
Por trás de um título nacional meio genérico como FORÇA CRUEL (Raw Force) esconde-se uma pequena preciosidade do cinema exploitation americano-filipino oitentista que precisa urgentemente ser redescoberto. Na verdade, tenho certeza que todos vocês já, no mínimo, ouviram falar ou leram sobre esse petardo. Se não, agora é a hora. E não se preocupem, podem acusar o filme de qualquer coisa, mas genérico é algo que ele não é.

Na trama, um grupo de praticantes de artes marciais embarca numa aventura num pequeno cruzeiro pelo Pacífico, pros lados das Filipinas, que promete ser, digamos, muito agradável. A começar pelo capitão da embarcação ser interpretado por ninguém menos que Cameron Mitchell.

Exibições de artes marciais, uma paradinha na cidade pra compras, bar de striptease, bordéis e uma festinha em alto mar cheia de moças de topless são alguns atrativos. O básico de um bom cinema de exploração. Mas um dos principais destaques desse passeio é visitar uma tal Ilha do Guerreiro, que dizem ser local sagrado, onde grandes mestres das artes marciais estão enterrados. Só alegria.
Outra atividade local é ser um ponto de operação de tráfico de mulheres em troca de pedras de jade entre um sujeito com bigodinho de Hitler – e seus capangas motoqueiros nazistas – com uma ordem de monges canibais que acredita ter o poder de ressuscitar os mortos ao comerem carne das jovens.



Eventualmente, toda essa rapaziada acaba na Ilha do Guerreiro, onde acontece uma batalha envolvendo os turistas das artes marciais, os traficantes nazistas de mulheres, os monges canibais e até os zumbis guerreiros que estavam enterrados ali e que ganharam vida novamente…
Sim, FORÇA CRUEL é tão bom que parece uma produção do Roger Corman ou dirigido pelo mestre do cinema grindhouse filipino Cirio H. Santiago.

Mas essa impressão tem força sobretudo pela presença de atores como Vic Diaz, que tá em quase tudo que o Cirio H. Santiago fez, e Jillian Kesner, que estrelou o clássico FIRECRACKER, que comentei por aqui há um tempinho. No entanto, FORÇA CRUEL não tem nada de Cirio nem do Corman (exceto por algumas imagens de arquivos das paisagens filipinas que a New World Pictures, do Corman, forneceu para esta produção), mas pra quem espera encontrar uma série de elementos típicos do cinema de exploração filipino que esses caras faziam nesse período, numa trama que só serve a este pretexto, o diretor estreante Edward Murphy nos entrega tudo particularmente bem.
Um monte de coisa bizarra tá incluída no cardápio como podem ter notado na sinopse. É até difícil listar a quantidade de absurdos; e mesmo sendo um filme que não necessariamente brilha por sua coerência narrativa, sabe trabalhar os elementos que agradam o seu público específico. E o essencial: com um ritmo que nunca diminui. Uma verdadeira metralhadora dos ingredientes do cinema grindhouse, com a total negligência assumida por um realizador que sabe muito bem que o seu filme não é uma obra-prima.
Mas é quase lá, dependendo do seu bom gosto pra cinema.



Tudo é realmente pensado para deixar as coisas boas que o cinema de exploração tem a nos oferecer. E, o melhor, com humor, sem se levar muito à sério – basta a longa sequência da festinha no barco, que tem o tom das melhores comédias oitentistas, cheia de personagens e situações cômicas pra gerar boas risadas – mas sem nunca tentar parecer um filme bobo. É tudo bem consciente, bem escrito… Er… “Bem escrito” é uma expressão forte, mas tudo funciona tão bem…
Até teria sido fácil tentar fazer uma espécie de autoparódia de, sei lá, filmes de artes marciais em ilhas exóticas. Mas paródias são geralmente muito menos divertidas da coisa real, consciente, que é o que temos em FORÇA CRUEL. Existe uma linha tênue entre maluquice e estupidez, e Edward Murphy é um maluco de primeira linha. O filme inteiro é uma coleção de momentos genuínos de humor, com diálogos que são autênticas pérolas, várias situações com um toque de comédia involuntária, tudo misturado a instantes absurdos de violência e gente pelada. E é o que torna isso aqui simplesmente mágico.

No quesito ação, temos MUITAS sequências de pancadaria, que são decentes até certo ponto. As pessoas lutam em todo lugar – clubes de striptease, cemitérios, barcos – você escolhe. A parte do ataque à embarcação, logo depois da festinha, é bem divertida, tem até alguma coreografia e certa criatividade, é uma das melhores do filme, com destaque para a sequência que uma moça completamente nua está amarrada numa cama, num quarto apertado, enquanto rola uma pancadaria à sua volta.
A ação que acontece no cemitério, já na tal ilha, é outro petardo dentro do filme, cheia de momentos notáveis. E, claro, a ação final, quando os zumbis samurais, ninjas e guerreiros de todas as espécies pintados de cinza aparecem pra dar trabalho para os nossos heróis fecha o filme lá em cima, com chave de ouro. É tudo muito doido, mas que faz valer a experiência de assistir algo único como FORÇA CRUEL.


Temos um elenco divertido para apreciar. Um monte de gente que não conheço, mas que parecem estar se divertindo; temos a já citada Jillian Kesner, que é boa de porrada… Mas nada se compara com o grande Cameron Mitchell marcando presença bem mais que o habitual nesse período, mostrando todo seu entusiasmo, claramente embriagado em todas as cenas que aparece. O grande Vic Diaz também se destaca como monge malvado. E por ser um monge malvado ele ri muito. Por quê? Não faço a menor ideia, mas toda vez que ele faz isso é fantástico. E Ralph Lombardi tá bem engraçado como o Hitler fake, com seu terno branco, sotaque ruim e o olho trêmulo sequestrando mulheres filipinas nuas…

Sem grandes arcos dramáticos, redenções, estudos sociais, filosóficos, psicológicos, contextos políticos… FORÇA CRUEL é apenas uma bagunça majestosa em forma de filme. Quero dizer, é uma obra que apenas joga tudo o que é possível no liquidificador e o resultado é fascinante, um épico do mau gosto cinematográfico que funciona lindamente para paladares finos que apreciam cinema exploitation. Só faltou uns robôs, alienígenas e vampiros saltitantes.
Obviamente FORÇA CRUEL não é recomendável ao cinéfilo brioche que só assiste Truffaut e Bergman… Mas os apreciadores de uma tralha vão aproveitar este festival de nudez, violência e várias bobagens que ele proporciona. O único problema grave é que o filme termina com um letreiro dizendo que teria uma continuação. nunca aconteceu, o que é uma pena…