URBAN MENACE (1999)

URBAN MENACE é um daqueles “filmes treta” do Albert Pyun, que, para quem já acompanha o blog há mais tempo, sabe que é um dos diretores favoritos do recinto. E pra quem conhece mais ainda a figura, sabe também que o sujeito vivia se metendo em encrenca pra fazer seus filmes. Neste aqui, Pyun deveria ir para a Eslováquia e fazer, em apenas 18 dias, uma antologia, filme com várias historinhas, de crime urbano. Em 1999 já não era muito modinha os chamados hood films, mas os anos 90 nos deu uma boa safra desse tipo de crime movie protagonizado por rappers metidos a gangster, mas era isso que o Pyun faria por aqui. E teria no elenco umas figuras como Snoop Dogg, Big Pun, Fat Joe, Ice-T, que também teria participação na trilha sonora, com trechos de um novo álbum que havia lançado na época…

Mas, enfim, sabem como é o Pyun. Em vez fazer o que foi contratado, um único filme, o sujeito resolveu fazer três longas metragens nesses 18 dias. Daí saiu este URBAN MENACE, CORRUPT e THE WRECKING CREW. Tudo reutilizando o mesmo elenco, locações e equipamentos. Ah, e fez os três filmes ao mesmo tempo, com os atores muitas vezes nem sabendo pra qual filme estavam fazendo tal cena em determinados momentos. Imaginem a qualidade dessas produções…

Independente dos resultados, Pyun conseguiu terminar a façanha no prazo. O problema foi na hora de voltar. Nessa entrevista que fizemos com ele há dez anos, Pyun nos conta que várias fitas miniDV com as filmagens foram perdidas pela Air France no transporte de volta para os Estados Unidos. Então, segundo ele, teve que finalizar apenas com a metade do que havia sido filmado de cada um. Na verdade, o que descobri depois de alguns anos, é que o diretor usou imagens de uma versão workprint do filme para substituir as partes que foram perdidas. Tanto que a janela dos filmes é em letterbox, pra esconder o timecode na parte inferior da tela. Mas, isso são detalhes. Embora expliquem porque a imagem do filme é uma bosta.

Não assisti ainda a CORRUPT e THE WRECKING CREW, mas URBAN MENACE eu parei aleatoriamente pra ver essa semana. E não me decepcionei. Esperava uma porcaria e o que vi foi exatamente isso. Uma porcaria. Mas é um filme tão ruim, mas tão ruim, que me peguei fascinado com sua inépcia, com sua imagem tosca, com as atuações e diálogos ridículos… Um exemplar de Pyun da pior espécie e, por isso mesmo, adorei.

O filme é uma mistura de gangsta/hood movie com elementos de horror. Começa com a cara do Ice-T olhando diretamente pra nós, como um narrador/comentarista social que fala para a câmera seu discurso, desferindo palavões e ameaças. É o que URBAN MENACE tem de melhor.

A trama é sobre um pastor (Snoop Dogg) que busca vingança contra o sindicato do crime local (chefiados por Big Pun & Fat Joe) pela morte de sua família e pelo incêndio de sua igreja. Não se sabe ao certo se o pastor morreu também no incêndio ou se é o fantasma (a resposta acaba sendo revelada mais pro final), mas seja o que for, ele se esconde num armazém abandonado e criminosos são enviados ao local para o matar. Na maior parte do tempo, Snoop Dogg age como uma entidade, um espírito que vaga pelos escombros e corredores do local levando a morte. E Pyun usa uns efeitos especiais e de edição da pior qualidade pra enfatizar o tom de ambiguidade nessa persona fantasmagórica de Snoop Dogg.

Mas quem seguimos realmente nessa história são três capangas (liderados por T.J. Storm), que passam o resto do filme andando em círculos pelos corredores do local procurando Snoop Dogg, ou correndo atrás dele quando o avistam (para ser mais específico, o dublê do Snoop Dogg)… E fica nisso, praticamente toda a narrativa se passa nesse armazém, com diálogos bestas, fotografia horrorosa e toda estourada, fora de foco, e os caras tentando pegar o Snoop. Pelo menos a trilha do Ice-T é maneira.

Quando o filme te leva pra outra situação, em outra locação, na base do sindicato do crime, com Big Pun e Fat Joe sentados conversando com seus capangas, a coisa piora ainda mais – ou melhora, dependendo do seu humor – e temos alguns dos piores trabalhos de câmera, edição, enquadramentos e mise en scene que já vi na vida. É de rolar de rir!

No final, todos os bandidos decidem invadir o armazém. Snoop Dogg faz uma chacina, dando tiro em todo mundo. É uma sequência até divertida, demonstra o velho Pyun experimental do cinema de ação de baixo orçamento, com resultado interessante. Tosco. Mas interessante… E, enfim, URBAN MENACE só tem 72 minutos. Contando os créditos. Claro, às vezes dá a impressão que possui 3 horas de duração, com os persoangens zanzando por um tempão pelos cenários e a cara do Snoop Dogg inserida na edição de forma ordinária. Mas tudo bem. Eu adoro essas porcarias, achei tudo engraçadíssimo, então gostei de URBAN MENACE. Só não vou recomandar e dizer que vale a pena assistir, porque tenho minhas dúvidas se até os leitores que gostam de uma tralha não se decepcionariam com isso aqui. Portanto, estejam avisados.

Curiosidades: Um dos bandidos também enviados ao local para matar o Snoop Dog é vivido por Vincent Klyn, o Fender, de CYBORG – O DRAGÃO DO FUTURO, a obra-prima de Pyun. E o roteiro, se é que podemos chamar esse lixo de roteiro, foi escrito por Tim Story, que alguns anos mais tarde dirigiria aqueles filmes do QUARTETO FANTÁSTICO dos anos 2000… Podem acreditar, URBAN MENACE é, pelo menos, melhor que esses aí.

Em breve comento também CORRUPT e THE WRECKING CREW, que provavelmente devem ser tão ruins quanto esse. Mal posso esperar!

DOLLMAN (1991)

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Embora seja mais uma dentre tantas produções dirigidas pelo Albert Pyun que sofre às duras penas por conta do baixíssimo orçamento, DOLLMAN teve a incrível façanha de ser um de seus trabalhos que conseguiu reunir perfeitamente as ideias mirabolantes da cabeça do diretor com um bom resultado visual na tela. Ainda bem, porque isso é crucial em DOLLMAN. Se essas ideias não funcionassem, seria quase impossível engolir a história do policial alienígena que possui o tamanho de um boneco de “Comandos em Ação” no nosso planeta.

Tim Thomerson, trabalhando pela primeira vez com Pyun, encarna Brick Bardo, o tal personagem minúsculo. O sujeito é o típico policial casca-grossa que estamos acostumados a ver em filmes dos anos 80 e 90, que age por conta de suas próprias regras e que pode usar óculos escuros à noite sem parecer um hipster ridículo. Com a pequena diferença de que é um extraterrestre de trinta centímetros de altura. Ao perseguir um meliante de seu planeta, Bardo acaba parando na Terra, onde ele não passa de um tiquinho de gente. Mas isso não impede que seu lado durão se abale, até porque o sujeito tem sempre em mãos “a arma de mão mais poderosa do universo“, como diz um moleque gordinho logo no início do filme, um revolver que explode corpos inteiros no seu planeta. O que já faz também um belo estrago na bandidagem da Terra.

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Um desses bandidos por aqui é vivido por ninguém menos que Jackie Earle Haley em início de carreira, antes de viver Rorschach em WATCHMEN, já demonstrando certo talento dramático, por incrível que pareça. Seu personagem passa grande parte do filme com uma bala no bucho, o que exige uma certa expressividade do ator. Sim, amiguinhos, estamos analisando dramaturgia num filme do Pyun em que o personagem principal é um policial de trinta centímetros… Vincent Klyn, o eterno Fender de CYBORG, também dirigido pelo Pyun, marca presença como um dos vilões, como não poderia ser diferente. Ainda no elenco, alguns habituais do diretor também dão as caras por aqui, como Nicholas Guest e Michael Halsey, todos bem competentes. Mas é impossível tirar os olhos do protagonista. Tim Thomerson carrega o filme nas costas, apesar do tamanho, com uma atuação excepcional!

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DOLLMAN foi a primeira parceria de Pyun com a Full Moon, de Charles Band, produtora que sempre trabalhou com pouco recurso, mas com muita criatividade e excelentes resultados nos anos 80 e 90. Embora Pyun reclame que Band seja um produtor muito controlador, o diretor consegue fazer o que queria em termos visuais com bastante eficiência, tornando crível a situação de escala do protagonista em relação aos espaços, ao mundo gigante que o rodeia. Os enquadramentos, o que Pyun mostra ou deixa de mostrar, os ângulos criativos da câmera, tudo faz acreditar que Thomerson é realmente um autêntico bonequinho. Até mesmo no uso de efeitos especiais e trucagens, que o orçamento não permite ser dos melhores, dão um charme à mais na obra.

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Além disso, Pyun tem sempre grandes sacadas para manter o ritmo frenético em DOLLMAN, com bons momentos de ação e um humor sarcástico característico do diretor. Várias cenas são impagáveis, sequências realmente difíceis de acreditar que conseguiram fazer com tão pouco recurso e que só poderiam ter saído da cachola do diretor e do produtor Charles Band. Toda a sequência inicial que se passa no planeta de Bardo é excepcional, filmada com um filtro avermelhado, faz uma apresentação perfeita do tipo de policial que Bardo é, agindo numa situação com reféns, de deixar o chefe de polícia arrancando os cabelos. E mostra, também, o estrago que sua arma é capaz fazer num corpo.

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Já no nosso precioso planeta Terra, sequências como o pequenino herói pendurado num carro cheio de bandidos, ou as trocações de tiros com os meliantes com suas diferenças de escalas, e até o confronto do herói com um rato, quando o personagem literalmente entra pelo cano, são bons exemplos que garantem a diversão…

DOLLMAN é daquelas obras feitas sob medida para os fãs assíduos de uma boa tralha de baixo orçamento, que obviamente o espectador normal deverá achar uma perda de tempo. Azar o deles. Trata-se de um dos melhores e mais divertidos filmes de Albert Pyun.

Texto originalmente escrito para o blog Radioactive Dreams, em agosto de 2010, e atualizado para o Dementia¹³ em janeiro de 2019.

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CYBORG – O DRAGÃO DO FUTURO (1989) & SLINGER (2011)

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CYBORG vs SLINGER – Dois filmes em um

CYBORG – O DRAGÃO DO FUTURO foi um dos principais filmes de ação que me fez apaixonar incondicionalmente pelo gênero. Trata-se de mais uma variação do subgênero “pós-apocalíptico”, tão comuns nos anos 80 e 90, filmes em que vislumbramos o futuro da pior maneira possível, com suas grandes cidades destruídas por alguma catástrofe natural ou não, geralmente com um punhado de pessoas que já perderam a noção de humanidade tentando sobreviver ao caos, enfrentando as piores desgraças, agindo com violência, imoralidade e sem esperanças de uma vida melhor. No futuro de CYBORG, a “peste” devastou com a população mundial e a esperança do que resta da humanidade é a segurança de uma cyborg detentora da cura. Na trama, esta cyborg precisa chegar a Atlanta, único local com estrutura para trabalhar com o material que provavelmente vai restaurar a ordem no mundo.

Mas existem grupos anarquistas que preferem deixar tudo como está. É o caso da gangue do maquiavélico Fender, que faz de tudo para impedir que a moça de lata chegue ao seu destino. Aí é que entra o nosso herói, Gibson (sim, os nomes dos personagens são marcas de guitarras), na pele do belga Jean Claude Van Damme, um mercenário que se propõe a ajudar a indefesa cyborg, embora seja motivado por um instinto vingativo, rixa do passado entre ele e Fender, o qual é muito bem explorado nos flashbacks do protagonista.

Dirigido por um dos grandes mestres dos B movies, Albert Pyun nunca escondeu sua predileção pelo universo pós apocalíptico e cyber punk. No seu currículo podemos conferir umas maravilhas como NEMESIS, RADIOACTIVE DREAMS, KNIGHTS, VICIOUS LIPS e muitos outros… Portanto, deve ter adorado trabalhar com todos esses elementos neste que é considerado por muitos admiradores o seu melhor filme. Ou não… As histórias dos bastidores de CYBORG é tão insana quanto o próprio filme visto na tela. Pyun fora contradado pela Cannon Films em meados dos anos 80 para dirigir uma continuação de MESTRES DO UNIVERSO e um live-action do HOMEM ARANHA, que seriam filmados simultaneamente. Mas a produtora estava passando por problemas financeiros e cancelou seus acordos com a Mattel e Marvel, proprietárias dos direitos de He-Man e Homem-Aranha respectivamente, apesar de já terem gasto cerca de dois milhões de dólares com sets e figurinos.

Pyun teve a ideia de partir para algo novo, um filme totalmente diferente, se virando com o que tinham disponível, além de um orçamento de menos de quinhentos mil dólares, contando com o salário do astro Van Damme. O realizador escreveu o roteiro em uma semana e logo em seguida partiria para uma das filmagens mais caóticas de sua carreira. Em mais três semanas, o filme estava na lata, filmado, prontinho. A pós-produção também não se mostrou uma experiência confortável. Pyun se mostrava disposto a realizar um filme de gênero mais experimental, sombrio, violento e operático, homenageando aos filmes de samurai e faroestes que ele cresceu assistindo. Essa proposta não era vista com bons olhos pela Cannon e Van Damme, claro. Apesar dos pesares, o resultado é uma obra singular e visionária dentro do possível, limitada pelo baixo orçamento da produção. CYBORG, a versão de cinema, é um dos melhores filmes do diretor e um atestado do quanto pode ser prazeroso assistir a uma fita de orçamento restrito feito com paixão e criatividade. Uma curiosidade é que o filme chegou a ser promovido na TV americana carregando o nome MASTERS OF UNIVERSE 2: CYBORG!

CYBORG é bem curto, não chega a uma hora e meia, mas dispões de ação constante e muita atmosfera, um clima pós-apocaliptico desolador que não fica muito longe dos melhores filmes do subgênero, como MAD MAX 2. Difícil esquecer algumas cenas antológicas – Van Damme nos túneis dos esgotos, em espacate, esperando seu oponente passar debaixo para dar o bote é genial. Aliás, toda a sequência que antecede a crucificação do protagonista e a maneira em que o personagem se livra da cruz com toda a fúria sempre me marcou bastante. Hoje ainda reserva grande força para quem embarca na trama e neste tipo de diversão.

Além de Van Damme (cujo sotaque na época ainda era um problema para Pyun), que se sai muito bem em cena, vale destacar o desempenho do grande Vincent Klyn, o vilão Fender, que possui uma puta presença ameaçadora e poderia muito bem ter sido melhor aproveitado no cinema. A descoberta de Klyn é curiosa. Quando Pyun estava trabalhando no casting para a continuação de MESTRES DO UNIVERSO, o diretor foi ao Havaí procurar um ator que substituísse o Dolph Lundgren no papel de He-Man e acabou encontrando, no meio de vários surfistas, Vincent Klyn. Pyun se impressionou tanto com aquela figura, que quando os projetos se transformaram em CYBORG, Pyun exigiu que Klyn fosse o vilão do filme… Daquelas escolhas simplesmente perfeitas. Pra mim Fender é uma das mais insanas, impiedosas e assustadoras representações do mal no cinema de ação de todos os tempos!

Eu posso estar sendo um nostálgico exagerado, mas CYBORG é um grande filme. Ótimo veículo de ação para o Van Damme, de quem eu nutro uma enorme admiração desde pequeno, muito bem dirigido pelo Pyun, ótimos cenários, atmosfera, efeitos especiais old school que chutam a bunda de qualquer CGI atual, trilha sonora marcante, etc e tal, mesmo sabendo que para a nova geração tudo isso não passa de uma tranqueira sem qualquer interesse… Uma pena.

Passados pouco mais de vinte anos do lançamento de CYBORG, eis que Pyun aparece com SLINGER, a SUA versão de CYBORG! Explico: Apesar de ser um dos títulos mais lembrados de sua filmografia, Pyun sempre fez questão de deixar claro que a versão de CYBORG lançada nos cinemas em 1989 pela Cannon não era o filme que gostaria de ter lançado. O problema é que o grande nome do filme, Van Damme, odiou o corte de Pyun, o que fez o diretor sair do projeto e Sheldon Lettich (roteirista de O GRANDE DRAGÃO BRANCO e diretor de DUPLO IMPACTO) entrar para trabalhar numa nova edição do filme, que se tornaria a versão de cinema. Mas e SLINGER? Bom, num belo dia qualquer lá por volta de 2010, o compositor e parceiro de Pyun, Tony Riparetti, estava limpando seu depósito e encontrou duas VHS com o último corte de Pyun antes de Van Damme e Lettich tomarem conta da produção!

Um detalhe importante é que o termo “director’s cut” não possui a mesma definição da qual estamos acostumados. Não é o trabalho de alguém que resolveu remontar o filme, nem pretende o relançamento comercial para substituir o “original”. SLINGER é uma versão de CYBORG praticamente em estado bruto, percebe-se até uma falta de acabamento em algumas cenas, formatos de tela diferentes, além da imagem ruim, de VHS, sendo destinada somente para os verdadeiros fãs do filme e de seu diretor.

SLINGER é a denominação utilizada para os personagens errantes do universo do filme, como é o caso de Gibson Rickenbacker, vivido pelo Van Damme. Nesta versão, não existe praga alguma devastando a população. Gibson persegue o vilão Fender (Vincent Klyn) por vingança, pura e simples, e nem se preocupa tanto com a tal cyborg sequestrada. Quanto a esta, a sua função no filme é carregar dados que vão ajudar a reestabelecer as redes elétricas deste futuro pós apocalíptico. Ao menos é o que ela diz, mas descobrimos no fim que ela e seus responsáveis possuem segundas intenções não muito amigáveis para o que resta da humanidade, dando ao filme um tom mais depressivo que já tinha.

Fender, na brilhante presença de Vincent Klyn, não muda muito. É a personificação do mal em todos os sentidos em ambas as versões, mas ganha um tom meio religioso aqui, como um enviado do diabo para trazer o caos, reforçado por uma narração em off que não havia na outra versão. Aliás, a director’s cut ganha uma narração que permeia quase todo o filme e as palavras de Gibson dão ao personagem um interessante viés de samurai, algo que Pyun sempre declarou ter buscado para o sujeito.

A trilha sonora é um dos elementos que mais se diferencia do original. Eu gosto bastante da trilha de Kevin Bassinson, com destaque para as melodias suaves e melancólicas das cenas de flashback. Mas a que temos aqui, composta por Tony Ripparetti, parceiro de Pyun até hoje, se encaixa perfeitamente à narrativa, não apenas acompanhando as imagens, mas realmente dá ritmo e eleva a obra num patamar mais operístico, que era a ideia inicial de Pyun.

Não há nada em SLINGER que eu não tenha gostado, mas existem alguns detalhes dos quais eu prefiro na versão anterior. As cenas de flashback na director’s cut são objetivas e surgem antes cronologicamente em relação à versão para cinema. Por exemplo, quando chega a grande sequência da crucificação de Gibson em SLINGER, já sabemos de toda a história entre ele e Fender. A própria cena da crucificação ficou mais curta, embora não menos brutal. Em CYBORG, a conclusão dos flashbacks vinha no momento em que Gibson estava pregado na cruz, prolongando ainda mais a cena, deixando-a com uma carga dramática muito maior. Outra grande diferença é na luta final entre Fender e Gibson. Ambas são excelentes, na minha opinião. Mas a desta aqui, apesar de possuir uma idéia mais visceral, sua execução fica um pouco a desejar, poupa o espectador de mostrar a morte horrível de Fender, deixando as coisas na imaginação, provavelmente pelo baixo orçamento, mas o fato é que entre as duas, prefiro a original, que é mais longa e mostra tudo o que tem que mostrar.

De uma forma geral, acho que esta director’s cut se encaixa mais ao estilo de Albert Pyun naquele período. É mais sombrio e dá ênfase às suas peculiaridades estéticas e influências (Sergio Leone e os filmes de samurai). Já a edição dos produtores deu a CYBORG um aspecto de filme de ação de baixo orçamento que tinha tudo pra ser um tradicional exemplar do período, mas acabou com o olhar peculiar e criativo de um realizador cheio de personalidade. Não é a toa que, de alguma forma, foi um dos filmes que mais me encantou durante a infância, justamente pelos vestígios deixados por Albert Pyun na versão para cinema.

E pra ser totalmente franco com vocês, essa director’s cut não possui modificações gritantes em relação ao “original”, está bem longe de ser “outro filme”. E o grande lance é que o material bruto das filmagens de CYBORG, totalmente realizado por Pyun, é muito bom e é o que realmente faz toda a diferença! Todas as grandes cenas antológicas que transformaram esta obra num clássico permanecem aqui. Acho que se eu pegasse esse material e editasse a minha versão, seguindo a mesma trama, não tenho dúvidas de que seria capaz de fazer um bom filme! Mas são as mínimas nuances que diferenciam uma versão da outra que demonstram claramente a idéia mais autoral de Albert Pyun. E olha que CYBORG, do jeitinho que era antes, já era o meu filme preferido do diretor… essa versão chega apenas para definir não apenas essa minha opinião, mas para colocar CYBORG entre os meus favoritos do gênero.

Ao fim do filme, há uma menção sobre um futuro projeto que retornaria ao universo de CYBORG em uma nova produção. Talvez uma sequência ou uma pré-continuação… Pyun chegou a anunciar e até trabalhar nessas ideias nos últimos anos, mas nada de concreto foi lançado. Continuamos aguardando.

OBS: Como disse antes, Pyun nunca lançou SLINGER comercialmente. Tive o privilégio de conferir o filme há alguns anos, quando o próprio diretor me enviou uma cópia assinada, da qual me orgulho muito e guardo com carinho na prateleira.

A ESPADA E OS BÁRBAROS (1982)

A década de 1980 deixou um vasto acervo de filmes do gênero Sword and Sorcerer, estilo que tratava de tempos longínquos e misturava realidade e fantasia em aventuras alucinantes que marcaram época. A maioria encontra-se esquecida atualmente ou não chegou sequer a ser conhecida pelo público jovem de hoje que prefere, obviamente, tocar uma bronha para um SENHOR DOS ANEIS a descobrir filmes como EXCALIBUR, KRULL, THE BEASTMASTER ou até mesmo algo mais “trash”, como DEATHSTALKERA ESPADA E OS BÁRBAROS é um belo exemplar desse ciclo oitentista, que acabou nomeando o gênero com seu título original, THE SWORD AND THE SORCERER.

Mas infelizmente, e até curioso isso, A ESPADA E OS BÁRBAROS também acabou no ostracismo. Merecia ter-se tornado no mínimo um clássico! Além de ser uma ótima aventura com boas doses de violência, bastante humor, mulheres nuas e efeitos especiais à moda antiga de primeira qualidade, o filme foi um enorme sucesso comercial levando em conta seu orçamento discreto. Para ter uma noção, CONAN – O BÁRBARO, em toda sua magnitude, lançado no mesmo ano e com capital mais espaçoso que este aqui, arrecadou apenas dois milhões a mais. Nada mal para o estreante diretor havaiano Albert Pyun, um dos favoritos da casa.

Segundo o produtor Brandon Chase, valeu a pena arriscar com Pyun na direção. Havia cinco anos que os roteiristas Tom Karnowski, John V. Stuckmeyer e o próprio Pyun estavam trabalhando na idealização do projeto. Nada mais justo deixar que o jovem diretor, então com 26 anos, colocasse em prática os “ensinamentos” lhe passado por Takao Saito, diretor de fotografia de vários filmes do mestre Akira Kurosawa. Claro que pelo resultado na tela em muitos de seus filmes parece que seu aprendizado foram-lhes passado por um Ed Wood, mas Pyun mandou bem em muitos detalhes de A ESPADA E OS BÁRBAROS, especialmente no ritmo ágil que garante diversão, assumindo uma postura de aventura B sem grandes pretensões.

A trama é basicamente um conto de vingança. Temos o rei Cromwell (Richard Lynch) tentando conquistar um reino cujo exército é invencível, mas com a ajuda de Xusia, um feiticeiro monstruoso e muito poderoso, consegue vencer a batalha e fazer daquele local o seu reino maligno. A história continua anos mais tarde, quando Talon (Lee Horsley), o filho do rei assassinado que conseguiu escapar naquela altura, se torna um guerreiro mercenário e lidera um grupo de saqueadores que realiza jornadas de cidade em cidade. Quando retorna ao antigo reino em que vivia, Talon resolve se vingar daquele que matou seus pais, libertar o povo da tirania e ainda conquistar o coração de uma princesa.

Richard Lynch deve ter aqui um de seus melhores desempenhos. É desses atores que parece estar sempre dando tudo de si mesmo quando envolvido na maior das porcarias de baixo orçamento e que só aceitou fazer para pagar as contas atrasadas, o que acaba valendo a pena pela sua presença marcante nas fitas que participa. Já Lee Horsley, que dá vida ao herói, possui trejeitos que me lembram muito Errol Flynn: demasiado canastrão que sabe se impor em cena, especialmente quando está em movimento em sequências de ação. Inclusive a semelhança física entre os dois reforça esse devaneio meu…

Alguns dos pontos de maior relevância, entretanto, são os cenários, efeitos especiais e maquiagem. Logo no início, na caverna onde Cromwell ressuscita Xusia, há uma parede de rostos que adorna a tumba do feiticeiro cuja concepção visual é muito interessante. O próprio Xusia é um ser repugnante com um aspecto monstruoso bem legal. Brilhante também a trilha sonora de David Whitaker e a fotografia de Joseph Mangine que realçam muito bem a atmosfera das locações e ambientações.

Albert Pyun iniciou a carreira com o pé direito, não há dúvidas. Teve liberdade total para ousar, possuía muita gente boa trabalhando na produção e parte técnica, um excelente ator como Richard Lynch no elenco e não desperdiçou a oportunidade de realizar um belíssimo filme de aventura do estilo “Sword and Sorcerer“.

Uma pena que vários de seus trabalhos seguintes não tiveram o mesmo sucesso. Atualmente estamos aguardando ansiosamente por cada filme. Existem pelo menos quatro previstos para serem lançados este ano, incluindo TALES OF ANCIENT EMPIRE, sequência de A ESPADA E OS BÁRBAROS, que estava nos planos dos produtores desde aquela época.

NEMESIS (1993), de Albert Pyun

As perguntas da entrevista com o diretor Albert Pyun já foram enviadas para ele e estamos agora aguardando as respostas. Não esperem um Truffaut/Hitchcock dos filmes B, mas acho que se tudo correr bem, vamos ter algo bem legal. Enquanto isso, eu vou assistindo a alguns filmes do homem que eu ainda não havia visto, como por exemplo TICKER, de 2001, que nem vale a pena comentar de tão ruim, mas tem o Tom Sizemore como um dos protagonistas, o único que tenta salvar esta barca furada, e nem com Dennis Hopper, Steven Seagal e Peter Greene à bordo, deixou de afundar.

NEMESIS é um dos filmes mais divertidos do Pyun e me chamou muito a atenção pelo tratamento visual de algumas cenas e pelas várias sequências de ação de tirar o fôlego, muito bem dirigidas e coreografadas. O diretor retorna aos temas futuristas, cenários pós apocalípticos com estética cyberpunk e a presença de cyborgs ocupando seus espaços. São elementos que obtiveram bons resultados em outros filmes do Pyun como em CYBORG – O DRAGÃO DO FUTURO e RADIOACTIVE DREAMS (que só não me lembro de haver cyborgs, mas o resto…).

A trama já possui certo grau de complexidade que por si só deixa o espectador interessado, ou confuso. Olivier Gruner – que é um robô na vida real – vive Alex Rain, um policial que peleja, no ano de 2027, contra uma organização terrorista que perturba a sociedade, que já não é lá muito tranquila neste período. Ferido diversas vezes, Alex é metade humano e metade máquina, mas ainda é capaz de salvar um cãozinho indefeso quando é preciso. Mas decide se aposentar e conviver com suas dualidades sossegado num canto qualquer. Mas se isso realmente acontecesse, não teríamos o filme, então o chefe de policia determina uma última missão a Alex e para obrigá-lo a realizar tal tarefa, eles implantam uma bomba perto de seu coração. Aí não tem escapatória. Mas à medida que realiza a missão, o nosso herói descobre que está envolvido em uma conspiração cujo objetivo é a conquista do mundo pelas máquinas, e que os terroristas que ele passou a vida exterminando estão, na verdade, lutando pela raça humana!!!

E as referências são bem diversificadas, vai de BLADE RUNNER e FUGA DE NOVA YORK à EXTERMINADOR DO FUTURO, com direito a esqueleto metálico em stop motion azucrinando a vida do protagonista. Mas NEMESIS também pode se orgulhar por ter influenciado a estética de alguns filmes futuristas, principalmente o figurino bem ao estilo MATRIX, com os sobretudos, óculos escuros, ternos pretos, roupas de couro…

O elenco é ótimo. Além do Gruner, temos Tim Thomerson, Cary-Hiroyuki Tagawa, Vincent Klyn, Brion James, e até mesmo uma pequena participação de um jovem Thomas Jane, apanhando de mulher nua, a gata Deborah Shelton.

Sobre as sequências de ação, temos o inicio do filme, os primeiros 15 minutos, que é um dos melhores momentos da carreira do Pyun, um tiroteio frenético muito bem filmado e editado num cenário magnífico. É um trabalho muito interessante que se sobressai ao restante do filme, que nunca consegue atingir o mesmo nível, uma pena. Ainda assim, Pyun não deixa a peteca cair. O seguimento que transcorre no hotel também é bacana e temos Olivier Gruner atravessando o chão fazendo burados com sua metralhadora, como nos desenhos animados. O final até que é legal com um sinistro Tim Thomerson seguindo Gruner e sua parceira por uma floresta em volta de um vulcão, mas não sei, o futuro da humanidade sendo decidido à beira de uma cachoeira é uma coisa feia. Prefiro muito mais os prédios tombados, a atmosfera de destruição e o cheiro de concreto queimado do inicio do filme. Mas tudo bem, o que importa é que NEMESIS é divertido pacas!

VIAGEM RADIOATIVA (Radioactive Dreams, 1985), de Albert Pyun

Para um diretor considerado um dos piores no ramo da sua geração, até que Albert Pyun se sai muito bem neste seu segundo filme. Pelo menos eu adorei, principalmente pelo tom nostálgico que eu acabo vivenciando quando assisto a essas produções que fizeram um relativo sucesso na era do VHS – embora eu fosse pequeno, com meus sete, oito anos naquela época e teimava em locar as mesmas fitas (A HISTÓRIA SEM FIM e LABIRINTO eram meus recordes de locação), meu pai sempre variava um pouco mais do que eu, por isso eu pude assistir a bastante coisa boa que eu nem me lembro, mas aos poucos vou resgatando.

Não é o caso deste aqui. Só fui assistir pela primeira vez a RADIOACTIVE DREAMS há pouco tempo, mas muita coisa realmente me agradou no filme, exceto, óbvio, a direção de Pyun, que é bem fraquinha. Mas vamos dar um desconto ao rapaz porque o roteiro foi ele quem escreveu a partir de uma idéia extraída de sua própria cabeça e a estória é ótima! Além disso, foi ele quem realizou o meu filme preferido do Van Damme, CYBORG – O DRAGÃO DO FUTURO, isso mesmo, aquele que os personagens têm nomes de marcas de guitarra…

Assim como no filme do Van Damme, RADIOACTIVE DREAMS se passa num período pós-apocalíptico, fruto da Terceira Guerra Mundial. Antes das bombas nucleares começarem a explodir, entretanto, dois garotos são colocados em um abrigo subterrâneo onde passam o tempo lendo livros policiais dos anos 30 e 40. Pyun, já treinando sua astúcia na criação de nomes para personagens, coloca Phillip Chandler (John Stockwell) para um e Marlowe Hammer (Michael Dudikoff!!!) para o outro. Quem conhece o mínimo de novelas policiais dos anos 40, deve ter percebido a esperteza do diretor/roteirista em homenagear os verdadeiros criadores do estilo noir. Após 15 anos vivendo no local, os garotos, agora um pouco mais velhos, conseguem sair do abrigo e se deparam com o mundo em um estado bem interessante…

Cyberpunks antropófagos, motoqueiros, roqueiros, mutantes e um rato monstro gigante, todos bastante hostis, são alguns exemplos de seres que estavam lá fora para receber os dois ingênuos rapazes que praticamente passaram a vida inteira olhando um para cara do outro dentro do abrigo subterrâneo e agora pensam que são dois detetives tentando resolver um caso. E o pior é que acabam entrando numa intriga envolvendo um par de chaves que aciona um míssil poderosíssimo, capaz de devastar toda a raça humana, e todo o tipo de figura estranha pretende colocar as mãos nas tais chaves, não me pergunte o motivo, mas acho que, como dizia o ex-presidente americano George W. Bush, uma única palavra resume a responsabilidade de qualquer governante, e essa palavra é “estar preparado”…

No campo das atuações, temos um Michael Dudikoff irreconhecível, bem diferente dos papeis sérios que encarnou nos filmes de ação que fazia a alegria da moçada. Aqui, o seu Marlowe é um sujeito afetado, age o tempo inteiro como se fosse uma bicha louca em “quarto escuro” de boate gay (não, nunca entrei num lugar assim e nem pretendo, antes que comecem a pensar gracinhas). Seu trabalho seguinte foi exatamente aquele que mudou o rumo de sua carreira: AMERICAN NINJA, grande clássico que também marcou minha infância. Já John Stockwell faz o tipo caladão e mais sóbrio da dupla. Stockwell já tinha um rosto um tanto famoso pela participação em CHRISTINE, do John Carpenter. Voltou a trabalhar com o Pyun em DANGEROUSLY CLOSE, antes de ser escalado em TOP GUN, de Tony Scott. Saiu debaixo dos holofotes, fez algumas pontas e dirigiu algumas coisas, foi ele quem realizou aquela tosqueira filmada aqui no Brasil e causou um rebuliço besta: TURISTAS. Ainda no elenco de RADIOACTIVE DREAMS temos os veteranos George Kennedy e Don Murray.

O roteiro louco que mistura ficção cientifica pós-apocalíptica, elementos do film noir e muita aventura no estilo MAD MAX II e er… BLADE RUNNER, só poderia gerar bons momentos de diversão para toda a família; e até mesmo a direção porca, sem qualquer noção de espaço, a fotografia péssima e a edição ridícula dão ao filme um charme singular, isso sem falar que a trilha sonora é sensacional, escolhida a dedo com várias canções bem datadas dos anos oitenta. Demais! Recomendo ao pessoal de bom gosto que sabe apreciar uma boa e velha tralha!

OBS: Um bom exemplo desse tipo de gente e que adora este filme é o meu amigo Osvaldo Neto, que está de volta, depois de alguns meses parados, ao Vá e Veja, um dos melhores blogs nacionais sobre “cinema de qualidade”! Grande retorno!