CINE POEIRA – EPISÓDIO 07

No episódio desta semana do podcast CINE POEIRA , conversamos sobre PERIGO: DIABOLIK!, de Mario Bava.

O longa, adaptado dos quadrinhos de Angela e Luciana Giussani,  passou a ter um lugar de carinho entre os admiradores do cinema ‘pop‘ e ‘cult‘ europeu dos anos 60, assim como o elenco e seu diretor, que estava em um momento bem inspirado.

Homenageamos também o compositor Ennio Morricone (1928-2020), que entregou para o filme mais uma de suas várias trilhas sublimes e inesquecíveis.

O episódio pode ser ouvido aqui mesmo no blog:

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PLANETA DOS VAMPIROS (Terrore nello Spazio, 1965)

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Uma das provas definitivas de que o box Clássicos Sci-Fi da Versátil vale a pena é o fato de terem incluído essa pequena obra-prima do mestre italiano Mario Bava no meio de outras belezinhas. Poderia passar batido, não é filme dos mais populares atualmente, a moçada de hoje definitivamente não vai correr atrás, embora seja essencial a qualquer fã do gênero… Caramba, é uma das principais influências de ALIEN – O OITAVO PASSAGEIRO! Enfim, demonstra o bom gosto que a distribuidora dispõe em termos de curadoria. Já tinha assistido a PLANETA DOS VAMPIROS há alguns anos, mas me senti na obrigação de rever agora com o box em mãos e mais uma vez fui surpreendido com o refinamento das imagens de Bava, com a atmosfera de horror cuidadosamente elaborada ao narrar o conto sci-fi aterrorizante de uns astronautas que se metem em um monte de problemas no planeta Aura.

Duas naves interestelares, Argos e Galliot, estão em plena jornada espacial quando decidem investigar um misterioso sinal de SOS que emana do tal planeta chamado Aura. No momento em que chegam em órbita a merda é lançada no ventilador: As tripulações de ambas naves, após ficarem inconscientes, inexplicavelmente começam a atacar brutalmente uns aos outros com verdadeiras intenções assassinas. Apenas o capitão Markary (Barry Sullivan), da nave Argos, consegue se tocar da situação e evita maiores desastres. Os tripulantes passam a especular e fazer um balanço da bizarra situação, do que poderia ter causado todo o pandemônio e a relação com Aura, o planeta, que embora possua uma atmosfera respirável, possui uma paisagem infernal, borbulhando poços de lava e uma névoa onipresente…

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Mas será que a equipe da Galliot teve a mesma sorte? Uma mensagem desesperada chega a Argos vindo da outra nave, mas o contato é subitamente perdido. Markary organiza a sua tripulação para a busca, mas quando encontram a espaçonave irmã todos estão mortos. Aparentemente o mesmo surto de loucura psicótica que afetou Argos teve um efeito mortal sobre a tripulação da Galliot. Aos poucos, a coisa vai ficando cada vez mais esquisita, especialmente quando os corpos de alguns membros da tripulação da Galliot desaparecem misteriosamente e surgem logo a seguir controlados por uma força alienígena. Markary e seus oficiais tentam descobrir as intenções dessa inteligência extraterrestre desconhecida.

Em determinado momento, Markary encontra outra nave, gigantesca, com enormes aliens fossilizados a bordo. Foi de lá que veio o misterioso sinal… Várias situações surgem a partir desse plot e que não vale a pena ficar entrando em mais detalhes, mas claramente dá pra perceber que Dan O’Bannon provavelmente assistiu a PLANETA DOS VAMPIROS antes de escrever o roteiro de ALIEN (além, é claro, de IT! THE TERROR FROM BEYOND THE SPACE, outra referência óbvia que inspirou o filme de Ridley Scott). Mas é realmente impressionante quando os personagens deste aqui encontram a tripulação fossilizada dentro de uma nave abandonada. Recentemente revi com a minha mulher ALIEN pela milésima vez e, poucas semanas depois, assistimos a PLANETA DOS VAMPIROS. Eu ainda não tinha contado a ela sobre a influencia que um tinha pelo outro, mas no fim das contas nem precisei, de tão descarada que é essa sequência específica. Ela mesmo percebeu o óbvio.

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Os aliens fossilizados de PLANETA DOS VAMPIROS…

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… e os de Ridley Scott em ALIEN (1979).

Mas no que Ridley Scott busca um terror mais claustrofóbico, dark e realista em ALIEN, Bava exibe em PLANETA DOS VAMPIROS sua fascinação pelas histórias em quadrinhos, com um suspense de matinée divertidão e seu habitual uso de paletas de cores extravagantes para compor um visual mais fantasioso, com uma atmosfera exótica e irreal, mas ao mesmo tempo densa e sufocante à sua maneira. Bava já era um mestre de efeitos especiais e fotografia antes de se tornar diretor e um dos seus maiores talentos, inigualável na história do cinema, é sua capacidade de comandar produções de orçamento risível e dar a impressão de suntuosidade, grandeza e de que o dinheiro gasto era muito maior.

No caso de PLANETA DOS VAMPIROS, Bava reaproveitou cenários de HERCULES NO CENTRO DA TERRA, o seu peplum sensacional, para criar o visual do planeta Aura. Trabalhou sua habitual iluminação, com cores fortes e predominantemente vermelho e verde e jogou uma quantidade enorme de fumaça, neblina e voilá, temos aqui um planeta original e aterrador para uma aventura espacial! Já as naves em miniatura não são lá de encher os olhos e algumas cenas são até meio toscas, mas isso é o tipo de detalhe que confere um charme a mais à obra… E, mesmo assim, Bava é capaz de tirar leite de pedra, um autêntico mago dos efeitos especiais que era. A sequência do desembarque de Argos é muito eficaz visualmente, especialmente quando fica claro que a miniatura está sendo mergulhada num tanque de peixes com iluminação colorida que brilha através do vidro. Só mesmo Bava e sua equipe poderia fazer efeitos especiais tão baratos e toscos parecerem tão legais!

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Mas o filme não se resume a efeitos especiais. Uma das coisas que mais gosto em PLANETA OS VAMPIROS é como Bava utiliza vários elementos do horror gótico que ele mesmo ajudou a estabelecer na Itália nos anos 50 e 60, mas numa ficção científica no espaço sideral. Temos mortos-vivos, personagens saindo de sepulturas, o abuso de nevoeiros, até mesmo a construção atmosférica de horror que causam uma tensão bem mais intensa que os filmes do gênero naquele período estavam acostumados a causar. Na verdade, o filme funciona tão bem como um horror sombrio quanto o filme de ficção científica que ele pretende ser… É o conjunto disso tudo que torna o PLANETA DOS VAMPIROS tão singular.

No elenco, uma curiosidade, além de Barry Sullivan, temos a brasileira Norma Bengell fazendo um membro da tripulação de Argos e que se sobressai com um desempenho notável. O restante do elenco é formado por atores da Itália e Espanha, países que dividiram a produção de PLANETA DOS VAMPIROS. Um dos meus filmes favoritos do Bava, que ficou ainda melhor a cada revisão.

THE WHIP AND THE BODY (La Frusta e il Corpo, 1963)

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Muitos sites famosos de cinema por aí estão dando a notícia da morte do grande Christopher Lee relembrando seus “principais trabalhos”, ou seja, Saruman, na série O SENHOR DOS ANÉIS, e o Conde Dooku na última trilogia de STAR WARS. E tem gente que ganha dinheiro escrevendo essas merdas… Como eu não ganho nada para estar aqui escrevendo, também não vou tentar fazer jus ao nome deste magnífico ator, um dos últimos ícones do cinema clássico que nos deixa e que merecia vários artigos e resenhas de seus filmes espalhados para todo canto. Mas deixo aqui as minhas impressões sobre um filme especial, um dos meus favoritos com o Chris Lee, e que dificilmente será lembrado nos obituários dos grandes veículos de comunicação: THE WHIP AND THE BODY, dirigido pelo mestre Mario Bava. Continuar lendo

LA RAGAZZA CHE SAPEVA TROPPO, aka The Girl Who Knew Too Much (1963), de Mario Bava

Mario Bava dirgiu tantos filmes sem receber o devido crédito como diretor que só mesmo tendo em mãos o livro do Tim Lucas pra ter certeza o que ele realmente realizou ou não (e eu não tenho), mas é provável que este aqui seja o primeiro filme contemporâneo do diretor. Bava foi um gênio de grande influência no cinema italiano e até então só havia recriado outras épocas em seus filmes, como o terror gótico LA MASCHERA DEL DEMONIO e o peplum ERCOLE AL CENTRO DELLA TERRA.
O roteiro escrito pelo próprio Bava e outras cinco pessoas (!) para LA RAGAZZA CHE SAPEVA TROPPO é bem simples, mas consegue segurar o espectador até o último minuto com um suspense de primeira qualidade. Conta a estória de Nora Davis (Letícia Román), uma jovem america que viaja à Roma e fica hospedada na casa de uma senhora doente. Em certa noite chuvosa, após ter sua bolsa furtada, Nora bate a cabeça no chão e ainda atordoada testemunha (ou não) o assassinato de uma mulher. Com a ajuda do Dr. Marcello (John Saxon), ela tenta investigar por conta própria o mistério, sem ter a certeza se tudo não passou de uma simples ilusão, o que é mais provável para todos ao redor.

Mesmo trabalhando com algo mais próximo da realidade, LA RAGAZZA CHE SAPEVA TROPPO carrega todas as características que marcaram o cinema de Bava. É um filme que apresenta, especialmente, grande poder visual. Emoldurado por um preto e branco expressionista e de atmosfera densa, o diretor abusa de grande inventividade nos movimentos de câmera, esbanja criatividade no uso da luz e cria vários elementos que serviram de matéria prima para a criação do famigerado subgênero conhecido como giallo. Algo que seria amadurecido no ano seguinte em seu SEI DONNE PER L’ASSASSINO.

A cena em que Nora testemunha o assassinato possui uma sutileza experimental muito interessante, com a câmera distorcida e ótima edição, mostrando o delírio visual da protagonista interpretada de forma bastante segura pela bela italiana Letícia Román. Outro destaque do elenco é o grande ator americano John Saxon, sujeito subestimado em seu país e que fez mais sucesso em território europeu.

O título original e em inglês faz referência ao clássico de Alfred Hitchcock, O HOMEM QUE SABIA DEMAIS. No Brasil ficou conhecido como OLHOS DIABÓLICOS.

LISA AND THE DEVIL (Lisa e il diavolo, 1974), de Mario Bava

LISA AND THE DEVIL é uma entre tantas obras primas de um dos meus diretores favoritos. Mas antes de entrar nos detalhes do filme e descobrir porque este delirante trabalho de Mario Bava é tão bom, é interessante conhecer um pouco sobre as duas versões que rolam por aí.

Uma delas, o produtor Alfredo Leone, numa tentativa de picaretagem habitual desses italianos, tentou aproveitar o sucesso do recém lançado O EXORCISTA, de William Friedkin, e resolveu inserir por conta própria algumas cenas de um padre (interpretado por Robert Alda) realizando a tarefa de tirar o tinhoso do corpo de alguma personagem (não sei exatamente qual, porque eu não vi esta versão).

Parece que aproximadamente 15 minutos do original dirigido pelo Bava haviam sido cortados para as novas cenas se encaixarem. Acredito que essa profanação à obra do diretor de RABID DOGS não tenha resultado em algo melhor que a versão integralmente dirigida por ele, e é esta a versão vista por mim e que irei comentar adiante. Quem quiser se aventurar pela outra versão, recomendo dar uma conferida antes neste aqui…

O filme segue Lisa (Elke Sommers), uma turista em visita a uma antiga cidade européia, onde dá de cara com um afresco com a representação do coisa-ruim. Logo depois, vagando pelas ruelas da cidade, como se estivesse tendo uma atração sobrenatural, ela entra numa oficina de manequins, encontrando um estranho sujeito cujo rosto é idêntico ao do “cão” representado no afresco.

A partir daí, a moça acaba se perdendo e a narrativa toma forma de sonho – no caso da protagonista, um tom de pesadelo! Depois de conseguir uma carona com um casal, vai parar numa mansão onde transcorre o restante da trama, que se resume numa somatória de temas do imaginário onírico de Mario Bava, como a morbidez e a necrofilia…

Somos melhor apresentados ao estranho personagem visto na oficina no início, o mordomo Leandro, interpretado pelo magnífico Telly Savalas, sempre chupando um pirulito e com uma estranha força em cena, não é a toa que no final alegórico, quando se descobre a verdadeira identidade do sujeito, não chega a ser uma grande surpresa.

E que maravilha é Elke Sommers dando vida à sua personagem, tragando o espectador pra dentro de sua fantasia… além de estar muito bela. Os outros personagens são apenas bonecos que estão ali para baterem as botas, derramarem sangue e divertir o público.

A excelência de Bava na direção se faz presente em cada enquadramento, movimento de câmeras, e até nos zoons que acabou se tornando um bom artifício para o diretor nos anos 70, quando passou a trabalhar com orçamentos mais modestos em comparação aos seus trabalhos dos anos 60. Até existe uma diferença discreta na utilização das cores como elemento de horror. Se em seus filmes da década anterior Bava carregava na matiz de seus filmes dando o efeito alucinógeno desejado, na década de 70 as tonalidades permitiam um visual mais realista, sem deixar de ter um tratamento fotográfico de primeira!

Bava era um excelente fotógrafo, e ele mesmo iluminava seus próprios filmes, ou pelo menos tinha grande participação. Em LISA AND THE DEVIL, o diretor filmou alguns de seus melhores momentos da carreira, como o assassinato da Condessa cega, interpretada pela grande atriz italiana Alida Valli; quase todas as cenas de homicídios são de uma beleza poética e brutal impressionante! Percebe-se claramente de onde Dario Argento foi se inspirar antes de realizar SUSPÍRIA. Também o bizarro ménage à trois entre Lisa, seu “amante” e Elsa (um cadáver em avançado estado de decomposição)…

São tantos outros detalhes que fazem de LISA AND THE DEVIL um verdadeiro clássico do horror italiano, que prefiro parar por aqui para não estragar eventuais surpresas. Acho um filme essencial para os admiradores de Mario Bava, embora eu não recomende aos iniciantes. BLOOD AND BLACK LACE, KILL BABY KILL e WHIP AND THE BODY são bons exemplares para começar e amar o sujeito pra sempre, ou então odiá-lo de uma vez…