INFERNO VERMELHO (1988)

Não tem muito como errar com a boa e velha fórmula do “filme de parceiros policiais“. Ou como ficou mais conhecido no seu próprio idioma original, os buddy cop movies. Era pegar dois sujeitos de personalidades, classes, culturas opostas, ou seja lá o que for, e colocá-los juntos para resolver crimes enquanto batem boca e defendem visões divergentes… É claro que colocar a Whoopi Goldberg fazendo parceria com um dinossauro de látex não é lá uma boa ideia… O dinossauro merecia um parceiro melhor. Mas os exemplos positivos de buddy cop movies temos aos montes. É como pizza, até quando é ruim é bom.

Um diretor que é sinônimo de buddy cop movies é Walter Hill, um dos responsáveis por definir as regras do sub-gênero ainda lá atrás no início de carreira, como roteirista, em HICKEY & BOGGS (72), dirigido pelo Robert Culp, ou no piloto DOG AND CAT (77), antes mesmo de realizar seu próprio exemplar nos anos 80, o clássico 48 HORAS (1982). E tão familiar com o tema, Hill sempre encontra um jeitinho de dar uma boa variada na fórmula.

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Em INFERNO VERMELHO (Red Heat) essa variação vem num trabalho de “choque cultural”. Tá certo que o resultado acaba sendo tão ingenuo e cartunesco quanto o de ROCKY 4, mas reflete a visão estereotipada coletiva da Rússia pelos americanos do período. Além de funcionar bem como pano de fundo de um filme de ação policial que se propõe a ser uma sátira de diferenças de costumes. Mas o verdadeiro desafio de Hill não era tão simples e poderia colocar todo o projeto a perder. Consistia em trocar as peças um pouco de lugar e convencer o público americano dos anos 80 a aceitar um soviético comunista como herói da história.

Uma grande sacada para resolver essa questão pode ter sido usada já na escolha do ator que faria esse herói, já que naquele período qualquer produção que Arnold Schwarzenegger se envolvesse seria quase automaticamente levada à aceitação pública. O cara era um astro, o “tough guy” do momento ao lado de Sylvester Stallone, e não seria o fato de encarnar um russo que mancharia sua imagem.

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Aliás, a gênese de INFERNO VERMELHO nasceu do desejo de Hill em dirigir Schwarzenegger, o que trazia ao mesmo tempo algumas questões que incomodavam o diretor, como o sotaque do austríaco, por exemplo, que não encaixava em nenhum personagem previamente pensado. Então, Hill veio com a ideia do sujeito ser soviético e a partir disso, com o ator em mente, é que ele, Harry Kleiner e Troy Kennedy-Martin escreveram o roteiro.

Schwarza se encaixou perfeitamente e Hill soube aproveitar a sua iconografia de modo fundamental. Basta reparar na entrada do ator em cena, na sequência inicial na sauna russa, com a câmera passeando pelo corpo de Schwarza imponente como se estivesse estabelecendo um componente dramático-visual relacionado ao físico. Schwarza desempenha seus papéis com presença física em qualquer filme do período, na maneira como seu bíceps aparece na tela, como os músculos do pescoço se comportam no enquadramento, como as veias sobressaltam na pele somando valor estético, é o que torna filmes como INFERNO VERMELHO, CONAN – O BÁRBARO e PREDADOR tão físicos.

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A trama de INFERNO VERMELHO a grande maioria dos fãs do gênero já conhece, mas vamos lá: Schwarza é o capitão Ivan Danko, um policial de Moscou altamente badass que vai parar em Chicago na cola de um perigoso criminoso russo (Ed O’Ross) que matou seu parceiro. Na América, após o estranhamento inicial, ele acaba ganhando a camaradagem, depois de muita resistência, de um controverso e espertinho policial de Chicago, vivido por James Belushi, que lhe ajuda a seguir os rastros do bandido.

O que se desenrola a partir dessa premissa não é exatamente importante, serve apenas de base para algumas questões que interessam a Hill e, obviamente, ao público ávido por este tipo de produto, como a ação física, a sátira escrachada e o relacionamento entre as duas figuras que vamos acompanhar nessa aventura.

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Uma das razões pela qual INFERNO VERMELHO funciona lindamente pra mim, e que eu já ressaltei, é que se assume logo de cara como uma sátira de “choque cultural” cheia de contornos cômicos que envolvem a jornada desse russo na América. É praticamente uma comédia de costumes e é difícil segurar o riso das situações que Danko, o policial russo comunista, passa na meca do capitalismo. A própria maneira como Hill trabalha a imagem para enfatizar certas coisas é muito forte aqui, como a forma que filma Moscou – clean, sóbria e contemplativa – se contrapondo a Chicago, o caos, a poluição sonora e visual, local sujo repleto de bandidos e putas. Danko liga a TV no quarto de hotel em que está instalado e rola um pornozão de boa. A reação dele é hilária: “Capitalistas“.

Em outras ocasiões já acho que o humor nem era intencional, mas não dá pra não rir com Danko, depois de encontrar um pacote de droga na perna de madeira de um sujeito, soltando um “cocainum!“. A química entre Schwarzenegger e Belushi também é um ponto forte nesse lado cômico do filme. Belushi nunca vai chegar aos pés de seu irmão, John Belushi, um ícone da comédia americana, mas até que ao seu modo conseguiu sair da sombra do irmão. Em INFERNO VERMELHO, o sujeito consegue pagar de badass ao mesmo tempo em que arranca boas risadas do público.

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Grande parte do diálogo entre Belushi e Schwarza consiste no primeiro soltando algo do tipo: “Do I look like a fucking cab to you?“, seguido por um “yes” monossilábico de Arnie… E basta para me deixar com um sorriso na cara.

Já a sequência que os dois discutem sobre o fato de Danko ter um periquito de estimação é simplesmente de rachar o bico… Além de Schwarza e Belushi, o elenco merece atenção com vários nomes interessantes que surgem na tela. Ed O’Ross encarna com desenvoltura o papel do vilão russo, temos Peter Boyle como chefe de polícia, Laurence Fishburne, Gina Gershon e uma impagável participação de Brion James.

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Outro principal motivo para qualquer fã de cinema de ação ter a obrigatoriedade de conferir INFERNO VERMELHO é justamente pelas sequências de ação. Hill foi um dos grandes nesse departamento, herdeiro direto de Sam Peckinpah, não economizava em virtuosismo ao filmar tiroteios e perseguições, mesmo que as sequências não sejam nada extravagantes.

Seus tiroteios são crus, filmados com classe, mas que rendem uma boa dose de brutalidade. Os dez primeiros minutos de INFERNO VERMELHO são de arregaçar! Temos Schwarza trocando socos com russos bombados numa sauna, que prossegue num campo aberto coberto de neve e, logo em seguida, um tiroteio classudo num bar que culmina na morte do parceiro do protagonista.

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Outro destaque é o tiroteio na espelunca em que Danko está hospedado. A edição simples, o trabalho com o movimento dos corpos e espaços, a violência dos tiros – causa e efeito bem definidos, filmados com clareza – e até uma prostituta peladona enchendo um bandido de chumbo, proporcionam uma boa dose de truculência.

A exceção da ausência de “espetáculo” na ação de Hill fica na sequência final, em que bandido e mocinho usam um ônibus cada um numa perseguição frenética em meio ao trânsito da cidade, dando um toque do exagero oitentista à obra, mas sem perder a elegância.

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INFERNO VERMELHO é daqueles filmes que eu posso rever e rever quantas vezes forem necessário e ainda vou estar longe de enjoar. Até a sua reflexão ingênua da dialética comunismo x capitalismo funciona bem numa trama que não tenta fazer nada de diferente em termos de estrutura dos buddy cop movies, mas tem a personalidade de seu diretor e entrega exatamente o que promete: ação de primeira qualidade, humor zoeiro e ainda cria um dos personagens russos mais casca-grossa do cinema americano.

Não é o melhor filme que Hill dirigiu, nem o melhor veículo que Arnold Schwarzengger estrelou, mas sem dúvida alguma é um dos produtos mais divertidos que ambos fizeram.

★ ★ ★ ★


Texto originalmente escrito para o Action News em maio de 2018.

HERCULES IN NEW YORK (1969)

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Tirei o último fim de semana para conferir alguns debut. Eu nunca tinha visto esta estreia de Arnold Schwarzenegger no cinema, ainda creditado como Arnold Strong… Acho que ninguém botava muita fé no segundo nomezão do sujeito, quem iria prever que se tornaria um dos maiores astros do cinema de ação casca-grossa de todos os tempos? Ainda mais com este HERCULES IN NEW YORK, que é uma baita furada como filme de estreia. Não sei se o então Mister Universo se orgulha muito deste seu primeiro papel, mas é um espetáculo de cenas sem pé nem cabeça, péssimas atuações e um roteiro sem vergonha, que só teria valor mesmo como curiosidade dos fãs do sujeito… Se bem que eu tenho uma queda pelo ridículo, como vocês sabem, então acho que o filme tem lá sua graça.

Arnie, obviamente, é o Hércules do título. O filme começa com o personagem ainda no Monte Olimpo queixando-se a seu pai Zeus que gostaria de ter uns momentos de diversão na Terra. Zeus é contra a essa ideia, mas Hércules acaba indo assim mesmo, para o desgosto do Pai dos Deuses, e se mete em altas confusões… Especialmente depois de fazer amizade com o baixinho Pretzie (Arnold Stang), se meter com gangsters e se tornar um lutador de wrestler profissional! Sim, porque é exatamente isso que Hércules faria se fosse para Nova York… Não demora muito, Zeus fica chateado, achando que Hércules está fazendo uma imagem errada dos deuses e tenta de qualquer maneira fazer com que ele volte para o Monte Olimpo. Sendo assim, ele envia Mercúrio e eventualmente Nemesis para lidar com a situação, mas as coisas vão sempre de mal a pior.

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E aí um monte de bobagens acontecem com o ingênuo Hércules, do tipo que é difícil imaginar algum realizador levando isso a sério, como na cena em que Hércules encara um urso fugido do zoológico num parque qualquer, por exemplo. É impossível não notar que o animal é claramente um sujeito vestido de urso e ninguém faz esforço algum para esconder isso. Só Arnie parece se esforçar e aproveitar mais um momento pra flexionar seus músculos mais uma vez, que é o tour de force da performance de Arnie, a dramaturgia do bíceps…

Qualquer oportunidade que o cara tem para tirar a camisa ele o faz. Porque essa é a sua arte, sua forma de se expressar. Dizem que para conseguir o papel por aqui, o agente de Arnie convenceu os produtores de que ele tinha experiência em palco… E é claro que tinha, mas como halterofilista, não com arte dramática. O sujeito subia num palco e exibia o peitoral, só viria recitar Shakespeare em 1993 em O ÚLTIMO GRANDE HERÓI numa cena antológica. Portanto, é esse conceito que temos que ter em mente numa de suas cenas mais patetas por aqui, quando ele arranca a camisa em plena Nova York apenas para se comparar ao cartaz de um filme do Hércules passando nos cinemas… Que atuação! Haha!

Vale destacar que Arnie foi dublado, o que torna tudo ainda mais bizarro… O sujeito é, sem dúvida, o melhor espécime possível para sequências como a do duelo de levantamento de pesos, ou a  cena que conduz uma carruagem ao estilo BEN HUR em plenas ruas da maior cidade do mundo numa perseguição alucinante (e muito mal decupada!) ou quando pratica wrestling em um “urso”… Enfim, é evidente que a escalação de Arnie em HERCULES IN NEW YORK foi puramente pelo aspecto físico. Mas até que Schwarzenegger exibe um mínimo de carisma e me parece legítima e honesta a maneira como aproveita essa sua primeira experiência, sem medo de fazer uma caricatura de si mesmo, o grande Mister Universo do período.

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É preciso fazer menção de algumas sequências do mais alto grau de surrealismo, como todas que se passam no fajuto Monte Olimpo, que mais parece ser situado num jardim emprestado por alguma biblioteca ou algo do tipo. Mas o melhor desses trechos são as terríveis atuações, que fazem o próprio Schwarzenegger aqui merecer um Oscar pelo seu desempenho. Uma das cenas mais “geniais” é quando Zeus manda ajuda a Hercules,  Atlas e Sansão, duas figuras carimbadas dos pepla italiano que aparecem do nada, no meio de uma confusão, para ajudar Hercules que perdeu seus poderes, e não dá conta de uma dúzia de gangsters… Desses momentos que de tão constrangedor acaba por ser também hilário!

É aquele negócio, HERCULES é uma diversão tola, que tem que ser visto com muito bom humor, por mais ínfimo e vagabundo que seja. Vale a pena, nem que seja para dar boas risadas dos micos de início de carreira de um dos astros mais populares do cinema pós anos 80…

ESPECIAL McT #6: O ÚLTIMO GRANDE HERÓI (Last Action Hero, 1993)

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O ÚLTIMO GRANDE HERÓI foi um dos filmes mais importantes da minha pré-adolescência, que me fez compreender, ainda muito cedo, sobre questões que envolvem a magia do cinema, sobre a linha que separa a fantasia da realidade, sobre os heróis de ação que fizeram minha cabeça quando era moleque, como Stallone, Van Damme, Steven Seagal, e claro, Arnold Schwarzenegger. E o mais legal é que esta aula de cinema não soa chata nem pretensiosa, mas diverte a valer com uma narrativa embalada à doses de ação, muito humor, trilha sonora esperta, referências cinematográficas, enfim, é sempre um prazer rever essa joia dos anos 90.

Um dos motivos que me fazia gostar tanto de O ÚLTIMO GRANDE HERÓI era a condução narrativa através do ponto de vista de um garoto, com seus 13/14 anos, movie geek, apaixonado pelo bom e velho cinema de ação da mesma forma que muitos de nós éramos na mesma época. Que garoto não gostaria de vivenciar a libertação dos reféns em DURO DE MATAR acompanhado de John McClane, ou ter ido à Marte em uma aventura sensacional com Douglas Quaid em O VINGADOR DO FUTURO? É esse tipo de sensação que o filme proporciona, mais ou menos da mesma forma que O EXTERMINADOR DO FUTURO II, que não deixa de ser um bom exemplo também, apesar do tom mais pesado, melancólico, e não o faça como análise, mas como elemento dramático.

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Na trama, o tal garoto recebe um bilhete mágico que misteriosamente o transporta para dentro do filme de ação cujo personagem principal é o famoso Jack Slater (vivido pelo Arnie), um policial durão bem ao estilo STALLONE COBRA. E todo o conceito do filme é trabalhado com o garoto tentando convencer Slater que aquele universo é, na verdade, uma mentira, um filme, gerando situações antológicas, como a sequência da vídeo locadora, onde Stallone é o ator estampado numa peça promocional de O EXTERMINADOR DO FUTURO II. Mas uma das minhas cenas favoritas é como o garotinho imagina a adaptação de Hamlet, de Shakespeare, com o Schwarzenegger no papel título, soltado a célebre “ser ou não ser?” para, logo depois, sair atirando com armas de fogo e lançando granadas para vingar a morte de seu pai, o rei da Dinamarca… Hahaha!

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Arnie, aliás, está ótimo com seu personagem, muito à vontade, a todo momento soltando frases de efeito, brincando com a essência e a mitologia do herói dos filmes de ação. O sujeito consegue imprimir de maneira exata aquilo que o filme propõe: ser uma brincadeira das mais inteligentes sobre o mundo do cinema. O garotinho também contribui com isso, e os vilões são um conjunto de todos os estereótipos desta espécie. Aliás, O ÚLTIMO GRANDE HERÓI vai buscar alusões, elementos e fundamentos dos filmes do gênero para enriquecer o discurso, como os exageros intencionais em sequências de ação, personagens extremamente caricatos, e se alguém aí não entender a piada, fica difícil gostar (e se você não gosta de filmes de ação, então esqueça).

O elenco é um destaque à parte, em especial na galeria dos bandidos, os quais inclui Anthony Quinn, Charles Dance, Tom Noonam e F. Murray Abraham (“Ele matou Mozart!”). Ainda temos Art Carney como o velho lanterninha do cinema com o ticket mágico e Ian McKellen encarnando a Morte que sai do filme O SÉTIMO SELO, de Ingmar Bergman, e começa a vagar pelas ruas de Los angeles. A sequência que se passa na premiere do novo filme de Jack Slater é uma delícia, cheia de participações especiais, como Van Damme, Chevy Chase, James Belushi…

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A direção de O ÚLTIMO GRANDE HERÓI não poderia ser melhor. Claro que ajuda muito ter um mestre do cinema de ação como John McTiernan, o homenageado atual do blog, comandando a produção. Um sujeito que faz PREDADOR, e revoluciona o gênero com DURO DE MATAR, tem total consciência no que estava realizando aqui. Por isso engana-se quem acha que o filme é apenas um action movie exagerado e sem cérebro dos anos 90. Penso que O ÚLTIMO GRANDE HERÓI talvez seja até perspicaz em demasia para seu público alvo, embora um moleque de 13 anos consiga entender tranquilamente, ou pelo menos sentir a experiência divertidíssima que é, embora a “crítica séria” da época, ao que parece, não entendeu muito bem a piada.

ESPECIAL McT #2: O PREDADOR (Predator, 1987)

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O legal de fazer uma peregrinação pelo cinema de John McTiernan é que sua filmografia não possui má fase. Tá certo que 13º GUERREIRO não é lá grandes coisas – preciso rever, só lembro que não gostei – mas a carreira do homem é coerente no seu excelente nível de qualidade. E logo após a estreia com NOMADS, o sujeito já ataca com O PREDADOR, daqueles filmes que representa tudo que há de melhor no cinema de ação truculento dos anos 80. E ainda acrescenta um elemento sci-fi para deixa a coisa ainda mais interessante.

McTiernan tem a capacidade de fazer filmes que se tornam mais sublimes a cada novo contato. Pelo menos os principais têm essa proeza de nunca perderem a força: DURO DE MATAR (88), O ÚLTIMO GRANDE HERÓI (93), DURO DE MATAR III (96) e, claro, este aqui, que revi pela milésima há poucos dias e, não teve jeito, permanece a belezura de sempre.  

Na trama, o major Dutch, vivido pelo Arnold Schwarzenegger, comandante de um grupo de veteranos do Vietnam especializado em missões especiais, é convocado para resgatar militares que, possivelmente, foram sequestrados por guerrilheiros nas selvas de algum país latino-americano após a queda do helicóptero que os transportavam. Em pouco tempo de busca, os militares são encontrados… mortos. Com os corpos totalmente esfolados, pendurados nas árvores de cabeça para baixo. A partir daí, a busca passa a ser dos assassinos dos companheiros pela floresta adentro, já que ninguém pode sair impune de tamanha barbárie.

No entanto, Dutch e seus homens, aos poucos, começam a perceber, da pior maneira possível, que seu inimigo não é um guerrilheiro, não é nem sequer humano, mas algo desconhecido, com habilidades notáveis e um poder de fogo assustador. A coisa vai esquentando e a tensão subindo à medida em que cada personagem é abatido de forma brutal, até chegar num inevitável confronto, o embate derradeiro e arrasador do homem vs criatura.

Podem não acreditar, mas a gênese de O PREDADOR surgiu como uma brincadeira entre os roteiristas, os irmãos Jim e John Thomas, do tipo “e se rolasse o encontro entre Rambo e E.T. – O EXTRATERRESTRE?“.  Claro que a coisa precisou se desenvolver bastante até se transformar nesta espécie de WILD BUNCH com anabolizantes. Especialmente em relação ao visitante do espaço. E não deve ter sido fácil controlar os egos de todos os brutamontes que conseguiram reunir por aqui. 

Uma das proezas dos roteiristas foi exatamente conseguir criar um conjunto preciso de características para cada personagem, o que deve ter ajudado a manter os egos controlados. Mesmo que alguns sejam um bocado estereotipados, todos têm uma personalidade singular e, enquanto não sobra apenas o Arnoldão no final, TODOS têm praticamente a mesma importância na aventura e possuem seus momentos de protagonismo. 

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Além do Arnie, o elenco parrudo é formado por Bill Duke, Carl Weathers, Sonny Landham, e Jesse Ventura, que tenta roubar a cena. Embora seja um dos primeiros a vestir o terno de madeira, seu personagem, arrogante ao extremo, foi agraciado com algumas das falas mais legais de PREDADOR. “I ain’t got time to bleed” é uma das minhas favoritas. Landham também faz uma figura legal, com toda a mística indígena, trazendo elementos de faroeste para o filme. Curioso que no seu contrato o ator deveria estar sempre acompanhado de um guarda-costas. Mas não era para protegê-lo, mas sim proteger os outros do Landham, que tinha fama de brigão. Do lado menos robusto temos Shane Black, o roteirista criador de MÁQUINA MORTÍFERA, fazendo o papel do cara de óculos menos musculoso do grupo, e Richard Chaves, que não possui tanta presença física, mas consegue se destacar entre os fortões.

No entanto, dentre os brutamontes reunidos aqui, incluindo o próprio Predador, quem se sobressai mesmo é o bom e velho Schwarzenegger. Dutch é um de seus melhores personagens, o primeiro que uniu toda a áurea do action hero com um jeitão totalmente cool. Seja com o charuto no canto da boca e a polo vermelha no início do filme ou com o corpo coberto de lama, segurando uma tocha e gritando à plenos pulmões para atrair o Pedrador para suas armadilhas estilo Rambo. Poucos atores conseguiram chegar no seu nível de presença física, de caracterização do herói cinematográfico, de maneira tão contundente a partir dos anos 80.

Um dos elementos essenciais de PREDADOR em relação aos atores se estabelece logo no início, quando Dutch reencontra um velho companheiro de guerra, Dillon (Carl Weathers). Conan/John Matrix encontra Appolo Creed/Action Jackson! Ambos se vêem, trocam piadas, um chama o outro de filho da puta e dão as mãos para se cumprimentarem. Nesse ato de tocar as mãos, inicia uma pequena disputa de queda de braço e a câmera foca nos músculos avantajados de ambos, especialmente do ex-miss universo que possuía um baita muque.

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O físico, a força bruta, dos atores funciona como componente dramático-visual. Esses caras, pelo menos a maioria, desempenham seus papeis não apenas através do gesto corporal, das expressões faciais, da fala e suas entonações, mas também na maneira como o bíceps aparece na tela, como os músculos do pescoço se comportam no enquadramento, como as veias sobressaltam na pele somando valor estético, o que torna PREDADOR um dos filmes mais físicos que existe.

E ver como esse bando de machões musculosos começa a demonstrar fragilidade e medo diante da ameaça desconhecida é uma das ideias mais incríveis do filme. Há uma cena em que Landham diz, com toda frieza do mundo, que está com medo. E Chaves retruca “Bullshit. You ain’t afraid of no man.“. “There’s something out there waiting for us, and it ain’t no man. We’re all gonna die.“, arremata Landham. Ainda assim, na hora do “vâmo vê”, o sujeito larga a metralhadora, e pega uma faca para esperar uma morte honrosa enfrentando o adversário de frente.

Quando o Predador finalmente aparece em cena, percebe-se que os personagens realmente tinham motivos para temer. A ideia da camuflagem é ótima, bem feita com os efeitos especiais da época, mas é em seu estado natural, e sem a máscara, que a coisa impressiona. E pensar que tudo poderia ser diferente, no mau sentido… Sim, aquela história de que Jean-Claude Van Damme havia sido escalado para ser o Predador é verdadeira. O belga chegou a participar de algumas filmagens, mas sua participação foi interrompida e, aparentemente, suas cenas não chegaram a ser utilizadas. O problema foi quando a fantasia de alienígena, na concepção original (foto abaixo) chegou à locação para as filmagens. A produção percebeu que o visual era absurdamente inapropriado. Parecia um besouro gigante, um monstro de ficção científica dos anos 50. No papel funcionava, mas na prática não.

Acreditem. Dentro daquela roupa está JCVD.

Acreditem. Dentro daquela roupa está JCVD.

Após algumas tentativas, decidiram que atitudes drásticas deveriam ser tomadas. Contrataram o mestre Stan Winston, que em tempo recorde criou o visual do alien que aparece no filme. Trocaram o dublê (Van Damme) que vestiria a fantasia, pegaram um sujeito de dois metros de altura, e voilà, estava pronto um guerreiro das estrelas, com visual badass, dreads, e uma imponência de dar calafrios. Além disso, Van Damme é baixinho, não fazia muito sentido tê-lo como um perigoso alienígena. O que ele faria no confronto com o Arnie? Daria um chute rodado?

O Predador não possui qualquer de background nesse primeiro filme. Sabemos que é um visitante de outro planeta porque logo na abertura uma nave espacial chega à Terra. Em PREDADOR 2 é possível conhecer alguns detalhes a mais. No entanto, o que importa aqui é a ameaça ele representa. É a perfeita personificação do mal, um colecionador de crânios humanos querendo aumentar seu mostruário. E isso basta para embarcar na aventura de Arnie e seus companheiros. El Diablo cazador de hombres, como bem define Elpidia Garrillo, a única mulher no filme.

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E parece que o Predador se diverte bastante com essa sua atividade, brincando de “quem eu vou matar primeiro?“. Claro que ele facilita as coisas para o seu lado com seus aparatos alienígenas de última geração pra cima de indivíduos inferiores como nós, terráqueos. Deve ser para não correr muitos riscos. Mas não desperdiça a chance de uma boa briga de mãos limpas, como no final, quando tira o capacete, as armas e decide encarar o Shwarza no mano a mano.

Dentre todos os envolvidos em O PREDADOR, talvez o mais casca-grossa mesmo seja o McTiernan, cuja carreira de diretor estava dando ainda os primeiros passos, mas encarou o projeto, pegou vários brutamontes, jogou todos no meio do mato e filmou como gente grande. Após essa experiência o sujeito estava pronto pra outra. E não foi a toa que no ano seguinte revolucionou o cinema de ação com DURO DE MATAR.

Toda a trama de O PREDADOR é uma grande aventura, um grande thriller, com tiros e explosões pontuais distribuídas pela narrativa, mas bastante focado no suspense, na ideia do monstro que pode atacar a qualquer instante. Um dos grandes momentos do filme faz exatamente essa mistura de suspense e a ação exacerbada típica dos anos 80:

Após a tensão de um iminente encontro com a criatura, Bill Duke chega ao local onde Ventura fora atingido por um laser e só dá tempo de ver o Predador piscando os olhos para ele. Num ato de desespero instintivo, o sujeito pega a minigun e começa a cuspir fogo na direção que o nariz aponta. Aos poucos, os outros companheiros vão chegando e, mesmo sem fazer a mínima ideia em quem ou o que o Duke está atirando, não pensam duas vezes e começam a atirar também! E quando a munição do pente acaba, eles trocam e continuam atirando! São 64 segundos da mais pura dose de truculência cinematográfica!

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Ação urgente e frenética, com troca de tiros, facadas e pirotecnia, ao estilo COMANDO PARA MATAR, só acontece em um momento, o ataque ao acampamento dos guerrilheiros. Mas é para arregaçar! McTiernan conduz o espetáculo de maneira clássica e artesanal, com muito domínio da gramática da ação, filmando apenas o essencial. O resultado não poderia ser mais expressivo, classudo e fisicamente exagerado. Especialmente quando temos Jesse Ventura com sua minigun! É de encher os olhos dos aficcionados pelo gênero, graças, também, ao trabalho excepcional do coordenador de dublês, Craig R. Baxley, que dirigiu alguns filmes interessantes, como ACTION JACKSON, STONE COLD e I COME IN PEACE.

A verdade é que com o elenco que temos aqui, a construção dos personagens e a trama estilo jungle war, não precisaria nem de um alienígena assassino na jogada para termos um bom filme de ação oitentista. Mas, como temos um ingrediente que torna o filme mais especial do que já seria, ao final rola o confronto épico entre Arnold e a criatura do espaço para arrematar um filme perfeito, simples e sem excessos. O estilo aqui é diferente da ação anterior, mais cadenciada, atmosférica e estratégica, mas não menos física. Quando os dois personagens partem para a trocação, o austríaco leva a maior surra de sua carreira, mas McTiernan cria algumas das imagens mais emblemáticas do cinema de ação e ficção científica dos anos 80.

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Como todo clássico instantâneo daquele período que se preze, PREDADOR, numa original mistura de gêneros, também influenciou algumas produções menos abastadas, que aproveitavam as principais ideias de filmes de sucesso, gerando os famigerados rip-off’s. Da mesma maneira que MAD MAX II, FUGA DE NY e O SEGREDO DO ABISMO, PREDADOR foi responsável por imitações como ROBOWAR, de Bruno Mattei, BANGIS, DNA, com Mark Dacascos, e vários outros.

Também vieram as continuações. PREDADOR 2, dirigido por Stephen Hopkins, acontece na cidade grande, na selva urbana, e temos Danny Glover como policial tentando resolver a situação. Gosto dessa sequência, só não vi tantas vezes quanto o original. E já está meio que na hora de rever… PREDADORES, de 2010, é bem fraco. Agora, os crossovers do universo ALIEN com PREDADOR, confesso que nunca tive interesse algum em conferir. Prefiro continuar revendo de vez em quando esta  maravilha aqui.