HOWARD HAWKS: FINAL

HATARI! (1962)
Hawks no seu modo tardio descontraído pós ONDE COMEÇA O INFERNO. Muito pouco a título de enredo, trama, não há antagonistas, apenas um amontoado de situações com o senso de aventura fenomenal do diretor, seu humor típico e a dinâmica entre os personagens. Um bando de marmanjos na África, à serviço de um zoológico, enchendo a cara e contando prosa, um rinoceronte ensandecido, três filhotes de elefante assanhados e uma italiana que chega pra balançar o coração do Duke. Como dizia o Carlão Reichenbach: a aventura maior do cinema.

O ESPORTE FAVORITO DOS HOMENS (Man’s Favorite Sport?, 1964)
Um renomado especialista em pesca, vivido por Rock Hudson, que sem o conhecimento de seus amigos, colegas de trabalho ou chefe, nunca lançou uma linha de pesca em sua vida. Um dia, ele cruza o caminho de uma garota irritante (Paula Prentiss) que acaba de persuadir seu chefe a inscrevê-lo em um torneio anual de pesca. A confusão está armada. Não é a comédia perfeita do diretor, mas há muito o que gostar em seu próprio jeito. Engraçado, leve, romântico e, afinal, quantos filmes de Hawks temos um urso andando de motoca? Uma despedida divertida, a última Screwball Comedy de um dos maiores mestres do gênero.

RED LINE 7000 (1975)
O filme gira em torno de corredores da Stock Car e todo um universo que os rodeia, as paixões, desilusões, relações, num turbulento retrato sobre indivíduos do mundo das corridas profissionais. Acho foda que Hawks já na reta final da carreira fez esse petardo esquisito, que mesmo sendo um filme tão hawksiano, parece mais um filme do Roger Corman produzido pela AIP. É troncho, uma grande novela da globo, tem alguns dos piores diálogos da filmografia do diretor, o próprio Hawks detestava, mas ao mesmo tempo é um dos filmes mais verdadeiros, humanos e com mais força emocional que o sujeito já fez. Lindo, o tipo de obra-prima imperfeita que eu não resisto…

EL DORADO (1966)
Hawks se reuniu novamente com John Wayne para este “remake espiritual” de seu clássico ONDE COMEÇA O INFERNO. É tipo um “copia, mas faz diferente“. O Duke faz um pistoleiro que se junta a seu velho amigo, o xerife bêbado de Robert Mitchum, para ajudar uma família de fazendeiros a lutar contra um rival que tenta roubar suas terras. James Caan também tá aqui, depois de trabalhar com o diretor em RED LINE 7000. Hawks cria mais uma mistura especializada de emoção, ação e boas risadas, apresentando os dois dos veteranos da era de ouro de Hollywood, Wayne e Mitchum, em estado de graça, entregando desempenhos divertidos de ver, embora o filme no geral não chegue no mesmo nível de seus melhores trabalhos.

RIO LOBO (1970)
Último filme que Hawks dirigiu. Após a Guerra Civil, o personagem de John Wayne procura o traidor cuja deslealdade causou a derrota da unidade de sua unidade e a perda de um amigo próximo. Durante a jornada, acaba se envolvendo numa aventura cheia de ameaças e figuras hawksianas. Embora não seja dos seus melhores westerns e colaborações com o Duke – o filme já nasce anacrônico para o período e com a trama cansada (Hawks recria pela terceira vez a mesma situação de ONDE COMEÇA O INFERNO e EL DORADO, encerrando a carreira numa espécie de trilogia com estes outros dois) – não deixa de ser divertido e ter seus momentos. Uma bela despedida de um dos maiores diretores que Hollywood já teve.

Acima, o último plano do último filme de Hawks. Fim da maratona.

HAWKS NOS ANOS 50

Depois de um pequeno descanso fora da cidade, longe de computador, voltamos à programação normal:

O RIO DA AVENTURA (The Big Sky, 1952)
Tenho quase certeza de que quando o Carlão Reichenbach falava da exuberância da aventura de Hawks, ele tava pensando em O RIO DA AVENTURA. O filme é basicamente um grupo de homens descendo um rio num barco, encarando perigos naturais, trocando tiros com índios, há cenas de homens puxando o barco com uma corda contra correnteza, fazendo catapulta com árvore para lançar um cervo morto do alto de uma montanha, praticamente remete a um filme do Herzog, muito antes do Herzog! Obviamente surgem também as subtramas hawksianas. A maior parte do interesse do filme está na relação entre Kirk Douglas e Dewey Martin, que traz um pouco a dinâmica entre Victor McLaglen e Robert Armstrong no filme mudo do diretor A GIRL IN EVERY PORT (1928), que comentei aqui no primeiro post que fiz dessa série. Belissimamente fotografado, O RIO DA AVENTURA tem todo um senso de épico, de uma aventura grandiosa, que é boa de acompanhar… Só achei mais longo do que precisava.

O INVENTOR DA MOCIDADE (Monkey Business, 1952)
Hawks volta ao Screwball comedy e um pouco ao seu clássico LEVADA DA BRECA, com Cary Grant mais uma vez interpretando um professor confuso lidando com percalços profissionais e românticos. Ele é um químico cujo chimpanzé de laboratório descobre uma poção da juventude, causando complicações para ele, sua esposa (Ginger Rogers), a secretária do laboratório (Marilyn Monroe) e seu chefe (Charles Coburn). Embora não seja tão bom quanto LEVADA DA BRECA, que é a obra-prima do Hawks no gênero, na minha opinião, ainda é extremamente divertido à sua maneira. Grant e Rogers, sozinhos ou juntos, sob o efeito da poção de rejuvenescimento em performances físicas incríveis, é simplesmente antológico. A abertura, com o próprio Hawks pedindo a Grant pra esperar mais um pouco pra entrar em cena, é um desses toques de mestre, que já me faz abrir um sorriso logo de cara, e que permanece até o fim.

OS HOMENS PREFEREM AS LOURAS (Gentlemen Prefer Blondes, 1953)
Divertida adaptação de um clássico da Broadway, sobre duas dançarinas (Marilyn Monroe e Jane Russell) que embarcam para Paris, onde a personagem de Monroe deve se casar com um jovem milionário. No caminho, elas conhecem um detetive particular contratado pelo pai do noivo para investigar se a moça está interessada apenas na fortuna. O filme todo é uma fantasia exagerada bem agradável sobre desejo de libertação feminina e homens como meros objetos. Algumas situações são realmente engraçadas e com números musicais muito bons. E é difícil desgrudar os olhos da dupla principal…

TERRA DOS FARAÓS (Land of the Pharaohs, 1955)
No antigo Egito, o faraó está obcecado em adquirir ouro e planeja levar tudo consigo para a “segunda vida”. Para isso, ele conta com a ajuda de um arquiteto cujo povo é escravizado no Egito. O acordo: construir uma tumba à prova de roubo, cheio de armadilhas secretas, e o seu povo será libertado. Durante os anos em que a pirâmide está sendo construída, uma princesa se torna a segunda esposa do faraó, que não tá muito a fim de deixar o sujeito levar seu tesouro com ele quando morrer… Primeiro e único filme que Hawks filma em CinemaScope. Fritz Lang dizia que o formato só servia pra filmar serpentes e funerais, então Hawks filmou uma serpente e um funeral por aqui. Mas ele não curtiu o resultado, disse, na entrevista com o Bogdanovich, que a tela larga tirava muito a atenção do público… Na verdade, Hawks não gosta de quase nada de TERRA DOS FARAÓS, fora algumas cenas isoladas. Bom, problema é dele. Na minha opinião, o que temos aqui é um dos trabalhos visuais mais poderosos de Hawks, que me ganha mesmo com a trama estranhamente estagnada, mas que consegue ser ao mesmo tempo atrativa e fascinante. Talvez seja um filme menor na obra geral de Hawks, um filme bizarro, nota-se claramente que o diretor tá fora de sua zona de conforto. Mas como filme de gênero, é uma pequena joia que merecia mais reconhecimento.

ONDE COMEÇA O INFERNO (Rio Bravo, 1959)
John Wayne, como o xerife, recusa a ajuda de “amadores bem-intencionados” (como resposta para MATAR OU MORRER, onde Gary Cooper mendiga ajuda o filme inteiro) e fica com um bêbado (Dean Martin), um jovem inexperiente (Rick Nelson) e um velho aleijado (Walter Brennan) para enfrentar um exército de bandidos – além, é claro, da clássica mulher Hawksiana em Angie Dickinson. No autêntico estilo de Hawks, com seus temas recorrentes de camaradagem masculina e profissionalismo em primeiro plano, a aliança improvável dá conta do recado. Hawks abandona um enredo definido e a abordagem épica de seu outro grande western, RIO VERMELHO, para um cenário mais confinado, uma história mais aberta, na qual vão se acumulando situações e arcos dramáticos (o estudo de alcoolismo que faz com o personagem de Martin é notável). São quatro anos que separam TERRA DOS FARAÓS de ONDE COMEÇA O INFERNO. Durante esse hiato, Hawks repensou seu cinema e o modo de o fazê-lo. E quando retornou, o resultado foi esta obra-prima, um filme testamento, um western definitivo e um dos trabalhos mais divertidos de sua carreira.

MAIS HOWARD HAWKS

LEVADA DA BRECA (Bringing Up Baby1938)
David Huxley (Cary Grant) está esperando para conseguir um osso de dinossauro que precisa para sua coleção de museu. Através de uma série de circunstâncias estranhas, ele conhece Susan Vance (Katherine Hepburn), e a dupla tem uma série de desventuras cada uma mais louca que a outra, o que inclui um leopardo chamado Baby. Delícia rever isso aqui. No primeiro filme que trabalham juntos, Hawks coloca Cary Grant usando apenas um robe feminino, gritando “Because I just went GAY all of a sudden!”. Maravilhoso! É praticamente um filme experimental transgressor, não é possível que exista algo até aquele momento com tanta intensidade, energia, que teste os limites extremos do humor. Hawks conduz um autêntico pandemônio, uma narrativa caótica de situações cada vez mais insanas, onde só o exagero surreal impera, sem nunca tirar o foco dos personagens principais, que estão geniais até no overacting. É, ao mesmo tempo, divertido, engraçado e enervante, tenso… Se eu fosse o personagem de Grant nesse filme, já teria cometido um assassinato.

PARAÍSO INFERNAL (Only Angels Have Wings, 1939)
Merecia um texto maior… Em um porto comercial remoto da América do Sul, o gerente de uma empresa de frete aéreo é forçado a arriscar a vida de seus pilotos para ganhar um contrato importante ao mesmo tempo que uma dançarina americana itinerante para na cidade e balança o seu coração. É como se tudo o que Hawks tivesse feito até este momento da carreira, todos os temas que explorou de forma obsessiva, todos os personagens que criou, todos os diálogos, situações, intrigas, dilemas, TUDO fosse um ensaio pra transcender em PARAÍSO INFERNAL da maneira mais sublime e cristalina possível. É um filme que define toda a obra de Hawks e não teria como ser mais perfeito que isso.

JEJUM DE AMOR (His Girl Friday, 1940)
Adaptação da peça The Front Page, do Ben Hecht, por Howard Hawks. Existem diversas adaptações da coisa, inclusive já havia sido filmado em 1931, por Lewis Milestone. Billy Wilder chegou a fazer nos anos 70, com Lemmon e Matthau e até o Ted Kotcheff fez a sua versão com Burt Reynnolds e Christopher Reeve nos anos 80. Mas diferentemente de todas essas versões Hawks e seus roteiristas trocam o papel do repórter por uma mulher (Rosalind Russell), tornando o “embate” entre ela e seu editor (Grant) muito mais hawksiano. Na trama, uma jornalista ex-esposa do editor de jornal, visita seu escritório para informá-lo de que está noiva e que se casará novamente no dia seguinte. O editor não quer deixar isso acontecer e inicia uma sucessão de loucuras para convencê-la a voltar ao seu antigo emprego como funcionária dele, ou como esposa novamente… O filme não é tão intenso e surreal quanto LEVADA DA BRECA, mas é tão divertido quanto, e possui sua dose de insanidade, diálogos frenéticos se sobrepondo, uma loucura… Grande destaque para Russell, que tá maravilhosa, e Cary Grant, mais uma vez provando que é um gênio da comédia. Um detalhe que acho curioso é que toda a trama girar em torno do sujeito que tá no corredor da morte, enquanto tentam criar notícia em cima disso, o que dá aos personagens um verniz desagradável que a natureza do filme meio que encobre. Na superfície, é uma comédia romântica num universo de jornalistas, mas por baixo esconde algo mais dramático e grave. A cena que uma mulher se joga pela janela é um bom exemplo de como Hawks consegue trabalhar com maestria humor e tragédia ao mesmo tempo.

SARGENTO YORK (Sergeant York, 1941)
Num geral, parece menos uma obra com a assinatura de Hawks e mais um filme de John Ford. O herói Hawksiano morre no anonimato, às vezes em missões suicidas, nos confins de uma floresta na América do Sul. O herói Fordiano que é uma figura mais imponente, alçado ao status de mito histórico da América (os grandes coronéis, Wyatt Earp, Lincoln!, etc…). O protagonista de SARGENTO YORK, pacifista religioso que vira herói de guerra interpretado por Gary Cooper, tá mais pra segunda categoria. Mas isso pouco importa, porque o que temos é um belo filme biográfico, indiscutivelmente um dos mais surpreendentes trabalhos do Hawks em termos visuais e técnicos. Gary Cooper tem um dos melhores desempenhos da carreira e, como sempre, Hawks consegue criar um espetáculo na sequência que se passa no campo de batalha. O roteiro tem vários nomes responsáveis, mas de acordo com Hawks, quem realmente escreveu foi John Huston.

BOLA DE FOGO (Ball of Fire, 1941)
Gary Cooper não era exatamente conhecido por comédias, mas nas mãos de Hawks ele prova que pode nos fazer rir – não no nível de um Cary Grant, mas tudo bem – interpretando um sujeito no meio do caos hawksiano. O roteiro, que teve participação de Billy Wilder, faz uma brincadeira genial com os diálogos e o idioma inglês e coloca Cooper como um jovem professor de gramática que trabalha com um grupo de acadêmicos para criar uma enciclopédia. A confusão começa quando ele se depara com uma cantora de boate tagarela (Barbara Stanwyck) fugindo da polícia por conta do namorado gângster e, ao usá-la para pesquisas das gírias modernas, ele se apaixona por essa distinta senhorita. Pode não ser a melhor comédia de Hawks, mas é bem fácil de agradar. Ajuda muito termos um dos melhores elencos que Hawks já reuniu, a química entre os dois protagonistas e a direção magistral de Hawks.

AIR FORCE (1943)
Como entusiasta da aviação, Hawks acabou realizando algumas coisas relacionadas ao tema, o que inclui alguns de seus melhores trabalhos, como THE DAWN PATROL, que já comentei aqui no blog, e a obra-prima suprema PARAÍSO INFERNAL ali em cima. E também este petardo aqui, menos conhecido, que se passa na Segunda Guerra Mundial e se concentra na tripulação de um bombardeiro que chega ao Havaí no momento em que o ataque a Pearl Harbor está acontecendo.

Muita coisa a se destacar por aqui, as sequências dentro do avião são as melhores, seja com a tripulação jogando conversa fora, numa naturalidade pouco convencional pra época, seja em sequências de batalhas angustiantes que até hoje impressionam (e que provavelmente influenciaram George Lucas na hora de filmar algumas sequências de STAR WARS). O filme não tem nenhum grande astro – apesar de ótimos atores, como John Garfield, Gig Young, o velho Harry Carey – e nenhum personagem se sobressai demais, o que torna isso aqui um exemplar clássico do “filme de grupo hawksiano”. Vencedor do Oscar de edição.

UMA AVENTURA NA MARTINICA (To have and Have Not, 1944)
“Posso fazer um filme com o pior livro que você já escreveu”, disse Hawks ao próprio Ernest Hemingway, quando comprou os direitos pra produzir isto aqui. E fez realmente um trabalho belíssimo. Na trama, o capitão de um barco de frete da Martinica se envolve com agentes clandestinos da resistência francesa durante a Segunda Guerra Mundial e também com uma mulher misteriosa que aparece no local. Para além de ser lembrado principalmente pelo romance real e fumegante que rolou entre Bogart e Bacall (ambos sublimes aqui), o filme acaba sendo um thriller em tempos de guerra dos mais divertidos do diretor. Eu já tinha visto a versão que o Don Siegel fez dessa mesma história, estrelada pelo Audie Murphy, e que é um dos mais fracos do Siegel. Cheguei a comentar aqui no blog há alguns anos. Não preciso nem dizer o quanto esta versão do Hawks é melhor…

Ah, e Walter Brennan, na sua quarta colaboração com Hawks, tá genial como sempre.

À BEIRA DO ABISMO (The Big Sleep, 1946)
Seguindo o sucesso de UMA AVENTURA NA MARTINICA, Hawks se reuniu novamente com o casal Bogart e Bacall para criar um dos filmes definitivos do cinema noir. Bogart é o detetive particular Phillip Marlowe que se envolve em uma teia de chantagem e assassinato difícil de descrever… Já se tornou um clássico à parte a histórias de que Hawks se viu obrigado a ligar para o próprio autor do romance que deu origem, Raymond Chandler, para perguntar sobre algum ponto-chave da trama e o autor também não fazer a menor ideia de como responder. Mas isso acaba não importando muito de tão imerso que ficamos durante a investigação de Marlowe, sua atitude cínica e espertinha, e claro no romance entre ele e a personagem de Bacall. Um Hawks obrigatório, nota-se sua importância e influência, apesar de nesta revisão eu perceber como não tá entre os meus favoritos do diretor. Não é culpa do filme, que é uma maravilha, mas o Hawks é que tem várias obras-primas à frente…

RIO VERMELHO (Red River, 1948)
De alguma forma, BARBARY COAST, como disse em outro post, é o primeiro faroeste de Hawks, apesar de pouco convencional na iconografia e ambientação. O sujeito só faria um western puro mesmo aqui em RIO VERMELHO. Gênero que ele demorou mais de duas décadas para adentrar e acabou se destacando no restante da carreira. John Wayne, trabalhando com Hawks pela primeira vez, usa maquiagem pesada e tem aqui uma de suas melhores atuações da vida como Tom Dunson, um fazendeiro obstinado que luta com seu filho adotivo, Matt Garth (Montgomery Clift) e seus subordinados durante uma viagem de transporte de gado. O comportamento tirânico de Tom leva a um motim e uma amarga rivalidade entre ele e o filho. É aquela coisa, no universo hawksiano, é o grupo que importa. O personagem de Wayne tentou quebrar essa regra e se ferrou…

A construção que Wayne faz de seu personagem é tão profunda, um processo de transformação de herói à vilão tão genial, que depois de ver o seu desempenho, John Ford chegou a dizer “I never knew the big son of a bitch could act.”

O filme é lembrado também pelo notável subtexto gay entre Matt e o caubói Cherry Valance (John Ireland). “There are only two things more beautiful than a good gun”, diz Cherry para Matt, “a Swiss watch or a woman from anywhere. Ever had a good… Swiss watch?”

Um filme mais emocional e psicologicamente complexo do que a média dos westerns realizados no período. Um clássico absoluto e provavelmente a obra-prima máxima de Hawks. É outro filme que eu gostaria de escrever mais, mas acho que nem tenho capacidade de externar toda minha admiração.

A CANÇÃO PROMETIDA (A Song is Born, 1949)
Remake “copia e cola” de BOLA DE FOGO, que o próprio Hawks tinha feito sete anos antes, reformulado como um musical, substituindo os acadêmicos compiladores de enciclopédia por professores de música. A ideia é muito boa e os números musicais são ótimos (tem participação até de Louis Armstrong) e obviamente não deixa de ser divertido. O material original de Billy Wilder é bem fácil de agradar. Mas lá pelas tantas já tinha perdido o interesse… Não sei se porque revi BOLA DE FOGO há pouco tempo, ou se é perceptível que Hawks não tava muito inspirado, refazendo os mesmos enquadramentos, as mesmas situações, os mesmos diálogos, tudo de novo com outros atores… E convenhamos que Danny Keye e Viriginia Mayo não são Gary Cooper e Barbara Stanwyck. Mas ainda assim vale a pena. Nem que seja pra ver as primeiras cores do cinema de Hawks.

A NOIVA ERA ELE (I Was a Male War Bride, 1949)
Antes de QUANTO MAIS QUENTE MELHOR, de Billy Wilder, Hawks fez esse clássico crossdressing com Cary Grant. Ele vive um capitão do exército francês que se casa com uma tenente americana (Ann Sheridan) na Alemanha pós-Segunda Guerra Mundial. Quando tentam embarcar para os Estados Unidos, descobrem que ele deve acompanhá-la sob os termos do War Bride Act, ou seja, como a “esposa” dela, fazendo com que, em determinado momento, Grant tenha que usar uma peruca, saia e voz em falsete. Grant pode não ser muito convincente como francês ou como mulher, mas é justamente por isso que é hilário, enquanto Hawks prova mais uma vez por que foi um dos principais mestres da Screwball comedy.

E por hoje chega.

MAIS HAWKS

A essa altura, na maratona Howard Hawks que me propus a fazer, já foram 26 filmes conferidos. A velocidade com a qual tenho assistido aos filmes é muito maior do que o tempo que tenho pra parar e postar individualmente sobre cada filme, como no post anterior. Então, vamos de mini reviews mesmo, porque aí dá pra cobrir tudo aos poucos. Aqui vão mais cinco filmes do homem.

THE CRIMINAL CODE (1930)
Depois que um jovem comete um assassinato bêbado, defendendo uma garota, ele é processado por um ambicioso promotor (Walter Huston) e condenado a dez anos. Seis anos depois, esse mesmo promotor se torna o diretor da prisão e oferece ao jovem um emprego como motorista. O rapaz se mantém íntegro no local, mas às vésperas de sua liberdade condicional, um companheiro de cela o arrasta de volta ao mundo da violência, e ele enfrenta escolhas difíceis de fazer… O único problema do filme é a forçada história de amor que surge no final entre o jovem e a filha do promotor, que quase coloca tudo a perder. Mas no geral ainda é um drama prisional bem forte, um olhar duro sobre o efeito que o sistema de justiça criminal pode ter sobre os homens apanhados por ele. Hawks explora mais as possibilidades do cinema sonoro, testando o que fazer com isso. A abertura do filme, com dois detetives tendo um desacordo prolongado sobre as regras de um jogo de cartas a caminho da cena do crime e a capacidade de Huston de transformar um simples “Yeah?” em uma espécie de mantra é algo para se contemplar. Hawks conta uma história muito mais dependente de diálogos e o resultado é bem sólido. Ajuda muito ter um ator do calibre de Huston num desempenho magnífico.

Boris Karloff, num papel pré-Frankenstein, tem pelo menos uma cena memorável, a do assassinato do delator, que aproveita muito bem a sua fisicalidade e expressão corporal. A forma como se move pelas salas com uma graça pesada e aterrorizante é o tipo de coisa que eu não duvido que possa ter influenciado na hora de escalarem Karloff como o famoso monstro no ano seguinte.

SCARFACE (1932)
Esse aqui merecia um texto mais longo. Mas fica pra depois. Por enquanto, a gente ressalta que se trata da primeira obra-prima de Hawks. A trama é obviamente inspirada em Al Capone e é um trabalho definitivo sobre a ascensão e queda de um mafioso com fome de poder. O filme ficou famoso na época por causa da controvérsia e pela violência nessa escalada de poder do protagonista, mas resistiu bem ao teste do tempo (mesmo depois de algumas revisões, apesar de que fazia uns bons anos que não revia), por causa do forte roteiro, as ótimas atuações do elenco, sobretudo um Paul Muni explosivo, e a direção – já magistral a essa altura – de Hawks. Um filme de gangster essencial.

THE CROWD ROARS (1932)
Um famoso campeão de automobilismo (James Cagney) retorna à sua cidade natal para competir em uma corrida local e descobre que seu irmão mais novo tem aspirações de se tornar um campeão de corrida, ao mesmo tempo em que tem que lidar com uma relação amorosa complicada. É outro trabalho do Hawks que tem uma subtrama de amor cego que me tira um pouco do filme (lembram de FAZIL que comentei no outro post?). Mas, no fim das contas, é um filme de 70 minutos que não consegue se aprofundar em muita coisa, acaba sendo divertido de se ver, em especial pelas sequências muito bem feitas de corridas de carro, que tem um senso de tensão e tragédia muito forte. Primeiro filme que Hawks utiliza Cagney, que tá excelente como sempre.

TIGER SHARK (1932)
Esse aqui é um filmaço do Hawks que eu não conhecia. A trama é sobre um pescador de atum português que se casa com uma mulher cujo coração fica dividido entre ele e o seu primeiro imediato no barco. Junto com THE DAWN PATROL, provavelmente é o filme mais puro do Hawks deste período, tem muito dos seus temas habituais, os tipos de personagens e os tipos de valores que ele respeita. Uma colônia unida de homens no trabalho, arriscando a vida, tendo se acostumado com despedidas sem saber se voltam. As sequências de pesca, semi documentais, são tão boas quanto as sequências de ação que Hawks fazia até aquele momento. Mas a alma do filme é o grande Edward G. Robinson interpretando o pescador português maneta, num desempenho magnífico.

TODAY WE LIVE (1933)
Sem dúvida um belo filme. Só demora um bocado pra chegar lá. Começa como um melodraminha bobo, sobre uma moça (Joan Crawford) que se apaixona por um piloto de caça (Gary Cooper) durante a primeira guerra mundial, mas que é dado como morto, então ela vai pra guerra como enfermeira – ou algo do tipo – e se casa com o melhor amigo do seu irmão, até que descobre que o piloto, na verdade, está vivo… Enfim, uma confusão. No entanto, essa traminha de alguma forma ganha força e eventualmente se transforma em um sólido drama romântico com alguns temas habituais do Hawks: um triângulo amoroso em meio à guerra, missões que envolvem sacrifício, homens disputando pra ver quem tem o pau maior… Coisas do tipo.

Sabe-se que a personagem de Crawford foi empurrada à força na trama, os produtores a tinham sob contrato e pediram a Hawks para incluí-la (o roteiro foi escrito por William Faulkner e não tinha a sua personagem). Ela tá até bem, mas as coisas nem sempre acontecem de maneira orgânica (a forma como se apaixona pelo personagem de Cooper é muito esquisita). O filme fica realmente interessante quando os dois homens que disputam seu coração começam a se desafiar, colocando suas vidas em risco além das linhas inimigas. As cenas de ação, tanto pelo ar, quanto pela água, são de encher os olhos. Hawks voltaria a trabalhar com Gary Cooper algumas vezes ainda…

AVATAR (2009)

Só tinha assistido AVATAR uma única vez nos cinemas na época do lançamento, no final de 2009. Então, agora que finalmente vamos ter a tão aguardada continuação resolvi rever. Naquela época não saí do cinema com a mesma empolgação de algumas pessoas. Tinha curtido, mas considerei o filme o “menos bom” do Cameron. Como eu adoro tudo que o cara fez, obviamente não queria dizer que eu não tivesse gostado. Ao contrário. Inclusive cheguei a elogiar bem o filme aqui no blog na época (quando ainda atualizava no blogspot e o blog se chamava Dementia 13). Depois da revisão de agora, continuo com a opinião de que se trata do mais “fraco” do diretor (aliás, eu cheguei a revisitar toda a filmografia do Cameron este ano), mas essa revisão de AVATAR só confirma a minha admiração pelo filme. Muito mais que a primeira vez que vi.

Não vou entrar muito na questão técnica “revolucionária” do filme. Quero falar da experiência de rever a obra. Até porquê esse ponto já foi tratado à exaustão na época do lançamento, em como Cameron sempre se propõe a profundas alterações no aspecto técnico da sétima arte, e trabalha quase como um engenheiro desenvolvendo novas tecnologias para poder filmar (motivo pelo qual o segundo filme demorou tanto para ser produzido). Utilizou, portanto, tecnologia de ponta para renderizar esse universo, personagens e imagens num 3D que realmente encheu os olhos lá em 2009… Passado mais de uma década, o legado de AVATAR está aí, para o bem e para o mal, nos efeitos especiais, sobretudo no cinema blockbuster americano. A coisa ficou tão saturada que ver AVATAR pela primeira vez hoje talvez nem tenha tanto impacto de caráter de surpresa e inovação.

No entanto, e mais importante, o filme ainda deve ter impacto de caráter poético visual. Porque, afinal, o mundo criado por Cameron continua um negócio simplesmente espetacular, de uma exuberância quase subversiva. Nesse sentido AVATAR funciona muito até hoje.

Tá tudo tão intacto que até mesmo as ressalvas de 2009 as tenho em alguma medida: os diálogos piegas, o enredo pouco sutil, tudo é mastigadinho e vários personagens são o cúmulo do arquétipo e estereótipo que remete a uma porção de filmes, obras literárias, quadrinhos na qual o protagonista se bandeia para o lado do “selvagem”. Reciclar obras alheias e fazer essa mistura de referências nem é um problema pra mim, mas discorrer tudo isso numa longa e desnecessária duração que não traz nenhuma novidade narrativa também me leva a considerar AVATAR um nível abaixo do restante da filmografia de Cameron…

E, no entanto, tudo isso fica ofuscado pelas qualidades do filme. Foi uma experiência fascinante estar envolvido novamente pela exuberância de AVATAR; em como num nível mais superficial continua sendo uma ótima aventura de ficção realmente empolgante, com momentos de tirar o fôlego; e como ainda fico maravilhado com um cineasta que dirige bem, que tem total domínio do espetáculo, e deposita tanta paixão e energia para a criar esse universo, com esse esplendor visual imponente, para contar essa história com tanto amor… Cameron pode não ser o mais original dos diretores, mas sabe como elaborar um grande evento cinematográfico autoral que não sacrifica o prazer do entretenimento. Vamos torcer para que Cameron não tenha perdido isso…

Alguns momentos continuam notáveis. A batalha final, por exemplo, eu nunca me esqueci, com aquele plano do cavalo em chamas, ou o clímax que rola o confronto entre o coronel Miles Quaritch (Stephen Lang) e Jake (o protagonista do filme, vivido por Sam Worthington). Mas não lembrava como a sequência da destruição da Árvores das Almas é tão poderosa. Um espetáculo visual sem precedentes, com o coronel comandando a destruição em uma das naves, tomando uma caneca de café quentinho, assistindo a gigantesca árvore indo abaixo e uma raça inteira alienígena, os Na’vi, fugindo desesperada. Stephen Lang, aliás, é uma das melhores coisas do filme. Apesar do clichê de militar truculento, é um vilão fantástico, entregando algumas pérolas na sua performance, genuinamente ameaçador.

Sobre alguns temas, a abordagem política do filme é sentida de forma palpável, sem muita sutileza: o retrato sombrio da ganância corporativa; preocupação com a natureza; mostra-nos o homem que procura alargar o seu campo de ação e riqueza, e as catástrofes que daí advêm, já que é incapaz de respeitar os ambientes que o acolhem. Tudo bem óbvio, mas que funciona. Há também uma boa reflexão sobre gameficação. E embora haja um exotismo na representação dos Na’vi que permanece até hoje, acredito que eles possuem mais texturas, com uma cultura e uma ideia real sobre as coisas, que eu já não lembrava. O que deixa tudo mais interessante.

E é um bom presságio para as sequências de AVATAR. Uma expansão de mundo com um senso de detalhes não apenas de quem são os Na’vi, mas de como todo esse ecossistema funciona, sua flora e fauna e a curiosa ciência que governa o planeta Pandora. A obsessão do diretor serve bem à AVATAR; ele tenta expandir tanto esse universo, criando desde um pequeno inseto até o seu aparelho respiratório, que dá até pra ignorar a fórmula genérica e clichê de sua narrativa. Quero dizer, eu consegui ignorar, por isso achei o filme tão fascinante nessa revisão. Mas não tenho dúvidas de que muitas pessoas vão acabar achando AVATAR tão ruim quanto naquela época, ou até pior, numa revisão.

Enfim, essa foi uma maneira – mais longa do que eu tinha planejado – de dizer que estou bastante animado com a sequência, em retornar ao universo tão vívido criado por Cameron, agora em AVATAR: O CAMINHO DA ÁGUA. Recomendo uma revisão deste aqui, caso estejam interessados em ver a continuação e também estavam na mesma situação que eu, que só havia assistido na época do lançamento. Reafirmo que sempre gostei de AVATAR, mas acabei descobrindo um filme bem melhor do que lembrava nessa revisão. Ainda que esteja no final da fila da filmografia do diretor. Tudo bem, o sujeito até hoje não errou e tem várias obras-primas no currículo. Talvez AVATAR: O CAMINHO DA ÁGUA também seja. Vamos descobrir em breve.

HELL HUNTERS (1988)

De vez em quando é legal ir às cegas num filme. Já encontrei muitas pérolas desse jeito. De vez em quando encontra-se também umas porcarias que mereciam continuar no limbo. É o risco que se corre… E eu não fazia a menor ideia do que ia encontrar por aqui em HELL HUNTERS.

Nunca tinha ouvido falar desse filme, mas olhei a capinha dando sopa num streaming, aquele aspecto de filme de ação na selva dos mais vagabundos dos anos oitenta – algo que não resisto – e alguns nomes no elenco me chamaram a atenção: Stewart Granger, Maud Adams, George Lazenby, William Berger… Resolvi arriscar. Tive sorte? Um pouco… O filme não é nenhuma joia, mas também não é abominável. Não diria nem que é um bom filme, mas valeu a pena conhecer essa tralha que até tem suas peculiaridades.

Stewart Granger – que já tava nas últimas aqui, mas que fez de tudo um pouco na Hollywood clássica – interpreta um cientista nazista chamado Martin Hoffmann, fugitivo que se esconde há quatro décadas desde o final da Segunda Guerra Mundial no Paraguai. Em suas experiências locais, ele descobre aranhas cujo veneno poderia ser aplicado em indivíduos, criando um super soldado e, assim, formar um exército indestrutível.

Maud Adams – uma das poucas atrizes a se tornar Bond Girl duas vezes (em O HOMEM COM A PISTOLA DE OURO e OCTOPUSSY) – vive uma caçadora de nazistas que está no encalço de Hoffman e se casa com o sobrinho dele, interpretado por William Berger, bem aqui no Rio de Janeiro, para se aproximar do nazista. E tome imagens de carnaval, moças de topless e das praias cariocas…

Quando Hoffmann descobre as reais intenções da mulher, ele bota seus capangas para eliminá-la.

Ao ficar sabendo do destino de sua mãe, morta logo após seu casamento, Ally (Candice Daly), que é a verdadeira protagonista do filme, vem para o Brasil para investigar o que realmente aconteceu. Durante sua jornada, a jovem se vê inserida nas selvas implacáveis ​​do Paraguai ao lado de Tonio (o ator brasileiro Rômulo Arantes), um caçador de nazistas arrogante, mas bom de tiro, que trabalhava com a mãe de Ally e a ajuda em sua vingança. Aí acontece o clássico “os opostos se atraem”, com os dois personagens brigando sobre suas diferenças antes de se apaixonarem loucamente.

E à medida que se aproximam da localização de Hoffman, o nazista e seu parceiro no crime, Heinrich (outra ligação do filme com 007, já que este aqui é vivido por George Lazenby, o segundo James Bond), estão planejando levar o tal soro de aranha pra Los Angeles.

Daí já dá pra perceber que foi-se por água abaixo uma das coisas que me fizeram parar pra assistir HELL HUNTERS. George Lazenby não tem lá muito tempo de tela; William Berger tem um pouco mais, mas nada muito expressivo… E Maud Adams é assassinada com menos de trinta minutos. O grande vilão da trama, Stewart Granger, cujo personagem é obviamente inspirado na figura de Josef Mengele, só aparece em alguns momentos pontuais da narrativa.

Não me levem a mal, essa rapaziada tá ótima aqui, mas eu só queria um pouco mais tempo de tela de cada um. Agora, uma coisa que realmente decepciona é que a ideia do tal exército criado fruto dos experimentos de Hoffmann com veneno de aranha acaba sendo uma oportunidade perdida. O plano do cara nunca é levado adiante, então nunca vemos o alcance total do poder do soro.

O que acompanhamos de verdade em HELL HUNTERS, no entanto, não é totalmente de se jogar fora. Candice Daly e Rômulo Arantes conseguem ter algum tipo de química e os outros personagens que vão se juntando a eles acabam criando uma galeria de figuras inusitadas.

E é o tipo de filmes que oferece uma boa dose de ação, com vários tiroteios (incluindo um no funeral da personagem de Maud), explosões e perseguições nas selvas sul americanas, o tipo de coisa que importa. Destaque para a sequência que Maud é perseguida num aeroporto do Rio pelo ator brasileiro Eduardo Conde, que faz um dos principais capangas de Hoffmann.

Há também uma sequência de sexo totalmente gratuita entre os dois jovens protagonistas numa cachoeira. O que nunca é algo descartável…

HELL HUNTERS foi o último trabalho de um diretor austríaco chamado Ernst R. von Theumer, que não possui muitos filmes no currículo, mas que basicamente colocou seus esforços em cinema de gênero na Europa durante as décadas que trabalhou. Aqui, o sujeito joga na tela um pouco de tudo dentre os ingredientes do cinema de exploração só pra ver o que pega. Nem tudo funciona, mas há uma consciência de que isso aqui não tem pretensão alguma de concorrer a um Oscar. Então tem seu charme, há sempre algo maluco ou pelo menos levemente interessante acontecendo. E os momentos que os principais coadjuvantes aparecem ajudam.

É como eu sempre digo sobre esse tipo de produto, HELL HUNTERS não é um filme particularmente bom, mas tem o suficiente pra divertir o seu público definido. Não é chato, não chega a 100 minutos, é feito de forma honesta e barata, com seus vários problemas e imperfeições.

HELL HUNTERS tá disponível de graça no Tubi TV pra quem quiser dar uma chance. Não tem legendas em português, mas nem tudo nessa vida é perfeito…

FORÇA CRUEL (1982)

Por trás de um título nacional meio genérico como FORÇA CRUEL (Raw Force) esconde-se uma pequena preciosidade do cinema exploitation americano-filipino oitentista que precisa urgentemente ser redescoberto. Na verdade, tenho certeza que todos vocês já, no mínimo, ouviram falar ou leram sobre esse petardo. Se não, agora é a hora. E não se preocupem, podem acusar o filme de qualquer coisa, mas genérico é algo que ele não é.

Na trama, um grupo de praticantes de artes marciais embarca numa aventura num pequeno cruzeiro pelo Pacífico, pros lados das Filipinas, que promete ser, digamos, muito agradável. A começar pelo capitão da embarcação ser interpretado por ninguém menos que Cameron Mitchell.

Exibições de artes marciais, uma paradinha na cidade pra compras, bar de striptease, bordéis e uma festinha em alto mar cheia de moças de topless são alguns atrativos. O básico de um bom cinema de exploração. Mas um dos principais destaques desse passeio é visitar uma tal Ilha do Guerreiro, que dizem ser local sagrado, onde grandes mestres das artes marciais estão enterrados. Só alegria.

Outra atividade local é ser um ponto de operação de tráfico de mulheres em troca de pedras de jade entre um sujeito com bigodinho de Hitler – e seus capangas motoqueiros nazistas – com uma ordem de monges canibais que acredita ter o poder de ressuscitar os mortos ao comerem carne das jovens.

Eventualmente, toda essa rapaziada acaba na Ilha do Guerreiro, onde acontece uma batalha envolvendo os turistas das artes marciais, os traficantes nazistas de mulheres, os monges canibais e até os zumbis guerreiros que estavam enterrados ali e que ganharam vida novamente…

Sim, FORÇA CRUEL é tão bom que parece uma produção do Roger Corman ou dirigido pelo mestre do cinema grindhouse filipino Cirio H. Santiago.

Mas essa impressão tem força sobretudo pela presença de atores como Vic Diaz, que tá em quase tudo que o Cirio H. Santiago fez, e Jillian Kesner, que estrelou o clássico FIRECRACKER, que comentei por aqui há um tempinho. No entanto, FORÇA CRUEL não tem nada de Cirio nem do Corman (exceto por algumas imagens de arquivos das paisagens filipinas que a New World Pictures, do Corman, forneceu para esta produção), mas pra quem espera encontrar uma série de elementos típicos do cinema de exploração filipino que esses caras faziam nesse período, numa trama que só serve a este pretexto, o diretor estreante Edward Murphy nos entrega tudo particularmente bem.

Um monte de coisa bizarra tá incluída no cardápio como podem ter notado na sinopse. É até difícil listar a quantidade de absurdos; e mesmo sendo um filme que não necessariamente brilha por sua coerência narrativa, sabe trabalhar os elementos que agradam o seu público específico. E o essencial: com um ritmo que nunca diminui. Uma verdadeira metralhadora dos ingredientes do cinema grindhouse, com a total negligência assumida por um realizador que sabe muito bem que o seu filme não é uma obra-prima.

Mas é quase lá, dependendo do seu bom gosto pra cinema.

Tudo é realmente pensado para deixar as coisas boas que o cinema de exploração tem a nos oferecer. E, o melhor, com humor, sem se levar muito à sério – basta a longa sequência da festinha no barco, que tem o tom das melhores comédias oitentistas, cheia de personagens e situações cômicas pra gerar boas risadas – mas sem nunca tentar parecer um filme bobo. É tudo bem consciente, bem escrito… Er… “Bem escrito” é uma expressão forte, mas tudo funciona tão bem…

Até teria sido fácil tentar fazer uma espécie de autoparódia de, sei lá, filmes de artes marciais em ilhas exóticas. Mas paródias são geralmente muito menos divertidas da coisa real, consciente, que é o que temos em FORÇA CRUEL. Existe uma linha tênue entre maluquice e estupidez, e Edward Murphy é um maluco de primeira linha. O filme inteiro é uma coleção de momentos genuínos de humor, com diálogos que são autênticas pérolas, várias situações com um toque de comédia involuntária, tudo misturado a instantes absurdos de violência e gente pelada. E é o que torna isso aqui simplesmente mágico.

No quesito ação, temos MUITAS sequências de pancadaria, que são decentes até certo ponto. As pessoas lutam em todo lugar – clubes de striptease, cemitérios, barcos – você escolhe. A parte do ataque à embarcação, logo depois da festinha, é bem divertida, tem até alguma coreografia e certa criatividade, é uma das melhores do filme, com destaque para a sequência que uma moça completamente nua está amarrada numa cama, num quarto apertado, enquanto rola uma pancadaria à sua volta.

A ação que acontece no cemitério, já na tal ilha, é outro petardo dentro do filme, cheia de momentos notáveis. E, claro, a ação final, quando os zumbis samurais, ninjas e guerreiros de todas as espécies pintados de cinza aparecem pra dar trabalho para os nossos heróis fecha o filme lá em cima, com chave de ouro. É tudo muito doido, mas que faz valer a experiência de assistir algo único como FORÇA CRUEL.

Temos um elenco divertido para apreciar. Um monte de gente que não conheço, mas que parecem estar se divertindo; temos a já citada Jillian Kesner, que é boa de porrada… Mas nada se compara com o grande Cameron Mitchell marcando presença bem mais que o habitual nesse período, mostrando todo seu entusiasmo, claramente embriagado em todas as cenas que aparece. O grande Vic Diaz também se destaca como monge malvado. E por ser um monge malvado ele ri muito. Por quê? Não faço a menor ideia, mas toda vez que ele faz isso é fantástico. E Ralph Lombardi tá bem engraçado como o Hitler fake, com seu terno branco, sotaque ruim e o olho trêmulo sequestrando mulheres filipinas nuas…

Sem grandes arcos dramáticos, redenções, estudos sociais, filosóficos, psicológicos, contextos políticos… FORÇA CRUEL é apenas uma bagunça majestosa em forma de filme. Quero dizer, é uma obra que apenas joga tudo o que é possível no liquidificador e o resultado é fascinante, um épico do mau gosto cinematográfico que funciona lindamente para paladares finos que apreciam cinema exploitation. Só faltou uns robôs, alienígenas e vampiros saltitantes.

Obviamente FORÇA CRUEL não é recomendável ao cinéfilo brioche que só assiste Truffaut e Bergman… Mas os apreciadores de uma tralha vão aproveitar este festival de nudez, violência e várias bobagens que ele proporciona. O único problema grave é que o filme termina com um letreiro dizendo que teria uma continuação. nunca aconteceu, o que é uma pena…

AS AVENTURAS DE GWENDOLINE NO PARAÍSO (1984)

Just Jaeckin é um diretor francês que pode não ter o nome reconhecido imediatamente pela grande maioria, mas é preciso considerá-lo, em alguns nichos, com uma certa importância por conta de alguns trabalhos que realizou na década de 70. E tenho certeza que vocês vão concordar comigo mesmo nunca tendo ouvido falar o nome dele antes. Pois bem, o sujeito é ninguém menos que o diretor do clássico do Cine Privé EMMANUELE (1974), com a Sylvia Kristel. Precisa dizer mais alguma coisa?

Enfim, essa semana assisti ao seu último filme, AS AVENTURAS DE GWENDOLINE NO PARAÍSO (The Perils of Gwendoline in the Land of the Yik Yak ou The Perils of Gwendoline ou apenas Gwendoline,1984), uma aventura que eu já desconfiava que seria excêntrica e sexy por tudo que já li, pelas imagens que vi, pelo diretor e até pela fonte de inspiração da obra… E, olha, todas as expectativas foram atendidas.

A tal inspiração de GWENDOLINE é nas histórias em quadrinhos de John Willie, um artista e fotógrafo pioneiro do erotismo fetichista, editor de uma revista chamada Bizarre, também sobre o tema… Isso lá pela década de 40 e 50. Foi nessa publicação que ele apresentou essa personagem Sweet Gwendoline, a protagonista desse filme aqui. Uma personagem ingênua e virginal, do tipo ‘donzela em perigo’ cujas roupas estão sempre rasgadas, sempre sendo salva por um machão, mas que passa por uma jornada de descobertas de todo o tipo, até encontrar sua força interior para resolver as coisas.

GWENDOLINE é, de certa maneira, mais uma variação das aventuras ao estilo INDIANA JONES E OS CAÇADORES DA ARCA PERDIDA, como tantos outros que surgiram no período – coisas do mesmo tipo de TUDO POR UMA ESMERALDA (1984) e ALLAN QUARTERMAIN E AS MINAS DO REI SALOMÃO (1985). Bom, pelo menos é assim que começa o filme… Somos apresentados a Gwendoline, que ganhou vida na beldade Tawny Kitaen, e sua fiel amiga Beth (atriz e diretora Zabou Breitman). Elas chegam num porto em algum lugar do mar da China, dentro de uma caixa de madeira, sem passaportes ou dinheiro, e não demora muito Gwendoline é sequestrada por gângsters.

Eles querem algo dela, provavelmente vendê-la como escrava branca, mas não falam inglês, então ela não tem ideia do que eles querem. Mas ela fica lá amarrada, amordaçada, algo que vai acontecer algumas vezes durante o filme pra nos lembrarmos das origens fetichistas de John Willie. Então, Willard (Brent Huff, um sujeito que é a cara do Charlton Heston) quebra a janela, mata todos os bandidos – com direito à uma luta com um clone de Bruce Lee – e salva a nossa protagonista. Mas foi apenas sorte dela. Na verdade, Willard tinha algum dinheiro pra cobrar dos gangsters. Resgatar mulheres não é bem a sua linha.

Willard, à princípio, aparenta o típico herói americano de queixo quadrado que você encontraria em histórias em quadrinhos e seriados clássicos de matinê. A diferença é que ele é um filho da puta completo, mercenário e egoísta sem nenhum tipo de pureza heroica. É apenas um aventureiro implacável que não pensa em ninguém além de si mesmo.

No entanto, ele acabou se deparando com essas duas jovens indefesas. Willard não quer nada com elas, já está comprometido com o submundo local. Gwendoline quer procurar o pai caçador de borboletas que está desaparecido, e com muito esforço encontra um jeito de subornar Willard para ajudá-las a se aventurar em Yik Yak, uma terra praticamente desconhecida, que poucos se aventuraram, mas é onde o pai de Gwendoline desapareceu.

Já no início dessa jornada, eles descobrem, através de um colega do velho, que ele havia sido sacrificado por uma tribo selvagem para apaziguar antigos espíritos. Willard parece pronto para desistir, mas Gwendoline quer continuar a jornada e pegar a borboleta mais rara que existe em homenagem ao seu pai.

O que acontece a partir daí, na verdade, além de uma aventura tradicional cheia de perigos, com piratas, tribos canibais, animais famintos, etc, é que também se torna uma jornada de descobertas interiores da jovem Gwendoline mais do que qualquer outra coisa. O contato dela com Willard desperta sentimentos inexplorados e o filme sublinha suas transformações, sobretudo nas questões sexuais, no relacionamento com Willard, mesmo com a dose constante de um humor bem abobalhado que o material propõe.

Uma cena em especial é a que Willard, conduzindo as duas moças pela selva, convence-as a tirarem as camisas e usar o pano para pegar água durante uma tempestade. É uma sequência tola, completamente desnecessária e gratuita, mas é engraçada e destaca o tipo de homem que Willard é e quão frágil é nossa heroína, cegamente atraída pelo sujeito, mas que, em última análise, faz parte do processo de transformação que ela passa no decorrer da aventura até se tornar praticamente uma “guerreira amazona”. E cito as guerreiras amazonas por um motivo especial que já falo a seguir.

Uma coisa que ajuda muito no andamento do filme até aqui são as locações. Jaeckin não é bem um diretor com muita energia na câmera e, obviamente, não consegue obter o melhor de seus atores, que atuam quase de modo cartunesco – o que também contribui para o tom de história em quadrinhos que GWENDOLINE possui. Agora, os cenários são ótimos. Exóticos, com paisagens lindamente filmadas, permitem que as três figuras se movam sem nunca deixar o filme chato. Isso tanto nas locações naturais quanto em estúdio. O plano inicial do filme demonstra bem isso e de cara percebe-se também que é uma produção com um orçamento acima da média.

Orçamento que se confirma logo depois, quando o trio escapa da mesma tribo que selou o destino do pai de Gwendoline e desce para uma enorme fissura num deserto. Aqui o filme transcende para outra coisa. E já não é nem mais um rip

Os três personagens principais são tragados para dentro de um novo universo, até então totalmente desconhecido tanto para eles quanto para quem estava assistindo. O filme não dá qualquer pista para a chegada desse mundo paralelo, um império subterrâneo de guerreiras amazonas (aqui estão elas) governado por uma rainha má (Bernadette LaFont).

A partir daqui GWENDOLINE é quase uma obra-prima. O filme vira um espetáculo sensorial de cenários futuristas repleto de dispositivos de tortura, povoado por mulheres seminuas, com adereços fetichistas, bem condizente com o material que o filme adapta. Uma loucura. A cena da corrida de bigas, por exemplo, puxadas por moças é um toque fascinante (e tenho certeza que é uma espécie de homenagem a BEN HUR e o fato do Willard ser a cara do Charlton Heston, como já disse antes). O grande lance desse local é que fica dentro de uma caverna acima de um antigo vulcão que, segundo a lenda, um dia entrará em erupção e um tesouro em diamantes embutido em seu núcleo se perderá.

E dessa vez é Gwendoline que precisa lutar para salvar o dia. Sua transformação está completa e também percebe-se que sua paixão por Willard já está bem resolvida. Agora é entrar numa arena com outras guerreiras e lutar até morte. Enfim, o tipo de coisa que eu recomendo uma conferida, não adianta eu ficar descrevendo. E por mais louco que pareça esse híbrido de aventura excêntrica com cinema erótico, GWENDOLINE acaba rendendo algo muito divertido pelo seu caráter singular. Não existe nada parecido com isso aqui.

No elenco, destaque para a nossa Gwendoline, Tawny Kitaen (mais conhecida por ser a musa dos clipes do Whitesnake, ela foi casada com o David Coverdale), que está definitivamente em seu auge físico. E a câmera a ama tanto quanto ela ama a câmera. Tá certo que o roteiro não seja muito desafiador, mas ela lida bem com as coisas, tem presença na tela. Infelizmente faleceu no ano passado. Brent Huff é um herói galã o suficiente para que você possa entender por que Gwendoline se apaixona por ele e é interessante ver as reviravoltas que o relacionamento deles leva à medida que o filme se desenrola e a jornada de descobertas da jovem Gwendoline vai evoluindo. Zabou Breitman tá mais como alívio cômico, num filme que já tem um humor carregado por natureza, mas ela se sai bem, é encantadora.

Só posso dizer que realmente valeu a pena parar e finalmente conferir GWENDOLINE. É pura diversão do início ao fim. Na verdade, mais ao fim, quando a coisa realmente se torna uma experiência especial, surtada e única. O filme nunca é tão explícito quanto os trabalhos anteriores de Jaeckin, mas se mantém fiel à natureza sádica e fetichista do seu cinema e da obra de John Willie. E não deixa de funcionar nesse lado mais picante, em provocar com um grau de erotismo.

Mas o que é ainda mais prazeroso em GWENDOLINE é o fato do filme ser descaradamente bobo. Talvez nem fosse bem isso que Jaeckin havia pretendido com a ideia de ser um INDIANA JONES erótico. Ele poderia ter feito algo mais sério, mais artístico, mas acabou saindo essa bobagem, que é algo bem mais duradouro, uma comédia de aventura camp, praticamente uma história em quadrinhos filmada, que é muito mais agradável do que qualquer outra coisa.

THE ARENA (1974)

A New World Pictures, produtora de Roger Corman, financiou THE ARENA, uma variação do tema WIP (Women in Prison), filmes de exploração com mulheres passando sufoco em prisões, só que aqui ambientado durante os dias do antigo Império Romano. Mark Damon, que foi ator de alguns filmes de Corman nos anos 60, havia se aposentado das atuações e se tornou um produtor de cinema na Europa e pegou THE ARENA pra começar. Filmado na Itália com um elenco majoritariamente europeu, apresentando muitos rostos familiares de uma série de filmes de Eurohorror, como Paul Muller e Rosalba Neri, o filme é marcado também pela presença da então crescente musa do exploitation Pam Grier o que o torna um híbrido incomum de peplum italiano dos anos 1960 e um grindhouse americano dos anos 1970.

Grier e Margaret Markov (que já haviam se unido anteriormente em BLACK MAMA, WHITE MAMA, de 1972) co-estrelam como Mamawe, da Núbia, e Bodicia, uma sacerdotisa da Bretanha. Ambas são sequestradas de suas terras natais por soldados romanos e rapidamente, junto com outras mulheres, encontram-se no leilão no mercado de escravos. Acabam compradas pelo organizador politico conectado aos jogos locais, Timarchus, tanto como escravas sexuais para o entretenimento dos amigos poderosos de Timarchus quanto como garçonetes das arenas durante os jogos. Apenas Bodicia e Mamawe mantêm uma aparência de dignidade sob o jugo da servidão, desafiador até mesmo para a altiva supervisora ​​de Timarchus, Cornélia (interpretada por Rosalba Neri).

Quando as garotas se envolvem em uma briga de comida que destrói a cozinha, um dos amigos de Timarchus sugere transformá-las em gladiadoras para a arena. Ansioso para manter os cidadãos que compram ingressos interessados nesse tipo de entretenimento, Timarchus logo tem as mulheres treinando para o combate sob a tutela do mestre gladiador Septimus (Peter Cester), um lutador careca enorme que comete o erro de se apaixonar por uma de suas novas alunas, Lucinia (Mary Count).

A primeira competição pública entre as gladiadoras é um evento cômico, sem que ninguém seja ferida ou morta. Mas a multidão sedenta de sangue fica facilmente entediada. O próximo confronto deverá ser até a morte. Mamawe e Bodicia percebem que cada uma delas vão acabar morrendo em algum momento na areia encharcada de sangue da arena, a menos que tomem uma atitude, façam uma revolução, numa tentativa de liberdade.

Essencialmente, esses filmes nos convidam a desfrutar vicariamente os prazeres do poder, testemunhando uma sucessão de espetáculos sádicos e, quando a roda gira pro outro lado, vemos o ciclo se repetir com as posições de vítima e vitimizador invertidas. Portanto, ao final, ver os poderosos se ajoelhando diante do poder feminino dessas gladiadoras já faz valer o filme. O significado pode ser tomado como sadiano: pegue o que puder, antes que a próxima contra-revolução chegue. Ou até budista: que atitude tomar para escapar do ciclo cármico. Seja como for, reforça a validade da máxima de John Dalberg-Acton: “o poder tende a corromper e o poder absoluto corrompe absolutamente“. Sim, é muita besteira intelectual/filosófica para justificar um filme como THE ARENA. Na verdade, o que o justifica é bem mais simples: Grier, Markov e outras moças no modo “vamos vestir se o papel exigir” e uma abundância de sequências de batalhas e duelos em arenas.

Não é nem um filme muito notável ou particularmente bom, mas também não é uma perda de tempo, especialmente se você tem interesse nessas questões, nas aventuras de “Espada e Sandália” e, obviamente, em senhoritas com pouquíssimas roupas. O ritmo do filme é bom, há muita ação, sobretudo os quinze minutos finais, que é uma longa batalha frenética de libertação, e é um daqueles filmes que tem muita coisa para se olhar. Certamente se beneficiou do acesso aos Estúdios Cinecittà de Roma, que possui muitos cenários e figurinos prontos, então o visual de THE ARENA é incrível, se pensarmos que foi feito com pouquíssimo orçamento.

O diretor de THE ARENA é o pupilo de Corman, Steve Carver, que mais tarde faria CAPONE, com Ben Gazzara, e um dos melhores veículos de Chuck Norris, McQUADE – O LOBO SOLITÁRIO. Aqui era sua estreia na direção e já colocado numa prova de fogo por Corman: enviado à Itália, pra filmar uma produção de época, com pouco dinheiro e prazo apertado, com uma equipe italiana e maioria dos atores europeus. E sem falar o idioma. O tipo de experiência que o cara entra como um aspirante à cineasta e sai como um mestre do filme B.

Alguns talentos locais lhe auxiliaram na empreitada, como o seu diretor de fotografia, as lentes de ninguém menos que Aristide Massaccesi, também conhecido como JOE D’AMATO, um dos maiores gênios do exploitation italiano. Na pontuação musical, temos Francesco De Masi, então você percebe que a coisa é decente no fim das contas, mesmo que a mise-en-scene seja em grande parte sem inspiração. Claro, considerando a situação até que Steve Carver se sai bem, mas, por favor, não dava pra exigir tanto do rapaz, que estava mais preocupado em filmar dentro do prazo do que fazer composições estéticas…

Mas para aquilo pelo qual o filme se propõe, de ser um típico exploitation com o selo de Roger Corman, um passatempo curto com bastante batalhas e uns peitos de fora, até que THE ARENA funciona perfeitamente.

ROEDORES DA NOITE (1995)

Com o DRÁCULA (92) do Coppola trazendo Bram Stoker e o horror gótico novamente às atenções no início dos anos 90, uma série de filmes de baixo orçamento, dos mais variados níveis de qualidade, procurou surfar na onda e tirar proveito do hype. E obviamente o rei dos B Movies, Roger Corman, não ia ficar de fora dessa. ROEDORES DA NOITE (Burial of the Rats), produzido pelo sujeito e dirigido por um cara legal chamado Dan Golden, é o resultado da empreitada.

Produção para TV, filmado na Rússia, nos estúdios Mosfilm – quando estavam praticamente falidos após a queda da União Soviética – ROEDORES DA NOITE não é lá um filme que eu classificaria como “bom” no sentido tradicional, mas é aquele tipo de produto que acabo gostando, e até me surpreendendo de alguma maneira, pelos motivos errados. O tipo de porcaria que pode ser muito divertido quando realizado por pessoas que realmente sabem o que estão fazendo. E que têm muita força de vontade pra fazer algo legal…

A “força de vontade”:

A trama de ROEDORES DA NOITE é inspirada num conto de Bram Stoker e protagonizada pelo próprio escritor. Em algum lugar na França do século IXX, o jovem Stoker (vivido por Kevin Alber) é sequestrado por um culto de mulheres guerreiras, que usam pouquíssimas roupas, odeiam homens e se auto intitulam “Rat Women“. Uma das integrantes é a bela Madeleine, interpretada por uma das habituais aqui do blog, Maria Ford. As “Rat Women” são lideradas por uma Rainha, que é encarnada por ninguém menos que a ex-Senhora John Carpenter, Adrienne Barbeau. Com ela à frente, essas mulheres guerreiras comandam hordas de ratos famintos e carnívoros para se vingar de todos os homens misóginos da região. E é nessa situação que o pobre Stoker foi parar…

Enquanto isso, o pai do futuro escritor enfrenta a indiferença da polícia local na busca por seu filho. Mas Stoker consegue dar seus pulos, sobrevive à tortura num pêndulo balançando sobre um poço de ratos, e ainda consegue atrair a atenção da bondosa Madeleine, apesar da desconfiança e ciúmes de uma colega, Anna (Olga Kabo). Além disso, seu talento para a escrita convence a rainha a deixá-lo viver e participar de algumas missões para documentar seus grandes feitos, registrar ao restante do mundo esse universo de mulheres peculiares. Aos poucos também, o mancebo Stoker conquista o coração (e outras coisas mais) de Madeleine… A situação do sujeito melhorou, não é mesmo?

ROEDORES DA NOITE lembra um pouco os filmes do ciclo Edgar Allan Poe, produções baseadas nesse escritor que o Corman dirigiu nos anos 60 e que resultou em alguns dos melhores filmes de horror do período. O tipo de produto que, realizado nos anos 90 com orçamento reduzido, feito nos moldes clássicos, já não fazia o menor sentido, exceto se os realizadores explorassem aquilo que não podiam trinta anos antes. E aqui exploram. Podem ter certeza disso… Aquela “força de vontade” a qual me referi ali em cima…

No entanto, nem só de molecagem e safadeza vive ROEDORES DA NOITE. Não que seja um daqueles filmes que se transformam em obras místicas transcendentais, nada disso. Mas me peguei prestando atenção em como o filme se torna em algum momento numa aventura realmente divertida, que me prendeu, com uma agradável veia romântica… Claro, não dá pra exigir muito do tal do Kevin Alber, que não é lá muito talentoso, além de ser feio pra burro, mas Maria Ford consegue fazer o seu lado com graciosidade e honestidade. Uma heroína exemplar: espirituosa, boa de esgrima e escassamente vestida.

Enquanto isso, temos Adrienne Barbeau, que praticamente passa o filme inteiro sentada no seu trono de rainha, maravilhosa, sob sua enorme peruca. E com um bando de ratos em seus pés. E o animal que não lhe agradar pode sofrer um terrível fim, como na cena em que Barbeau ordena que um dos ratos seja decapitado numa mini-guilhotina, seja lá por qual motivo… Só sei que é dos momentos mais bizarros – e engraçados – de ROEDORES DA NOITE.

Aliás, falando sobre os ratos, eles acabam tendo uma participação bem menor do que o esperado, já que os títulos, tanto no original quanto na nossa tradução nacional, remetem a eles. No entanto, sempre que aparecem, vale a pena. Em quinze segundos, esses dóceis animais são capazes de devorar um corpo deixando só o esqueleto de suas vítimas. A sequência final, quando Barbeau escolhe deixar seu destino cruel nas mãos desses ratinhos, é algo a se destacar…

Ainda no elenco, temos as participações especiais de Linnea Quigley e Nikki Fritz. As duas deviam estar perdidas nos sets na Rússia, fazendo sabe-se lá o que, e o Dan Golden deve ter chamado pra filmar alguma coisa. Juntas, as duas participações não dura nem dez segundos.

Aliás, que final! Uma batalha de proporções épicas – calma, estou considerando para o tipo de produção que temos aqui – com o exército francês invadindo o castelo das “Rat Women” e sendo recebidos pelas guerreiras em lutas de espadas frenéticas. Por mais risível que seja a encenação e o óbvio baixo orçamento da produção, Corman e Dan Golden conseguiram criar um espetáculo minimamente divertido que remete aos clássicos filmes de espadachim dos anos 40 e 50…

E enterrado sob a fartura de bobagens, mulheres com pouca roupa e muita luta de espada, existem lá no fundo algumas ideias bastante interessantes sobre a escrita/literatura como uma força de libertação ideológica e um discurso feminista de mulheres que procuram vingar os erros de uma sociedade dominada por homens. Mas os roteiristas de ROEDORES DA NOITE – e acredito que o público também – não estavam muito interessados em explorar com grande profundidade esse tipo de coisa num filme como esse.

Aqui é mais Corman garantindo que tudo funcione como um bom exploitation, com o elenco tirando a roupa com a maior frequência possível, uma boa dose de sangue, descolando cenários inusitados e bem legais lá na puta que pariu pra dar aquele ar de produção bem mais cara do que a realidade. A direção de Dan Golden (NAKED OBSESSION e HAUNTED SEA) também ajuda. Não é nada magistral, mas ele sabe onde colocar sua câmera.

Vejamos um exemplo e analisemos o talento do homem na direção:

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NOTAS SOBRE FILMES RECENTES

JUNGLE CRUISER (2021)

Dir: Jaume Collet-Serra

Inchado até o talo e bem irregular. Até gosto do toque feminista, tem algumas ceninhas bacanas de ação, o conceito visual dos exploradores espanhois amaldiçoados é bem feito, criativo, e o Jesse Plemons parece se divertir como vilão alemão. Mas é um filme que me deixa com sono a maior parte do tempo. E não convence de maneira alguma com a química entre The Rock e Emily Blunt, que tá mais pra uma versão forçada da Bela e a Fera. Mas também ninguém estava esperando um filme mais “Collet-Serra” do que um “Disney Movie”, não é mesmo? Não precisava de um diretor autoral pra fazer isso aqui. Podiam chamar um Gary Ross ou Francis Lawrence que dava na mesma. 

Torcendo pro Collet-Serra voltar a fazer filmes com o Liam Neeson.

O ESQUADRÃO SUICIDA (2021)

Dir: James Gunn

Nem sou tão detrator do primeiro ESQUADRÃO SUICIDA (apesar de ser mesmo fraquinho) e acho o David Ayer um diretor bem interessante. Mas ele realmente se fodeu quando se meteu com a Warner/DC. James Gunn parece transitar melhor pelos corredores dos grandes estúdios e leva muito jeito pra trabalhar nesses tipos de projetos, com esses orçamentos volumosos (de um cara que surgiu ali no underground, da TROMA, é algo a ser estudado). E, sobretudo, consegue impor sua visão pessoal. O nível é MUITO superior aqui, o tipo de espetáculo divertido, engraçado, subversivo e violento que se espera desse material e de um filme do James Gunn.

DUPLA EXPLOSIVA 2 – E A PRIMERA-DAMA DO CRIME (2021)

Dir: Patrick Hughes

O australiano Patrick Hughes mantém as coisas num bom ritmo, em constante movimento durante toda a duração, que é mais longa que deveria, quase duas horas pra um filme desse é praticamente auto sabotagem. Mas entrei na onda e deu pra se divertir… Gosto bastante do primeiro filme, que postei aqui há um tempinho, acho até um bocado subestimado. Achei esse aqui ainda melhor, trabalha uns temas interessantes, de forma boba, mas que não prejudica o que interessa. A coisa tem potencial pra ser uma franquia, se não no mesmo nível que um MISSÃO IMPOSSÍVEL, VELOZES E FURIOSOS ou JOHN WICK, pelo menos agradável, com um universo muito próprio e personagens engraçadíssimos (Salma Hayek em especial…). E apesar de ter OS MERCENÁRIOS 3 no currículo, Hughes filma bem ação. Evidente que o tom cartunesco do filme permite certos exageros e humor abobalhado na ação, o que pode não agradar a todos. Mas é inegável o talento do sujeito em filmar perseguições, pancadria e tiroteios com bastante energia. Que venham mais filmes da série.

NEM UM PASSO EM FALSO (2021)

Dir: Steven Soderbergh

Cai numas armadilhas bestas que poderiam ser evitadas: excesso de personagens, reviravoltas e subtramas que deixa a coisa inchada bem mais que deveria, em especial na segunda metade. Mas o filme é tão consistente naquilo que propõe, em tecer uma teia curiosa de crime, roubos, assassinatos, traições, com um humor ácido peculiar e uma atmosfera noir interessante, que acaba tendo sua graça no fim das contas… Óbvio que o elenco acaba sendo um destaque, sobretudo Ray Liotta, um Brendan Fraser incrivelmente obeso e Bill Duke genial como sempre.

VAL (2021)

Dir: Leo Scott e Ting Poo

Obviamente que eu queria ver o Val Kilmer falando sobre as produções de ação e terror vagabundos direct to video dos anos 2000, mas aí já seria pedir demais… De todo modo, é um belo documentário, um retrato interessante e sensível de uma figura fascinante, bizarra e problemática do cinema americano que foi do ápice do estrelato ao fundo do poço e resolveu filmar tudo em vídeo. Uma vida inteira toda registrada. Vale a pena. Produção da Amazon, então tá disponível no streaming deles.

PLANETA DOS MACACOS (2001)

Recentemente, antes de ficar quase dois meses sem postar nada por aqui (esses últimos meses de 2020 estão fodas), me aventurei a peregrinar a série de filmes PLANETA DOS MACACOS. Escrevi sobre os cinco filmes clássicos, mas fiquei devendo os mais recentes que foram surgindo ao longo das décadas… Nos últimos anos até apareceu uma nova trilogia, cujo último filme eu nem cheguei a ver. Mas dessas refilmagens/reimaginações/continuações, o que eu realmente aprecio, apesar da fama ruim que possui, é o PLANETA DOS MACACOS de 2001, dirigido pelo Tim Burton.

A história não é exatamente igual a do original de 1968. Tim Burton chamou de “reimaginação” da mesma história (lembrando que o original é baseado no romance La Planète des Singes, de Pierre Boulle). Neste PLANETA DOS MACACOS também temos um astronauta americano caindo num estranho planeta onde humanos são a sub-espécie escravizada por uma população de macacos tiranos e militarizados. A nave de Leo Davidson (Mark Wahlberg) cai no planeta depois de sair de uma tempestade magnética durante uma busca mal sucedida a um simpático chimpanzé utilizado como cobaia em missão de reconhecimento. Com a sua experiência “avançada”, Davidson será o líder de uma revolução contra os símios, tendo como aliados um grupo de humanos primitivos, mas que já falam um bom e velho inglês para se comunicar, diferente dos humanos dos primeiros filmes originais. Há também dois macacos “progressistas” na luta pela igualdade entre as espécies. Um deles interpretado pelo grande Cary-Hiroyuki Tagawa, o Yoshida, vilão de MASSACRE NO BAIRRO JAPONÊS.

O elenco, aliás, é um dos principais destaques do filme: Helena Bonham Carter, Paul Giamatti, Michael Clarke Duncan, Kris Kristofferson, até Charlton Heston, o astro do filme original, aparece. Desta vez maquiado de macaco. Quem rouba a atenção de todos, no entanto, é Tim Roth como General Thade, um chimpanzé militar sádico, comandante do exército que quer ter controle sobre a civilização dos macacos, numa atuação entre o exagero e a expressividade aterradora que eu curto bastante.

Wahlberg é tecnicamente o protagonista de PLANETA DOS MACACOS, mas além desse baita elenco povoando o filme, as verdadeiras estrelas aqui são as maravilhosas criações de Rick Baker, um dos maiores maquiadores de Hollywood. E até hoje, passados praticamente vinte anos do lançamento, o resultado por aqui ainda é de impressionar. Ao contrário do original, os movimentos dos personagens macacos, seus maneirismos e até expressões faciais são muito mais parecidos com os de símios reais. Lembro que foi bastante divulgado na época que o treinamento corporal dos atores para recriarem os movimentos de macacos foi um trabalho árduo. Mas o resultado na tela chama a atenção. Especialmente porque Burton se preocupa bastante em explorar detalhes cotidianos dos símios, que é uma das melhores coisas do filme.

Uma coisa que PLANETA DOS MACACOS de 1968 conseguiu, além de marcar toda uma época e dar início a uma franquia lucrativa com mais quatro filmes e duas séries de TV, foi de trazer à tona idéias pertinentes sobre o estado das coisas daquela época (ameaça nuclear, política, racismo). Visto por esse lado, essa versão de Tim Burton até tenta lançar um olhar sobre algumas destas questões, em especial sobre igualdades e o militarismo da era Bush, ou seja sobre a estupidez do militarismo; e nesse sentido, PLANETA DOS MACACOS não deixa de ser um filme político. Mas ao mesmo tempo não me parece muito interessado em se aprofundar em nada disso. Acaba se saindo mais como um divertido filme de ação/sci-fi, extremamente bem feito e com Burton dirigindo com consciência da responsabilidade que tem em mãos.

Quero dizer, o sujeito era um dos diretores mais interessantes de Hollywood na época e fica evidente do início ao fim a pressão que colocaram pra cima dele com essa “reimaginação”. Na própria mecânica do filme, na sua incapacidade de ousar, percebe-se que Burton não teve muito espaço para imprimir traço reconhecível do seu estilo, buscando respeitar o material original e não ferir os sentimentos das fanzocas da saga. PLANETA DOS MACACOS poderia ter sido dirigido por qualquer diretor competente do período que o produto final não seria muito diferente. Não tô dizendo que o filme é totalmente genérico, a mão do diretor para o tipo de aventura que ele cria aqui até carrega um bocado de sua assinatura, mas acredito que está bem longe do autorismo do sujeito que apropriou-se do universo de Batman e deu-lhe toda uma identidade pessoal. Esse Tim Burton, e o de ED WOOD, EDWARD MÃOS DE TESOURA, MARTE ATACA, A LENDA DO CAVALEIRO SEM CABEÇA, é que não parece estar aqui.

Sinto um pouco disso no quesito “ação”, que resume-se basicamente a um corre-corre que não chega a empolgar muito. A batalha final e todo o ato que se desenrola a partir dali já desperta maior interesse… Chega a lembrar o Burton de antes. Mas, tirando esses detalhes de autorismo, o trabalho de Burton como artesão de estúdio é impecável, feito na medida para respeitar o filme de 68. Mas fico imaginando o que um Paul Verhoeven faria com esse material. Com certeza ia rolar uma “aproximação” mais íntima entre Wahlberg e a Bonham Carter de macaca que ia arregalar uns olhos. Seria genial. Por aqui, só um flerte distante, o máximo que Burton conseguiu…

De qualquer forma, é uma pena que boa parte do público não tenha curtido essa versão. É um filme divertido, mas que a rapaziada não embarcou, em especial pelo desfecho surpresa, que é tão bom quanto o do original (sem o mesmo impacto, claro). Lembro que me surpreendeu muito na época e me deu esperanças de que tivessem continuações a partir dalí, mesmo dirigidas pelo Burton… Frustrante que nunca tenha rolado. Esse PLANETA DOS MACACOS acabou sendo seu último grande filme na minha opinião. Sei que nem todo mundo pensa assim, mas a partir daqui foi só ladeira abaixo. Não consigo gostar de quase nada que ele dirigiu depois, e o que gosto é com certa distância, com ressalvas (SWEENEY TODD, O LAR DAS CRIANÇAS PECULIARES e SOMBRAS DA NOITE). Já vi e revi vários e não me descem.

Mas PLANETA DOS MACACOS valeu a pena. Valeu na tela grande, na época do lançamento, pelas maquiagens, efeitos especiais, o elenco fantasiado de macacos e um senso de aventura bem legal, e valeu a pena rever agora pela primeira vez depois de tantos anos.

A BATALHA DO PLANETA DOS MACACOS (1973)

Último filme da franquia clássica. Aqui a coisa dá uma derrapada, meio que despiroca… Num mau sentido.

A BATALHA DO PLANETA DOS MACACOS se passa no máximo poucas décadas depois de A CONQUISTA DO PLANETA DOS MACACOS. Nesse intervalo, a Terra foi dizimada por um holocausto nuclear, mas não vemos isso acontecer. Fuén! Uma decepção para os fãs que sempre quiseram ver como a estátua da liberdade foi parar naquele estado do primeiro filme… Os macacos evoluíram num tempo récorde: já falam e raciocínam normalmente, algo que deveria acontecer em milênios, e temos até uma raça de humanos mutantes pós-nucleares que vivem sob as ruínas de LA.

Mas a falta de lógica temporal é o menor dos problemas de A BATALHA DO PLANETA DOS MACACOS. A história é ruim, os personagens, com exceção de um ou outro, parecem cansados da própria série; tudo parece desenrolar às pressas, com um ritmo desconjuntado, acaba não tendo nada muito marcante… O clímax é o mais sem graça possível (tanto a batalha final entre humanos e macacos quanto o duelo de Caesar contra um desafeto em cima de uma árvore).

Na trama, Caesar (novamente Roddy McDowall) lidera uma pacífica comunidade mista de macacos e humanos, mas seu modo de vida está ameaçado tanto por dentro quanto por fora da comunidade. Não apenas o General Aldo (Claude Akins) e seu exército de gorilas estão conspirando para derrubar Caesar, mas o governador Kolp (Severn Darden), que lidera a tal raça de mutante, decide atacar o acampamento.

Caesar quer conhecer mais sobre seu passado, sobre seus pais, então resolve fazer uma jornada com MacDonald (Austin Stoker) – não o mesmo MacDonald do último filme, mas o irmão do personagem, porque Hari Rhodes não retornou para o seu papel – e um orangotango chamado Virgil (um dos poucos personagens que salva), até as ruínas de Los Angeles onde estão os arquivos gravados dos depoimentos de Cornelius e Zira lá do terceiro filme. O problema é que dão de cara com os mutantes que vivem lá e desencadeia uma guerra.

Isso é basicamente o que temos de interessante no enredo. O resto é pura embromação. A maior parte do filme é bastante pálida. Há uma cena na qual o filho de Caesar é assassinado pelo general Aldo e não senti absolutamente nada pelo moleque… O filme não constrói nada de interessante sobre o personagem. Não constrói nada também sobre as motivações para o conflito entre macacos e o que resta dos humanos.

Fica evidente logo de cara que a Fox já não parecia muito interessada na franquia (apesar de TODOS os filmes da série terem sido sucessos comerciais) e reduziu consideravelmente o orçamento. Os realizadores tiveram que suar para criar algo. A grande batalha do título se resume nuns gatos pinga… Quero dizer, macacos pingados atirando de um lado para outro contra uns humanos que avançam leeeeentamente de carros, motos e um ônibus escolar em direção à comunidade, tudo filmado sem tensão e emoção alguma. E olha que o diretor é o mesmo J. Lee Thompson do filme anterior, cuja batalha final é épica!

Enfim, um balde de água fria depois de revisitar os outros filmes e ser surpreendido positivamente… E o que é aquele final, com a estátua de Caesar escorrendo uma lágrima? Decepcionado com o capítulo final da série, talvez? Até eu quase chorei de tão constrangedor… Nem John Huston fantasiado de macaco salva alguma coisa. Um fim amargo para uma série que ainda me fascina.

DE VOLTA AO PLANETA DOS MACACOS (1970)

DE VOLTA AO PLANETA DOS MACACOS (Beneath the Planet of the Apes) continua praticamente após a revelação icônica do primeiro filme. Taylor (Charlton Heston) e sua amiguinha, Nova (Linda Harrison), viajam para a Zona Proibida e o sujeito de alguma forma desaparece. Enquanto isso, outro astronauta, Brent (James Franciscus), pousa no planeta para encontrar Taylor. Mais tarde, ele aprenderá sobre a diferença entre os pacíficos chimpanzés – especialmente na figura de Cornelius (Roddy McDowall, no primeiro filme e David Watson neste segundo) e Zira (Kim Hunter) – e os violentos gorilas; encontrará as ruínas subterrâneas da cidade de Nova York (recriadas de forma impressionante); e vai se deparar com um grupo de mutantes que usa seus poderes psíquicos para controlar seus oponentes.

Na trama, acompanhamos essa jornada de Brent. Enquanto os gorilas estão decididos a irem à guerra com quem quer que viva na Zona Proibida. Há uma cena que faz referência à contracultura dos anos 60, com os pacíficos chimpanzés protestando contra os planos dos gorilas.

O filme também faz uma sátira interessante sobre a glorificação da guerra, por conta dos mutantes que adoram, literalmente, uma bomba nuclear chamada Alpha-Omega, com força para destruir o planeta inteiro. A sequência do culto à bomba, com palavras de adoração e cânticos ao artefato é tão ridícula, mas tão ridícula, que fica impossível pra mim não achar divertido.

O clímax de DE VOLTA AO PLANETA DOS MACACOS ocorre nas ruínas da Catedral de São Patrício; depois de finalmente conseguirem atravessar as armadilhas ilusórias que sempre os afastaram, os gorilas furiosos simplesmente matam todos os mutantes que encontram pela frente.

Brent consegue encontrar Taylor e ambos acabam envolvidos no fogo cruzado. Nos últimos instantes, Brent leva uma saraivada de balas dos gorilas e Taylor… Bom, Charlton Heston teve uma única exigência quando retornou para esta sequência, a de que este seria o seu último filme na série, não queria saber de voltar para mais filmes de PLANETA DOS MACACOS. E os realizadores atenderam seu desejo da melhor maneira possível: no meio do tiroteio, Taylor pede ao Dr. Zaius (novamente interpretado por Maurice Evans) para que acabe com o derramamento de sangue, mas o orangotango se recusa, dizendo que o homem é responsável pela destruição de si mesmo. Em retaliação, o moribundo Taylor aperta o botão do Juízo Final e pimba, DE VOLTA AO PLANETA DOS MACACOS termina com a narração:

Em uma das incontáveis bilhões de galáxias no universo, encontra-se uma estrela de tamanho médio, e um de seus satélites, um planeta verde e insignificante, agora está morto.

Mais uma vez, temos aquele clima de niilismo instaurado. Não há esperança e a destruição é simplesmente inevitável. Vindo em um momento em que o mundo estava em uma situação de crise constante – final dos anos 60, início dos 70 – DE VOLTA AO PLANETA DOS MACACOS não oferece nenhum conforto. Também não é papel do cinema oferecer esse tipo de coisa, apesar de Hollywood ser mais inclinada à finais otimistas. O interessante da série de filmes d’O PLANETA DOS MACACOS é que a coisa é exatamente o oposto disso. Pelo menos os dois primeiros…

Desta vez, a direção ficou sob a responsa de Ted Post. Bom artesão, diretor do tipo “pistoleiro de aluguel”: atira bem, mas não deixa nenhum rastro. Mas fez um dos melhores filmes da série Dirty Harry, MAGNUM 44. As cenas de ação se destacam – a fuga de Brent lutando contra um gorila em cima de uma carruagem em movimento; o sangrento confronto de Brent com Taylor numa cela, quando ambos estão sendo controlados mentalmente pelos mutantes; todo o caos final… Pra esse tipo de coisa Post não decepciona.

Mas no fim das contas não é tão bom quanto ao original. Difícil se igualar, especialmente com a boa dose de momentos ridículos envolvendo os mutantes telepatas, mas ainda assim é bem divertido. Vou rever o terceiro filme, FUGA DO PLANETA DOS MACACOS (71), pra ver como se sai hoje em dia…

O PLANETA DOS MACACOS (1968)

Deve ser a milésima vez que assisto ao clássico O PLANETA DOS MACACOS (Planet of Apes) original, de Franklin J. Schaffner. Tinha gravado da TV num VHS nos anos 90 e quando era adolescente não me cansava de rever este e as continuações… Até hoje, se bobear, este aqui ainda é um dos meus sci-fi de cabeceira. Mas já fazia uns bons quinze anos que não revia… Continua uma belezura. As continuações eu não sei. Precisava rever pra lembrar.

Mas este primeiro foi considerado um dos filmes de ficção científica mais fortes e influentes de seu tempo, um fenômeno que além de desencadear as quatro sequências, gerou também uma série de TV, desenhos animados, toneladas de memorabilia, parodiado até pelos Trapalhões no clássico O TRAPALHÃO NO PLANALTO DOS MACACOS, de 76, dirigido pelo J. B. Tanko.

O filme foi baseado em um romance francês chamado La Planète des Singes, de Pierre Boulle, e produzido como o projeto de estimação Arthur P. Jacobs, que lutou durante anos para que o filme pudesse existir. Acabou produzindo todos os 5 filmes da série original. Para o roteiro, foi contratado o criador de The Twilight Zone, Rod Serling, e, como era seu modo habitual de adaptação, mudou muitos elementos do livro, incluindo a adição do icônico final… E se for parar pra pensar, até que as coisas meio que se desenrolam como um episódio prolongado de The Twilight Zone

A história começa no ano de 1973. Uma tripulação de astronautas liderada pelo Coronel George Taylor (Charlton Heston) cai em um planeta remoto depois de ficar em hipersono por 2.000 anos em uma expedição espacial. Uma vez fora da nave, os membros restantes da tripulação eventualmente tropeçam em uma sociedade na qual a evolução aparentemente se inverteu: os macacos são altamente inteligentes, pensam, falam, têm até sua própria hierarquia social. Os macacos assumiram o papel da espécie dominante, enquanto os humanos são “animais” irracionais.

Subjugado e temido por seus captores por ser o primeiro humano com o poder da fala, Taylor luta para escapar com a ajuda de dois simpáticos cientistas chimpanzés, Cornelius (Roddy McDowall) e Zira (Kim Hunter). Sua luta leva a um dos finais mais impactantes da história do cinema.

O PLANETA DOS MACACOS acaba sendo uma espécie de reflexo da turbulência que foi os anos 60 em vários sentidos. O filme ataca e satiriza várias questões dominantes na consciência pública – guerra fria, direitos civis, etc. Embora a alegoria pareça simplista hoje, ainda não prejudica o poder do filme.

Grande parte do sucesso de O PLANETA DOS MACACOS pode ser atribuída também ao prazer que traz aos olhos (os primeiros trinta minutos de filme são um espetáculo Fordiano das paisagens do deserto, dignas dos mais belos westerns), os elementos visuais, o surpreendente trabalho de design de produção, os cenários, a maquiagem de John Chambers, que muito mereceu seu prêmio especial da academia. Embora primitiva para os padrões atuais, a maquiagem dos macacos foi uma conquista incrível de sua época. A direção de Schaffner é bem segura e até ousada em alguns momentos, especialmente em sequências de ação, com bons movimentos e trabalho com os ângulos.

Os elogios também podem ir para algumas performances notáveis ​​dos atores-macacos. McDowall e Hunter brilham em seus aparelhos faciais, assim como Maurice Evans como um dos melhores vilões da ficção científica do período, Dr. Zaius. Já Charlton Heston está magistral, engole o cenário com sua presença física, com toda sua desenvoltura, realmente dá tudo de si. É uma dos meus desempenhos favoritos do homem…

Vale destacar também a presença de Bob Gunner (que é quase um sósia do Sean Connery) e Jeff Burton, os astronautas que sobrevivem na expedição, mas que não duram muito tempo no planeta. Dianne Stanley, a astronauta que morre ainda no hipersono só faz praticamente uma ponta… Seria interessante ver como seria se uma mulher tivesse a possibilidade de participar da aventura dos astronautas nos primeiros 30 minutos de filme. Mas acharam mais fácil eliminá-la logo de cara até porque há a cena da cachoeira na qual os atores ficam nus para nadar e acho que em 1967, 68, um filme comercial de ficção científica ainda não estava muito preparado para mostrar uma mulher nadando sem roupa com seus companheiros de trabalho… O que é uma pena. Mas ainda do lado feminino, destacamos a presença da Linda Harrison, como uma das nativas humanas e que voltaria no segundo filme.

Ainda sobre o final, com o personagem de Heston se deparando com a Estátua da Liberdade em uma praia deserta devorada pelo tempo, por mais óbvia a metáfora, acaba sendo dessas imagens marcantes que nunca vai sair do imaginário cinéfilo. Tão copiada e parodiada, até hoje impressiona. Imaginem então o público da época, que ainda vivia com o temor contínuo de uma guerra que envolvessem bombas nucleares. O filme acabou reverenciado e estudado por gerações por sua mensagem atemporal sobre a crueldade e destrutividade que reside na natureza humana. E esse final de O PLANETA DOS MACACOS sintetiza tudo isso.

Vou rever o segundo filme, DE VOLTA AO PLANETA DOS MACACOS (70), pra ver como se sai hoje em dia…

SANDOKAN, O GRANDE (1963)

Coprodução italiana/francesa/espanhola, dirigida por Umberto Lenzi, SANDOKAN, O GRANDE (Sandokan, la tigre di Mompracem) foi baseada no primeiro dos romances do famoso personagem da literatura italiana, Sandokan, Os Tigres de Mompracem, do escritor italiano do século XIX Emilio Salgari. Na literatura, Sandokan é um pirata heróico que combate o tirânico Império Britânico e a Companhia das Índias nos mares do Sul asiático. Suas aventuras são contadas numa série de onze histórias, tendo aparecido pela primeira vez em 1883.

Nesta versão cinematográfica, Steve Reeves é quem dá vida ao corajoso e ousado pirata malaio Sandokan. E para quem conhece o sujeito, famoso por interpretar os fortões heróis do cinema de “sandália e espada” italiano, gênero conhecido por lá como PEPLUM, pode até estranhar vê-lo como como um pirata do século XIX em SANDOKAN, O GRANDE… Mas até que a coisa não muda tanto de figura não. Muda-se cenários e vestimentas, mas o senso de aventura dessas produções italianas permanecem.

Aparentemente o enredo do filme é apenas vagamente baseado no romance, mas captura o espírito de maneira bastante eficaz. Na trama, o pai de Sandokan é o rajá de um pequeno principado em Bornéu, que acabou deposto pelos britânicos e capturado. Agora pretendem executá-lo. Sandokan, que começa o filme já com certa notoriedade pelos seus feitos como líder de um grupo pirata, não tem intenção de permitir que isso aconteça, e resolve intervir tocando o terror pra cima do poderoso Império Britânico.

O primeiro passo de Sandokan e sua turma é um ataque à casa fortificada do comandante britânico Lord Guillonk (Leo Anchóriz), e no meio da confusão acaba sequestrando Mary Ann (Geneviève Grad), sobrinha de Guillonk. Ela obviamente fica indignada com a ideia de ser sequestrada por piratas, mas por outro lado aprendemos em SANDOKAN, O GRANDE que se você é uma jovem moça e acaba sequestrada pelo Steve Reeves fantasiado de pirata, arrojado, bonitão e másculo, talvez não seja tão ruim quanto parece…

Especialmente quando o sujeito salva-lhe a vida encarando um tigre no meio do mato…

Em determinado momento, o braço direito de Sandokan, o aventureiro português Yanez (Andrea Bosic), também ajuda a colocar na cabeça da moça algum esclarecimento sobre a autoritária política colonial britânica, e como os seus compatriotas – homens do seu tio inclusive – mataram membros da família de Sandokan. Ela começa a entender porque Sandokan não é lá grande fã dos britânicos. Yanez também aponta que os seguidores de Sandokan foram forçados a se tornarem piratas por conta das potências coloniais européias e o seu modo de agir na região.

A aventura progride, agora com Sandokan sendo caçado pelos homens de Lord Guillonk e se vê tendo que atravessar a ilha onde a trama transcorre, enfrentando os mais diversos e perigosos cenários para não ser pego. Isso significa enfrentar pântanos e selvas inexploradas, um feito bastante desafiador, mas ainda mais difícil com Mary Ann de reboque e com alguns companheiros feridos e, pior, tendo um traidor no grupo que ninguém sabe ainda quem é…

Aparentemente, o Sandokan da literatura é um líder inspirador e carismático, mas também impulsivo e inclinado a erros de julgamento. Um pouco diferente da sua versão para cinema. Steve Reeves decidiu, em vez disso, buscar dignidade e autoridade silenciosa. O que acaba sendo uma abordagem válida, tendo em vista que o ator não tinha lá muita desenvoltura para se expressar verbalmente diante das câmeras. O desempenho físico do sujeito foi mais que adequado.

Claro, há algum excesso de confiança de Sandokan que soa exagerado – seu plano de atravessar a ilha sobre pântanos intransitáveis ​​e entrando em terrítórios de tribos caçadores de cabeças não era lá uma ótima idéia, por exemplo. Mas os homens de Sandokan têm absoluta confiança nele, apesar disso não significar necessariamente que o sujeito saiba o que está fazendo. Mas aí é que entra umas das coisas mais legais em SANDOKAN, O GRANDE, que é como o protagonista é sortudo pra cacete. Não há nada racional ou calculista nele, é um homem que está sempre preparado para colocar sua fé no destino (ser salvo por um chimpanzé, por exemplo). Se Deus quiser, ele sobreviverá e continuará lutando. Seu fatalismo faz dele um herói fascinante.

Embora seja um filme de piratas, não há cenas de batalhas no mar. Provável que o orçamento não tenha sido suficiente para contemplar algo tão ambicioso. Mas quando se tem um diretor como Umberto Lenzi sabemos que estamos em boas mãos. Claro, é evidente que Lenzi ainda estava em início de carreira aqui, mas já tinha no currículo sete filmes, todos aventuras do gênero Peplum, então já tinha experiência de sobra pra comandar uma produção como esta.

Mesmo que o ritmo de SANDOKAN, O GRANDE tenha uma caída no meio, e comece a se arrastar um pouco, não demora muito pras coisas esquentarem. E quando a ação começa a aumentar no final, vale a pena a espera. A batalha final, por exemplo, é um bom espetáculo de ação. E Lenzi faz um trabalho sólido, nada muito inspirado, mas bem seguro na maior parte do tempo. A localização das filmagens no Sri Lanka também ajuda. São visualmente impressionantes e Lenzi sabe como aproveitar e dar uma sensação de autenticidade exótica.

Há sempre o perigo desse tipo de filme abusar da mensagem anticolonialista (que existe no romance de Salgari) e sucumbir à pregação excessiva. É algo que pode estragar um pouco a diversão, concordando ou não com a mensagem. Mas não acho que seja um problema em SANDOKAN, O GRANDE, até porque os britânicos são retratados como vilões quase cartunescos e maniqueístas.

No geral, SANDOKAN, O GRANDE é um filme de aventura agradável, sem grandes pretensões, e que tem algumas coisas divertidas a seu favor, como o cenário incomum e o seu herói exótico, Sandokan. São exemplos que, juntamente com a sequência final de batalha e outros momentos de ação, são suficientes para compensar alguns pequenos problemas de ritmo e coerência.

Steve Reeves retornaria ao papel de Sandokan no ano seguinte, em I PIRATI DELLA MALESIA, novamente dirido por Umberto Lenzi. Mas ao longo do tempo, o personagem ganhou novos filmes e novos intérpretes. É um universo vasto o de Sandokan, que eu ainda preciso explorar…

★ ★ ★

COM 007 SÓ SE VIVE DUAS VEZES (1967)

Depois do espião James Bond alcançar um tremendo sucesso com os quatro filmes anteriores, COM 007 SÓ SE VIVE DUAS VEZES (You Only Live Twice) pretendia marcar o fim da relação entre a franquia e Sean Connery, o ator que deu vida ao personagem até então. Cansado da atenção intrusiva que recebeu e o medo de ficar para sempre marcado como James Bond, Connery decidiu se desligar de vez da carreira de espião e seguir em frente com novos desafios… Ou talvez não. Apesar de todas as suas reclamações, Connery retornaria ao papel poucos anos depois, em OS DIAMANTES SÃO ETERNOS, de 1971. E renovaria sua licença para matar com o lançamento “não oficial” de 007 – NUNCA MAIS OUTRA VEZ já nos anos 80.

De qualquer forma, SÓ SE VIVE DUAS VEZES conclui a fase “clássica” de Connery como Bond.

Produzido durante a corrida espacial, COM 007 SÓ SE VIVE DUAS VEZES exibe uma atmosfera oportuna da política da guerra fria. O roteiro foi escrito pelo amigo de Ian Fleming (criador do personagem), Roald Dahl, e sua imaginação fértil serve muito bem ao filme, na maioria das vezes. Na trama, a União Soviética e os Estados Unidos se culpam pelo misterioso sumiço de suas cápsulas espaciais fora de órbita e a guerra nuclear entre as duas superpotências parece iminente.

O Serviço Secreto da coroa britânica descobre pistas que levam a crer que os foguetes estejam sendo mantidos no mar do Japão e designa Bond para a missão. Portanto, 007 vai para o Japão rastrear as cápsulas espaciais roubadas, correndo contra o relógio, e descobre que o maníaco Ernst Stavro Blofeld (Donald Pleasence) e sua organização terrorista SPECTRE planeja incitar uma guerra global em larga escala. Com a ajuda de agentes japoneses e um exército de ninjas liderados por Tiger Tanaka (Tetsuro Tamba), Bond mais uma vez se arrisca para salvar o mundo da destruição.

Com um enredo desses é até difícil apontar problemas em COM 007 SÓ SE VIVE DUAS VEZES, até porque talvez não tenha nada de errado mesmo, talvez uma certa falta de substância para se igualar aos exemplares que vieram antes, como se este aqui já assumisse uma veia escapista e de pura diversão. O próprio Connery aparenta cansaço ao longo do filme e, embora ainda possua a aura cool e de frescor que funciona tão bem, o sujeito já não tem tanto aqui a faísca necessária (não ajuda o fato de colocarem o sujeito numas situações bem constrangedoras, como a cerimômia de seu casamento de fachada com uma japonesa, entre outras coisas…)

Mas o filme ainda apresenta uma boa coleção de momentos memoráveis ao longo de suas quase duas horas. Naves espaciais que engolem outras naves, Donald Pleasance como Blofeld, piranhas que devoram pessoas, Bond se tornando um ninja… Lewis Gilbert faz sua estreia na série (retornaria dez anos depois com OS ESPIÃO QUE ME AMAVA) e trouxe um olhar mais moderno, fornecendo um bom ritmo e algumas das melhores sequências de ação da série até esse ponto.

Uma coisa que sinto falta é a presença de vilões mais marcantes em COM 007 SÓ SE VIVE DUAS VEZES. Como disse, temos Pleasence como Blofeld, o que já torna o filme essencial. Mas embora saibamos que o pior inimigo de Bond é quem está por trás dos planos diabólicos que afligem o nosso herói, Blofeld é quase uma entidade no decorrer da trama, sempre mostrado com seu gato no colo, sem revelar o rosto, da mesma forma que havia aparecido em CHANTAGEM ATÔMICA.

Quando seu rosto é revelado ao público e finalmente vemos o grande Pleasence encarnando o personagem, já é tarde de mais, já estamos no final do filme e não temos Pleasence o suficiente na tela… Ainda assim, o sujeito está sensacional, com um visual incrível e impecável na atuação.

O que realmente vale destacar em COM 007 SÓ SE VIVE DUAS VEZES são as sequências de aventura e ação. Há uma maravilhosa perseguição de carros pelas ruas de Tóquio, temos um combate no ar envolvendo vários helicópteros que é uma belezura, e o longo clímax, uma batalha épica e deflagradora num cenário colossal (mas com excelente uso de miniaturas e bonequinhos como figurantes) entre os capangas da SPECTRE e o grupo ninja de Tiger Tanaka, com muitas explosões e alta contagem de corpos. Mesmo cenas de ação menores são muito bem realizadas: a fuga de Bond no porto encarando dezenas de capangas com tiros e pontapés possui um moderno trabalho de câmera. Há uma pancadaria entre o nosso herói e um japonês brutamontes quebrando tudo num escritório que é massa. E ainda temos Bond encarando o braço direito de Blofeld, Hans, vivido pelo meu xará Ronald Rich, aos arredores de uma piscina repleta de piranhas. Emoção pura!

No elenco, algumas figurinhas que sempre estiveram presentes até aquele momento na série, como Bernard Lee vivendo ‘M’mais uma vez, assim como Louis Maxwell e Desmond Lewelyn retornam, respectivamente, como Moneypenny e ‘Q’. E há uma participação rápida e curiosa de Charles Gray, como um contato de Bond no Japão que não demora muito para ser eliminado. Só que o ator retornaria à série em OS DIAMANTES SÃO ETERNOS como Blofeld (o personagem faria uma radical mudança facial).  

No geral, COM 007 SÓ SE VIVE DUAS VEZES é uma brincadeira divertida, com ótimos cenários (de Ken Adam), cenas de ação espetaculares, efeitos especiais que impressionam ainda hoje, um vilão maravilhoso (que infelizmente aparece muito pouco, EU QUERIA MAIS PLEASENCE!!!) e uma das melhores trilhas de John Barry (o tema cantado por Nancy Sinatra é muito bom), o que torna sempre um prazer revisitar…

E se GOLDFINGER iniciou a tendência de aventura pitoresca nos filmes de Bond e CHANTAGEM ATÔMICA levou esse conceito a um nível muito maior e mais complexo, COM 007 SÓ SE VIVE DUAS VEZES continua a idéia e a torna ainda mais exagerada. Mas a progressão continua, a ação galhofeira que temos aqui nem é tão absurda assim em comparação com o que ainda estava por vir na série…

O RIO DA MORTE (1989)

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Pessoal da Cannon era chegada num rip-off de INDIANA JONES e tentou explorar o tema até esgotar as possibilidades. Produziu tanto cópias descaradas, como os dois filmes de ALLAN QUATERMAIN, quanto aventuras com inspirações, digamos, mais discretas, como OS AVENTUREIROS DO FOGO, estrelado por Chuck Norris e Louis Gossett Jr. No final da década de 80, um de seus astros resolveu ter também um rip-off para chamar de seu. Estamos falando de Michael Dudikoff, que na época tinha feito bastante sucesso para a produtora com os dois primeiros filmes da série AMERICAN NINJA. Daí surgiu O RIO DA MORTE (River of Death), dirigido por Steve Carver (McQUADE – O LOBO SOLITÁRIO) e co-produzido pelo grande Harry Alan Towers.

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Aqui, Dudikoff se mete numa aventura em busca de uma cidade perdida no coração da Floresta Amazônica enfrentando nazistas, cientistas malucos, piratas do rio, tribos canibais, ou seja, para os meus padrões de diversão e tolerância para esse tipo de filme de aventura/ação, O RIO DA MORTE é obrigatório. Especialmente com o elenco que temos aqui: Donald Pleasence, Robert Vaugh, L. Q. Jones, Herbert Lom…

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O filme começa no final da Segunda Guerra Mundial, quando um oficial nazista esconde sua filha debaixo de uma mesa pouco antes de ser assassinado a tiros pelo Dr. Wolfgang Manteuffel (Vaughn). O sujeito é então informado pelo comandante Heinrich Spaatz (Pleasence) que os russos estão chegando e que precisam sair do local. Manteuffel concorda, mas como é um nazista filho da puta, atira em Spaatz antes que a fuga seja feita.

Duas décadas depois, seguimos da Alemanha para o Brasil, onde encontramos um aventureiro chamado John Hamilton (Dudikoff), que acompanha um médico e sua filha, Anna, em uma missão filantrópica no meio da selva amazônica para ajudar a inocular uma tribo nativa contra uma doença mortal. As coisas rapidamente desandam e, num ataque de uma perigosa tribo, antes que você perceba, o médico está morto, Anna foi capturada e Hamilton consegue escapar. Como ele gosta da moça, coloca na cabeça que precisa retornar ao local para salvá-la…

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Uma vez de volta à civilização, um sujeito chamado Hiller (Jones) convence Hamilton a aceitar uma oferta de um alemão misterioso que deseja seus serviços de guia para levar ele e seus homens a uma lendária cidade perdida. Hamilton concorda, sabendo que poderia lhe dar a chance de encontrar e libertar Anna. O alemão, é claro, é Heinrich Spaatz, que conseguiu se salvar dos acontecimentos de vinte anos atrás, então obviamente tudo isso está ligado à sequência que abre o filme, uma jornada de vingança envolvendo Spaatz, Manteuffel e suas experiências sinistras e profanas. E uma certa garotinha que viu seu pai ser morto debaixo de uma mesa…

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Baseado num romance escrito por Alistair MacLean (autor de Os Canhões de Navarone), O RIO DA MORTE mistura teorias de conspiração nazistas no estilo BOYS FROM BRAZIL, com aventuras na floresta inspiradas em INDIANA JONES, sem nunca atingir o nível de qualquer um desses filmes. Mas isso nem importa, o que vale é que O RIO DA MORTE é divertido o suficiente para um filme B agradável. Há momentos que cheiram a potencial desperdiçado, como a presença do cientista nazista interpretado por Vaughn, que não tem tanto tempo de tela aqui quanto gostaria. Em compensação, temos bastante de Pleasence. Seu Spaatz é um velho sujo e mulherengo e o ator parece estar se divertindo bastante, roubando pra si as atenções… Já Dudikoff talvez não tenha o carisma de um Harrison Ford, mas lida muito bem com as sequências de ação e se sai como um action hero razoavelmente arrojado.

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O orçamento de O RIO DA MORTE não era lá grandes coisas, mas a equipe de produção fez um trabalho decente com o que tinham. A fotografia é boa e as sequências nas florestas são convincentes. A cidade perdida acaba sendo um cenário perfeito também para o clímax. Temos uma boa variedade de ação, não apenas um monte de cenas de nativos perseguindo pessoas pela selva, jogando lanças mal direcionadas que quase nunca acertam, mas também uma boa dose de tiroteios e explosões, coisas que o diretor Steve Carver sabe filmar com classe e sem frescuras.

Acho que o filme peca um pouco na duração, talvez muito longo para a aventurazinha que é, passando uns bons quinze minutos do limite. Mas apesar de tudo, O RIO DA MORTE oferece entretenimento dos bons, completamente descartável, claro, mas que não deixa de divertir.

ESCALADO PARA MORRER (1975)

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Não sei o que rolou na concepção do roteiro de ESCALADO PARA MORRER (The Eiger Sanction), quarto filme dirigido pelo Clint Eastwood, mas a impressão que dá é que pegaram três histórias diferentes, não conseguiram resolver nenhuma delas, e decidiram transformar tudo em um filme só, colando cada pedaço com fita adesiva… O resultado é uma bagunça, uma salada maluca que mistura ação, espionagem e aventura de alpinismo, com cenários, ritmos e tons completamente diferentes entre si. Se me dissessem que se trata de um roteiro abortado pra um 007 do Roger Moore, eu acreditava… Embora eu saiba que se trata de uma adaptação de uma novela de Rod Whitaker, que também ajudou a escrever o roteiro.

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Não quer dizer também que o filme seja um desastre completo. No meio da bagunça há muita coisa boa em ESCALADO PARA MORRER, um dos filmes mais físicos de Clint, que oferece a si mesmo um papel não muito simpático de um assassino profissional alpinista. Dá a Clint a oportunidade de se colocar em algumas impressionantes sequências de escalada, que são a principal razão do filme existir, é o que une os três blocos que formam a narrativa e que se destacam por sua diversidade e diferentes abordagens estéticas.

Na trama, Clint se passa por um professor de arte chamado Jack Hemlock, viciado em colecionar obras pintadas por grandes mestres da história da arte, mas logo se vê retornando para sua verdadeira vocação de assassino da CIA, hoje aposentado, quando é convencido pelo seu ex-chefe, o Sr. Dragon (Thayer David), um albino que não pode suportar a menor exposição à luz solar e precisa de cuidados médicos diários (típico personagem de um Bond Movie). A missão de Hemlock é matar dois sujeitos que estiveram envolvidos no assassinato de um agente americano, grande amigo de Hemlock, que lhe salvou a vida em uma ocasião. E sua participação na missão é essencial por envolver escaladas de montanhas, algo que o protagonista costumava ser muito hábil. O maior problema, no entanto, é justamente a tal montanha na qual ele deve escalar: a Eiger, de 3.970 metros de altitude, na Suíça, e que Hemlock já havia tentado escalar duas vezes e fracassado em ambas, quase perdendo a vida. Dureza.

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A primeira parte de ESCALADO PARA MORRER adota um visual típico de filme de espionagem (um pouco como em FIREFOX, outro filme que tem elementos do gênero, que Eastwood viria a dirigir nos anos 80). O personagem de Clint vai parar na Europa onde precisa exterminar seu primeiro alvo, um espião do serviço secreto russo. A imagem desse primeiro bloco é fria, acinzentada, bem diferente do cenário do bloco central do filme: Clint vai para o calor do espetacular Monument Valley para entrar em forma e treinar alpinismo ao lado de seu velho amigo George Kennedy (e de uma bela nativa que incentiva o personagem de Clint a continuar seu treinamento de maneira bastante entusiasmante…). E é onde também encara um de seus nêmesis, Miles Mellough, vivido brilhantemente por Jack Cassidy.

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Esse esforço todo é para a missão que acontece no último bloco, quando Clint precisa escalar a perigosa Eiger, nos Alpes suíços, com três outros companheiros, sendo que um deles é o seu alvo. Só que ele não sabe quem deve matar, a informação deverá chegar a qualquer momento durante a subida. Portanto, eles escalam a montanha…

Só que a intriga rapidamente entra em segundo plano. Eastwood parece mais interessado em filmar seus personagens o mais próximo possível dos cenários impressionantes e reais durante o ato de escalar. O próprio Clint não utiliza dublê em boa parte das sequências e podemos ver o sujeito em grandes alturas pendurado por algumas cordas… Funciona. No meio de toda patuscada que é o roteiro, temos um espetáculo de imagens dos Alpes e vários momentos que são verdadeiras aulas de tensão. A cinematografia é ótima, especialmente durante essas sequências climáticas de escalada, que acaba sendo o destaque definitivo do filme. E temos ainda um John Williams arrebentando na trilha sonora, o que deixa tudo ainda mais divertido.

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No geral, o filme não é muito memorável, mas é interessante observar como Clint resolve visualmente essa aventura, mesmo trabalhando com um roteiro tão capenga. As sequências de escalada são certamente algumas das melhores coisas que o suejeito já filmou na vida. Impressionantes para a época e ainda funcionam lindamente hoje. Obviamente as pessoas mais sensíveis às tendências atuais de problematizar qualquer coisa fora do lugar não vão deixar de reclamar de certas posturas machistas do personagem de Clint. Fruto de sua época… Até existe uma certa vulgaridade e cinismo em Hemlock, que é tipo de coisa que deixa tudo mais engraçado… Mas não vou ficar entrando nesse mérito. Realmente não me interessa.

X312 – FLIGHT TO HELL (1971)

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O início da década de 70 foi um ponto de virada na carreira do diretor Jesus Franco. No espaço de pouco tempo ele interrompeu sua colaboração de alguns anos com o produtor Harry Alan Towers e, acima de tudo, houve a trágica morte da atriz Soledad Miranda, musa do diretor. É nesse período também que Franco parte para a Alemanha e conhece o grande produtor Artur Brauner, que topa realizar os seus projetos, dentre os quais alguns dos mais famosos filmes de Franco, como VAMPYROS LESBOS e SHE KILLED IN ECSTAZY (ambos ainda filmados com Soledad). Um dos últimos filmes que resultou dessa colaboração foi este X312 – FLIGHT TO HELL, que assisti recentemente.

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A trama é sobre um grupo de passageiros que sobrevive à queda de um avião, vindo do Chile para o Rio de Janeiro, em plena floresta amazônica. Entre os sobreviventes estão o jornalista (Thomas Hunter) que narra a história, um comissário de bordo sem escrúpulos, um banqueiro e outros indivíduos aleatórios. Acontece que o banqueiro saiu às pressas do Chile com uma maleta cheia de milhões de dólares em diamantes, o que desperta muitas suspeitas, especialmente de Paco (vivido pelo ator espanhol Fernando Sancho), o comissário de bordo, que rapidamente percebe que o banqueiro esconde um verdadeiro tesouro.

Ao mesmo tempo que a sobrevivência na selva para essas pessoas consiste em se unir para poder sair dessa, cada um pensa em seus interesses pessoais, especialmente quando descobrem o que contém na famigerada maleta. Além disso, um grupo de guerrilheiros que se esconde nas proximidades, cujo lider é interpretado pelo Howard Vernon, eterno colaborador do diretor, também resolve colocar as mãos nas pedras. E como se isso tudo não bastasse, Franco ainda joga no meio da selva uma tribo de índios caçadores de cabeças no caminho dos sobreviventes… Portanto, a jornada promete… Ou talvez não.

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Apesar desse saladão todo, X312 – FLIGHT TO HELL nem é tão excessivo quanto aparenta. É até bastante classicista para um diretor como o Franco. Para quem conhece seu trabalho, sabe que o homem se destaca sobretudo em excesso e excesso… E não é bem o que acontece por aqui. A jornada desse desse punhado de personagens pela selva acaba parecendo mais como um circuito em um parque ornitológico do que uma aventura cheia de ideias absurdas brotando na tela… Na maior parte do tempo, Franco não consegue tirar o espectador de um certo estado de letargia. Até os atores favoritos do diretor são pouco aproveitados e reduzidos a papéis mínimos: Vernon como lider de guerrilheiros nas selvas brasileiras merecia um filme só pra ele, e Paul Muller acaba tendo apenas tem duas ceninhas.

Quem está muito bem e aproveita o momento é o protagonista, o galã Thomas Hunter (americano, que acabou fazendo filme de gênero na Europa), e o renomado Fernando Sancho, mais conhecido pela contribuição para o ciclo de Spaghetti Western. Para não se afastar da regra, Franco maliciosamente consegue colocar algumas ceninhas eróticas para fazer a alegria dos cuecas. E quem se destaca é a atriz Esperanza Roy (de EL ATAQUE DE LOS MUERTOS SIN OJOS, de Amando de Ossorio) que revela seus encantos em algumas ocasiões.

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Mesmo assim, suponho que Jess Franco ainda não tivesse se recuperado totalmente da morte de sua musa, Soledad, e se contentou em seguir as instruções de seu produtor, que provavelmente queria um produto mais “formatado”. Mas não chega a ser nenhum desastre, tem várias cenas curiosas, principalmente as que envolvem o personagem de Vernon (a sequência que sua amante e Esperanza Roy “colocam as aranhas para brigar” e ele assiste tudo com um sorriso na cara é uma das melhores do filme e um aperetivo do que poderia ter sido todo o restante caso Franco estivesse mais inspirado). Um bocado de nudez gratuita e alguns tiroteios também ajudam, são sempre divertidos de se ver e não vai faltar por aqui. Mas de uma forma geral, X312 – FLIGHT TO HELL não é dos melhores trabalhos do diretor…