Precisamos falar sobre JOHN WICK

Aproveitei o lançamento do quarto filme da franquia JOHN WICK, estrelada pelo Keanu Reeves, para rever a trilogia inicial. E como nunca escrevi nada sobre esses filmes por aqui, trago uns comentários que fiz durante os últimos dias no Letterboxd e Instagram, onde tenho sido mais atuante, por isso recomendo que sigam, se tiverem interesse, porque esse recinto aqui anda bem abandonado, e a correria dos tempos atuais quase me obriga a fazer comentários mais curtos nas outras redes, do que posts maiores por aqui.

DE VOLTA AO JOGO (John Wick, 2014), de Chad Stahelski e David Leitch

Acho massa lembrar que na época do lançamento muito pouco sobre JOHN WICK sugeria que a gente estaria prestes a assistir a um dos melhores filmes de ação daquele período. Mesmo com suas imperfeições, foi exatamente o que assistimos e o impacto foi grande, notável pela presença de Keanu Reeves numa performance física impressionante, em sequências espetaculares de tiroteios, lutas coreografadas com capricho, filmadas e editadas com maestria e com uma construção de universo envolvendo um peculiar submundo de assassinos, cheio de regras, que tornava tudo ainda mais fascinante.

E é de certa forma admirável constatar que o filme continua um dos grandes exemplares do gênero (em se tratando de Hollywood), passados praticamente dez anos, mesmo que as suas próprias continuações tenham lhe superado. O que só engrandece essa franquia que eu tanto adoro.

Vou me estender um pouco mais nesse primeiro filme, só pra introduzir algumas premissas caso alguém tenha essa falha de não ter visto o filme ainda e porque acredito que preciso declarar meu amor a esse personagem incrível, que atende pelo nome/título de John Wick (Reeves), capaz de matar cem homens sob o pretexto de que tiraram a vida de seu adorável cachorrinho. Um beagle irresistível. Aquele que sua esposa havia deixado pra ele após sua morte como um presente póstumo. A única coisa que restava dela. A única coisa que o manteve em uma vida normal, longe de um passado carregado de morte e violência. Uma existência de paz que ele escolheu depois de muitos anos trabalhando como assassino contratado para organizações mafiosas. John Wick foi apelidado de “Baba Yaga“, algo que traduziram como o bicho-papão – embora possam dizer também que ele é a pessoa que chamariam para matar o bicho-papão. Temido por todos, ele era o assassino mais eficaz. Quando um chefão russo (Michael Nyqvist) descobre que seu filho roubou o Mustang e matou o cachorro de John, ele sabe o que está por vir. Ele sabe que seu filho despertou uma fera capaz de tudo.

É isso, simples, direto, não perde muito tempo com bobagens. E quando menos se espera, estamos diante de sequências de ação de cair o queixo. Até porque é sobre isso o filme. A trama é só um pretexto para uma sucessão de cenas de tiro, porrada e bomba. A ação – e a estética da ação – é que fala mais alto. Uma essência que vai ganhando uma proporção cada vez maior a cada continuação…

Melhor sequência de ação: A da casa noturna, Red Circle, ainda impera. É um bom exemplo da maestria dos diretores, David Leitch e Chad Stahelski, um balé de corpos, balas, golpes e violência combinado à batida da trilha sonora, à uma noção de espaço precisa, num cenário belissimamente iluminado, com trabalho de câmera refinado ao mesmo tempo nervoso, brutal, uma sequência que já nasceu clássica e dá o tom do nível da ação que estamos diante (e era difícil na época imaginar que os realizadores conseguiriam fazer coisas ainda melhores em possíveis continuações). E é onde podemos ver Keanu Reeves encarando o grande Daniel Bernhardt, um ator de ação B dos anos 90 que sempre que aparece nessas produções atuais eu abro um sorriso. Também ajuda muito, nesta sequência da casa noturna, que esta seja a primeira demonstração real do por que John Wick é um assassino tão lendário e temido, aumentando seu impacto. A sequência anterior, o ataque à casa de John, é bem boa, mas dá só um gostinho das habilidades do homem. Aqui não. Aqui John Wick convence que realmente poderia matar cem homens sozinho se precisasse.

Um adendo sobre os diretores: acho legal notar os rumos que tomaram depois deste primeiro filme. Stahelski ainda se manteve fiel ao universo JOHN WICK. Dirigiu sozinho os três capítulos seguintes e provavelmente vai continuar nos próximos (se tiver). Há alguns anos anunciaram uma refilmagem do clássico oitentista HIGHLANDER comandada por ele. Vamos ver se sai… Já Leitch seguiu um caminho diferente como diretor (ele ainda tá na produção de todos os JOHN WICK), se meteu em outras franquias, como VELOZES E FURIOSOS: HOBBS AND SHAW (19) e DEADPOOL 2 (18), e tentou desenvolver seu próprio universo em filmes com um certo autorismo, como ATOMIC BLONDE (17) e BULLET TRAIN (22), sem os mesmos resultados deste seu primeiro trabalho aqui, embora eu tenha simpatia em algum nível por todos esse filmes dele.

JOHN WICK: UM NOVO DIA PARA MATAR (John Wick: Chapter 2, 2017), de Chad Stahelski

A rapaziada realmente levou à sério a lógica das continuações: maior, melhor e MAIS, tudo MAIS, MAIS… Sobretudo quando se trata de ação e da expansão desse universo, nota-se algo bem mais complexo do que um simples submundo de assassinos, envolvendo grandes corporações criminosas, o que inclui mais regras, mais acessos exclusivos a quem está abaixo dessa sociedade. Literalmente um mundo que se expande ainda mais.

E acredito que diz muito sobre o seu nível de consciência cinematográfica quando você começa o seu filme de ação projetando imagens de Buster Keaton na tela fazendo algum de seus stunts malucos no mesmo plano em que tá rolando uma puta perseguição de carro/moto… Não é a toa que o que se segue a partir daí não é apenas um dos melhores filmes de ação dos últimos anos, mas também um filme que pensa a ação, a estética da ação, de uma forma muito peculiar. Não é a toa que o diretor disso aqui seja Chad Stahelski. Enfim, este segundo filme já é uma obra-prima do gênero.

Melhor sequência de ação: Tem pelo menos umas quatro sequências aqui dignas de antologia, mas se eu tivesse que escolher apenas uma, acho que a última, no museu e sobretudo na sala dos espelhos, seria a escolhida, acho uma das experiências mais imersivas e cinéticas que tive numa sala de cinema (e que continua bem forte na TV, na revisão), além de ser outra prova da consciência de cinema do Stahelski… Clímax com espelhos já se tornou clássico, desde Orson Welles à Bruce Lee. E aqui é tão mágico quanto.

JOHN WICK: PARABELLUM (2019), de Chad Stahelski

É um filme que além de conseguir ser mais épico em sequências de ação, consegue também tirar umas abordagens mais filosóficas e psicológicas desse universo todo e da essência do seu protagonista, embora a narrativa se mantenha cristalina na sua simplicidade. Frequentemente fala-se sobre “consequência” neste terceiro filme, sobre a epifania que surge em John Wick de que sua aptidão em matar, seus instintos assassinos, tem um impacto crucial em sua alma, sem falar nas almas de muitos outros envolvidos, embora possamos admitir que para algumas pessoas seus destinos são irrevogáveis, obviamente. Se John Wick é o Baba Yaga, então seu destino está definido. Agora, se é um homem, então ele sempre tem uma escolha. Pra nossa sorte, suas escolhas até agora têm levado a um derramamento de sangue impressionante, um imersivo festival de sequências de ação realizadas pelos caras que mais entendem e respeitam o gênero na atualidade em Hollywood. E por aqui temos John Wick cavalgando enquanto luta contra motoqueiros em alta velocidade, combates de facas violentíssimos, tiroteios deflagradores, ataques de cães, Mark Dacascos e seus capangas dando um puta trabalho pro nosso herói… E Raramente uma carnificina é filmada com tanta elegância, com um visual tão cuidadosamente elaborado, cheio de luzes bonitas. É o perfeito o encontro da high-art com a vulgaridade da ação. Uma combinação que pra mim resulta no que existe de mais sublime no cinema, e que me faz amar tanto o gênero.

E convenhamos que não é tarefa muito fácil fazer continuações que se igualam ao nível de um filme antecessor, mas Keanu Reeves, Chad Stahelski e toda a turma responsável por isso aqui conseguiram duas vezes com sucesso.

Melhor sequência de ação: Eu fico na dúvida entre a sequência da Halle Berry com os cachorros, que é um primor de coreografia, além de ser muito divertida, mas definitivamente o tiroteio final com aquele exército invadindo o Hotel Continental praticamente de armadura é a que gosto mais, um troço tenso e enervante. E tem a participação do falecido Lance Reddick, usando uma shotgun que faz um belo estrago.

JOHN WICK 4: BABA YAGA (John Wick: Chapter 4, 2023), de Chad Stahelski

E aí depois de tudo isso, fui assistir ao novo no cinema. Só tenho a dizer o seguinte: se a coisa terminar por aqui e este for o último filme da série, já teremos uma das franquias de ação mais extraordinárias deste século… Em termos de ação, de GRAMÁTICA DA AÇÃO, pouca coisa se compara com esses quatro singelos exemplares impecáveis de tiro na cara, perseguições alucinantes e lutas, lutas de todo tipo, com punhos livres, facas e outros objetos cortantes, até um lápis… E BABA YAGA veio pra coroar a grandeza de tudo que envolve John Wick como cinema, como personagem, como universo, como narrativa e estética de filme de ação. É uma belezura. Ou posso apenas estar empolgado momentaneamente, mas acho difícil…

Aqui, os dois primeiros atos são, em grande parte, mais do mesmo. O que não é de forma alguma algo negativo, pois o mais do mesmo em JOHN WICK é muito bom, com alguns momentos geniais: tudo que envolve a participação de Scott Adkins, por exemplo, que tá brilhante aqui. Monstro! Donnie Yen, Sanada, Mark Zaror, Bill Skarsgård, Clancy Brown, Ian McShane, Lance Reddick (RIP), Laurence Fishburne… Baita elenco e estão todos ótimos. Keanu Reeves nem preciso mencionar, o sujeito é uma força da natureza.

Mas aí vem aquele terceiro ato… E aqui entra “Melhor sequência de ação:” deste novo filme.  O arco do triunfo; a homenagem à THE WARRIORS; Paint It Black; o plano sequência com a câmera no alto, digna de um Brian De Palma, acompanhando John Wick por cômodos numa casa abandonada, tocando o terror com uma arma que cospe fogo, literalmente; a escadaria da Basílica de Sacré Cœur… O que temos aqui é simplesmente algumas das sequências de ação das mais absurdas colocadas num filme de estúdio hollywoodiano. Neste momento, não tenho dúvidas em apontar que Chad Stahelski é o principal nome do gênero na atualidade.

Só posso dizer que é um grande dia para ser fã de filmes de ação.

LADO A LADO COM O INIMIGO (2005)

Se tem uma palavra que descreve boa parte dos desempenhos do ícone do cinema de ação Steven Seagal à partir desse período, meados dos anos 2000, é “preguiçosa”. Estático, frases curtas, às vezes dublado, e com muita, mas MUITA MESMO, utilização de dublês de corpo. Até em sequências de diálogos, em contraplanos, dá pra perceber que quando o seu personagem está de costas é um dublê que está ali. Mas não tem jeito, claro que eu adoro ver essas tralhas dessa sua fase Direct to Video. Não tem como um fã de bagaceira não se divertir com Seagal na sua fase gorducha. E esse estilo dele já virou marca registrada. O filme pode ser uma porcaria, ou pode ser uma maravi… Não, nenhum filme dele desse período chega a tanto, mas temos alguns muito bons. De qualquer forma, independente do resultado da obra, quero ver o Seagal fazendo essa performance preguiçosa de sempre mesmo. Foda-se.

Mas para ser honesto com nosso querido Seagal, há uma sequência em especial aqui em LADO A LADO COM O INIMIGO (Submerged), de Anthony Hickox, que vale a pena destacar. Uma das minhas favoritas do filme, boa de forma legítima. E, mais, Seagal participa dela ATIVAMENTE. É justamente a sequência de ação final, que começa numa tensa sequência numa ópera, passa para uma perseguição de carros em alta velocidade pelas ruas de “Montevideo” (a produção foi rodada na Bulgaria), até colidir com um helicóptero que o vilão estava prestes a escapar e que logo depois adentra um recinto onde Seagal troca tiros com vários capangas, com direito a uma luta rápida com um grandalhão, que ele finaliza estourando os miolos do sujeito à queima-roupa.

O diretor Hickox também demonstra aqui seu ótimo olhar pra ação, algo que é sua especialidade, e dá um gostinho de como seria o resultado deste filme se ele fosse BOM, utilizando bem a figura de Seagal, de forma cool e badass… Pena que num geral não foi bem isso que aconteceu.

Hickox já tinha vivido dias melhores até ser escalado pra dirigir LADO A LADO COM O INIMIGO – tirando as continuações de WARLOCK e HELLRAISER que trabalhou, nunca chegou a dirigir muitas produções do mainstream, só que dentro do ciclo independente de ação e horror tem uma filmografia bem respeitável e que vale a pena conhecer. Este aqui era um projeto originalmente concebido como uma espécie de filme de monstro em um submarino, com criaturas subaquáticas à solta, até que Steven Seagal entrou a bordo e resolveu meter o dedão. O filme virou outra coisa, totalmente diferente do planejado, como veremos a seguir. Seagal mudou todo o roteiro e também começou a assumir o controle do filme, gerando problemas com outros atores e até com o próprio Hickox.

Hickox, que também é ator, fazendo aqui uma participação hitchcockiana.

O que é uma pena, porque eu pagaria pra ver essa espécie de THE THING do Seagal. E gostaria de ver também uma parceria do sujeito com um diretor do calibre de Hickox, mas que não gerasse dor de cabeça entre eles, que o resultado pudesse sair minimamente como planejado sem a interferência do astro de rabinho de cavalo (que aliás, aqui ele devia tá sem muita grana, seu cabelo tá mal cuidado pra cacete, com um mullets duro, uma coisa horrorosa). Mas com o ego que esse filho da puta tem, seria pedir demais que tudo acontecesse de forma tranquila e agradável aos envolvidos. O ego era inflado mesmo nesse período de, digamos, “decadência”, quando só fazia produções direct to video, já acima do peso e com muita preguiça de filmar qualquer coisa…

Mas pra não dizer que tudo está perdido, é preciso deixar registrado que eu gosto dessa tralha aqui do jeito que saiu. A história é bizarra, tem muita ação, tem cientista maluco, tem Vinnie Jones e Gary Daniels, tem filtros carregados e edição afetada dos anos 2000 tentando imitar o Tony Scott de DOMINO e CHAMAS DA VINGANÇA. Não tem monstros subaquáticos… Mas tudo bem. A capa do filme é Steven Seagal com uma arma! E um submarino! Esses caras sabem o que nós, fãs indiscriminados de cinema de ação de baixa qualidade desejamos! Enfim, dá pra se divertir com isso aqui. Sobretudo se você não estiver num dia muito exigente e quiser apenas 90 e poucos minutos de um filminho que entra fácil na categoria “é ruim, mas é bom“.

Apesar do título original (Submerged) e a arte da capa apontarem para um thriller ambientado em um submarino (antes de ver o filme eu pensava em algo como MARÉ VERMELHA ou CAÇADA AO OUTUBRO VERMELHO, ou no mínimo uma variação de A FORÇA EM ALERTA, só trocando o navio de guerra por um submarino), a trama me parece mais inspirada no clássico thriller político dos anos 60 SOB O DOMÍNIO DO MAL, de John Frankenheimer, com a ideia de um cientista que cria dispositivos para controlar a mente de indivíduos.

Mas é uma inspiração bem superficial… O filme, na verdade, se passa praticamente no Uruguai, sabe-se lá porquê, onde um drone enviado pela embaixada dos Estados Unidos descobre uma base militar escondida dentro de uma represa. Os soldados que comandam o local ficam um pouco assustados ao saber que os americanos descobriram sobre a base, mas o misterioso Dr. Lehder (Nick Brimble) não se preocupa: ele pressiona alguns botões em seu telefone celular e de repente os agentes secretos na embaixada americana abatem todos os presentes antes de atirar em suas próprias cabeças. O sujeito, na real, está criando um exército de soldados controlados mentalmente em seu laboratório. E as suas cobaias são equipes americanas que são enviadas para eliminá-lo e acabam caindo em emboscadas. É o que acontece com a equipe de Gary Daniels, logo no começo do filme.

Depois dessas missões malfadadas, só lhes resta uma última solução. E quem é a única pessoa que os militares, desesperados para parar Lehder, acreditam que pode destruir os esquemas malignos do cientista? Entra em cena Steven Seagal. Câmera lenta, guitarras elétricas ressoando na trilha sonora, vestido de preto, é claro, pra esconder um pouco a barriga, e algemado! O velho clichê: o sujeito é um ex-agente mega-ultra-hiper treinado em todo tipo de combate, mas por conta de alguma operação mal sucedida, acabou atrás das grades. Não só ele, mas todo o seu time. Mas aí o governo faz uma daquelas ofertas únicas na vida: se Seagal e sua equipe de mercenários – o que inclui o grande Vinnie Jones – conseguirem derrubar o cientista, todos receberão indultos completos e cem mil dólares cada. É óbvio que eles aceitam.

Não demora muito pra Seagal e sua turma atacarem ao laboratório subterrâneo, eliminando muitos bandidos, resgatando prisioneiros, explodindo o local… Mas o astuto Lehder já se foi. A próxima parada é roubar um submarino de fuga. Então é agora que o filme se transforma num thriller de submarino, certo? Bem, mais ou menos. A gente presume, por tudo que já mencionei, que a maior parte de LADO A LADO COM O INIMIGO seria Seagal se esgueirando dentro de um submarino, gotas de suor se acumulando em seu queixo enquanto troca tiros e socos com bandidos que estão sob controle mental e, sei lá, eventualmente assumem o comando e agora Seagal precisa salvar a tripulação.

Não acontece nada disso. Depois de uns quinze minutos de filme dentro do veículo de guerra, por “problemas técnicos” a turma do Seagal pula fora do submarino, que acaba explodido. E nunca mais um submarino aparece de novo. Mas pelo menos deu tempo de ter uma luta entre Seagal e Gary Daniels, que depois de capturado pelo cientista passa a ter a mente controlada. Quero dizer, é mais ou menos uma luta. Numa entrevista há alguns anos, Daniels diz que a peleja com Seagal foi originalmente concebida para ser mais longa e vistosa pelo coordenador de dublês. Só que Seagal resolveu assumir a coreografia no dia da filmagem e, preguiçoso pra caralho, tornou a luta muito mais curta e unilateral (óbvio que só o Seagal bate). Mas, ok, ver esses dois astros do cinema de ação juntos, numa ceninha de luta, numa tralha como essa, já me deixou feliz.

O resto do filme já entra o terceiro ato, que se resume numa longa sequência de tensão e ação, que é legitimamente boa, como já mencionei no início do texto. E no fim das contas, LADO A LADO COM O INIMIGO acaba se saindo bem, um filme bacana por seus próprios méritos. É rápido, bobo, tem o diferencial de não se levar tão a sério, o que ajuda bastante. Os limites do orçamento são evidentes (apesar de ser um dos mais altos tanto pro Seagal quanto pro Hickox no período), principalmente nos efeitos digitais. Hickox usa todos os truques de edição que era modinha nos anos 2000 para tentar manter as coisas em um ritmo frenético, apesar da imobilidade impressionante de Seagal. Muitos cortes rápidos que pontuam de vez em quando para dar ao espectador a sensação dos personagens sob o efeito do controle mental (o que gera algumas imagens bem esquisitas), além de colocar o público nesse submundo confuso de agentes duplos, alianças duvidosas e missões explosivas. Embora todo esse efeito pode apenas nos dar uma dor de cabeça daquelas…

Mas tudo isso até que confere um charme na produção. Dá pra rir e tirar sarro dos seus absurdos, do seu lado tosco e mal feito, das atuações péssimas (o elenco ainda conta com William Hope, P.H. Moriarty e, no lado feminino, Christine Adams e Alison King), do roteiro bagunçado e que não faz o menor sentido em alguns momentos, mas dá também para admirar e se divertir quando o filme apresenta coisas boas, como a participação de Vinnie Jones na segunda metade do filme, as boas sequências de ação do último ato, quando Hickox consegue impor seu talento de mestre da ação… Enfim, pode ser um filme que não agrade a todos, mas não deixa de ser uma dessas experiências únicas que o cinema de ação de baixo orçamento tem pra oferecer.

A FORÇA EM ALERTA (1992)

A FORÇA EM ALERTA é o filme mais acessível para o público que não é fã de Steven Seagal. Acho que até pra quem realmente não gosta do sujeito deve funcionar. Trata-se da primeira incursão de Seagal no mundo mainstream das grandes produções hollywoodianas. Até então, seu cinema era mais “bairrista”, foram quatro exemplares de ação policial urbano. Inclusive, aqui Seagal volta a trabalhar com o Andrew Davis, que o dirigiu em seu primeiro – e bem mais modesto – filme, NICO – ACIMA DA LEI.

Estamos no início dos anos 90 aqui. A modinha dos filmes de ação americanos possuia algumas vertentes, mas há duas que eu gosto de destacar:

a) Os inspirados pelos filmes do John Woo;
b) Variações de DURO DE MATAR.

O que surgiu, a partir dos anos noventa, de filmes imitando o estilo do Woo, repleto de protagonistas voando em câmera lenta com uma pistola em cada mão, descarregando os pentes em seus alvos, não é brincadeira. Mas não é o caso de A FORÇA EM ALERTA, que segue a fórmula da letra “b”. Claro, muda-se vários detalhes da trama, porque os roteiristas são extremamente criativos, e transporta a ação dentro de um navio de guerra das forças armadas americanas. E pronto, temos um autêntico rip-off de DURO DE MATAR.

Seagal interpreta Casey Ryback, um cozinheiro militar, que trabalha preparando os banquetes do seu capitão e tripulação de bordo. Sério! Steven Seagal é o cozinheiro! Qual é o problema nisso? Tá certo que no passado ele era integrante do SEALs, uma das principais forças de operações especiais da marinha dos Estados Unidos, altamente treinado e capacitado no uso de armas, explosivos e artes marciais. E numa operação liderada por ele no Panamá, toda sua equipe acabou morta, ele deu um soco no seu superior, acabou aposentado dessa vida e se tornou cozinheiro… mas é apenas um detalhe e quem já viu o filme sabe que isso não interfere muito na narrativa*.

* Spoiler: mentira, interfere sim.

A história se passa exatamente no dia do aniversário do capitão do tal navio de guerra, que está no Havaí durante eventos que relembram os ataques em Pearl Harbor. E um dos seus comandantes, Krill (Gary fucking crazy Busey), está organizando os preparativos e surpresas para a comemoração desta data. Duas delas são bem interessantes. A primeira inclui um conjunto musical, cujo membro principal é o Tommy Lee Jones encarnando uma espécie de Mick Jagger mais afetado que o verdadeiro. E a outra, bem mais estimulante, é a coelhinha da Playboy, Miss Julho, que sai do bolo pra fazer um topless pra alegria da moçada!

Outro ponto importante é que a intenção principal de Krill nesta data especial é tomar o controle do navio, matar o capitão, e fazer toda a tripulação de refém, até que suas exigências baseadas em suas causas políticas ($$$) sejam cumpridas pelo governo americano… Tudo isso, vestido de mulher, pra enfatizar ainda mais a insanidade de Gary Busey. Tommy Lee Jones se revela um ex-agente da CIA renegado, que se sente traído, que possui as mesmas intenções de Krill. Miss Julho não sabe de nada e fica esperando o momento de exibir seus atribudos… E o cozinheiro vivido por Seagal vai precisar utilizar dos seus dotes culinários para salvar todo mundo.

O trabalho de roteiro aqui é árduo: conseguir manter a narrativa em movimento e com uma certa regularidade de coisas interessantes acontecendo. Porque este tipo de filme de ação específico é frágil e qualquer divisão de cenas e situações equivocadas podem tornar o filme chato e cansativo. Temos o herói, geralmente zanzando pra lá e pra cá, bolando estratégias mirabolantes para salvar o dia, enquanto os bandidos demonstram o quão malvados podem ser, revelando suas intenções maquiavélicas. Temos os reféns, a parte burocrática das negociações, o drama do par romântico do herói, e por aí vai…

Mas o filme se sai muito bem em todas esses registros, a coisa toda transcorre numa boa, num ritmo bem divertido. E com o elenco escalado que temos aqui, fica bem mais fácil de acompanhar. Um filme cujo herói tem Gary Busey e Tommy Lee Jones como inimigos mortais é quase impossível de dar errado. Seagal já tinha enfrentado vários grandes vilões, como Henry Silva (NICO – ACIMA DA LEI), William Forsyth (FÚRIA MORTAL), William Sadler (DIFÍCIL DE MATAR) e jamaicanos feiticeiros do voodoo (MARCADO PARA A MORTE), mas nunca dois vilões de peso ao mesmo tempo, como em A FORÇA EM ALERTA. Do lado feminino, Erika Eleniak, que passa da moça sexy e frágil à mulher badass num estalar de dedos. Ainda marcam presença por aqui Damian Chapa, Troy Evans, Bernie Casey, Raymond Cruz, Colm Meaney, entre outros…

A direção de Andrew Davis é segura, apesar de salientar a intrigante teoria de que o Davis não gosta muito do rabinho de cavalo do Seagal. É a segunda parceria dos dois e em ambas o astro precisou passar a tesoura na nuca. Mas em termos de ação, não dá pra reclamar muito. Seagal faz bem o seu trabalho, alternando entre pancadaria, tiroteios bem elaborados, promovendo explosões e termina com um bom duelo de facas entre Seagal e Jones, que poderia ser melhor trabalhado, percebe-se claramente que nesse quesito o personagem de Jones não era sequer uma ameaça, e Seagal não tem lá tanta dificuldade para despachá-lo, o que é um deslize. Um bom vilão geralmente tem que dar mais trabalho pro herói, tem que ser um desafio. Aqui a dificuldade de Ryback no clímax, no duelo FINAL, foi quase zero… Mas acho a coreografia boa e o desfecho violento acaba compensando.

Primeira super produção estrelada por Steven Seagal precisava de alguns incrementos para diferenciar um pouco dos filmes anteriores mais urbanos, especialmente a persona habitual do ator. Apesar da estrutura grandiosa dos cenários e efeitos especiais de ponta pra época, Ryback é mais do mesmo em se tratando de figuras dramáticas vividas pelo Seagal, até porque não se pode ter a exigência com ele da mesma forma como teríamos com um Daniel Day Lewis, por exemplo.

Mas em A FORÇA EM ALERTA Seagal não é um policial! Um grande avanço, já que todos seus filmes anteriores ele era um homem da lei. Aqui é uma ocupação extremamente diferente: cozinheiro. O que gera uma série de diálogos sobre filosofia culinária. Além das frequentes mensagens politicamente corretas e de cultura oriental e artes marciais, que não poderiam faltar… Acho que a partir deste aqui, Seagal se tornou praticamente um ator completo e versátil!

Aqui inaugura uma nova fase na qual a carreira de Steve Seagal chegaria ao ápice em termos de qualidade, sucesso financeiro e até de autorismo (não é a toa que o próximo filme de Seagal, EM TERRENO SELVAGEM, é justamente dirigido por ele mesmo), mas começa a entrar em um lento e gradativo declínio depois de um início de carreira excelente. Calma, ele ainda faria grandes filmes no decorrer da década de 90, e ainda gosto da maioria das coisas que Seagal fez depois. Só acho que nunca mais obteve o nível de alguns trabalhos anteriores, como FÚRIA MORTAL, que é a obra-prima do homem, um dos melhores filmes de ação daquela década. Mas não vamos chorar! A FORÇA EM ALERTA continua bom pra cacete!

E teve uma continuação que se passa num trem sequestrado por terroristas. Apesar de inferior, também é legal.

Texto atualizado, publicado inicialmente no site Action News.

TREM-BALA (2022)

por LUIZ CAMPOS

Este texto contém spoilers.

Muito se diz de que filmes com grandes elencos que envolvem vários personagens do submundo, de pequenos criminosos a grandes chefões, bebam diretamente do QuentinTarantino. Se levarmos em consideração CÃES DE ALUGUEL, PULP FICTION e mesmo parte do KILL BILL, é verdade, ao menos até certo ponto. Existe um outro diretor que penso eu ter tido pelo menos tanta influência quanto o “Queixada” para a fetichização desse universo, se não tiver tido ainda mais: Guy Ritchie, o ex-senhor Madonna, que atualmente está sempre com ternos bem cortados até mesmo quando vai pro banho, aparentemente. Figura oriunda da publicidade, Ritchie levou as histórias de gangsters, recheadas de humor ácido e tragédia para novos patamares, tanto no texto quanto na estética. Inclusive podemos afirmar sem receio que o mundo do crime é muito mais objeto do seu fascínio do que do Tarantino, tendo em vista que metade de sua filmografia lida diretamente com o assunto, e alguns outros, como os dois Sherlock Holmes e sua versão de Rei Arthur, são populados por essas figuras literalmente marginais. Então, se formos chamar TREM-BALA (Bullet Train), de derivativo, eu diria que ele deve mais aos bandidos do Ritchie do que os do Tarantino. E se o próprio diretor David Leitch disser que estou errado, recomendo ao mesmo rever SNATCH, ROCKNROLLA e REVOLVER e comparar com o que ele fez neste aqui.

Pra quem não tá sabendo do que se trata, uma breve sinopse: um grupo de assassinos está em um trem-bala, cada um com uma missão, mas ao longo da noite seus caminhos e missões irão se entrecruzar, gerando situações cômicas e sangrentas.

É muito curioso quando você entende porque determinado filme é odiado ou adorado. Neste aqui, por exemplo, eu consigo ver claramente o porquê do filme dividir tanto opiniões: David Leitch decidiu explorar com ainda mais força a comédia, e embora eu particularmente ache seus filmes engraçados na maior parte do tempo, ele abraça muito daquele cinismo auto-consciente que tomou conta de Hollywood nos últimos 10 anos.

Fora a decepção de muitos de ver um dos melhores coordenadores de ação de Hollywood investindo tão pouco da sua técnica para o desenvolvimento de momentos gloriosos de ação, como seu sócio Chad Stahelski faz na franquia JOHN WICK. Eu gosto muito de todas as cenas de ação, embora me pareça que o coração do Leitch está bem mais na história e nos personagens, e acho que ele foi feliz pela maioria de escolhas que tomou quanto a isso. E eu tenho a impressão que a maior piada de todas – e a que certamente me fez rir bastante – foi perceber que Brad Pitt, na trama, está substituindo o Ryan Reynolds, sendo que a personalidade do protagonista é a mesma de todos os filmes do Reynolds desde o primeiro DEADPOOL. Cabe dizer que Pitt fez ele mesmo uma breve participação em DEADPOOL 2, numa das melhores piadas do filme.

Aliás, eu consigo notar aqui o surgimento de um diretor autorreferente: as pontas feitas por figuras com quem já trabalhou – a Zazie Beets também fez DEADPOOL 2, assim como Ryan Reynolds Hiroyuki Sanada em WOLVERINE – IMORTAL, onde Leitch trabalhou como diretor de segunda unidade; Channing Tatum, quando foi coordenador de dublês em O DESTINO DE JÚPITER; além do diretor ter sido dublê do Brad Pitt no passado; a questão da sorte/má sorte vai gerar a cena do Brad Pitt sobrevivendo a colisão do trem da mesmíssima forma como funcionavam os poderes da Beets no já citado DEADPOOL 2; o Pitt utiliza livros, bandejas, laptops como JOHN WICK; tem cenas com capangas no topo do trem-bala que remetem diretamente a WOLVERINE – IMORTAL; uma trama repleta de assassinos e mafiosos, representando um mundo à parte do nosso, tal qual JOHN WICK. Eu sinto que existe, no fundo, um subtexto que critica o sistema de trabalho de Hollywood, onde homens e mulheres literalmente dão o seu sangue e correm riscos por gente metida que recebe dinheiro demais e não se importa, mas isso provavelmente sou eu lendo demais o filme.

O que acredito ser o problema maior de TREM-BALA é que esse citado cinismo do humor do Leitch acaba sabotando o que o filme tem de melhor, que é a presença dessas figuras marginais em situações crescentemente mais absurdas e, de certa forma, até trágicas. A necessidade da piada arrebenta com o peso da subtrama do Andrew Koji – um talento, aliás, desperdiçado aqui -, com algumas das perdas, como a do assassino Limão, vivido por um inspirado Aaron Taylor-Johnson, e principalmente com a figura do misterioso Morte Branca (Michael Shannon), que chega ao fim do filme menos como a encarnação do mal e mais como uma caricatura.

O filme tinha potencial para terminar em um intenso embate entre esses peões e o grande rei que domina todo esse tabuleiro de xadrez, mas a necessidade de fazer o espectador supostamente rir implode isso. Ele também acaba tendo seu maior ápice emocional muito antes do arco final, o mesmíssimo erro que Leitch cometeu em HOBBS & SHAW. Ainda teremos muita coisa boa acontecendo, assim como no filme do The Rock com o Jason Statham, mas parece que Leitch ainda não entende porque um de seus heróis do cinema, Jackie Chan, dá o seu máximo nos últimos 30 minutos de duração.

Ainda que o filme termine com um extenso – e engraçado – set piece, a verdade é que já chegamos ao fim como convidados para uma festa que está se estendendo um pouco mais do que devia. Mas, se formos citar o lado positivo, temos o já mencionado Aaron Taylor-Johnson em estado de graça, dividindo vários momentos com um também inspirado Brian Tyree Henry, o Brad Pitt também se garante como o desajeitado “Joaninha”, que divide também excelentes diálogos com seu contato, vivido – descobriremos depois – pela Sandra Bullock, e também gostei muito da Joey King como a insidiosa Príncipe, se afastando com força de sua persona teen dos filmes da Netflix.

Leitch sempre trabalhou muito bem com cores e blocagem, e aqui temos mais uma parceria bem sucedida sua com o diretor de fotografia Jonathan Sela. Nada daquelas cores mortas ou de câmera tremida, já que o homem também chamou novamente a competente Elísabet Ronaldsdóttir para editar o filme. Para cuidar da ação, o homem chamou sua rapaziada da 87eleven, então temos aqui um nível de qualidade só rivalizado pelas equipes da Ásia.

No fim, assim como Ritchie, Leitch se mostra um artesão com talento, mas sem uma noção clara de quais são os seus pontos fortes e fracos. Vem se mostrando um autor – sim, definitivamente um autor – com uma abordagem muito particular, mas que, assim como o ex-senhor Ciccone, deve ter uma carreira recheada de filmes interessantes, mas que vão fascinar e alienar a audiência na mesma proporção com frequência. Tendo dito isto, se Guy Ritchie fez ALADDIN, quero O Corcunda de Notre Dame dirigido pelo David Leitch, assim como uma releitura do Arsène Lupin.

AVATAR (2009)

Só tinha assistido AVATAR uma única vez nos cinemas na época do lançamento, no final de 2009. Então, agora que finalmente vamos ter a tão aguardada continuação resolvi rever. Naquela época não saí do cinema com a mesma empolgação de algumas pessoas. Tinha curtido, mas considerei o filme o “menos bom” do Cameron. Como eu adoro tudo que o cara fez, obviamente não queria dizer que eu não tivesse gostado. Ao contrário. Inclusive cheguei a elogiar bem o filme aqui no blog na época (quando ainda atualizava no blogspot e o blog se chamava Dementia 13). Depois da revisão de agora, continuo com a opinião de que se trata do mais “fraco” do diretor (aliás, eu cheguei a revisitar toda a filmografia do Cameron este ano), mas essa revisão de AVATAR só confirma a minha admiração pelo filme. Muito mais que a primeira vez que vi.

Não vou entrar muito na questão técnica “revolucionária” do filme. Quero falar da experiência de rever a obra. Até porquê esse ponto já foi tratado à exaustão na época do lançamento, em como Cameron sempre se propõe a profundas alterações no aspecto técnico da sétima arte, e trabalha quase como um engenheiro desenvolvendo novas tecnologias para poder filmar (motivo pelo qual o segundo filme demorou tanto para ser produzido). Utilizou, portanto, tecnologia de ponta para renderizar esse universo, personagens e imagens num 3D que realmente encheu os olhos lá em 2009… Passado mais de uma década, o legado de AVATAR está aí, para o bem e para o mal, nos efeitos especiais, sobretudo no cinema blockbuster americano. A coisa ficou tão saturada que ver AVATAR pela primeira vez hoje talvez nem tenha tanto impacto de caráter de surpresa e inovação.

No entanto, e mais importante, o filme ainda deve ter impacto de caráter poético visual. Porque, afinal, o mundo criado por Cameron continua um negócio simplesmente espetacular, de uma exuberância quase subversiva. Nesse sentido AVATAR funciona muito até hoje.

Tá tudo tão intacto que até mesmo as ressalvas de 2009 as tenho em alguma medida: os diálogos piegas, o enredo pouco sutil, tudo é mastigadinho e vários personagens são o cúmulo do arquétipo e estereótipo que remete a uma porção de filmes, obras literárias, quadrinhos na qual o protagonista se bandeia para o lado do “selvagem”. Reciclar obras alheias e fazer essa mistura de referências nem é um problema pra mim, mas discorrer tudo isso numa longa e desnecessária duração que não traz nenhuma novidade narrativa também me leva a considerar AVATAR um nível abaixo do restante da filmografia de Cameron…

E, no entanto, tudo isso fica ofuscado pelas qualidades do filme. Foi uma experiência fascinante estar envolvido novamente pela exuberância de AVATAR; em como num nível mais superficial continua sendo uma ótima aventura de ficção realmente empolgante, com momentos de tirar o fôlego; e como ainda fico maravilhado com um cineasta que dirige bem, que tem total domínio do espetáculo, e deposita tanta paixão e energia para a criar esse universo, com esse esplendor visual imponente, para contar essa história com tanto amor… Cameron pode não ser o mais original dos diretores, mas sabe como elaborar um grande evento cinematográfico autoral que não sacrifica o prazer do entretenimento. Vamos torcer para que Cameron não tenha perdido isso…

Alguns momentos continuam notáveis. A batalha final, por exemplo, eu nunca me esqueci, com aquele plano do cavalo em chamas, ou o clímax que rola o confronto entre o coronel Miles Quaritch (Stephen Lang) e Jake (o protagonista do filme, vivido por Sam Worthington). Mas não lembrava como a sequência da destruição da Árvores das Almas é tão poderosa. Um espetáculo visual sem precedentes, com o coronel comandando a destruição em uma das naves, tomando uma caneca de café quentinho, assistindo a gigantesca árvore indo abaixo e uma raça inteira alienígena, os Na’vi, fugindo desesperada. Stephen Lang, aliás, é uma das melhores coisas do filme. Apesar do clichê de militar truculento, é um vilão fantástico, entregando algumas pérolas na sua performance, genuinamente ameaçador.

Sobre alguns temas, a abordagem política do filme é sentida de forma palpável, sem muita sutileza: o retrato sombrio da ganância corporativa; preocupação com a natureza; mostra-nos o homem que procura alargar o seu campo de ação e riqueza, e as catástrofes que daí advêm, já que é incapaz de respeitar os ambientes que o acolhem. Tudo bem óbvio, mas que funciona. Há também uma boa reflexão sobre gameficação. E embora haja um exotismo na representação dos Na’vi que permanece até hoje, acredito que eles possuem mais texturas, com uma cultura e uma ideia real sobre as coisas, que eu já não lembrava. O que deixa tudo mais interessante.

E é um bom presságio para as sequências de AVATAR. Uma expansão de mundo com um senso de detalhes não apenas de quem são os Na’vi, mas de como todo esse ecossistema funciona, sua flora e fauna e a curiosa ciência que governa o planeta Pandora. A obsessão do diretor serve bem à AVATAR; ele tenta expandir tanto esse universo, criando desde um pequeno inseto até o seu aparelho respiratório, que dá até pra ignorar a fórmula genérica e clichê de sua narrativa. Quero dizer, eu consegui ignorar, por isso achei o filme tão fascinante nessa revisão. Mas não tenho dúvidas de que muitas pessoas vão acabar achando AVATAR tão ruim quanto naquela época, ou até pior, numa revisão.

Enfim, essa foi uma maneira – mais longa do que eu tinha planejado – de dizer que estou bastante animado com a sequência, em retornar ao universo tão vívido criado por Cameron, agora em AVATAR: O CAMINHO DA ÁGUA. Recomendo uma revisão deste aqui, caso estejam interessados em ver a continuação e também estavam na mesma situação que eu, que só havia assistido na época do lançamento. Reafirmo que sempre gostei de AVATAR, mas acabei descobrindo um filme bem melhor do que lembrava nessa revisão. Ainda que esteja no final da fila da filmografia do diretor. Tudo bem, o sujeito até hoje não errou e tem várias obras-primas no currículo. Talvez AVATAR: O CAMINHO DA ÁGUA também seja. Vamos descobrir em breve.

O FUGITIVO (1993)

Sabe aquela máxima que usamos quando relatamos uma história interessante que aconteceu e percebemos que o relato nunca vai ser suficiente pra deixar, seja lá quem for, tão fascinado quanto nós, que vivenciamos o fato? Dizemos algo do tipo: “Você tinha que estar lá pra ver“… O mesmo vale para filmes. Vocês simplesmente tinham que estar lá quando tal filme foi lançado nos cinemas, ou nas locadoras – antes que seu impacto fosse diluído pela repetição e imitação – para entender porquê aquele tal filme foi bem sucedido, ou foi um fenômeno, até hoje se fala dele, etc…

Isso tudo me remete ao caso de O FUGITIVO (The Fugitive), de Andrew Davis, que finalmente revi depois de mais de vinte anos…

Assistí-lo hoje pela primeira vez pode até dar a impressão de um filme banal e repetitivo, mas se vocês estiveram lá na época do lançamento, lembram que se tratou de um dos grandes acontecimentos do cinema blockbuster da primeira metade dos anos 90, com uma massiva campanha de marketing, cartazes e revistas estampando o Harrison Ford correndo de alguma coisa, e o trailer passando até na TV aberta… O FUGITIVO foi um enorme sucesso de bilheteria, foi bem elogiado pela crítica, teve o Tommy Lee Jones ganhando o Oscar de ator coadjuvante, e o próprio filme foi indicado para a categoria principal de Melhor Filme (perdeu para A LISTA DE SCHINDLER). O filme em si, apesar de não ter nada de original, foi um dos exemplares responsáveis por modelar a estética do thriller de ação dos anos 90, influenciando uma penca de filmes a partir dali. Então acho que dá pra ter uma noção do que foi O FUGITIVO. Do seu impacto. Mas “Você tinha que estar lá pra ver“…

A trama, acredito, todo mundo conhece. Até quem nunca viu. Baseado numa série de TV dos anos 60, temos uma trama meio Hitchcockiana sobre Richard Kimble (Ford), um médico que se vê fugindo da lei após o assassinato brutal de sua esposa, tentando provar sua inocência ao mesmo tempo em que precisa encontrar o real assassino. E como na série de TV, o público nunca duvida da inocência do sujeito ou mesmo de sua crença de que o verdadeiro perpetrador é um “homem de um braço”.

Kimble é o herói perfeito – combinando inteligência com notável resistência física e um toque de compaixão – e o fato de ser interpretado por Harrison Ford, ator que sempre teve o dom de causar o nível certo de empatia, para não mencionar um astro já alojado na cultura pop com personagens como Han Solo e Indiana Jones, ajuda muito. Então acabamos comprando a perfeição do bom Dr. Kimble sem muita dificuldade. E Ford tá realmente ótimo no papel.

Mas, como um bom filme de policial, um bom filme de perseguição, a coisa realmente prospera quando o herói tem a contraparte certa como desafio. Sam Gerard de Tommy Lee Jones, o US Marshall que passa o filme inteiro obstinado no rastro de Kimble, é um adversário digno, tão afiado e tão duro quanto sua presa. Talvez seja o indivíduo mais mais humano do filme, um homem dividido entre o dever e a crença pessoal. Jones é tão bom que (além de ter ganhado o Oscar, como já mencionei) o personagem chegou a assombrar sua carreira. Ele o reprisou oficialmente no filmaço US MARSHALS, de 1998, mas esse tipo de personalidade o seguiu durante muito tempo em filmes como MIB – HOMENS DE PRETO (97), o petardo de William Friedkin CAÇADO (03), que é quase um terceiro capítulo espiritual deste aqui, e já mais envelhecido em ONDE OS FRACOS NÃO TÊM VEZ (07).

A relação que se estabelece entre Gerard e Kimble é bem mais interessante do que aquela entre Kimble e a figura do vilão real do filme (seja o homem de um braço ou o verdadeiro mandante que a trama revela), o que pode ser o motivo pelo qual o clímax do filme, a troca de socos entre herói e vilão permaneça menos na mente do que muitos dos momentos compartilhados entre Kimble e Gerard ao longo da caçada, como por exemplo a já clássica sequência dos túneis da represa, onde ocorre o primeiro contato dos dois e que culmina com Kimble se jogando de uma altura considerável…

Ui, ui, mas era pra ele ter morrido na queda, ninguém sobrevive pulando de uma altura assim, blá, blá, blá”… O tipo de coisa que eu passei décadas ouvindo. Mas a minha resposta é sempre a mesma. Meu amigo, se você quiser realismo, eu posso indicar uns bons documentários.

Já elogiei por aqui no blog o trabalho do diretor Andrew Davis. Um sujeito que faz filme com Chuck Norris e dois dos melhores veículos de Steven Seagal merece sempre meu respeito. Aqui consegue se sair muito bem, demonstrando suas habilidade sob a batuta de um grande estúdio, onde tudo é super controlado e é difícil deixar alguma impressão pessoal. Mas o Davis nunca foi um diretor autoral, então tá em casa. De todo modo, Davis tava inspirado: tudo em O FUGITIVO é filmado e editado com uma intensidade para desgastar os nervos e aumentar o pulso. A câmera sempre se move, enfatizando a emoção da perseguição e as relações de poder entre a presa e o predador.

Sequências como a fuga de Kimble depois que o ônibus da prisão capota na floresta e vai parar em cima da linha do trem e o sujeito precisa pular pela janela um segundo antes de uma locomotiva acertar em cheio o veículo é praticamente uma aula de tensão… Dessas imagens do cinema de ação que permeia sempre meu imaginário do gênero nos anos 90.

Ainda assim, não acho que o grande trunfo de O FUGITIVO seja a ação, mas sim a força do seu elenco e a capacidade de contar uma boa história. Temos participação de figuras como Julianne Moore, Joe Pantoliano, Jeroen Krabbé, mas são mesmo os gigantes Harrison Ford e Tommy Lee Jones que definem as coisas por aqui por meio de puro carisma, atuando numa narrativa clássica que realmente funciona e que tem peso dramático e atenção aos detalhes. E que ao mesmo tempo entrega emoções.

O FUGITIVO não chega a ser nenhuma maravilha, mas é o tipo de filme que, apesar da influência no período, é cada vez mais raro de se encontrar nos dias de hoje… Uma produção grandiosa à sua maneira, mas não inchada de trocentas horas; um thriller inteligente e eficaz, embora com algumas conveniências de roteiro, mas de tirar o fôlego do início ao fim e que consegue atrair a atenção de um grande público, sem dar a impressão de que os realizadores pensam que o espectador é idiota. Em suma, um filmaço que valeu a pena rever, do tempo em que contar boas histórias era regra básica para se fazer um filme em Hollywood.

2020 – TEXAS GLADIATORS (1982)

Revi esse belo exemplar de cinema pós-apocalíptico italiano dirigido pelo Joe D’Amato. Faz tempo que não posto nada do homem por aqui… Lá por volta de 2008, 2009, eu tava devorando os filmes dele, depois segui em frente e agora me bateu vontade de rever umas coisas. Sobretudo este 2020 – TEXAS GLADIATORS (Anno 2020 – I gladiatori del futuro), porque eu não tinha achado grandes coisas na época e acabou eclipsado pelo ENDGAME, outro filme do gênero que o D’Amato dirigiu na mesma época e que achei bem melhor. Agora já não sei. Este aqui é realmente divertido.

Um detalhe que só fui descobrir por agora é que 2020 – TEXAS GLADIATORS tem um co-diretor. Aparentemente, D’Amato convidou o ator e roteirista George Eastman (Luigi Montefiori) para dirigir junto com ele e o sujeito aceitou… Bem, mais ou menos.

De acordo com Eastman: “Eu dirigi esse filme a pedido de Massaccesi“. Aristides Massaccesi, para quem não sabe, é o nome verdadeiro de Joe D’Amato. “Sua produtora havia comprado o ‘pacote’ pronto (atores com contratos, datas fixas para as filmagens, roteiro já escrito, orçamento) de outra produtora, que desistiu de produzir por considerar impossível fazer um filme desse tipo com financiamento tão baixo. Massaccesi achou que conseguiria (…). O cronograma de filmagem já havia sido definido (vinte dias) e não poderia ser estendido um único dia a menos que alguém estivesse disposto a colocar dinheiro a mais. Ele me ligou e me perguntou se eu estaria disposto a ajudá-lo a dirigir o filme: recusei a oferta dizendo que só faria se fosse sozinho, sem ele.” (do livro Spaghetti Nightmares)

Para resumir, depois de alguma negociação, ficou meio definido que Eastman iria se preocupar com a parte dramática da trama (e também meteria o dedo no roteiro) enquanto D’Amato filmaria a ação. Os créditos de direção ficaram sob o pseudônimo de Kevin Mancuso e o fato de 2020 – TEXAS GLADIATORS ser 80% só sequências de ação deve ter feito muita gente pensar que se tratava de um filme do D’Amato. Mas, pronto, Eastman já está devidamente considerado como diretor do filme. Até o IMDb já atualizou a informação.

2020 – TEXAS GLADIATORS começa apresentando uma espécie de vigilantes futuristas, acho que são chamados de Rangers em algum momento. Esse grupo de bravos homens majoritariamente barbudos, suados e sem camisa patrulham o deserto pós-apocalíptico do Texas é composto por sujeitos de nomes como Nisus, Jab, Catch Dog, Halakron e Red Wolfe.

Logo no início eles interrompem um bando de maníacos que atacam um grupo pacífico de colonos religiosos. Todos os maníacos são mortos sem piedade e os colonos restantes são resgatados. Esses vigilantes possuem um código de honra muito bem definido, e o objetivo fica claro: restaurar a justiça nesse futuro desolador por qualquer meio necessário.

No entanto, Catch Dog (Daniel Stephen) vê uma das vítimas escondida, chamado Maida (Sabrina Siani, de CONQUEST, do Lucio Fulci), e decide estuprá-la enquanto os outros estão ocupados. Mas acaba interrompido por Nisus (o grande Al Cliver, de ZOMBIE 2, também do Fulci) e recebe uma surra. Catch Dog é expulso dos Rangers e forçado ao exílio.

Maida, embora grata pela ajuda de Nisus, questiona seus métodos violentos: se a ação deles consiste em apenas matar bandidos e assassinos, isso não os torna assassinos também? Esta observação coloca uma pulga atrás da orelha de Nisus. Ele resolve abandonar o grupo e se estabelece com Maida numa comunidade que vive dentro de uma usina. Os anos se passam, Nisus se torna um pilar e ajuda a comunidade a restaurar a energia do local. Ele e Maida até têm uma filha juntos, formando uma família.

Mas aí entra em cena o vilão do filme, um bastardo fascista chamado Bolson… Ops, quero dizer, Black One (Donald O’Brien), que invade a comunidade com seus guerreiros futuristas de elite. Um bando de motoqueiros punks também está apoiando Black One, liderados pelo ex-colega de Nisus, Catch Dog. Eles subjugam a comunidade após uma batalha épica e violenta e Black One assume o poder.

O destino é cruel com Nisus e agora cabe a Maida reunir o velho grupo de Rangers pelas terras devastadas para contra atacar Black One, salvar a comunidade e ter paz de volta.

É legal perceber que 2020 – TEXAS GLADIATORS não só um clone genérico de MAD MAX 2 e FUGA DE NOVA YORK como muitos dos filmes italianos pós-apocalípticos tendem a ser. Na real, de certa forma é um filme mais conceitual, pode acreditar. E que tem o western em seu design estrutural, com todos os seus arquétipos e sua mitologia. Se tivessem pegado esse mesmo roteiro e filmado nos anos 60, com cowboys e cavalos no lugar de motoqueiros punks com roupa de couro renderia um belo Spaghetti Western. Não é a toa o “Texas” no título internacional do filme…

Há uma sequência num saloon que parece tirada de algum filme do Demofilo Fidani ou Sergio Garrone, envolvendo um jogo de roleta russa inspirada em O FRANCO ATIRADOR e que termina numa briga generalizada, com vidros e cadeiras quebradas. Uma maravilha. Mais tarde, o grupo remanescente dos Rangers encontrar um grupo de nativos americanos que são representados visualmente da forma mais estereotipada possível, também descrito como italianos fantasiados de índios. Há uma sequência de cerco num desfiladeiro, e até uma ceninha de trabalho escravo em uma mina onde Black One coloca os prisioneiros bem típico de prisão de faroeste…

Visualmente, o 2020 – TEXAS GLADIATORS é competente, não muito chamativo. Mas consegue camuflar o seu baixo orçamento, reaproveitando mesmo cenário (não duvido que 80% do filme seja filmado na mesma usina), figurinos bacanas (sobretudo a de uma mulher guerreira que usa um traje altamente impraticável que deixa seus seios expostos), uma boa quantidade de extras e dublês, além de ter uma dose enorme de ação.

Nenhuma delas realmente especial, mas destacaria toda a sequência do primeiro ataque do exército de Black One à comunidade, defendida com unhas e dentes pelos ocupantes ao estilo Forte Apache, mais um elemento de western. Num geral, D’Amato sabe criar um espetáculo de ação com pouco recurso. Tudo é genérico, mas ao mesmo tempo eficaz e preenche bem o tempo quando o expectador só quer um bocado de diversão.

Quem já assistiu a mais de dez filmes de baixo orçamento italiano dos anos 80, com certeza já se deparou com quase todo mundo que importa no elenco de 2020 – TEXAS GLADIATORS. Com destaque para o grande Donald O’Brien, figurinha típica do cinema popular italiano e que já tinha feito outros trabalhos com D’Amato. Seus papéis de vilão sempre são memoráveis, até mesmo quando aparece pouco como é o caso deste aqui. Mas seu Black One é um bom registro. Al Cliver sempre competente, assim como todos do grupo de Rangers. Só gente boa: Harrison Muller, o grande Peter Hooten, e Hal Yamanouchi. Mas a alma do filme é a bela Sabrina Siani, com uma caracterização bem interessante.

2020 – TEXAS GLADIATORS é, em última análise, realmente representativo de quão criativo era o cinema italiano… Bem, nem sempre. Mas existem vários exemplos de produções de orçamento risível que conseguem de alguma forma resultar em filmes fascinantes. Especialmente quando se trata de Joe D’Amato, que podia pegar uma “produção inteira” num pacote fechado e na hora de mostrar serviço eram profissionais, astutos e criativos o suficiente para criar um filme divertido. Filmes que tinham suas pretensões muito bem definidas, que eram pensados apenas para ganhar um dinheiro rápido e não para ganhar um Oscar. E acho que aqui é um bom caso disso… Muita ação, um belo conceito e cheio de bizarrices. Não tem como errar.

SAMARITANO (2022)

Preciso voltar a cobrir umas coisas recentes, acho que vai me manter mais ocupado aqui no blog. Nem que seja pra falar mal de uns filmes de ação meia boca, como é o caso de SAMARITANO (Samaritan), último veículo de ação do Sylvester Stallone, dirigido por um tal Julius Avery, produção da MGM lançado direto no Amazon Prime.

Meu amor pelo Sly nunca vai cessar, o cara simplesmente é um dos responsáveis por me fazer gostar de cinema. No entanto, o cara só deu bola fora nos últimos anos. Vai tomar no c#@&! Qual foi o último grande filme do Stallone? Acho que “grande filme” é até injusto… Deve ter mais de 10 anos que o sujeito não protagoniza algo desse porte. Então, ok, qual foi o último BOM veículo de ação do homem? Eu respondo: ESCAPE PLAN, de 2013. É tempo pra burro…

RAMBO – LAST BLOOD (2019) foi decepcionante e as continuações de ESCAPE PLAN (HADES, de 2018, e THE EXTRACTORS, de 2019) são nível dos piores DTVs que temos atualmente. Nem falo nada de BACKTRACE (2018), porque é simplesmente pavoroso. E não vou contar com CREED (2015), porque ele não é o personagem central (mas sim, aqui temos o bom e velho Sly no seu melhor). Enfim, SAMARITANO até acho melhor dos que esses últimos veículos do Sly, mas ainda tá muito abaixo do que sabemos que o cara sabe fazer.

Esperava-se algo minimamente divertido quando anunciaram que o sujeito faria um filme de herói. Um herói envelhecido e cansado, tendo que voltar à ativa. Poderia ter uma pegada meio CORPO FECHADO, do Shyamalan, mas brucutu, com pancadaria e muita ação. Nah! Ficou na promessa. Primeiro que o filme é mais focado no ponto de vista de um moleque (Javon Walton) que é obcecado pela lenda do Samaritano, um super herói que combatia o crime pelas ruas da cidade e lutava contra seu irmão gêmeo, Nemesis, que causava o terror no local. Stallone aparece lá depois de meia hora de filme (o tempo de tela dele antes disso é escasso), ele vive um lixeiro solitário, morando num conjunto de prédios de classe baixa – vizinho do moleque, que está convencido de que ele é o velho Samaritano. Na trama, ficamos sabendo que esse herói está desaparecido há mais de vinte anos após um confronto final com seu malvado irmão. O que se sabe é que Nemesis foi morto e o Samaritano desapareceu.

O moleque é um bom garoto, mas tem se envolvido com uma gangue criminosa liderada por Cyrus (Pilou Asbaek), que invade um depósito da polícia e rouba a arma de Nemesis, um poderoso martelo forjado por fogo e ódio, com a intenção de renascer Nemesis e tirar o elusivo samaritano de seu esconderijo.

Então esse moleque acaba sendo o protagonista. Javon Walton até é bom ator, mas dá aquele gostinho de desperdício um filme que Sly poderia desenvolver um personagem, mas na maior parte do tempo é relegado ao status de um coadjuvante sem muita expressão. O roteiro também não ajuda muito em desenvolver algo dramático com mais consistência, em criar um universo mais autêntico nessa cidade fictícia, e a relação que o garoto estabelece com Sly é bem genérica. Aliás, quase tudo no filme é genérico, e o que poderia ter sido um sopro de frescor para o cânone dos filmes de super-heróis atuais é, lamentavelmente, uma mediocridade que tenta se beneficiar da figura e carisma de Sly.

Quando o filme resolve botar pra quebrar na ação, já é meio tarde demais. Mas aqui é preciso fazer um elogio. No clímax, temos Sly encarando vários bandidos com seus super poderes, dá até pra chamar de uma boa sequência de ação. Dá pra dar um gostinho do que o filme poderia ter sido em mãos mais competentes. Até a grande reviravolta no final, apesar de previsível, é bem colocada.

Acredito que um pouco dos problemas de SAMARITANO seja até falta de orçamento pra fazer algo mais movimentado (a produção sofreu também com algumas paralizações durante a covid, era pra ter sido lançado ainda em 2020). Não tô dizendo que é um filme barato. Dá pra ver que não foi filmado a toque de caixa num fim de semana, mas também não tem a grandeza visual que esse tipo de material exigia, levando em consideração que não tem uma pegada mais séria. Mas não é desculpa pra fazer algo tão sem graça, tão desinteressado em abordar esse universo de super heróis; ou um drama mais contundente sobre um herói mais humano e envelhecido. Falta uma melancolia… O que temos é clichê dos mais rasteiros e uma traminha que demora muito pra ganhar força.

O próximo projeto do Sly é TULSA KING, uma série de máfia, cujos trailers me agradaram bastante. Acho que o formato pode contribuir pra termos um Sly mais comprometido com um personagem como há muito tempo não víamos. Boto fé. E vamos ter tbm OS MERCENÁRIOS 4, que aparentemente vai ser a despedida do Sly na série, passando o bastão pro Jason Statham. Tudo bem, contanto que o filme seja bom e não seja na mesma linha que aquela porcaria d’OS MERCENÁRIOS 3.

O fato é que Sly tá velho, cansado e cada vez mais desinteressado em fazer filmes. Perdeu boas oportunidades também de se consolidar como diretor (embora os poucos filmes que dirigiu tenham demonstrado que o homem é um talento acima da média no cinema americano) e agora me parece tarde demais pra tentar algo novo. Fica fazendo esses filmecos usando sua figura icônica pra atrair seus fãs, mas o resultado, pelo menos nos últimos tempos, tem decepcionado bastante.

E SAMARITANO decepciona. Não que eu esperasse muita coisa, já sou galo véio e pelo histórico recente do sujeito as chances de sair algo fraco era grande. Mas sempre pinta uma centelha de esperança. Não foi dessa vez.

O SUPER-HOMEM ATÔMICO (1975)

Uma das bobagens mais divertidas que vi nos últimos dias foi esse O SUPER-HOMEM ATÔMICO (The Inframan ou The Super Inframan), uma prova de que nem só os japoneses sabiam fazer Tokusatsus autênticos. A tradição pode até ser dos japoneses, que em meados dos anos 70 estavam fazendo sucesso com esse tipo de material, filmes e seriados de ficção científica povoados por super-heróis, monstros e muitos efeitos especiais, mas os chineses tentaram demonstrar que um estúdio de Hong Kong – no caso deste aqui foi ninguém menos que a rapaziada da Shaw Brothers – também poderia se sair bem… E deu muito certo.

Na trama, a Terra foi invadida por uma variedade de monstros coloridos, liderados por uma tal princesa Elzebub. Essas criaturas podem ter vindo do espaço sideral, mas os cientistas acreditam na possibilidades de serem indivíduos que viveram aqui na Terra mesmo antes da última Idade do Gelo, vinte milhões de anos atrás. Mas isso pouco importa… O que vale mesmo é que os monstros causam o terror por aqui.

Felizmente a Terra não está sem esperança, pois um cientista tem trabalhado por um bom tempo num projeto chamado Inframan, que consiste numa espécie de homem biônico, que terá superpoderes incríveis e será páreo para qualquer monstro. Um dos assistentes do cientista, Rayma (Danny Lee, um dos protagonistas de THE KILLER, do John Woo), é o escolhido para se tornar o Inframan!

Os monstros tentam sabotar o laboratório de qualquer jeito. Sequestraram um dos assistentes do cientista e o transforma em uma espécie de zumbi. Isso dá aos monstros um aliado dentro do próprio laboratório secreto onde está o projeto Inframan. As coisas ficam ainda piores quando a filha do cientista também é sequestrada pelos monstros. E apenas Inframan pode salvá-los.

E aí, O SUPER-HOMEM ATÔMICO é ação praticamente ininterrupta e pancadaria até o fim. E, claro, com direito à muito kung fu, já que estamos num Tokusatsu made in Hong Kong. Há muitos lasers, explosões, perseguições, os monstros podem de repente ficar gigantescos, assim como o Inframan também pode, sem qualquer tipo de satisfação ao espectador. O tipo de filme que possui todos os elementos pra agradar o seu público. O visual dos monstros são bregas, com trajes de borracha, mas adoráveis. Os efeitos especiais são datados, mas são extremamente bem feitos para o período. E os vários cenários onde a trama e as batalhas se passam são perfeitos pro tipo de filme que temos aqui.

O diretor Shan Hua mantém o clima leve e a ação rolando solta. Não é o tipo de obra que faz grandes exigências aos atores, mas dá pra perceber que o elenco pegou o espírito da coisa. A atuação pode não ser sensacional, mas é enérgica. Destaque para um certo coadjuvante chamado Bruce Le (último frame acima), que é um dos principais nomes da Brucesploitation.

O resultado final de O SUPER-HOMEM ATÔMICO é uma mistura fascinante e divertida do espetáculo que a Shaw Brothers sabia proporcionar com a bobagem de filmes de monstros japoneses que fizeram a cabeça da molecada na TV dos anos 70 e 80. Vale uma conferida.

HELL HUNTERS (1988)

De vez em quando é legal ir às cegas num filme. Já encontrei muitas pérolas desse jeito. De vez em quando encontra-se também umas porcarias que mereciam continuar no limbo. É o risco que se corre… E eu não fazia a menor ideia do que ia encontrar por aqui em HELL HUNTERS.

Nunca tinha ouvido falar desse filme, mas olhei a capinha dando sopa num streaming, aquele aspecto de filme de ação na selva dos mais vagabundos dos anos oitenta – algo que não resisto – e alguns nomes no elenco me chamaram a atenção: Stewart Granger, Maud Adams, George Lazenby, William Berger… Resolvi arriscar. Tive sorte? Um pouco… O filme não é nenhuma joia, mas também não é abominável. Não diria nem que é um bom filme, mas valeu a pena conhecer essa tralha que até tem suas peculiaridades.

Stewart Granger – que já tava nas últimas aqui, mas que fez de tudo um pouco na Hollywood clássica – interpreta um cientista nazista chamado Martin Hoffmann, fugitivo que se esconde há quatro décadas desde o final da Segunda Guerra Mundial no Paraguai. Em suas experiências locais, ele descobre aranhas cujo veneno poderia ser aplicado em indivíduos, criando um super soldado e, assim, formar um exército indestrutível.

Maud Adams – uma das poucas atrizes a se tornar Bond Girl duas vezes (em O HOMEM COM A PISTOLA DE OURO e OCTOPUSSY) – vive uma caçadora de nazistas que está no encalço de Hoffman e se casa com o sobrinho dele, interpretado por William Berger, bem aqui no Rio de Janeiro, para se aproximar do nazista. E tome imagens de carnaval, moças de topless e das praias cariocas…

Quando Hoffmann descobre as reais intenções da mulher, ele bota seus capangas para eliminá-la.

Ao ficar sabendo do destino de sua mãe, morta logo após seu casamento, Ally (Candice Daly), que é a verdadeira protagonista do filme, vem para o Brasil para investigar o que realmente aconteceu. Durante sua jornada, a jovem se vê inserida nas selvas implacáveis ​​do Paraguai ao lado de Tonio (o ator brasileiro Rômulo Arantes), um caçador de nazistas arrogante, mas bom de tiro, que trabalhava com a mãe de Ally e a ajuda em sua vingança. Aí acontece o clássico “os opostos se atraem”, com os dois personagens brigando sobre suas diferenças antes de se apaixonarem loucamente.

E à medida que se aproximam da localização de Hoffman, o nazista e seu parceiro no crime, Heinrich (outra ligação do filme com 007, já que este aqui é vivido por George Lazenby, o segundo James Bond), estão planejando levar o tal soro de aranha pra Los Angeles.

Daí já dá pra perceber que foi-se por água abaixo uma das coisas que me fizeram parar pra assistir HELL HUNTERS. George Lazenby não tem lá muito tempo de tela; William Berger tem um pouco mais, mas nada muito expressivo… E Maud Adams é assassinada com menos de trinta minutos. O grande vilão da trama, Stewart Granger, cujo personagem é obviamente inspirado na figura de Josef Mengele, só aparece em alguns momentos pontuais da narrativa.

Não me levem a mal, essa rapaziada tá ótima aqui, mas eu só queria um pouco mais tempo de tela de cada um. Agora, uma coisa que realmente decepciona é que a ideia do tal exército criado fruto dos experimentos de Hoffmann com veneno de aranha acaba sendo uma oportunidade perdida. O plano do cara nunca é levado adiante, então nunca vemos o alcance total do poder do soro.

O que acompanhamos de verdade em HELL HUNTERS, no entanto, não é totalmente de se jogar fora. Candice Daly e Rômulo Arantes conseguem ter algum tipo de química e os outros personagens que vão se juntando a eles acabam criando uma galeria de figuras inusitadas.

E é o tipo de filmes que oferece uma boa dose de ação, com vários tiroteios (incluindo um no funeral da personagem de Maud), explosões e perseguições nas selvas sul americanas, o tipo de coisa que importa. Destaque para a sequência que Maud é perseguida num aeroporto do Rio pelo ator brasileiro Eduardo Conde, que faz um dos principais capangas de Hoffmann.

Há também uma sequência de sexo totalmente gratuita entre os dois jovens protagonistas numa cachoeira. O que nunca é algo descartável…

HELL HUNTERS foi o último trabalho de um diretor austríaco chamado Ernst R. von Theumer, que não possui muitos filmes no currículo, mas que basicamente colocou seus esforços em cinema de gênero na Europa durante as décadas que trabalhou. Aqui, o sujeito joga na tela um pouco de tudo dentre os ingredientes do cinema de exploração só pra ver o que pega. Nem tudo funciona, mas há uma consciência de que isso aqui não tem pretensão alguma de concorrer a um Oscar. Então tem seu charme, há sempre algo maluco ou pelo menos levemente interessante acontecendo. E os momentos que os principais coadjuvantes aparecem ajudam.

É como eu sempre digo sobre esse tipo de produto, HELL HUNTERS não é um filme particularmente bom, mas tem o suficiente pra divertir o seu público definido. Não é chato, não chega a 100 minutos, é feito de forma honesta e barata, com seus vários problemas e imperfeições.

HELL HUNTERS tá disponível de graça no Tubi TV pra quem quiser dar uma chance. Não tem legendas em português, mas nem tudo nessa vida é perfeito…

FORÇA CRUEL (1982)

Por trás de um título nacional meio genérico como FORÇA CRUEL (Raw Force) esconde-se uma pequena preciosidade do cinema exploitation americano-filipino oitentista que precisa urgentemente ser redescoberto. Na verdade, tenho certeza que todos vocês já, no mínimo, ouviram falar ou leram sobre esse petardo. Se não, agora é a hora. E não se preocupem, podem acusar o filme de qualquer coisa, mas genérico é algo que ele não é.

Na trama, um grupo de praticantes de artes marciais embarca numa aventura num pequeno cruzeiro pelo Pacífico, pros lados das Filipinas, que promete ser, digamos, muito agradável. A começar pelo capitão da embarcação ser interpretado por ninguém menos que Cameron Mitchell.

Exibições de artes marciais, uma paradinha na cidade pra compras, bar de striptease, bordéis e uma festinha em alto mar cheia de moças de topless são alguns atrativos. O básico de um bom cinema de exploração. Mas um dos principais destaques desse passeio é visitar uma tal Ilha do Guerreiro, que dizem ser local sagrado, onde grandes mestres das artes marciais estão enterrados. Só alegria.

Outra atividade local é ser um ponto de operação de tráfico de mulheres em troca de pedras de jade entre um sujeito com bigodinho de Hitler – e seus capangas motoqueiros nazistas – com uma ordem de monges canibais que acredita ter o poder de ressuscitar os mortos ao comerem carne das jovens.

Eventualmente, toda essa rapaziada acaba na Ilha do Guerreiro, onde acontece uma batalha envolvendo os turistas das artes marciais, os traficantes nazistas de mulheres, os monges canibais e até os zumbis guerreiros que estavam enterrados ali e que ganharam vida novamente…

Sim, FORÇA CRUEL é tão bom que parece uma produção do Roger Corman ou dirigido pelo mestre do cinema grindhouse filipino Cirio H. Santiago.

Mas essa impressão tem força sobretudo pela presença de atores como Vic Diaz, que tá em quase tudo que o Cirio H. Santiago fez, e Jillian Kesner, que estrelou o clássico FIRECRACKER, que comentei por aqui há um tempinho. No entanto, FORÇA CRUEL não tem nada de Cirio nem do Corman (exceto por algumas imagens de arquivos das paisagens filipinas que a New World Pictures, do Corman, forneceu para esta produção), mas pra quem espera encontrar uma série de elementos típicos do cinema de exploração filipino que esses caras faziam nesse período, numa trama que só serve a este pretexto, o diretor estreante Edward Murphy nos entrega tudo particularmente bem.

Um monte de coisa bizarra tá incluída no cardápio como podem ter notado na sinopse. É até difícil listar a quantidade de absurdos; e mesmo sendo um filme que não necessariamente brilha por sua coerência narrativa, sabe trabalhar os elementos que agradam o seu público específico. E o essencial: com um ritmo que nunca diminui. Uma verdadeira metralhadora dos ingredientes do cinema grindhouse, com a total negligência assumida por um realizador que sabe muito bem que o seu filme não é uma obra-prima.

Mas é quase lá, dependendo do seu bom gosto pra cinema.

Tudo é realmente pensado para deixar as coisas boas que o cinema de exploração tem a nos oferecer. E, o melhor, com humor, sem se levar muito à sério – basta a longa sequência da festinha no barco, que tem o tom das melhores comédias oitentistas, cheia de personagens e situações cômicas pra gerar boas risadas – mas sem nunca tentar parecer um filme bobo. É tudo bem consciente, bem escrito… Er… “Bem escrito” é uma expressão forte, mas tudo funciona tão bem…

Até teria sido fácil tentar fazer uma espécie de autoparódia de, sei lá, filmes de artes marciais em ilhas exóticas. Mas paródias são geralmente muito menos divertidas da coisa real, consciente, que é o que temos em FORÇA CRUEL. Existe uma linha tênue entre maluquice e estupidez, e Edward Murphy é um maluco de primeira linha. O filme inteiro é uma coleção de momentos genuínos de humor, com diálogos que são autênticas pérolas, várias situações com um toque de comédia involuntária, tudo misturado a instantes absurdos de violência e gente pelada. E é o que torna isso aqui simplesmente mágico.

No quesito ação, temos MUITAS sequências de pancadaria, que são decentes até certo ponto. As pessoas lutam em todo lugar – clubes de striptease, cemitérios, barcos – você escolhe. A parte do ataque à embarcação, logo depois da festinha, é bem divertida, tem até alguma coreografia e certa criatividade, é uma das melhores do filme, com destaque para a sequência que uma moça completamente nua está amarrada numa cama, num quarto apertado, enquanto rola uma pancadaria à sua volta.

A ação que acontece no cemitério, já na tal ilha, é outro petardo dentro do filme, cheia de momentos notáveis. E, claro, a ação final, quando os zumbis samurais, ninjas e guerreiros de todas as espécies pintados de cinza aparecem pra dar trabalho para os nossos heróis fecha o filme lá em cima, com chave de ouro. É tudo muito doido, mas que faz valer a experiência de assistir algo único como FORÇA CRUEL.

Temos um elenco divertido para apreciar. Um monte de gente que não conheço, mas que parecem estar se divertindo; temos a já citada Jillian Kesner, que é boa de porrada… Mas nada se compara com o grande Cameron Mitchell marcando presença bem mais que o habitual nesse período, mostrando todo seu entusiasmo, claramente embriagado em todas as cenas que aparece. O grande Vic Diaz também se destaca como monge malvado. E por ser um monge malvado ele ri muito. Por quê? Não faço a menor ideia, mas toda vez que ele faz isso é fantástico. E Ralph Lombardi tá bem engraçado como o Hitler fake, com seu terno branco, sotaque ruim e o olho trêmulo sequestrando mulheres filipinas nuas…

Sem grandes arcos dramáticos, redenções, estudos sociais, filosóficos, psicológicos, contextos políticos… FORÇA CRUEL é apenas uma bagunça majestosa em forma de filme. Quero dizer, é uma obra que apenas joga tudo o que é possível no liquidificador e o resultado é fascinante, um épico do mau gosto cinematográfico que funciona lindamente para paladares finos que apreciam cinema exploitation. Só faltou uns robôs, alienígenas e vampiros saltitantes.

Obviamente FORÇA CRUEL não é recomendável ao cinéfilo brioche que só assiste Truffaut e Bergman… Mas os apreciadores de uma tralha vão aproveitar este festival de nudez, violência e várias bobagens que ele proporciona. O único problema grave é que o filme termina com um letreiro dizendo que teria uma continuação. nunca aconteceu, o que é uma pena…

THE BLADE (1995)

Tsui Hark tem uma filmografia das mais fodas que eu conheço. Longa e cheia de maravilhas. Mas acredito que, dentre tudo que realizou, nada se compare a THE BLADE. Era uma impressão que eu já tinha quando assisti há uns 15 anos e que se confirma agora. Mas é curioso revisitá-lo depois de tanto tempo. Quando vi pela primeira vez eu ainda estava tateando o cinema de artes marciais de Hong Kong, não tinha ideia de suas possibilidades e pelo que lembro nunca tinha visto nada do Hark (a não ser os filmes que ele fez com o Van Damne). Mas já havia achado uma lindeza.

Agora, com um bocado mais de bagagem, me impressiona como é um filme capaz de devastar com as expectativas, com suas imagens de selvageria poética em sequências de ação espetaculares flertando com o experimental. Foi como se estivesse assistindo pela primeira vez. Sim, continua uma obra-prima e representa o auge da habilidade de Tsui Hark como diretor.

THE BLADE chegou no final de um ciclo de filmes de artes marciais que o próprio Tsui Hark havia contribuído, com THE SWORDSMAN em 1990. A maioria dessas obras eram basicamente remakes de clássicos da Shaw Brothers dos anos 1960 e 70 (este aqui mesmo é uma releitura de THE ONE-ARMED SWORDSMAN, do Chang Cheh, que é maravilhoso e ainda quero comentar por aqui), mas infundidos com técnicas avançadas de wirework (as cordinhas que os atores ficam pendurados em cenas de ação), que não eram possíveis vinte ou trinta anos antes, e muitas vezes apresentando acrobacias bem mais exigentes fisicamente, além de proficiência em artes marciais de nomes como Donnie Yen e Jet Li.

Dezenas de filmes de espadachim/fantasia (também conhecidos como Wuxia) inundaram os cinemas mostrando muita energia e criatividade de cineastas experientes que pareciam estar correndo contra o tempo para filmar o máximo possível antes da transferência de Hong Kong para a China em 1997, quando se pensava que a pesada regulamentação governamental da indústria cinematográfica começaria. No entanto, por volta de 1995, depois de uma leva de criatividade, as ideias para o gênero finalmente pareciam estar se esgotando.

Mas aí veio THE BLADE, com um novo sopro de criatividade, demonstrando que ainda era possível realizar algo com um toque de genialidade… Em retrospecto, THE BLADE é um trabalho visionário que lança o gênero em um mundo mais tátil de ação visceral e distante do conceito do guerreiro nobre vestido de branco que povoou os primeiros clássicos Wuxia. Só pra ter uma noção, o filme abre com um grupo de bandidos numa paisagem árida e decrépita observando um cachorro ser decapitado numa armadilha de urso… Até mesmo os épicos de kung fu de Hark de alguns anos antes, como ERA UMA VEZ NA CHINA, acabam parecendo paraísos idílicos de frivolidade em contraste com este aqui.

Principalmente na ação, THE BLADE é um troço absurdamente ousado… A câmera quase joga o espectador dentro das lutas, sempre colada no olho do furacão da ação e até mesmo presa a corpos e objetos enquanto eles rolam, saltam, lutam, tudo atrelado a uma edição rápida, movimentos de câmera frenéticos, coreografia feroz e composições repletas de ritmo, textura e detalhes.

Tudo é um turbilhão de imagens desorientadoras e movimentos acelerados em que Hark equilibra com os cenários quase sempre filmados em ângulos oblíquos. Na real, isso aqui vira praticamente cinema experimental, com planos abstratos, borrões formados por corpos, espaços e movimentos numa edição super agressiva… E o público tem que ser ágil para acompanhar tudo que acontece na tela. Não dá pra piscar. Mas a experiência de ver um dos melhores diretores de ação do mundo no seu auge é algo indescritivelmente extasiante.

Fortes personagens femininas é uma das coisas que não faltam no cinema de Hark. THE BLADE é narrado por Ling (Sonny Song), que dá um toque lírico ao típico enredo de vingança, cujo resultado poderia sair qualquer coisa mais tradicional, mas que ganha força com uma subtrama própria que mostra como as mulheres tentam se encontrar em um mundo dominado pela agressão masculina. Ling é filha de um mestre fabricante de espadas que brinca com os afetos de dois empregados de seu pai em uma cidade fronteiriça no árido território ocidental da China.

Um deles é Ting On-man (Vincent Zhao) que é o escolhido para ser o sucessor do mestre na fábrica, o que lhe atrai muita desconfiança, até de seu melhor amigo Iron Head (Moses Chan), que é o outro interesse romântico de Ling. Mas On-man tem uma jornada própria de vingança à seguir depois de descobrir a verdade sobre o seu passado e sobre a morte do seu pai.

A coisa esquenta mesmo quando On-man, Iron Head e outros trabalhadores da fábrica de lâminas são levados a um confronto sangrento com bandidos saqueadores que mataram de forma brutal um monge, numa sequência espetacular de movimentos de câmera e sons de ossos quebrados. O monge grandalhão consegue lidar facilmente com um número maior de bandidos, mas eles lutam sujo e o emboscam com as tais armadilhas de urso.

Armas que entram em jogo novamente numa das melhores sequências do filme, quando On-man enfrenta os bandidos sozinhos no acampamento de bambus, e que acaba com o protagonista dominado enquanto tenta salvar Ling. É aqui que ele perde o braço direito depois que fica preso em uma dessas armadilhas.

On-man consegue fugir e acaba cuidado por uma jovem órfã que vive numa casa isolada. Considerado morto pelos colegas, o rapaz tenta encontrar uma nova vida suportando todo o tipo de desprezo. Ele inicialmente enterra a espada quebrada (à qual o título se refere) deixada por seu pai. Mas ao encontrar um manual de kung fu, ele começa a treinar um estilo inusitado no qual adapta para lutar com um braço só, aperfeiçoando um ataque giratório e saltitante, aumentado por uma corrente que ele prende à lâmina quebrada para chicotear os adversários.

On-man eventualmente volta sua atenção para encontrar Flying Dragon (Hung Yan-yan), o homem todo tatuado que matou seu pai e que agora ameaça a fábrica de espadas de seu antigo mestre. O confronto feroz de On-man com Flying Dragon no final do filme é de tirar o fôlego, uma das mais brutais lutas de espadas da história do cinema.

Vale destacar que o design de produção de THE BLADE é de William Chang, colaborador de Wong Kar-Wai, que havia feito o seu Wuxia um ano antes, ASHES OF TIME (1994). E é impossível não notar algumas similaridades visuais. O trabalho de Chang aqui é de encher os olhos, tudo é ricamente detalhado pra criar um universo sujo, apodrecido e visceral. Os personagens não voam como de costume no mundo marcial tradicional do Wuxia, e em vez disso eles têm os dois pés plantados na lama e seu vôo é substituído por saltos giratórios e uma velocidade absurda, quase sobrenatural, que é ainda mais inspiradora pelo atletismo que exige. E nesse sentido, Vincent Zhao impressiona. Ator subestimado, apareceu tarde demais para se beneficiar totalmente do boom do cinema de kung fu. Dá pra encontrar coisas boas protagonizadas por ele, mas geralmente seus filmes são inferiores em comparação com um Donnie Yen, Jet Li, Jackie Chan, etc… Mas pelo menos, o cara tem THE BLADE no currículo, simplesmente um dos melhores filmes que Hong Kong já produziu.

O casamento perfeito da ação clássica das artes marciais com uma perspectiva moderna, experimental e desconstrucionista do gênero, e ainda assim, Hark tenta agradar um público mais amplo. Mesmo com a direção ousada, THE BLADE contempla a própria essência dos filmes de espadachim no que há de mais popular. É nesse equilíbrio entre poesia e selvageria, arte e diversão, que Hark sustenta perfeitamente o seu cinema. Obrigatório não apenas aos apreciadores de filmes de artes marciais, mas também pra quem ama cinema de uma forma geral.

DELTA HEAT (1992)

DELTA HEAT era pra ser uma série de televisão que acabou não despertando muito interesse dos produtores. Nem quando ainda estava no papel. Então, o roteiro do piloto foi estendido pra ser se tornar este longa, totalmente esquecido atualmente, mas que vale uma descoberta. Até porque eu não resisto em indicar um filme que é basicamente um buddy cop movie estrelado pelo Anthony Edwards (MIRACLE MILE), com mullets e brinquinho pendurado no formato de algemas, e principalmente o Lance Henriksen (O ALVO), como um ex-policial badass, com um gancho no lugar de uma das mãos.

Situado nos pântanos da Louisiana, em DELTA HEAT temos Mike Bishop (Edwards), um policial de Los Angeles que viaja até o local para descobrir quem matou seu parceiro, também de LA, que estava na cola uns traficantes de drogas. A sequência inicial, que mostra o assassinato do policial é um primor de iluminação, cores, enquadramentos e estilização. E não é a toa. A direção do filme é de Michael Fischa. Falo mais dele a seguir…

O assassinato do policial, aparentemente, tem as características de um chefão do crime local chamado Antoine Forbes. No entanto, o que se sabe é que Forbes morreu em um tiroteio anos atrás. E o mistério paira no ar. E como o departamento de polícia local é pouco cooperativo, Bishop é forçado a pedir a ajuda do ex-policial Jackson Rivers (Henriksen), se ele quiser descobrir o que realmente aconteceu e os responsáveis pela morte de seu parceiro.

Digamos que, apesar da trama parecer simples e genérica, DELTA HEAT não é o filme pra quem se preocupa com a verossimilhança dos procedimentos de investigação e resolução de crimes. E acaba sendo prejudicado por complicar demais em vez de fazer o feijão com o arroz do cinema policial. Mas pra quem não se importa muito com isso, há um outro lado… Todo o trabalho de detetive aqui é apenas um pretexto para explorar essas figuras e esgotar ideias e situações de “peixe fora d’água” desse policial yuppie de LA vagando pelos pântanos da Louisiana, tendo que trocar seu terno limpinho toda vez que se suja nas mais diversas situações.

E nesse sentido, DELTA HEAT é até mais interessante do que um filme policial mais tradicional. Henriksen, em especial, deita e rola com seu personagem, um sujeito fascinante, uma espécie de capitão gancho (que perdeu a sua mão com a bocada de um crocodilo) e que possui traumas por também ter perdido seu parceiro quando era policial. E se a química entre ele e Edwards não chega aos pés de um Mel Gibson e Danny Glover, na maior parte do tempo é eficaz, gera situações divertidas, com um humor que se encaixa estranhamente bem.

O filme também tem seus momentos mais calientes… Betsy Russell, musa dos anos 80 em filmes como PRIVATE SCHOOL, protagoniza algumas ceninhas com um toque especial. Sua personagem é filha do chefão que está supostamente morto, e acaba sendo um elo da investigação de Bishop. Mas o policial acaba tendo outros interesses pela mocinha, se é que me entendem. A sequência que ela o seduz, fazendo uma dança sensual com pouquíssima roupa é um dos destaques. E a cena que ela sai da cama completamente nua e passa pelos detestáveis ​​policiais locais que resolveram invadir o quarto é um dos pontos altos do filme. E ela está maravilhosa!

Sobre o diretor, Michael Fischa é um sujeito que filma bem pra cacete e com parcos recursos. Seu CRACK HOUSE (1989), produzido pela Cannon, é obrigatório. Ele fez também o cult de horror DEATH SPA (1988) e a comédia de horror MINHA MÃE É UM LOBISOMEM (1989). O fato desses filmes e DELTA HEAT não terem conseguido mais sucesso é um tanto lamentável, mas valem para demonstrar o talento do homem, um diretor subestimado, que filmou pouco, mas que merecia ser mais lembrado.

Mas vamos deixar claro por aqui que DELTA HEAT não é um MÁQUINA MORTÍFERA ou 48 HORAS. É apenas um bom filme de ação policial, com boa dose de humor. Um buddy cop movie torto, mas assistível e divertido, uma brincadeira memorável graças, sobretudo, aos dois personagens principais, Edwards e Henriksen, uma relação que por si só faz com que DELTA HEAT mereça sua atenção e que supera o enredo policial bobo e falho para oferecer entretenimento o suficiente para se justificar.

No Brasil chegou a sair em VHS com o título A CAMINHO DO INFERNO.

STORM TROOPER (1998)

Não, STORM TROOPER não é um rip-off de STAR WARS protagonizados pelos soldadinhos de armadura branca com a pontaria ruim da famosa franquia de George Lucas. Mas é um filme que eu não tinha assistido ainda do Jim Wynorski, figurinha carimbada aqui no blog e que, pra quem já conhece o cara, sabe que se trata de um mestre das picaretagens cinematográficas. Portanto, STORM TROOPER é sim um rip-off, mas de outra coisa bem diferente. É uma versão pobre de O EXTERMINADOR DO FUTURO e com ecos em ROBOCOP. Uhuu!

Vejamos: sujeito é um ciborgue, com porte físico grandalhão, com uma roupa de motoqueiro e pilotando uma motoca como no filme de James Cameron; no final, descobre-se que ele foi projetado para ser um policial perfeito, soltando todas diretrizes do policial do futuro do filme do Verhoeven; depois de uma explosão, ele surge com partes do esqueleto metálico por baixo da pele… É, não tem como não perceber de onde STORM TROOPER tava tirando uma casquinha.

E como um bom exemplar de Wynorski, o filme é essa mistura muito louca de sci-fi com filme de cerco, daqueles que personagens ficam encurralados num cenário e precisam lutar pra sobreviver (até porque esse tipo de coisa é bem mais barata de produzir), além de um drama pesado sobre perda, redenção e abuso doméstico inserido na trama pra dar um tom mais sério, com profundidade existencial.

STORM TROOPER começa com uma fuga, duas pessoas, um homem e uma mulher, escapam de um laboratório secreto do governo americano. Na troca de tiros pelos canais de tubulação – um desses cenários típicos que amamos nesse tipo de filme – um deles, a mulher, acaba alvejada e capturada e o outro (John Laughlin) consegue escapulir, com a rapaziada do governo na cola tentando pegá-lo em algumas tentativas insanas, perseguições de carro, caminhão, etc…

Mas o filme tem uma outra história paralela a essa. Um drama de uma dona de casa (Carol Alt) que vive um relacionamento abusivo com seu marido policial, vivido com entusiasmo ameaçador por Tim Abell, um habitual de Wynorski e do outro diretor parceiro dessa turma, Fred Olen Ray. Em determinado momento, durante uma discussão, essa pobre dona de casa, cansada da vida que leva, mata o seu marido com um tiro pelas costas.

E é neste ponto que as vidas do sujeito em fuga e a da dona de casa deprimida se encontram. E, obviamente, não demora muito, pessoas começam a aparecer no local em busca do fugitivo, que acaba se revelando nada mais, nada menos, que um ciborgue! E ele é muito bom em matar pessoas, então alguns mercenários barra pesada, liderados pelo Rick Hill (o protagonista do clássico DEATHSTALKER) são chamados pra resolver o caso. E aí STORM TROOPER começa realmente a arrebentar a boca do balão.

Parece tudo muito legal, mas vamos com calma. STORM TROOPER não é lá desses filmes que eu poderia dizer que é particularmente “bom”. Na verdade, é relativo. Como sempre, nesse universo do B movie americano dos anos 90, os filmes transcendem adjetivos de “bons” ou “ruins” para se tornarem experiências únicas… É evidente que o baixo custo geral da produção prejudica o filme e o impede de ser um espetáculo de ação do nível de um John Woo ou James Cameron, mas Wynorski faz o que pode dentro de suas limitações. E dentro de suas limitações, o cara é mestre.

Temos uma certa quantidade de efeitos pirotécnicos, ou seja, explosões, e os efeitos especiais práticos de maquiagem, embora pobres, são muito efetivos. Nada de CGI, é óbvio, tudo na base da criatividade e mão na massa. Em termos de ação, STORM TROOPER é bem movimentado. O filme entra de vez em quando em seus momentos de respiro, com alguns diálogos que demoram mais do que deveria, várias cenas burocráticas de politicagem entre militares, mas boa parte do tempo temos pessoas na tela atirando freneticamente enquanto o ciborgue do Laughin vai exterminando um a um com tiros, facadas e pescoços quebrados. Se a câmera de Wynorski não é virtuosa, ao menos tudo isso é filmado sem frescura.

E não poderia faltar, na boa e velha tradição de Wynorski, a utilização de imagens de outros filmes pra dar aquela economizada no orçamento. E desta vez o diretor utilizou stock footage de uma cena com um caminhão explodindo de um filme seu mesmo, 976-EVIL 2, de1991.

Mas o que realmente chama a atenção na grande maioria dos filmes do Wynorski é o elenco bacana que ele costuma reunir em suas produções. E aqui não é diferente. Claro, o destaque é Rick Hill, que não aparece tanto quanto deveria, mas rouba a cena e foi divertido vê-lo fazendo um papel badass depois de passar minha infância inteira vendo e revendo DEATHSTALKER num VHS original que eu tinha em casa. Conto mais sobre isso aqui. O cara é um canastrão de primeira linha, mas sempre vai ter a minha consideração. Além de várias figuras já citadas, ainda temos por aqui alguns habituais do cinema B, como Melissa Brasselle, Ross Hagen, Jay Richardson, Arthur Roberts, John Terlesky e, pasmem, Zach Galligan (o protagonista de GREMLINS) e o grande Corey Feldman, de tapa-olho, ao estilo Snake Plissken em FUGA DE NY.

Realmente a melhor coisa de STORM TROOPER é o elenco. É aquilo, se não posso dizer que é um filme particularmente bom, poder ver essa turma reunida é sempre um prazer.

Uma coisa que não curto muito em alguns filmes do Wynorski é quando ele trata o material a sério demais, costumam ser dos seus trabalhos mais problemáticos. Evidente que num currículo prolífico como o seu, com mais de cem filmes, eu acabo adorando vários dos exemplares sérios do homem. No entanto, eu acho que ele se sai bem melhor quando faz as coisas no deboche, mais puxado para o humor. E STORM TROOPER é muito mais sério do que poderia e isso atrapalha um pouco também o andamento das coisas. Melhora em vários momentos quando temos Hill e Feldman na tela; algumas ceninhas mais sarcásticas ali e aqui, como o desfecho, com a transformação cartunesca da personagem principal, que é algo maravilhoso. E a cena que Alt toma banho enquanto seu marido morto ainda está na banheira também é uma das melhores do filme, bem a essência do que poderia ter mais por aqui.

Aliás, por ser um filme do Wynorski, senti um pouco a falta de mais pele na tela. É dos poucos filmes do diretor nesse período que não mostra um topless sequer… Não que isso seja realmente necessário. Mas pra quem acompanha mais de perto a filmografia do diretor, cria-se certas expectativas com seu autorismo… Hahaha!

Mas tudo bem, entre pontos negativos e positivos, STORM TROOPER acaba se saindo de forma bem satisfatória. Pode ser sério demais, dramático demais, burocrático em alguns momentos e faltar uns peitinhos na tela, mas tem bastante ação, tiros, explosões (mesmo que de outro filme, mas inserido aqui na edição), ciborgues ao estilo O EXTERMINADOR DO FUTURO, e várias sequências bem divertidas envolvendo Rick Hill e Corey Feldman de tapa-olho. Fica evidente que Nenhum envolvido aqui estava pretendendo ganhar um Oscar. E não vejo outras intenções a não ser divertir o espectador por uns 80 minutos… Tá de bom tamanho.

URBAN MENACE (1999)

URBAN MENACE é um daqueles “filmes treta” do Albert Pyun, que, para quem já acompanha o blog há mais tempo, sabe que é um dos diretores favoritos do recinto. E pra quem conhece mais ainda a figura, sabe também que o sujeito vivia se metendo em encrenca pra fazer seus filmes. Neste aqui, Pyun deveria ir para a Eslováquia e fazer, em apenas 18 dias, uma antologia, filme com várias historinhas, de crime urbano. Em 1999 já não era muito modinha os chamados hood films, mas os anos 90 nos deu uma boa safra desse tipo de crime movie protagonizado por rappers metidos a gangster, mas era isso que o Pyun faria por aqui. E teria no elenco umas figuras como Snoop Dogg, Big Pun, Fat Joe, Ice-T, que também teria participação na trilha sonora, com trechos de um novo álbum que havia lançado na época…

Mas, enfim, sabem como é o Pyun. Em vez fazer o que foi contratado, um único filme, o sujeito resolveu fazer três longas metragens nesses 18 dias. Daí saiu este URBAN MENACE, CORRUPT e THE WRECKING CREW. Tudo reutilizando o mesmo elenco, locações e equipamentos. Ah, e fez os três filmes ao mesmo tempo, com os atores muitas vezes nem sabendo pra qual filme estavam fazendo tal cena em determinados momentos. Imaginem a qualidade dessas produções…

Independente dos resultados, Pyun conseguiu terminar a façanha no prazo. O problema foi na hora de voltar. Nessa entrevista que fizemos com ele há dez anos, Pyun nos conta que várias fitas miniDV com as filmagens foram perdidas pela Air France no transporte de volta para os Estados Unidos. Então, segundo ele, teve que finalizar apenas com a metade do que havia sido filmado de cada um. Na verdade, o que descobri depois de alguns anos, é que o diretor usou imagens de uma versão workprint do filme para substituir as partes que foram perdidas. Tanto que a janela dos filmes é em letterbox, pra esconder o timecode na parte inferior da tela. Mas, isso são detalhes. Embora expliquem porque a imagem do filme é uma bosta.

Não assisti ainda a CORRUPT e THE WRECKING CREW, mas URBAN MENACE eu parei aleatoriamente pra ver essa semana. E não me decepcionei. Esperava uma porcaria e o que vi foi exatamente isso. Uma porcaria. Mas é um filme tão ruim, mas tão ruim, que me peguei fascinado com sua inépcia, com sua imagem tosca, com as atuações e diálogos ridículos… Um exemplar de Pyun da pior espécie e, por isso mesmo, adorei.

O filme é uma mistura de gangsta/hood movie com elementos de horror. Começa com a cara do Ice-T olhando diretamente pra nós, como um narrador/comentarista social que fala para a câmera seu discurso, desferindo palavões e ameaças. É o que URBAN MENACE tem de melhor.

A trama é sobre um pastor (Snoop Dogg) que busca vingança contra o sindicato do crime local (chefiados por Big Pun & Fat Joe) pela morte de sua família e pelo incêndio de sua igreja. Não se sabe ao certo se o pastor morreu também no incêndio ou se é o fantasma (a resposta acaba sendo revelada mais pro final), mas seja o que for, ele se esconde num armazém abandonado e criminosos são enviados ao local para o matar. Na maior parte do tempo, Snoop Dogg age como uma entidade, um espírito que vaga pelos escombros e corredores do local levando a morte. E Pyun usa uns efeitos especiais e de edição da pior qualidade pra enfatizar o tom de ambiguidade nessa persona fantasmagórica de Snoop Dogg.

Mas quem seguimos realmente nessa história são três capangas (liderados por T.J. Storm), que passam o resto do filme andando em círculos pelos corredores do local procurando Snoop Dogg, ou correndo atrás dele quando o avistam (para ser mais específico, o dublê do Snoop Dogg)… E fica nisso, praticamente toda a narrativa se passa nesse armazém, com diálogos bestas, fotografia horrorosa e toda estourada, fora de foco, e os caras tentando pegar o Snoop. Pelo menos a trilha do Ice-T é maneira.

Quando o filme te leva pra outra situação, em outra locação, na base do sindicato do crime, com Big Pun e Fat Joe sentados conversando com seus capangas, a coisa piora ainda mais – ou melhora, dependendo do seu humor – e temos alguns dos piores trabalhos de câmera, edição, enquadramentos e mise en scene que já vi na vida. É de rolar de rir!

No final, todos os bandidos decidem invadir o armazém. Snoop Dogg faz uma chacina, dando tiro em todo mundo. É uma sequência até divertida, demonstra o velho Pyun experimental do cinema de ação de baixo orçamento, com resultado interessante. Tosco. Mas interessante… E, enfim, URBAN MENACE só tem 72 minutos. Contando os créditos. Claro, às vezes dá a impressão que possui 3 horas de duração, com os persoangens zanzando por um tempão pelos cenários e a cara do Snoop Dogg inserida na edição de forma ordinária. Mas tudo bem. Eu adoro essas porcarias, achei tudo engraçadíssimo, então gostei de URBAN MENACE. Só não vou recomandar e dizer que vale a pena assistir, porque tenho minhas dúvidas se até os leitores que gostam de uma tralha não se decepcionariam com isso aqui. Portanto, estejam avisados.

Curiosidades: Um dos bandidos também enviados ao local para matar o Snoop Dog é vivido por Vincent Klyn, o Fender, de CYBORG – O DRAGÃO DO FUTURO, a obra-prima de Pyun. E o roteiro, se é que podemos chamar esse lixo de roteiro, foi escrito por Tim Story, que alguns anos mais tarde dirigiria aqueles filmes do QUARTETO FANTÁSTICO dos anos 2000… Podem acreditar, URBAN MENACE é, pelo menos, melhor que esses aí.

Em breve comento também CORRUPT e THE WRECKING CREW, que provavelmente devem ser tão ruins quanto esse. Mal posso esperar!

007 À SERVIÇO SECRETO DE SUA MAJESTADE (1969)

Ainda não assisti ao último James Bond, 007 – SEM TEMPO PARA MORRER, mas lembro que já comentei aqui no blog alguns filmes da série na ordem cronológica:

007 CONTRA O SATÂNICO DR. NO
MOSCOU CONTRA 007
007 CONTRA GOLDFINGER
007 CONTRA A CHANTAGEM ATÔMICA
e COM 007 SÓ SE VIVE DUAS VEZES

Todos esses foram estrelados por Sean Connery, vivendo o papel do espião mais famoso do cinema. O filme seguinte é este 007 À SERVIÇO SECRETO DE SUA MAJESTADE, que é uma espécie de anomalia na franquia 007. Lembro que quando era moleque, acostumado com os filmes do Roger Moore que passavam exaustivamente nas tardes da TV aberta, achei este aqui muito estranho. Era como se eu não estivesse vendo um filme de 007, o que pra minha cabeça de guri era algo negativo e me sentia enganado… Mas não tenho certeza de quando começou, passei a conhecer mais a mitologia James Bond, e em um certo ponto da vida comecei a me sentir particularmente atraído por essa bizarrice aqui. Ainda assim, vamos notar que tem um bocado de coisas fora do lugar…

A começar pelo herói. Pela primeira vez na franquia oficial, James Bond não foi encarnado por Sean Connery. Mas até aí tudo bem, qualquer um poderia ter assumido o posto e dado sequência na franquia. Só que George Lazenby, a figura escolhida para substituir Connery, acabou fazendo apenas este aqui, o que contribui para o “corpo estranho” que é o filme dentro do cânone do espião britânico.

Lazenby, que foi também o único ator fora da Grã Bretanha a viver o papel (ele é australiano), foi escolhido para ser 007 após um encontro ocasional com o produtor Albert R. Broccoli, que o convidou para fazer uma entrevista e testes de cena. O sujeito era modelo, boa pinta, tinha presença, e, enfim, existe muito material que aborda a peculiar escolha de Lazenby e que vocês podem encontrar por aí para saber mais. Mas antes mesmo de À SERVIÇO SECRETO DE SUA MAJESTADE estrear nos cinemas, o ator recusou a sequência, 007 – OS DIAMANTES SÃO ETERNOS, cujas razões existem versões aos montes: alegou que o espião era muito anacrônico e não estava em sintonia com a contra-cultura da época; outra versão diz que o contrato era muito rígido e exigente, para sete filmes, e ele também queria tentar outros papéis… No entanto, uma das versões mais frequentes que se ouve por aí é de que os próprios produtores se desentenderam com Lazenby, e como a bilheteria de SUA MAJESTADE não foi lá grandes coisas resolveram trazer Sean Connery de volta… 

Outra característica deste sexto filme da franquia que o torna uma anomalia é que ele se esquiva de alguns elementos habituais e dos exageros acrobáticos que a série vinha se definindo ao longo de cada filme até aquele momento. COM 007 SÓ SE VIVE DUAS VEZES já dava pra perceber que o tom de aventura pitoresca, exagerada e fantasiosa já tinha se estabelecido, com suas vastas sequências de ação cartunescas e tramas mirabolantes. Mas sabe-se lá porquê, parecem ter decidido que SUA MAJESTADE precisava ser um pouco mais sério. E é evidente que ao tentar reduzir os absurdos bondnianos, acaba reduzindo também o que torna filmes 007 o que eles realmente são. Uma das coisas mais significativas pra mim é a falta da música tema durante os créditos iniciais. Temos a canção “We Have All the Time in the World“, que foi a última que Louis Armstrong gravou – e viria a falecer dois anos depois – mas foi a primeira vez na franquia que não incluíram a música nos créditos de abertura (exceto, claro, DR. NO que é tocado basicamente o tema oficial de James Bond).

A própria trama do filme é mais, digamos, intimista, sem grandes ameaças de escala global, como nos filmes anteriores. Bond salva uma mulher que tenta se suicidar em uma praia deserta e acaba se envolvendo com ela. Mais tarde, descobre que ela é a notória Condessa Teresa di Vicenzo , ou simplesmente Tracy (interpretada por Diana Rigg), como gosta de ser chamada, filha do criminoso Marc Ange Draco, que passa a ser um aliado do espião britânico para combater a organização secreta Spectre e, ao mesmo tempo, localizar o paradeiro do chefe dessa organização, Blofeld (aqui vivido de forma maravilhosa por Telly Savalas), que escapou de 007 no filme anterior. Bond se disfarça de genealogista com o pretexto de se infiltrar e investigar a clínica de pesquisa de alergia de Blofeld, no alto dos Alpes suíços. E é basicamente nesse cenário exótico que o enredo transcorre.

Bom, quer goste ou não desse estilo mais pé no chão de Bond, ou do Lazenby no papel principal, definitivamente isso acaba não influenciando o meu gosto pelo filme e pelo personagem em SUA MAJESTADE. Neste universo mais “realista”, o espião se torna mais identificável e, de certa forma, mais carismático pra mim. Acho que, a essa altura, seria complicado explorar de maneira mais próxima a persona de Bond com Sean Connery cansado de viver o personagem, como já era visível em SÓ SE VIVE DUAS VEZES, o que o transformava em apenas um herói acidental. Aqui, com Lazenby, parece ter um certo frescor. Tudo sobre o personagem de James Bond e que tipo de pessoa ele é devido ao que faz é melhor trabalhado. Vê-se claramente suas motivações na trama: encontrar seu arquiinimigo Blofeld e casar com a bond girl Tracy, por quem se apaixona. O que nos leva a outro detalhe bizarro por aqui que o diferencia do que era visto até então, que é o súbito interesse de Bond pela monogamia. O que não impede de realizar a difícil tarefa de ir pra cama com várias mulheres, obviamente. No entanto, por estar apaixonado por Tracy, o filme desenvolve um maior sentido de consequência emocional em comparação aos episódios anteriores nos relacionamentos de Bond. Sobretudo com o desfecho trágico e dramático que o filme possui. Certamente o momento mais sombrio de toda a franquia 007.

Mas além de ser um dos Bonds mais emocionalmente fortes, SUA MAJESTADE também tem algumas das melhores sequências de ação da série. Tiroteios, algumas ceninhas de luta, e MUITAS perseguições. Uma das minhas favoritas é a perseguição noturna de esqui, com Bond descendo pela encosta da montanha onde fica a clínica de Blofeld. O vilão e seus homens o perseguem e Bond tem de suar pra sair vivo do local, matando vários capangas no processo. Não é uma sequência tão extravagante. Como já ressaltei, este filme é um bocado mais “realista”. Mas a ação é ótima, tem um sentido de escala e energia cinematográfica que ainda faz funcionar mesmo mais de meio século depois. Simples, bem filmada e sem frescuras. Essa sequência vai parar num outro cenário onde a ação continua frenética, quando Bond encontra Tracy numa cidadezinha, mas os homens de Blofeld ainda estão atrás dele. Tracy acaba dirigindo no meio de uma corrida de carros e acaba causando um caos na pista. Pra mim, uma das melhores cenas de ação em qualquer Bond Movie.

Há ainda outro momento clássico de perseguição que envolve Bond na cola de Blofeld em um trenó num clímax deflagrador. Enquanto os dois voam numa pista de gelo, Bond tenta atirar em Blofeld e este arremessa granadas de seu próprio trenó. O negócio é que, elogiar a ação de SUA MAJESTADE, é elogiar também seu diretor, Peter H. Hunt, que fazia sua estreia na função por aqui, embora para esse tipo de sequência mais movimentada o sujeito já fosse um mestre, tendo atuado como editor, assistente de diretor ou diretor de segunda unidade em TODOS os 007 anteriores. O cara era bruto! O cinéfilo que aprecia um bom filme de ação old school vai lembrar de um dos maiores clássicos de Hunt, PERSEGUIÇÃO MORTAL (81), um filmaço classudo em que Lee Marvin persegue Charles Bronson num cenário coberto de neve…

Mesmo nos momentos sem ação, Hunt sempre parece saber onde colocar sua câmera para manter as coisas atrativas, seja enquadrando as cenas mais íntimas entre Bond e Tracy ou seja a viagem de helicóptero para os Alpes, na qual ficamos acompanhando tudo o tempo todo com Bond, vendo as imagens das várias estações de esqui próximas de sua perspectiva. Por falar em gente foda, a fotografia de Michael Reed é excelente. Facilmente um dos filmes mais bonitos do espião até aquele momento. Desde a sequência inicial, uma cena de luta na praia, com suas sombras densas e escuras, até as maravilhas das paisagens dos Alpes Suíços, há muito para se olhar por aqui e admirar. John Glen foi o editor, outro cabra foda, que depois também viria a dirigir alguns filmes da série já na fase com Roger Moore e Timothy Dalton. E manda muito bem por aqui, é o Bond Movie mais freneticamente editado até então, muitas vezes utilizando várias câmeras simultâneas para cortar rapidamente entre os planos, especialmente na ação, o que o torna visualmente empolgante. Glen também exibe sua habilidade em montar sequências mais tensas, como a do escritório do advogado Gumbold, bem ao estilo Hitchcock de fazer suspense.

Eu preciso de um pequeno parágrafo que seja para falar do grande Telly Savalas como Blofeld. O sujeito é um vilão e tanto. Segurando seus cigarros do seu jeito característico, exala esse mal diferente de qualquer outro vilão de Bond – certamente diferente de um Donald Pleasance, o Blofeld do filme anterior, que também está genial, mas que não deixa ser uma caricatura. Aqui Savalas faz um trabalho dinâmico, adicionando uma leve camada de ameaça até mesmo numa conversa casual. O primeiro encontro de Blofeld com Bond é um desses momentos especiais do filme. E vale destacar Tracy de Diana Rigg, para além de sua importância no cânone. Ela também parece ser a mais empoderada de todas as Bond Girls do período. É evidente que na ação final acabe de fora, mas ela chega a derrotar um brutamontes sozinha, sem ajuda de ninguém, e ainda é ela quem está ao volante na sequência de perseguição na pista de corrida. O que já é um avanço.

Existem alguns problemas menores em SUA MAJESTADE. O ritmo desacelera um pouco durante um bom tempo na clínica de Blofeld, e a duração do filme acaba parecendo um pouco longa demais. Mas nada que impeça de SUA MAJESTADE ser um dos meus Bond Movies favoritos de toda a franquia. Pode ter lá suas peculiaridades, ser uma anomalia, e até não ter o melhor Bond nele – eu não cheguei a falar muito sobre isso, mas deixo claro que eu até gosto do Lazenby, ele tem presença, um certo charme e é bom nas sequências de ação, mas convenhamos que não chega aos pés de Connery. Entretanto, no que diz respeito ao thriller de espionagem que o filme é e o que representa à mitologia de James Bond, definitivamente 007 À SERVIÇO SECRETO DE SUA MAJESTADE tá numa posição privilegiada no meu ranking 007, um lugar especial onde poucos outros filmes da franquia habitam (um dia eu posto meu top 10 James Bond por aqui)… E olha que eu gosto praticamente de todos os filmes da série do espião britânico. Mas, como dizem os jovens, este aqui é top.

CAÇADA MORTAL, aka CAÇADOR DE MORTE (1978)

Walter Hill disse certa vez que o roteiro de CAÇADA MORTAL (The Driver) foi o mais puro que já escreveu. A história é simples: Ryan O’Neal (em um papel escrito para Steve McQueen) é um motorista especializado em fugas de assaltos. Bruce Dern é o detetive na sua cola.

E é isso.

Alguns detalhes de trama são acrescentados, como a mulher misteriosa interpretada por Isabelle Adjani, que faz um meio de campo entre os dois sujeitos; há perseguições de carros, assaltos, traições… Mas a narativa é de um minimalismo tão absurdo que Hollywood não estava lá muito acostumada num filme de gênero. Não é surpresa, portanto, notar que CAÇADA MORTAL foi bem recebido na Europa, mas na América foi um fracasso financeiro e de crítica.

Mas CAÇADA MORTAL conseguiu se induzir na consciência coletiva e se tornar um modelo para diretores e alguns dos melhores thrillers americanos que vieram posteriormente. Podemos citar produções mais recentes, como DRIVE, de Nicolas Winding Refn, e BABY DRIVER, de Edgar Wright (esse nem gosto tanto, mas é divertido), mas olhando mais pra trás dá pra notar sua influência em diretores como Michael Mann – que chegou a cogitar Walter Hill para dirigir sua obra-prima, FOGO CONTRA FOGO (foi recusado pelo próprio Hill… Ainda bem) – até Quentin Tarantino, que chamou de um dos filmes mais cool de todos os tempos. James Cameron já afirmou algumas vezes que tinha CAÇADA MORTAL em mente quando escreveu O EXTERMINADOR DO FUTURO. Até nos videogames também há quem se apoderou do filme, como o clássico Driver, lançado para o Playstation 1, onde jogamos com um motorista de fuga da máfia em altas perseguições. A relação do jogo com o filme nunca foi assumida, mas é muito óbvia e pode ser facilmente percebida, especialmente quando o jogador dirige o mesmo modelo Chevy vintage visto por aqui.

Enfim, acho que não preciso dizer mais nada sobre a importância de CAÇADA MORTAL, não é mesmo?

Além disso, é um puta filmaço que fala por si só. Um filme sobre um homem que é aquilo que faz. Nos créditos finais Ryan O’Neil aparece sem nome, apenas como The Driver, O Motorista (assim como Dern aparece como The Detective e Adjani como The Player). E dirigir é como o motorista se expressa. O carro é quase uma extensão física e psicológica dele.

Há uma sequência – provavelmente a minha favorita do filme – quando uns ladrões o desafiam, perguntando se ele é realmente tão bom no volante antes de contratá-lo para um golpe. E o motorista não argumenta, não é agressivo, não parte pra briga. Apenas diz a eles para entrarem no carro. E então ele começa as fazer manobras em alta velocidade dentro de um estacionamento, até iniciar a destruição da ostentosa Mercedes, peça por peça, com o veículo ainda em movimento e os donos do carro desesperados no banco de trás. Acho que é algo que define bem esse personagem. O motorista diz apenas 350 palavras no filme inteiro, mas por detrás de um volante, ele fala muito.

Hill, portanto, leva ao extremo essa ideia de uma linha narrativa com enredos minimalistas em filmes que mais declinam do que reproduzem um gênero, sobretudo nesse início de carreira. É como se com Walter Hill os personagens vão do ponto A ao ponto B em uma economia tanto narrativa quanto de meios visuais e psicológico na caracterização dos personagens que se definem apenas na ação. Essa lógica é trabalhada por aqui nos personagens, como já mencionei, mas também tanto numa forma de atemporalidade quanto na criação de uma espécie de realidade alternativa.

Se o diretor posteriormente moldou esse tipo de realidade de forma mais concreta – o universo das gangues de THE WARRIORS, a ambientação retro-futurista de RUAS DE FOGO – com CAÇADA MORTAL ele cria uma terra de fantasia estilizada, emoldurada na sensação dos anos 70, um mundo de pessoas que usam as mesmas roupas, de indivíduos que falam pouco, mas dizem muito com os olhos – a influência do cinema policial francês aqui é óbvia, especialmente Jean-Pierre Melville – uma espécie de film noir misturado com a ilegalidade do faroeste, com fugas e perseguições envolvendo carros em vez de cavalos. Walter Hill, assim como John Carpenter, acredita que todos os seus filmes são essencialmente faroestes.

Ryan O’Neal é uma escolha curiosa para este samurai/cowboy moderno de CAÇADA MORTAL. É um ator mais brando e Hill sabe como usar isso em proveito do filme. É evidente que se McQueen tivesse aceitado o papel ou um Clint Eastwood assumisse o personagem, talvez a recepção local fosse maior na época. Mas a performance sem emoção, bressoniana, de O’Neal ajuda a dar a seu personagem uma aura de frieza e mistério. Para criar contraste, Hill dá a O’Neal um adversário extravagante e expressivo na forma de Bruce Dern, que interpreta o obcecado em capturá-lo. É uma combinação caótica, e o filme explora perfeitamente os estilos de atuação extremamente diversos desses dois grandes atores. Já a francesa Adjani é o mistério em pessoa, uma espécie de femme fatale gélida, quase uma entidade, que vaga por esses polos.

Como não poderia faltar, CAÇADA MORTAL tem sequências de ação de arrepiar os cabelos, uma maestria com trabalho de câmera que traz o espectador para dentro da ação. As cenas de perseguição estão no mesmo nível e talvez até melhores que algumas das sequências mais famosas do tipo, como a de BULLITT e OPERAÇÃO FRANÇA.

Mas o filme é ancorado mesmo pela disputa desses dois homens em lados opostos da lei, o motorista e o detetive, cada um tentando ser mais esperto que o outro. No meio de perseguições de carros e do jogo de gato e rato desses dois, Hill cria o que poderia ser descrito como uma obra de travessura existencial. Em menos de 90 minutos, o filme funciona não apenas como uma exploração em profundidade das coisas que motivam esses indivíduos a fazer o que fazem, mas também funciona como um interessante estudo de sobrevivência, com ideias que transcendem o típico filme de mocinhos vs. bandidos. O viés minimalista é que também faz maravilhas e contribui muito nesse sentido. Até as partituras tensas do mestre da paranóia dos anos 70, Michael Small, dá lugar a uma “trilha sonora” cheia de pneus cantando e latarias amassadas. A irônica conclusão resulta em algo divertido e abstrato (a aparição final de Bruce Dern e uma horda de policiais) e o final sugere o que será um ciclo sem fim para esses sujeitos, numa espécie de purgatorio onde esses personagens habitam e ficam girando em círculo eternamente.

CAÇADA MORTAL é provavelmente a obra-prima de Walter Hill, que é um desses caras fodas que possuem várias obras-primas no currículo. E se você ainda não viu, acredito que vai ser uma boa experiência, vai estar diante de uma bela surpresa.


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TRAGAM-ME A CABEÇA DE ALFREDO GARCIA (1974)

Teve uma época da vida que eu assisti a TRAGAM-ME A CABEÇA DE ALFREDO GARCIA pelo menos umas dez vezes num curto espaço de tempo, de tão fascinado que fiquei por este petardo de Sam Peckinpah. Eu andava a descobrir seus filmes e quando cheguei neste aqui era como se eu não quisesse mais sair dele. Mas isso já tem muito tempo e eu fiquei afastado por um longo período. Chegou a hora de revisitar…

Só que ao mesmo tempo em que trata-se de uma obra que gera tanto fascínio, TRAGAM-ME A CABEÇA DE ALFREDO GARCIA é o tipo de filme que é preciso de uma sessão de descarrego logo depois que os créditos finais aparecem na tela. Ou, no mínimo, um banho. Tamanho é o mergulho na atmosfera de decadência, miséria e imundice das suas imagens. Provavelmente reflexo da posição precária que Sam Peckinpah se encontrava quando fez este filme tão pessoal.

A sua trajetória até ALFREDO GARCIA é conhecida: alguns anos antes, o homem havia garantido um lugar de destaque na indústria depois de MEU ÓDIO SERÁ SUA HERANÇA (1969), filme que até hoje considero sua obra-prima e que já devo ter revisto mais vezes que este aqui, mas como se sabe, a personalidade difícil de Peckinpah e seu eterno gosto pelo álcool, o vício em drogas e paranóia começaram a se tornar mais perceptíveis com o passar dos anos.

A recepção crítica e o sucesso de bilheteria se alternavam. Seu thriller filmado na Inglaterra, SOB O DOMÍNIO DO MEDO (1971), com Dustin Hoffman, foi muito bem recebido, mas veículos “menores” como THE BALLAD OF CABLE HOGUE (1970) e JUNIOR BONNER (1972) passaram mais ou menos despercebidos. E logo depois, mais um sucesso, com um OS IMPLACÁVEIS (1972). Um Peckinpah cada vez mais cínico chegou à conclusão de que o público só queria violência em câmera lenta… Quando abordava motivos com mais sensibilidade, que são os casos de CABLE HOGUE e JUNIOR BONNER, a coisa não ia tão bem. Pelo visto, a percepção de “Bloody” Sam estava certa.

Donnie Fritts, Sam Peckinpah e Kris Kristofferson em locação de TRAGAM-ME A CABEÇA DE ALFREDO GARCIA

O fracasso de seu PAT GARRETT & BILLY THE KID (1973), que foi todo retalhado e recosturado pelo estúdio, foi a gota d’água e deixou Peckinpah amargurado a tal ponto que decidiu trabalhar fora do sistema de estúdio em uma tentativa de recuperar o controle criativo. Para a sua sorte, a United Artists – conhecida por ser indulgente com “cineastas autores” naquela época – deu-lhe dinheiro suficiente para fazer seu próximo filme no México com uma equipe totalmente mexicana, exceto um ou outro membro… E aí chegamos em TRAGAM-ME A CABEÇA DE ALFREDO GARCIA, um western moderno visto como uma das declarações mais pessoais – e radicais – de Peckinpah, embora o produto final peculiar tivesse deixado o público frio e os críticos da época um bocado perdidos.

Independente disso, aqui está uma obra AUTORAL, que de acordo com Peckinpah, foi o único filme que realizou que saiu do jeito que ele queria, sem interferência de influências externas e de produtores. O mais próximo de um “Peckinpah puro”.

Peckinpah coloca seus óculos entre os seios de Isela Vega nas filmagens de TRAGAM-ME A CABEÇA DE ALFREDO GARCIA

Na verdade, “sem influências externas” entre aspas, porque muita “influência” foi ingerida pra dentro de Peckinpah e durante as filmagens não era muito difícil ver o diretor dando umas surtadas ou caindo de bêbado, sempre entupido de álcool ou drogas, tornando o resultado deste filme um raro exemplarar daquela coisa fugaz e maravilhosa que é uma obra de arte verdadeiramente psicótica. O filme marcou o fim de uma espécie de período áureo da carreira de Peckinpah, antes que seus demônios o dominassem de vez e o controle criativo fosse novamente podado – ainda que grandes filmes tenham vindo depois na sua filmografia.

A trama de TRAGAM-ME A CABEÇA DE ALFREDO GARCIA começa quando El Jefe (Emilio Fernandez), um poderoso fazendeiro mexicano, descobre a identidade do homem que engravidou sua filha e emite uma ordem para que a cabeça do sujeito seja entregue a ele a um alto preço. O alvo é Alfredo Garcia. Dos envolvidos na busca, seguimos um casal de assassinos gays americanos (Robert Webber e Gig Young) que começa a revirar o submundo da Cidade do México, mostrando a foto de Alfredo. Eventualmente, entram em um bar onde encontram um “pianista” americano chamado Bennie (Warren Oates), que acredita poder ser capaz de ajudá-los. Bennie, na verdade, conhece bem Alfredo, sabe que ele tem um caso com sua “namorada”, a prostituta Elita (Isela Vega), e sabe que pode ganhar uma boa grana entregando o sujeito aos americanos. O problema é que ao conversar com Elita, Bennie descobre que Alfredo já está morto.

Com a intenção de encontrar o corpo, Bennie faz um trato com os assassinos de que entregará a cabeça de Alfredo Garcia por uma boa grana. E parte então em uma viagem com Elita, uma jornada pelo México em busca do local onde homem está enterrado, o que obviamente não vai terminar como planejado. Com todas as esperanças destruídas, Benny, sozinho, acaba carregando a cabeça podre de Alfredo Garcia em um saco pelo deserto enquanto assassinos o perseguem. A reação de El Jefe à entrega da cabeça deve ter sido exatamente a mesma dos produtores quando Peckinpah entregou o filme. O mal-estar existencial dos anos 70 no seu melhor.

O absurdo da odisséia de Benny e Elita é exacerbada por contrastes. Momentos de pura delicadeza se transformam em rompantes de violência em questão de segundos. Logo no início da viagem, por exemplo, há uma longa sequência bucólica onde os amantes se enlaçam debaixo de uma árvore que termina por Benny propondo Elita em casamento. Mais tarde, eles topam fazer um piquenique à beira da estrada. Toda esta seção do filme, que concentra na relação danificada entre os pombinhos, acaba culminando na sequência dos dois motoqueiros (incluindo Kris Kristofferson) aparecendo no local para ameaçá-los. O que dá a Peckinpah a oportunidade de um desses momentos complexos que pontuam sua carreira, deixam as pessoas com a pulga atrás da orelha, bradado de misógino. Evidente que estamos falando da cena do quase “estupro consentido”, que reserva à Elita um papel pelo menos tão ambíguo quanto o da esposa de Dustin Hoffman, vivida por Susan George, em SOB O DOMÍNIO DO MEDO. E é provável que Isela Vega tenha o desempenho feminino mais forte já visto num filme de Peckinpah.

O ritmo do filme vai ganhando em intensidade – e ficando mais subversivo e amoral – à medida em que se aproxima do momento no qual Bennie precisa desenterrar aquela cabeça. Ao longo do caminho, os corpos vão se acumulando. Se estamos acostumados no cinema a ver pessoas atirando uns nos outros para salvar uma cabeça, em ALFREDO GARCIA os indivíduos fazem isso para obter uma cabeça já cortada… Depois, a força do filme passa a ser conseguir fazer essa cabeça cortada e carregada dentro de uma sacola de lona coberta de moscas um personagem por si só. Sobretudo nas sequências em que Warren Oates está ao volante de seu velho carro amassado, travando discursos e praguejos em direção à cabeça, a quem apelida carinhosamente de “Al”. Há aqui um certo humor diante da bizarrice que é a situação, mas que não consegue perdurar. É tudo muito sombrio e trágico para se achar engraçado.

E obviamente é preciso destacar aqui o desempenho de Warren Oates, que está monumental, provavelmente o maior papel que o sujeito já teve na vida. E estamos falando de um dos gigantes do cinema americano dos anos 70. Aqui ele possui uma presença absurda em cena, todo ensebado, esfarrapado, usando os óculos escuros enormes do próprio Peckinpah, e que quase nunca os remove da cara. Há uma sequência que seu personagem acorda no seu cafofo e começa a jogar tequila vagabunda nas partes íntimas, depois de passar a noite com Elita, tentando desesperadamente acabar com os carrapatos que o estão matando de coceira. É o tipo de herói que Peckinpah tinha para oferecer no momento…  

Lá pelas tantas, o objetivo principal de Benny na trama se torna inútil, pra não dizer niilista, com sua obsessão indo muito além do dinheiro que ele tanto almejava. Agora, o que ele quer é encontrar resposta, sentido, algo que justifique toda a loucura. “Eu nunca estive em nenhum lugar que gostaria de voltar”, diz ele em num certo momento; e o filme parece ser um bocado sobre isso, sobre este indivíduo arriscando tudo para não prosseguir neste mundo, apesar de acabar sempre atraído de volta pra toda a loucura que está acontecendo, atraído como as moscas que circulam em torno da cabeça de Alfredo Garcia, a tal ponto que o fedor da morte, da desgraça, parece que nunca sairá totalmente. Até o espectador se sente impregnado…

Mas indo contra o que Benny disse, a sequência final de TRAGAM-ME A CABEÇA DE ALFREDO GARCIA nos leva de volta ao ponto de partida, no rancho de El Jefe. Bennie ainda não esteve lá, mas nós já estivemos e esse retorno nos leva às raízes da loucura, um lugar de onde não há saída e tudo o que resta a ser feito é continuar avançando, mesmo à base de balas, enquanto ainda é possível, sabendo como isso vai acabar. Os últimos cinco minutos do filme são tão verdadeiros consigo mesmos quanto em qualquer filme já feito.

Por mais massacrado que tenha sido pela crítica na época, o filme teve seus defensores – Roger Ebert, por exemplo, deu-lhe quatro estrelas e chamou-o de “obra-prima bizarra”. E como o culto a Peckinpah cresceu ao longo das décadas e hoje permanece vivo no coração de qualquer cinéfilo que queira manter o respeito, a reputação de TRAGAM-ME A CABEÇA DE ALFREDO GARCIA cresceu à medida em que fica claro o retrato feio, imundo e decadente do universo que é apresentado aqui juntamente com a beleza e poesia que pode ser encontrada nessa feiura. E eu não poderia deixar de finalizar citando Carlão Reichenbach sobre Peckinpah e o filme em questão, o qual considerava uma obra-prima às avessas: “Sua obra quase teratológica parecia purgar a raiva atávica, revelando um mundo sórdido onde só cascavéis e escorpiões pareciam ter alma.

OPERAÇÃO YAKUZA (1974)

O roteiro original de OPERAÇÃO YAKUZA (The Yakuza), de Sydney Pollack, foi escrito por Leonard e Paul Schrader em uma tentativa desesperada de vender algo comercial. Eles estavam falidos e escreveram o roteiro em poucas semanas. Por sua vez, o agente deles conseguiu vender o roteiro, brilhantemente apresentado como uma mistura de O PODEROSO CHEFÃO com Bruce Lee, e os Schraders levaram para casa 300 mil dólares – um recorde de venda de roteiro na época. Robert Towne foi trazido depois só para dar aquela refinada, aquela reescrita marota eficaz com sua voz mais sensível, mas a essência pertence à psique dos Schraders, com um debruce sobre honra errática e disciplina rígida. E que não tem nada a ver nem com O PODEROSO CHEFÃO, muito menos com Bruce Lee…

A trama é centrada, na maior parte do tempo, em Harry Kilmer, interpretado pelo maior de todos, Robert Mitchum, enquanto ele retorna ao Japão para ajudar um velho amigo, George Tanner (Brian Keith), a resgatar sua filha das garras da Yakuza. Eu disse retornar porque Kilmer já tem um histórico no Japão de longa data e muitas pontas soltas para atar… Como, por exemplo, reencontrar a japonesa Eiko Tanaka (Keishi Keiko), que foi o seu grande amor, e encarar seu irmão, Ken Tanaka (o lendário Ken Takakura), que o odeia. Isso leva a uma complexa trama de conflitos internos do personagem de Mitchum, que acrescenta um ingrediente a mais dentro da jornada de violência pelo submundo de Tóquio na qual ele tem que percorrer.

Vários diretores foram cogitados para dirigir OPERAÇÃO YAKUZA e acabaram sendo preteridos ou pulando fora do barco (Frankenheimer, Aldrich, Scorsese), até parar nas mãos de Sydney Pollack, que na época era um dos mais interessantes do cinema americano. Mesmo que pareça uma escolha estranha para este tipo de material, que é um autêntico noir yakuza, um petardo badass, sobretudo depois do sucesso do romance NOSSO AMOR DE ONTEM (1973), com Robert Redford e Barbra Streisand, que o diretor havia lançado um ano antes. Mas Pollack provou que podia transitar perfeitamente entre gêneros e, olhando em retrospecto, é notável como ele contribuiu para definir o modelo de thriller dos anos 70 com filmes como OS TRÊS DIAS DO CONDOR ( 1975). E OPERAÇÃO YAKUZA é um prólogo perfeito para suas habilidades. No entanto, Pollack dizia que não queria fazer um filme de “gênero” do jeito que Schrader imaginou. Por isso a presença de Towne no roteiro, para alinhar as coisas com a visão dramática de Pollack.

E, obviamente, o talento de Pollack para dirigir grandes atores é um diferencial e faz do elenco de OPERAÇÃO YAKUZA um dos destaques. Posso dizer com toda segurança que é uma das grandes atuações de Robert Mitchum. A vulnerabilidade de seu personagem, que tenta posar de durão, raramente foi tão complexa, tão fascinante. Nesse sentido, só deve ficar abaixo de seu desempenho em OS AMIGOS DE EDDIE COYLE, de Peter Yates. Gosto bastante do persoangem de Richard Jordan, um desses rostos frequentes do cinema dos anos 70 que acabou esquecido. Aqui ele faz Dusty, um jovem guarda-costas sensível impressionado pelos códigos de honra japoneses.

Depois há Ken Takakura, uma dos maiores astros do Japão e que mantém sua aura cool intacta durante o filme todo. Não é um personagem que fala muito, mas seu rosto taciturno, de poucas expressões, diz muito mais que palavras. E o homem sabe como manusear uma katana. Juntos, Mitchum e Ken têm uma química que surge do improvável e ganha contornos de tragédia com algumas revelações ao longo da trama. A oferta de Mitchum para o sujeito nos minutos finais do filme é digna de antologia nas carreiras desses dois gigantes do cinema.

Lindamente fotografado por dois diretores de fotografia, Duke Callaghan (nas poucas sequências que se passam nos EUA) e Kozo Okazaki (no restante do filme), OPERAÇÃO YAKUZA também recria fielmente as composições widescreen habituais do cinema japonês. E Pollack aproveita bem tudo que compõe, nos mínimos detalhes, a construção desse universo, seja à nível estético dos ambientes, das ruas, da arquitetura, seja à nível cultural e filosófico. O sujeito tava inspirado por aqui, provavelmente OPERAÇÃO YAKUZA é a melhor produção americana a fazer a ponte EUA-Japão.

Pollack se destaca até mesmo na ação. Temos várias sequências de lutas, tiros, filmadas de forma classuda. A violência é ao mesmo tempo estilizada, mas com um peso dramático realista. Quando alguém é perfurado por uma espada, tremem e murmuram enquanto morrem; conforme membros são cortados, os personagens mostram náusea e repulsa; enquanto as balas voam no caos que é um tiroteio, as pessoas gritam e tropeçam desajeitadamente (é bem provável que Pollack tenha assistido a algum filme de Kinji Fukasaku do período). O confronto final em uma base da yakuza é puro cinema, são quase dez minutos de tensão, com a katana de Takakura fazendo um estrago, enquanto Mitchum distribui bala pra todo lado. Uma das grandes sequências de ação dos anos 70.

Fiquei feliz de saber que o DVD nacional, que foi por onde revi esse filmaço, vem com comentários de Sydney Pollack. Ele demonstra bastante orgulho de OPERAÇÃO YAKUZA e o considera um de seus melhores filmes. Eu não tenho como discordar. É disparado o meu filme favorito do homem.

THE STREETFIGHTER (1974)

Morreu Sonny Chiba, um dos maiores astros do cinema de gênero. Aproveito para republicar esse textinho que escrevi na época para o finado Action News sobre o clássico cult japonês THE STREETFIGHTER, de Shigehiro Ozawa, um dos meus filmes de artes marciais de cabeceira. Na ocasião, tinha acabado de rever na tela grande, numa mostra de cinema de Kung Fu que rolou em São Paulo, em 2017. Me senti como Christian Slater levando Patricia Arquette ao cinema em TRUE ROMANCE, de Tony Scott. Mas sem a Patricia Arquette…

Quando o filme começa, somos apresentados a Takuma Tsurugi (Chiba) se passando de monge budista dentro de uma prisão, para fazer um agrado a um prisioneiro condenado no corredor da morte, chamado Tateki Shikenbaru (Masashi Ishibashi). Tsurugi é um dos anti-heróis mais infames e desprezíveis da história dos filmes de luta! E Shikenbaru sente o cheiro de sujeira, percebe que Tsurugi é qualquer coisa, menos um monge, e já parte para a porrada. Mas o famigerado Tsuguri revela que, na verdade, está do lado do seu oponente… Mesmo depois de lhe aplicar uns bons golpes.

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Tsurugi dá a Shikenbaru um soco secreto de karatê que o coloca em um breve coma. O sujeito, na real, foi contratado para impedir que Shikenbaru seja executado. E os efeitos de seu soco especial só dão resultado instantes antes do condenado ter a corda colocado no pescoço pelo carrasco. Segundo a lei, mesmo prestes a ser enforcado, o prisioneiro tem direito a atendimento médico caso seja necessário. E Shikenbaru aparentemente está muito mal… Chamam uma ambulância e ele é levado para um hospital. No caminho, acaba interceptado pelo companheiro fiel de Tsurugi, Rakuda Zhang (Goishi Yamada), que desce o porrete nos motoristas da ambulância e foge de lá no veículo com Shikenbaru ainda em coma.

Foi o casal de irmãos de Shikenbaru que pagou Tsurugi para tirá-lo da prisão. No entanto, quando os irmãos aparecem no apartamento de Tsurugi procurando Shikenbaru, ele informa que enviou o sujeito para algum lugar seguro em Hong Kong. E na hora de realizar o pagamento, o casal explica que não tem o restante do dinheiro do resgate. Tsurugi fica furioso e inicia uma peleja com os dois e os resultados são trágicos. O irmão mais novo de Shikenbaru acidentalmente cai da janela e morre. E para melhorar ainda mais a situação, Tsurugi, um sujeito muito prático para resolver as coisas, vende a irmã de Shikenbaru para o mercado de prostituição como escrava sexual para compensar seu insulto. Agora, vocês têm uma noção porque Tsurugi é considerado um patife escroto filho da puta… E mesmo assim torcemos por ele durante todo o filme.

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É preciso dar certa ênfase no arco do personagem de Shikenbaru, como veremos a seguir, mas o fio condutor de THE STREETFIGHTER é outro, completamente diferente. É legal notar como o filme não é apenas pancadaria e que por trás de tudo há uma trama bem contada e elaborada que torna o filme muito mais interessante. O que rola, na verdade, é que um tal de Mataguchi (Fumio Watanabe) deseja contratar Tsurugi para um trabalho. Um barão do petróleo chamado Hammett faleceu e toda sua fortuna foi herdada por sua adorável filha, Sarai (Yutaka Nakajima). Os empregadores de Mataguchi são um braço da Yakuza em Hong Kong e querem sequestrar a moça e forçá-la a assinar a papelada para transferir a bolada para o bolso deles. Mas Tsurugi decide não aceitar o trabalho, porque simplesmente não confia nos chineses.

Além do insulto contra os mafiosos, o problema é que agora Tsurugi sabe demais. Precisa ser eliminado e vira alvo da organização mafiosa. Um grupo de meliantes é enviado para cuidar do sujeito, irrompendo seu apartamento forçando o nosso anti-herói a demonstrar toda a sua técnica em aplicar os mais violentos golpes possíveis em seus desafetos. A cena é um espetáculo e é a síntese do que podemos esperar em termos de ação em THE STREETFIGHTER.

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Pancadarias brutais e grosseiras, grande parte da ação acontecendo em ambientes minúsculos e fechados, como corredores, escadas ou quartos apertados cheio de móveis; a câmera nervosa do diretor Shigehiro Ozawa, com ângulos e movimentos inusitados; ao invés de prezar por coreografias elaboradas, aposta mais nas habilidades de Chiba, nas suas expressões corporais e faciais (leia-se caretas!) e, obviamente, na técnica de respiração do sujeito, que é cem vezes mais exagerada do que os gritos que são a marca registrada de Bruce Lee; e, claro, uma boa dose de violência gratuita.

Não é a toa que THE STREETFIGHTER foi o primeiro filme a obter uma classificação X nos Estados Unidos POR VIOLÊNCIA! Como vocês sabem, geralmente a classificação X é usualmente colocada para filmes de sexo explícito. Na época, os anúncios de jornais americanos que anunciavam o filme continham a citação “AVISO: A MPAA classificou este filme como inadequado para espectadores menores de 17 anos por causa de suas extraordinárias sequências de luta“. Obviamente, com o passar dos anos, o impacto da violência estilizada de THE STREETFIGHTER é bem menor. Mas até hoje fico realmente impressionado com algumas cenas… Não faltam por aqui ossos quebrados, dedos nos olhos, crânios esmagados (um deles numa visão de Raio X), gargantas arrancadas, dentes estourados com um soco e até mesmo as bolas de um sujeito são arrancadas com as mãos!!! Isso mesmo! Tsurugi castra um sujeito sem anestesia com as próprias mãos. Tudo extremamente visceral! São litros e litros de um sangue vermelhão precisamente derramado, quase artisticamente colocado nas cenas…

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Depois de sobreviver ao ataque da Yakuza, Tsurugi resolve mudar de lado e se vingar de Mataguchi. Candidata-se ao posto de guarda-costas de Sarai. Mas antes, precisa encarar o tio da moça, Masaoka, o diretor de uma escola japonesa de Karatê. Mais uma sequência de luta magistral, com Chiba posudo, inspirando, fungando e rosnando. No decorrer da luta, Tsurugi descobre que Masaoka conhecia seu pai. O velho se sente mal por fazer Tsurugi se lembrar de como seu velho foi morto, taxado de traidor e fuzilado na frente do filho, e lhe dá o trabalho de proteger Sarai.

Mas como já disse, Tsurugi é um filho da puta. E um filho da puta sempre será um bastardo cruel desprezível. A ideia de “trocar de lado” e proteger Sarai, na verdade, consiste em tentar ele mesmo colocar as mãos no dinheiro da moça. E mesmo sabendo disso, continuamos torcendo por Tsurugi. Mas para isso, o sujeito vai ter uma jornada de violência, enfrentando vários capangas na porrada e uma variedade de lutadores exóticos, como um brutamontes chinês, um cego que esconde uma espada na sua bengalinha, ao estilo Zatoichi, e até o nosso velho amigo Shikenbaru, que retorna ao Japão com sede de vingança por conta do que fez com sua irmã e pela morte do irmão.

A vingança de Shikenbaru acaba tendo vida própria dentro do filme. Possui um peso tão forte na trama de THE STREETFIGHTER que a batalha dos dois personagens ao final, a bordo do navio de petróleo, numa noite chuvosa, só poderia ganhar ares épicos e um desfecho dramático típico de uma tragédia japonesa.

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O sucesso de THE STREETFIGHTER e do personagem de Sonny Chiba gerou ainda duas continuações, THE RETURN OF STREETFIGHTER e THE STREETFIGHTER LAST REVENGE, que expandem o universo de Tsurugi, apesar de inferiores. São divertidos e violentos, mas não aproveitam a figura de Tsurugi como neste primeiro. Takuma Tsurugi é uma figura fascinante, por mais politicamente incorreta que seja, e o desempenho de Sonny Chiba é uma força selvagem da natureza, especialmente ao realizar suas performances nas cenas de luta, na maneira quase primitiva de se impor diante dos adversários. Acaba sendo cômico em alguns momentos, mas percebe-se o talento expressivo de um ator criando uma assinatura. E Tsurugi é a assinatura de Sonny Chiba, ícone do cinema de artes marciais. Ganhou até uma bela homenagem de Quentin Tarantino em KILL BILL, no papel de Hatori Hanzo.

R.I.P. Sonny Chiba.