A BATALHA DO PLANETA DOS MACACOS (1973)

Último filme da franquia clássica. Aqui a coisa dá uma derrapada, meio que despiroca… Num mau sentido.

A BATALHA DO PLANETA DOS MACACOS se passa no máximo poucas décadas depois de A CONQUISTA DO PLANETA DOS MACACOS. Nesse intervalo, a Terra foi dizimada por um holocausto nuclear, mas não vemos isso acontecer. Fuén! Uma decepção para os fãs que sempre quiseram ver como a estátua da liberdade foi parar naquele estado do primeiro filme… Os macacos evoluíram num tempo récorde: já falam e raciocínam normalmente, algo que deveria acontecer em milênios, e temos até uma raça de humanos mutantes pós-nucleares que vivem sob as ruínas de LA.

Mas a falta de lógica temporal é o menor dos problemas de A BATALHA DO PLANETA DOS MACACOS. A história é ruim, os personagens, com exceção de um ou outro, parecem cansados da própria série; tudo parece desenrolar às pressas, com um ritmo desconjuntado, acaba não tendo nada muito marcante… O clímax é o mais sem graça possível (tanto a batalha final entre humanos e macacos quanto o duelo de Caesar contra um desafeto em cima de uma árvore).

Na trama, Caesar (novamente Roddy McDowall) lidera uma pacífica comunidade mista de macacos e humanos, mas seu modo de vida está ameaçado tanto por dentro quanto por fora da comunidade. Não apenas o General Aldo (Claude Akins) e seu exército de gorilas estão conspirando para derrubar Caesar, mas o governador Kolp (Severn Darden), que lidera a tal raça de mutante, decide atacar o acampamento.

Caesar quer conhecer mais sobre seu passado, sobre seus pais, então resolve fazer uma jornada com MacDonald (Austin Stoker) – não o mesmo MacDonald do último filme, mas o irmão do personagem, porque Hari Rhodes não retornou para o seu papel – e um orangotango chamado Virgil (um dos poucos personagens que salva), até as ruínas de Los Angeles onde estão os arquivos gravados dos depoimentos de Cornelius e Zira lá do terceiro filme. O problema é que dão de cara com os mutantes que vivem lá e desencadeia uma guerra.

Isso é basicamente o que temos de interessante no enredo. O resto é pura embromação. A maior parte do filme é bastante pálida. Há uma cena na qual o filho de Caesar é assassinado pelo general Aldo e não senti absolutamente nada pelo moleque… O filme não constrói nada de interessante sobre o personagem. Não constrói nada também sobre as motivações para o conflito entre macacos e o que resta dos humanos.

Fica evidente logo de cara que a Fox já não parecia muito interessada na franquia (apesar de TODOS os filmes da série terem sido sucessos comerciais) e reduziu consideravelmente o orçamento. Os realizadores tiveram que suar para criar algo. A grande batalha do título se resume nuns gatos pinga… Quero dizer, macacos pingados atirando de um lado para outro contra uns humanos que avançam leeeeentamente de carros, motos e um ônibus escolar em direção à comunidade, tudo filmado sem tensão e emoção alguma. E olha que o diretor é o mesmo J. Lee Thompson do filme anterior, cuja batalha final é épica!

Enfim, um balde de água fria depois de revisitar os outros filmes e ser surpreendido positivamente… E o que é aquele final, com a estátua de Caesar escorrendo uma lágrima? Decepcionado com o capítulo final da série, talvez? Até eu quase chorei de tão constrangedor… Nem John Huston fantasiado de macaco salva alguma coisa. Um fim amargo para uma série que ainda me fascina.

CIDADE DAS ILUSÕES (Fat City, 1972)

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A Versátil vai lançar um box do John Huston em dezembro e, dentre os títulos, o destaque é sem dúvida CIDADE DAS ILUSÕES, um dos melhores filmes do homem. Como sabem, Huston é diretor da era clássica de Hollywood, tinha mais trinta anos de carreira àquela altura. Mas aí veio a Nova Hollywood e suas liberdades, os velhos diretores acoados, e o sujeito me vem com essa PEDRADA que é CIDADE DAS ILUSÕES.

Foi uma espécie de filme redenção para Huston, cujos dois ou três trabalhos anteriores não foram muito bem. Baseado num romance de Leonard Gardner (que também escreveu o roteiro), o filme segue Stacy Keach como Billy Tully, um lutador de boxe que nunca viu o sucesso e vive na miséria. Quando Billy faz uma rara visita à academia, ele conhece Ernie (Jeff Bridges), a quem Billy vê algum potencial no boxe e sugere que vá ver seu antigo treinador, Ruben (Nicholas Colasanto). Ernie acaba indo e logo se vê trinando sob a batuta de Ruben, enquanto a vida de Billy se deteriora ainda mais. Especialmente quando começa um caso com uma alcoólatra chamada Oma (Susan Tyrell, indicada ao Oscar de Melhor Atriz Coadjuvante por este filme).

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Ao mesmo tempo em que Ernie começa sua carreira de lutador, ele também enfrenta problemas quando engravida sua namorada e logo deixa para trás o mundo do boxe. Quando Ernie e Billy se reencontram numa jornada de trabalho pesado no campo, ambos se inspiram para voltar ao ringue. No entanto, para quem supõe que os personagens de Bridges e Keach conseguem superar as dificuldades e enxergam alguma esperança no horizonte através do esporte, num tipo de clímax vitorioso nos ringues de boxe, bom, a coisa não vai muito por esse caminho. Isso porque CIDADE DAS ILUSÕES não é lá um “filme de boxe” (apesar do próprio Huston ter sido boxeador na juventude). É um filme sobre pessoas fodidas na vida. É um retrato amargo sobre perdedores, que por mais que tenham sonhos e ambição, são fodidos demais para alcançar seja lá quais forem seus objetivos… Ao invés do sucesso, a frustração inevitável de indivíduos que povoam quartos sujos de hotéis baratos, bares decadentes e academias de ginásticas de periferia.

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As coisas até parecem começar a dar certo para Billy no terceiro ato do filme, quando finalmente se livra da amante e vence sua luta de “retorno”. Mas logo depois se autodestrói, rastejando de volta à primeira garrafa que vê pela frente. Não há redenção em CIDADE DAS ILUSÕES. Billy termina o filme exatamente como havia iniciado e, embora não conheçamos o seu futuro, parece ser totalmente insignificante… Mas o filme também não fica fazendo julgamentos moralistas pra cima dos personagens. Huston os trata como seres humanos enquanto sua câmera documenta os destroços que são suas almas nessa vida de desolação.

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Huston era um mestre de marca maior, um contador de histórias fenomenal. E aqui está no auge, mesmo num trabalho aparentemente mais discreto, “menor”, que estuda os pequenos detalhes, mas que é ao mesmo tempo uma obra poderosa e sensível, iluminada pela condução de Huston e pelas performances maravilhosas de Keach e Bridges. A fotografia magistral de Conrad Hall também é outro destaque. Prova que ele podia filmar bares e academias com tanta habilidade que quase dá para sentir o cheiro de cigarro, cerveja e suor.

Para John Huston, CIDADE DAS ILUSÕES foi um retorno bem-sucedido, um sucesso de crítica e financeiro. E o velho ainda tinha talento de sobra para gastar mesmo depois de todas as transformações que o cinema americano sofreu no período. Enfim, aqueles que esperam um filme esportivo inspirador podem ficar desapontados, mas pra quem curte estudos de personagens, CIDADE DAS ILUSÕES é uma pequena obra-prima. E só por esse título já tá valendo a caixa que a Versátil vai lançar.

THE OTHER SIDE OF THE WIND (2018)

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Estreou hoje na Netflix o novo filme do Orson Welles, THE OTHER SIDE OF THE WIND. É até esquisito anunciar isso… “O novo filme de Orson Welles“. Mas é exatamente isso, como já tinha falado neste post há alguns meses.

Então não vou explicar tudo de novo com detalhes, mas o fato é que depois de quarenta anos existindo apenas como uma hipotética obra final de um dos maiores artistas do século XX, que foi Welles, finalmente temos a oportunidade de ver seu derradeiro trabalho, graças a Netflix e algumas figuras que ao longo dos anos mantiveram a chama acesa na esperança de que um dia esse projeto visse a luz do dia. THE OTHER SIDE OF THE WIND foi reunido a partir de mais de cem horas de imagens brutas ou semi editadas pelo próprio diretor, filmadas na primeira metade da década de 70 e o resultado desse esforço é monumental, experiência das mais interessantes que teremos este ano, uma obra incrível que mostra como Welles estava à frente do seu tempo.

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E é curioso como o filme é premonitório de certa maneira. THE OTHER SIDE OF THE WIND se passa no dia do aniversário de um diretor de cinema, Jake Hannaford (interpretado pelo também diretor John Huston, como um alter-ego de Welles), grande parte da ação acontece na casa do sujeito, onde será exibido, vejam só, uma cópia inacabada de seu mais novo filme (também intitulado THE OTHER SIDE OF THE WIND). Comparecem câmeras de televisão, repórteres e dúzias de personagens baseados em figuras típicas de Hollywood: roteiristas, atores, produtores, críticos de cinema, que se aglomeram na casa de Hannaford, trocando farpas e gracejos entre si e com o diretor rabugento, insinuando a própria desilusão de Welles com Hollywood. Todo o propósito por trás da comemoração é uma tentativa de levantar financiamento para o seu filme inacabado, a mesma situação que o próprio Welles se encontrava naquele momento e que iria vivenciar até o fim.

Uma das ideias de Welles era contar a história através das câmeras que comparecem no local. Há câmeras por todo lado aparecendo na tela, seguindo os personagens durante toda a festividade ou às escondidas, tentando flagrar as conversas mais íntimas, numa lógica de falso documentário. É por essas câmeras que acompanhamos a “trama” e as alternâncias de uma câmera para outra – em cores, preto e branco, diferentes granulações, móvel, ou estática – contribuem para o deslumbre. Tudo montado de forma experimental, num estilo de edição frenético, radical e desorientador, acompanhado pela trilha jazzística de Michel Legrand e num amontoado de gente tagarelando de forma caótica, tornando difícil a tarefa de quem se preocupa em sempre buscar estabelecer uma linha narrativa ou algo do tipo, o que Welles parecia estar pouco se lixando, rompendo com toda a ideia de uma fluidez narrativa tradicional.

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É melhor deixar-se levar na viagem. Até porque há ainda o filme dentro do filme, cujas cenas se misturam com a trama central, numa meta-narrativa lisérgica, algumas das mais belas e hipnóticas imagens que Welles filmou na sua carreira, e que transcende tudo o que era feito em Hollywood no período. O único filme que me vem à mente neste momento à título de comparação é o incompreendido THE LAST MOVIE, de Dennis Hopper, que aliás, faz uma brevíssima participação por aqui também.

O elenco mais participativo é composto por Bogdanovich, Cameron Mitchell, Oja Kodar, Robert Randon, Edmond O’Brien, Susan Strasberg, Norman Foster, entre outros… Mas quem se destaca mesmo é John Huston, o único personagem que ganha alguma alma no meio deste espetáculo sensorial, numa figura que se alterna entre a fanfarronice e a amargura, entre arrogância e autopiedade, baseado na incapacidade de se adaptar a um mundo que se afastou dele e que ganha reflexo no próprio Welles.

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Um filmaço, como não poderia ser diferente vindo de um dos grandes gênios do cinema, desses que nos fazem vivenciar uma experiência rara e sensível, das mais ricas cinematograficamente. Pena que é de um diretor que já morreu há mais de trinta anos… Queria um filme novo do Welles todo ano…

THE OTHER SIDE OF THE WIND está disponível na Netflix Brasil e é recomendado à paladares finos dispostos a experimentar algo diferente.

PS: O diretor de fotografia do filme foi um dos principais colaboradores de Welles, chamado Gary Graver, que provavelmente vocês não devem conhecer de nome. Mas se você foi adolescente nos anos 90 e ficava acordado aos sábados, na Band, escondidos dos pais, para assistir ao Cine Privé, com certeza já deve ter assistido a um filme do sujeito. Ele acabou se especializando nesse tipo de material e possui mais de cem filmes no currículo, entre soft-porn e até produções hardcore.

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THE OTHER SIDE OF THE WIND EM VENEZA

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Saiu na semana passada o line up do Festival de Veneza deste ano e, fora de competição, teremos THE OTHER SIDE OF THE WIND. Nunca ouviu falar? Então prepare-se: Trata-se do último filme do gigante Orson Welles nunca completado, talvez a mais lendária e não vista produção de todos os tempos.

Na época, Welles prometeu que THE OTHER SIDE OF THE WIND seria o seu grande retorno triunfal, reuniu um elenco de figurinhas carimbadas, como os diretores John Huston e Peter Bogdanovich, mas também Susan Strasberg, Lilli Palmer, Edmond O’Brien, Cameron Mitchell, Dennis Hopper e por aí vai… As filmagens aconteceram entre 1970 e 1976 e segundo Huston, em sua autobiografia, o set era dos mais pirados que ele já pisou e que Welles simplesmente não tinha roteiro definido, portanto uma desorganização criativa pairava no ar ao mesmo tempo em que andava de mãos dadas com a poesia fílmica de seu diretor. Mas as fontes independentes de financiamento eram diversas e não muito confiáveis, a produção do filme se arrastou por muitos anos e Welles ainda tentava completá-lo quando morreu em 1985.

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Rymsza inventariando os rolos de THE OTHER SIDE OF THE WIND

Com a ajuda da Netflix, ano passado houve um esforço de crowdfunding que arrecadou 400 mil dólares para concluir essa obra final de Welles. O gerente de produção original do filme, o produtor Frank Marshall, supervisionou a conclusão do projeto, trabalhando em conjunto com o cineasta Filip Jan Rymsza, que foi um dos principais nomes na captação de recursos para esta finalização. Peter Bogdanovich, que era amigo de Welles, trabalhou diligentemente por muitos anos para completar THE OTHER SIDE OF THE WIND, mas sempre encontrou obstáculos e agora serviu de consultor no projeto Netflix. As poucas pessoas que chegaram a ver alguns trechos que Welles conseguiu completar na época de sua morte, apresentaram opiniões contraditórias, alguns dizendo que é um filme estranho e desanimador, enquanto outros o proclamam uma obra de gênio.

THE OTHER SIDE OF THE WIND passa então em setembro no Festival de Veneza e logo depois deve entrar na grade do Netflix. E se não entrar no Netflix Brasil, pelo menos já teremos outros meios de conseguir… Provavelmente, a melhor notícia do ano.

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RAIZES DO CÉU (Roots of Heaven, 1958)

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Em meados dos anos 40, ainda durante a Segunda Guerra, o diretor John Hunston  estava em Los Angeles finalizando algum de seus documentários filmados em campo de batalha. Huston, ao lado de John Ford, Frank Capra, William Willer e outros, contribuiu com o exército americano registrando imagens da guerra. Enfim, o fato é que neste período em que estava em LA, Huston passava os dias entre o trabalho e um bocado de festas. Segundo as palavras do próprio diretor, “Tendo acabado de voltar ao trabalho com heróis de verdade, não estava com vontade de aguentar a subespécie cinematográfica. Foi com essa disposição e ânimo que encontrei Errol Flynn parado no saguão durante uma recepção na casa de David O. Selznick“.

Flynn estava já com um copo de uísque na mão, como lhe era habitual. Devia ter enchido a cara… E Huston conta que o sujeito andava a procura de confusão. Não demorou muito, Flynn chamou a mulher que Huston estava paquerando na época de alguma coisa não muito agradável, Huston retrucou sem muita gentileza e ambos acabaram procurando um local mais isolado, ao fundo dos jardins, para chegarem às “vias de fato”.

Essa história é uma das melhores entre as tantas que Huston conta em sua biografia e que vale a leitura de cada palavra, cada linha, cada descrição… Mas, para resumir, a luta entre Errol Flynn e John Huston realmente aconteceu neste dia, ambos eram pugilistas e trocaram socos violentos por quase uma hora, sem golpes sujos e tudo dentro das normas do Marquês de Queensberry, ou seja, as regras oficiais do boxe. Detalhe que foi visto com grande decência para ambos oponentes.

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Errol Flynn vive um boxeador em GENTLEMAN JIM, de Raoul Walsh

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Nos anos 70, o diretor John Huston mostra a Stacy Keach como se faz em CIDADE DAS ILUSÕES

A coisa foi  tão respeitosa entre os dois que, na manhã seguinte, Flynn ligou para Huston para saber como o diretor estava passando (só para constar, o ator foi parar no hospital com algumas costelas quebradas). Todo esse respeito fez com que Huston tivesse sempre Flynn em alta estima. No fim dos anos 50, o diretor foi escalado para dirigir um filme na África em que um dos atores contratados era Errol Flynn. “Ele apareceu logo depois da nossa chegada e nós dois nos apertamos as mãos. Era o nosso primeiro encontro desde aquela noite sanguinolenta séculos atrás“. O filme: RAÍZES DO CÉU.

Quando fez RAÍZES DO CÉU, Errol Flynn estava muito longe de ter aquela imagem que o imortalizou nos filmes de aventura dos anos 30, vivendo heróis como Robin Hood e Capitão Blood. E não apenas por estar mais velho, mas pela seu notório problema com o alcoolismo. Em 1958, Flynn abandonou uma peça de teatro antes da estreia por alegar que era um veículo pobre e banal, mas também porque a essa altura ele era incapaz de memorizar suas falas e sua atuação era deplorável. Ganhou uma chance de Zanuck quando lhe ofereceu uma participação em RAÍZES DO CÉU justamente para fazer o papel de um bêbado…

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Já era a terceira vez em seguida que Flynn interpretava um bêbado, desta vez encarnando o Major Forsythe, um desertor britânico que se junta a um grupo de aventureiros – alguns deles bem oportunistas – para seguir o idealista Morel (Trevor Howard) nos seus esforços de preservar os elefantes africanos e impedir que sua caça aconteça.

Tanto o homem do dinheiro, Zanuck, quanto o diretor John Huston ficaram interessados no romance do francês Romain Gary e decidiram tocar o projeto juntos. No entanto, a expedição da equipe de filmagens em território africano resultou numa saga desastrosa com elenco e equipe tentando mais sobreviver à experiência do que no resultado do filme. Temperaturas altíssimas e doenças tropicais tomaram uma boa parcela de tempo da produção… O ator Eddie Albert, por exemplo, teve um colapso e delirou por vários dias. E Flynn se fortificou, obviamente, com suas doses de vodka e outros drinks, administrando sua aventura diante de qualquer contratempo que lhe pudesse ocorrer. Tanto que, em sua autobiografia, Flynn comenta que foi o filme que mais gostou de fazer acima de qualquer outro… Continuar lendo

FÚRIA SELVAGEM (Man in the Wilderness, 1971)

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Ainda na toada de O REGRESSO resolvi rever MAN IN THE WILDERNESS, de Richard C. Sarafian pra ver o que dava. Que filme sensacional! É muito melhor do que eu lembrava e bem diferente do filme do Iñarritu… Mas numa estúpida comparação das versões, este aqui ganharia de lavada. O filme me fez pensar um bocado na carreira de Sarafian, diretor de talento gigante mas extremamente subestimado e pouco lembrado. E quando o fazem é por VANISHING POINT, lançado no mesmo ano deste aqui. É um baita filmaço que ganhou seu status de filme cult com merecimento, mas não consigo ver lógica para que MAN IN THE WILDERNESS não tenha virado um clássico entre os westerns de aventura setentistas, ao lado de O PEQUENO GRANDE HOMEM, O HOMEM CHAMADO CAVALO, O GRANDE BUFALO BRANCO, e outros…

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E Sarafian estava em estado de graça quando filmou a história de Zach Bass, vivido por Richard Harris, num de seus melhores desempenhos, um desbravador do velho oeste que, após ser atacado por um urso selvagem, é deixado para morrer no meio do nada. Recupera-se dos ferimentos e parte para se vingar dos antigos companheiros, entre eles o diretor John Huston. Como disse no texto de O REGRESSO, o plot do filme de Iñarritu é exatamente a mesma coisa, mas os desdobramentos a partir desses eventos é que distanciam uma obra da outra. A começar pelo lado alegórico que contempla a obra de Sarafian, e que é justamente a parte piegas do filme de Iñarritu. Na verdade, não tinha intenção de ficar fazendo comparações, mas é difícil num momento em que O REGRESSO está tão em voga e tão fresco na cabeça… Vocês sabem, gosto dessa nova versão como um grande filme de aventura, mas está longe de ser a jornada mística e espiritual que Iñarritu gostaria que fosse em comparação com o que Sarafian realiza em MAN IN THE WILDERNESS. O processo de ressurreição e transformação, tanto na recuperação física, quanto psicológica, de Harris é arrebatador na sua perfeita comunhão com a natureza, na sua busca pela sobrevivência, encarando fome, frio, animais e o caralho e transcendendo seu desejo de vingança à outro nível espiritual… Continuar lendo

ROY BEAN – O HOMEM DA LEI (The Life and Time of Judge Roy Bean, 1972)

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Paul Newman, um dos meus atores favoritos, morreu. Em sua homenagem, fui procurar no meu acervo alguns filmes dele que eu ainda não tivesse visto e acabei encontrando ROY BEAN – O HOMEM DA LEI, dirigido pelo mestre John Huston. Como era o único que eu não tinha visto, não precisei nem ter o trabalho de escolher. Mas foi muito recompensador, tanto por conta do próprio Paul Newman, numa belíssima interpretação, digna da galeria de personagens que viveu ao longo de sua carreira, quanto pelo prazer da descoberta de mais uma grande obra de John Huston já ingressando na sua fase final da carreira, que é repleta de alguns de seus melhores filmes, como FAT CITY e O HOMEM QUE QUERIA SER REI.

O roteiro de ROY BEAN – O HOMEM DA LEI foi escrito pelo grande John Milius (genial diretor de CONAN – BÁRBARO) e trata da vida do juiz que dá nome ao título, Roy Bean, vivido por Newman, cujos princípios básicos de sua profissão e filosofia de vida se resumem em sentenciar todo criminoso à forca, sem importar-se com a gravidade do crime. A história se passa na pequena cidade de Vinegaroon, onde acompanhamos o seu crescimento ao longo do tempo sob a influência do excêntrico e casca-grossa Juiz e que serve de metáfora para analisar um período de transformação na formação da civilização americana.

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Elogiar o trabalho de Paul Newman seria o mínimo a se fazer. Seu personagem ganha uma forma física, mental e mística que poucos atores poderiam conceber com tanto carisma, humor e profundidade dramática (Talvez um Mitchum ou Lee Marvin também aguentassem o tranco com tanta formosura).

Vale destacar ainda o elenco composto por figuras ilustríssimas como Anthony Perkins, no papel de um reverendo que surge no início do filme narrando sua passagem direto para a câmera, olhando para o público, algo que acontece várias vezes durante o filme com outros personagens. O próprio diretor John Huston surge em cena como um sujeito excêntrico que deixa um urso de presente ao Juiz. Ainda temos Jacqueline Bisset, Roddy McDowall, Ned Beatty, Richard Farnsworth, Stacy Keach como o fora-da-lei Bad Bob, o Albino, e a bela Ava Gardner, uma das mulheres mais lindas da história, fazendo uma participação como Lillie Langtry, a musa do protagonista.

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ROY BEAN – O HOMEM DA LEI não é um western convencional. Desde o início percebe-se um tom despretensioso na narrativa que logo alcança um ar estilizado já no primeiro tiroteio. Não é também um filme de muita ação, mas quando acontece, Huston parece não se importar muito com verossimilhanças, mas sim em dar a sensação de uma lembrança antiga, como uma história que foi contada de geração em geração até se tornar uma lenda que ultrapassa os limites da realidade. A cena em que o Albino toca o terror na cidade, por exemplo, é uma das minhas favoritas nesse sentido, com o tiro que lhe acerta, disparado pelo Juiz, deixa um buraco de desenhos animados, estilo Looney Tunes. É sensacional!

John Huston foi um dos grandes mestres do cinema americano e cada filme, especialmente nessa fase final da carreira, é uma descoberta deliciosa e que demonstra um diretor lúcido e totalmente maduro. E essa primeira (de duas, a segunda seria com o EMISSÁRIO de MACKINTOCH) parceria com Paul Newman é um dos grandes momentos de sua belíssima filmografia.