TONIGHT FOR SURE (1962)

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Se você cavucar o início de carreira de algumas figuras consagradas do cinema, pode ser que encontre alguns esqueletos enterrados. O diretor Francis Ford Coppola é um desses casos e, pouca gente sabe, mas muito antes de se tornar um dos principais autores do cinema americano pós-anos 70, com obras-primas grandiosas como O PODEROSO CHEFÃO e APOCALIPSE NOW, o sujeito já tinha uma filmografia cheia de produções questionáveis do cinema exploitation, B-Movies esquecidos e hoje pouco comentados, trabalhou até como pupilo de Roger Corman (inclusive o filme que dá nome ao blog, o horror DEMENTIA 13, é um trabalho pouco lembrado de Coppola). Mas nada que o diretor tenha que se envergonhar também, TONIGHT FOR SURE por exemplo, é bem melhor que um YOUTH WITHOUT YOUTH ou JACK, trabalhos que Coppola realizou já tendo seu nome celebrado.

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TONIGHT FOR SURE é um típico “Nudie“, gênero do sexploitation que surgiu no fim dos anos 50 no cinema americano e cuja principal função era explorar corpos femininos em completa nudez. É evidente que na época devia fazer alguns marmanjos correrem atrás desse tipo de material, mas vistos hoje, são filmes bem ingênuos, a maioria filmadas em campo de nudismo ou boates de striptease, sem erotizar muito as situações. Pepecas e manjubas nunca eram mostradas e o que se via era predominantemente seios e bundas balançados em jogos de vôlei, à beira de piscinas ou em apresentações burlescas de striptease… Curioso que um dos principais representantes na direção do gênero era uma mulher, Doris Wishman, que realizou um bom número de exemplares, como NUDE ON THE MOON. E, pois é, pode acreditar, é esse o tipo de filme que o Coppola fez por aqui.

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A trama é sobre dois sujeitos moralistas que se encontram e decidem lutar contra a crescente onda de luxúria no mundo. Um deles é um caipira que entra na cidade em um burro atrapalhando o trânsito, o outro é um dândi engomadinho da cidade grande. Com a intenção de algum tipo de desordem que repercuta na pouca-vergonha que o mundo se encontra, eles entram num Club de striptease antes do show começar e, na surdina, prendem algo na caixa de rede elétrica, programada para detonar à meia-noite.

Enquanto esperam pela detonação, eles se sentam na boate e trocam histórias sobre os males do pecado e das mulheres lascivas (e claro, enquanto estão tagarelando, garotas burlescas estão se exibindo no palco atrás deles e gradativamente eles vão se aproximando, sentando em mesas mais perto das mulheres que se apresentam). O caubói relata como um amigo passou a ter ilusões “terríveis” em que todas as mulheres ao seu redor estavam nuas. O outro conta sua história, se revelando um devasso que prega a moralidade como uma desculpa para bancar de voyeur num estúdio de fotografia Pin-Up.

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Com apenas uma hora de projeção, TONIGHT FOR SURE não possui nenhuma sutileza, os homens são caricatos e idiotas e as mulheres são carne. A única pretensão de Coppola aqui é criar situações para mostrar alguns peitos de fora. Só isso. A direção de Coppola, então com pouco mais de vinte anos, é pesada, com um lampejo ou outro de criatividade num ângulo ousado ou movimento de câmera (a fotografia é do grande Jack Hill, futuro mestre do exploitation americano e que na época era colega de classe de Coppola na UCLA), mas ninguém poderia prever que o mesmo sujeito fosse virar referência de autorismo dez anos depois, que ganharia o Oscar de melhor diretor, que venceria Cannes!

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Os atores são horríveis, o humor do filme é pastelão da pior qualidade e a produção é bem pobre, mas até que dá pra tirar um sarro e se divertir um bocadinho. E mais um detalhe positivo, Coppola pelo menos encontrou alguns mulheres bem mais apetitosas que as habituais habitantes que povoam os Nudies.

Mas no fim das contas, TONIGHT FOR SURE é só mais um exemplar mediano do gênero que eu nunca teria sequer contato caso não fosse dirigido pelo Coppola. Vale pela curiosidade para conhecer as raízes capengas de um grande mestre.

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THE BIG DOLL HOUSE (1971)

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A ideia de realizar THE BIG DOLL HOUSE chegou até o diretor Jack Hill como uma tentativa de fazer um spinoff de 99 WOMEN (69), do espanhol Jess Franco, um dos primeiros filmes do subgênero Women in Prison. Hill achava que poderia haver um público para este tipo de produto, então, reuniu uma pequena equipe, escalou um grupo de belas atrizes, recebeu a benção do mentor Roger Corman e partiu para as Filipinas, berço de produções exploitations naquele período. Como bom pupilo de Corman, o diretor filmou com tanta economia que acabou saindo de lá com dois WIPs debaixo do braço: Tanto este THE BIG DOLL HOUSE quanto THE BIG BIRD CAGE (72).

Boa parte da carreira de Hill é dedicada ao universo feminino, destacando a força da mulher em situações que deixariam machões no chinelo. Portanto, o subgênero WIP é o típico prato cheio para que o roteiro explorasse ao máximo esse tipo de situação. O roteiro, aliás, não precisava nem ser exigente demais em tentar criar enredos intrincados e verossímeis, bastava colocar as personagens nuas em chuveiros coletivos ou brigando na lama para surtir reflexões filosóficas e garantir a dose de emoção necessária que o espectador precisava.

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THE BIG DOLL HOUSE preenche com facilidade todos os requisitos, até porque é aqui que Jack Hill define vários princípios que ficaram enraizados ao gênero. O filme começa com a bela ruiva Collier (Judy Brown) sendo transportada para uma prisão de mulheres nas selvas Filipinas. Passa por uma inspeção médica, com os seios à mostra, para variar, e logo, na sua cela, é apresentada a um elenco feminino cheio de beldades, incluindo a musa negra, Pam Grier, que estrelaria dois clássicos blaxploitation comandado por Hill, COFFY (73) e FOXY BROWN (74). A partir daí, o filme continua misturando todos os ingredientes que fazem um típico WIP funcionar.

Portanto, temos os planos de fugas, cenas de torturas praticadas pela carcereira chefe, lesbianismo, uma luta na lama entre Grier e Roberta Collins, corrida de baratas, muitos tiros e explosões num final cheio de ação. Um dos grandes destaques de THE BIG DOLL HOUSE é a presença do ator Sid Haig, roubando todas as cenas em que aparece, em especial quando contracena com Pam Grier. Haig se especializou em fazer tipos estranhos em fitas de exploração e também já havia trabalhado com Hill, no clássico SPIDER BABY (68) e até mesmo no seu curta-metragem de estreia THE HOST (63).

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THE BIG DOLL HOUSE é um desses exemplares essenciais para os apreciadores dos subgêneros obscuros que o cinema tem para oferecer. E Jack Hill é nome fundamental nesse sentido. Faz aqui um trabalho excepcional, com um orçamento baixíssimo, mas muita criatividade e boa vontade, criando um autêntico clássico da era grindhouse.

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THE HOST (1960)

Já tinha escrito sobre esse curta no blog antigo, mas como me deu saudade do Jack Hill, resolvi republicar. Hill já havia  dirigido algumas cenas de THE WASP WOMAN (59), que já comentei por aqui, para o seu mentor, Roger Corman, quando este precisou prolongar a duração do filme. O futuro diretor de SPIDER BABY nem chegou a ser creditado. A produção que marca a estreia oficial de Hill na direção é THE HOST, este curta metragem em preto e branco realizado quando ainda era estudante da UCLA e bem antes de se tornar um dos grandes mestres do cinema grindhouse americano.

Um fugitivo da lei encontra no México uma cidade antiga aparentemente abandonada. Entra para beber água e quase leva um tiro. Descobre que existe uma pequena população vivendo por lá e um espanhol que achou um tesouro no local e precisa roubar um cavalo para fugir. Persuadido por uma bela habitante, o fugitivo acaba matando o espanhol e se torna um deus. Quando descobre, também, onde o tesouro se encontra, decide ir embora levando tudo consigo. Mas é tarde. Já levaram seu cavalo. I Don’t want to be a god!!! – grita desesperado o sujeito nas últimas palavras ecoadas no filme. Continuar lendo

A MULHER VESPA (The Wasp Woman, 1959)

wasp5A MULHER VESPA, dirigido pelo maior gênio dos filmes B americanos, Roger Corman, é claramente uma tentativa de aproveitar o sucesso do clássico A MOSCA DA CABEÇA BRANCA (1958), de Kurt Neumann, com o grande Vincent Price no elenco. Mas aqui é uma mulher, Susan Cabot, quem assume a posição de protagonista, dando vida a uma quarentona, dona de uma empresa de cosméticos. Além de proprietária, ela costumava ser o rosto bonito que enfeitava os anúncios publicitários da empresa, mas com o passar do tempo, a idade chega e ela resolve colocar uma pessoa mais jovem e menos enrugada para continuar a divulgação de seus negócios, acarretando uma inesperada diminuição retumbante de vendas. Em suma, para continuar sendo a garota propaganda que o público quer, Cabot acaba conhecendo um cientista maluco que desenvolveu um novo cosmético a partir das enzimas das vespas, transformando o envelhecimento da pele na beleza da juventude. A senhora começa a usar em si mesma o produto e em pouco tempo, está com rostinho de 20 anos novamente. É lógico que em algum momento algo daria errado, caso contrário, não teríamos um sci-fi de terror, e sim mais um drama sobre uma mulher em conflitos existenciais partindo numa jornada sem mapa para o interior dos imperativos selvagens de si própria… ou algo assim. thewaspwomanDe maneira gradativa, a natureza lasciva da vespa rainha inicia um processo de mutação física e de personalidade na nossa protagonista. À noite, ela se transforma numa espécie de híbrido metade mulher, metade vespa (mas nem chega perto do desenho do cartaz do filme, que é genial, diga-se de passagem), bem ao estilo Corman, com uma máscara mal feita cujo pescoço da atriz fica à mostra e umas luvas de forno trabalhada para dar a impressão de… mãos de vespa? Enfim, o resultado é um charme, prezando mais pela ideia absurda e criatividade do que pelas limitações orçamentárias. E isso vale não só para esse filme, mas para a obra inteira do Corman. Algumas curiosidades: A MULHER VESPA foi originalmente lançado nos drive-ins em sessão dupla com A BESTA DA CAVERNA ASSOMBRADA, do Monte Hellman. Corman utilizou vários de seus colaboradores habituais em serviço, como Daniel Heller (diretor de arte) e seu irmão, o produtor Gene Corman (que faz uma ponta no filme), além de seus jovens e promissores pupilos. Um fato engraçado é que a duração final nessas sessões era tão curta que ficava impossibilitado de passar o filme na TV. Então Corman colocou Jack Hill, que ainda era cabaço na Corman Factory para escrever e dirigir algumas cenas adicionais, como por exemplo, todo o início do filme que se passa na fazenda produtora de mel. Hill se tornou mais tarde um dos grandes nomes do cinema exploitation americano. Na metade dos anos 90, Corman produziu uma série de  refilmagens que atualizava vários de seus clássicos de horror e sci-fi dos anos 50. Em 1995 saiu a de A MULHER VESPA, dirigido pelo grande Jim Wynorski (Breve aqui no blog).

Saiu num DVD duplo no Brasil, na coleção Sessão da Meia-Noite, junto com o filme O ATAQUE DAS SANGUESSUGAS GIGANTES (1959), de Bernard L. Kowalski.

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FACA NA GARGANTA (1975)

Dia desses vi esta belezura do Jack Hill, que é dos mais criativos e ousados diretores dos anos 60 e 70 no cinema americano de baixo orçamento e merecia um reconhecimento maior entre os cinéfilos de hoje. Além de ser essencial para qualquer pessoa que deseja se aventurar no mundo do cinema de exploração. FACA NA GARGANTA (Switchblade Sisters) é um autêntico clássico do “gênero” e um de seus melhores trabalhos, que ainda incluem COFFY, FOXY BROWN, THE BIG BIRD CAGE, THE BIG DOLL HOUSE, SPIDER BABY, etc (um cara com um currículo desse só pode ser considerado um mestre!).

FACA NA GARGANTA Faz parte também de uma lista imaginária dos filmes-referência de Quentin Tarantino, que é fã confesso da obra e chegou a comprar os direitos de lançamento para o seu selo de DVD’s, a Rolling Thunder, em meados dos anos 90. E tem tudo a ver com o universo que o diretor de PULP FICTION desenvolveu a partir de suas influências. A premissa básica de FACA NA GARGANTA trata da disputa pelo poder dentro de uma gangue feminina entre a líder Lace (Robbie Lee) e a recém chegada no pedaço Maggie (Joanne Nail). Mas para deixar tudo mais profundo e divertido, o roteiro inspirado de F.X. Maier tece uma complexa teia de guerra entre gangues, subtramas psicológicas que funcionam e uma galeria de personagens interessantes que só enriquecem o resultado.

Isso sem contar com os momentos dignos de um exploitation, afinal, estamos falando de um filme com rixas de gangues; temos brigas de mulheres, lutas de facas, conflitos verbais com muitas frases de efeitos e um tiroteio épico ao estilo do final de DESEJO DE MATAR 3. As atuações são acima da média para um filme de baixo orçamento e Jack Hill demonstra porque é um dos grandes autores do ramo com um estilo único. Consegue ainda combinar elementos de vários subgêneros incluindo uma sequência “Women in Prison”, quando as garotas vão pra cadeia e têm de enfrentar a robusta carcereira lésbica e suas subordinadas; e “blaxploitation”, quando pinta em certo momento uma gangue de mulheres negras que dispõe de um verdadeiro arsenal! É por isso que é impossível não virar fã de Jack Hill!

COFFY (1973)

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Eita porra! Isso aqui que é um autêntico exemplar do cinema blaxploitation que podemos classificar como FODA! Autêntico clássico do gênero, e não apenas por dispor da musa Pam Grier como protagonista, talvez a maior estrela deste nicho, mas para um filme exploitation de baixo orçamento, COFFY é surpreendentemente bem filmado, escrito, com personagens marcantes. Crédito do diretor e roteirista Jack Hill que teve muito bom gosto na condução desta pequena joia do cinema grindhouse!

O filme traz Pam Grier como Coffy, uma exuberante enfermeira que resolve se vingar dos traficantes que colocaram sua irmã mais nova no mundo das drogas e espancaram um policial que não se vendeu para o mundo do crime. É uma premissa bastante simples, e na verdade o único sentido nisso tudo é que, se tivesse oportunidade, Coffy colocaria uma bala na cabeça de todos os traficantes da face da terra. Mas são os pequenos detalhes e a maneira como Hill conta sua história que tornam o filme especial. E Pam Grier possui muita personalidade pra encarar uma personagem com bruto desejo de vingança e o apelo sexual, elementos que já elevam o filme num nível superior.

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Só pra ter uma noção, logo no inicio, ela age como uma espiã sexy disfarçada de prostituta. Através de seus atributos físicos, convence fácil um traficante a levá-la para um apartamento prometendo de tudo e mais um pouco. Já no local, ela surpreende o público ao tirar da bolsa uma garrucha e estourar a cabeça do sujeito com as calças arriadas. É tudo questão de estilo, algo que Pam Grier tem de sobra pra fazer a cena funcionar com timing perfeito, independente dos exageros típicos do gênero.

Há uma cena bem hilária onde Coffy acaba na casa de uma drogada lésbica para conseguir algumas informações sobre o caso do seu amigo policial. As coisas esquentam e as duas começam a brigar e de repente aparece a namorada da moça, uma negra do tamanho do Shaquille O’neal que confunde a situação achando que as duas estavam botando as aranhas pra brigar (se é que me entendem). E aí o pau come de verdade, mas Coffy dá no pé, já que seria impossível enfrentar aquele mamute.

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Pois bem, Coffy descobre que um cafetão chamado King George possui contato com os grandes chefões da máfia, mas em especial, Vitroni, que é o gangster por trás do acontecido com o seu amigo policial. Mais uma vez, ela se disfarça de prostituta para se infiltrar na organização. A primeira impressão que ela causa é de inveja nas outras garotas por conta de seus atributos “artísticos”.

Numa festa promovida pelo gigolô (que usa umas roupas supimpas!) está presente o alvo de Coffy, e é o momento de usar toda sua sensualidade para impressionar. Mas de cara acontece algo absurdamente impagável. Coffy cai na porrada com as putas invejosas com direito a muita pagação de peitinho, gilete no cabelo e sangue pra todo lado. E é justamente o que chama a atenção de Vitroni.

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Escolhida para uma noite de amor com o traficante, Coffy se prepara para a hora da vingança, mas é surpreendida por um capanga que impede que ela mate seu chefe. Coffy acusa o pobre King George como mandante do assassinato. Daí surge então outra sequência antológica para os amantes do cinema exploitation. O gigolô é arrastado pelo o pescoço por uma corda amarrada no carro dos bandidos de Vitroni. E lá se vai mais uma dose de muito sangue espalhado por quarteirões.

Enquanto isso, Coffy dá seus pulos pra escapar e meter muita bala durante o resto do filme, que ainda guarda muitas surpresas como uma rede de corrupção que envolve personagens ambíguos e inesperados e não quero ficar aqui contando tudo para não estragar a experiência de quem ainda não viu…

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Vale destacar a participação do grande Sid Haig, no papel de um dos vilões, e que está em quase todos os filmes do diretor, numa das mais interessantes parcerias do cinema grindhouse, o que inclui até mesmo um curta-metragem chamado THE HOST, primeiro trabalho de Hill, que realizou ainda como estudante de cinema.

Dos filmes de Jack Hill que eu vi até hoje, COFFY é o meu preferido. Possui todos os elementos que se poderia esperar de um filme como este e vai mais além, criando personagens profundos e até mesmo inovando em alguns pontos da essência do Blaxploitation. Até determinada altura, os filmes deste estilo eram protagonizados por homens, policiais, traficantes ou drogados que usavam a mulher como objeto sexual. E Jack Hill, que é branco, chega com COFFY, um dos primeiros filmes do gênero onde temos uma heroína que luta contra as drogas e representa a força da mulher na personificação perfeita de Pam Grier.