir que sua caça aconteça.

Tanto o homem do dinheiro, Zanuck, quanto o diretor John Huston ficaram interessados no romance do francês Romain Gary e decidiram tocar o projeto juntos. No entanto, a expedição da equipe de filmagens em território africano resultou numa saga desastrosa com elenco e equipe tentando mais sobreviver à experiência do que no resultado do filme. Temperaturas altíssimas e doenças tropicais tomaram uma boa parcela de tempo da produção… O ator Eddie Albert, por exemplo, teve um colapso e delirou por vários dias. E Flynn se fortificou, obviamente, com suas doses de vodka e outros drinks, administrando sua aventura diante de qualquer contratempo que lhe pudesse ocorrer. Tanto que, em sua autobiografia, Flynn comenta que foi o filme que mais gostou de fazer acima de qualquer outro… Continuar lendo