O retorno de JCVD… De novo?

Sempre que se anuncia um trabalho mais “ousado” com o envolvimento de Jean-Claude Van Damme, inicia-se também a velha expectativa em torno de um possível “retorno” do belga aos holofotes do cinema de ação. E para quem não sabe, isso aconteceu diversas vezes ao longo das últimas duas décadas. No final deste mês, Van Damme vai estrear na NetFlix, com toda pompa do streaming mais famoso da atualidade, com O ÚLTIMO MERCENÁRIO, de David Charhon, e de novo o tema vem à baila…

Acho que o assunto “o grande retorno de Van Damme” apareceu com força pela primeira vez foi em 2008. O sujeito já estava há alguns anos fazendo seus filmes direto para o mercado de home video, e o interesse do mainstream tinha chegado ao fim, deixando apenas os aficcionados por cinema de ação e fãs do ator acompanhando sua carreira. O saldo não era negativo, tivemos vários exemplares de boa qualidade, alguns mais outros menos (alguns horríveis, obviamente), embora um Van Damme grisalho e calejado tivesse assumido um registro mais maduro de seus personagens. Foram-se os chutes rodados e filmes mais focads em combates corporais, a idade lhe obrigou a mudar o estilo de ação que fazia. O otimismo dominante acabou substituído por papéis mais sombrios. Van Damme interpretou de gângster violento à policial de moral duvidosa demonstrando excelentes atuações, e conseguia, de vez em quando, trabalhar com bons diretores: Ringo Lam, Isaac Florentine, e um pouco mais tarde, numa boa colaboração com John Hyams.

Mas foi com JCVD que Van Damme realmente surpreendeu as pessoas. Ele se viu em um filme com sensibilidade, fazendo uma versão ficcional de si mesmo, num pathos sincero e autêntico. Um filme honestíssimo, em que por duas ocasiões, Van Damme quebra a quarta parede para se dirigir ao público e falar do fundo do coração sobre seus demônios interiores, em monólogos intensos. E para além desses momentos, Van Damme se entrega num ótimo desempenho fruto da sua evolução como ator e deposita tudo nesse veículo que não era o típico filme de ação que estávamos habituados a vê-lo.

Lembro como as pessoas começaram a se perguntar se teríamos um renascimento da carreira de Van Damme. Não apenas como um homem de ação, mas como um ator legítimo. Ele poderia fazer papéis dramáticos, ser cômico, poderia fazer coisas interessante que muitos de seus contemporâneos de ação não foram capazes de fazer, exceto, talvez, Sylvester Stallone – o maior ator, no sentido dramático, entre os brucutus do cinema de ação. Van Damme poderia seguir os passos de um Liam Neeson, ou surfar na onda, mais tarde, de um JOHN WICK. Por que não?

No entanto, bom, essa revolução nunca aconteceu. O mais próximo disso foram os trabalhos com o Hyams na série SOLDADO UNIVERSAL, que apesar de serem obras-primas modernas do cinema de ação, continuaram sendo produtos de nichos, para fãs do ator ou de obcecados por ação. Nenhum grande estúdio se interessou em trazer Van Damme de volta, como era discutido na época.

Em 2010, Van Damme acabou se envolvendo num projeto pessoal, THE EAGLE PATH, ou FULL LOVE, ou seja lá o título que você tenha ouvido falar. Filme que há mais de uma década espera para ver a luz do dia. Escrito, dirigido e estrelado pelo próprio Van Damme e nunca lançado. Acho que o sujeito quer ter o seu próprio THE OTHER SIDE OF THE WIND

Como nada disso vingou em termos de “retorno aos holofotes do cinema de ação”, a carreira do sujeito se resumiu em voltar a fazer filmes de ação de baixo orçamento. O que não tenho muito do que reclamar, tivemos bons filmes dessa safra, mas havia uma sensação muito clara de que Van Damme estava sendo desperdiçado, que poderia fazer mais e não fazia. Personagens pelos quais o drama não era forte o suficiente para mostrar o quão bom Van Damme poderia ser.

Mais algumas falsas auroras aconteceram. Estamos em 2012 e OS MERCENÁRIOS 2 trouxe Van Damme de volta à relevância cultural pop. Ele rouba a cena num filme recheado de ícones do cinema de ação, como o vilão Jean Vilain, mas que no fim das contas acabou não fazendo muita diferença em seus trabalhos subsequentes. Filmes como 6 BULLETS e SWELTER definitivamente não são o tipo de veículos renascentistas que Van Damme merecia.

Tivemos a série JEAN-CLAUDE VAN JOHNSON em 2016, que eu acabei não vendo, mas sei que era outro estudo auto-referente que dialogava com JCVD. A série não passou da primeira temporada, foi cancelada e logo depois, mais filmes de ação de baixo orçamento acumulando na filmografia do homem, como os péssimos KILL ‘EM ALL e BLACK WATER

2018 teve LUKAS, também conhecido como THE BOUNCER, um retorno de Van Damme à sua querida Bélgica, num filme que mesclava boas sequências de ação, certo valor artísitico, com uma entrega dramática mais pesada. Um belo filme que, infelizmente, foi pouco visto, mas que poderia representar alguma mudança na carreira do homem. Seu filme seguinte, WE DIE YOUNG, eu ainda não vi, mas parece ser outro filmeco de ação de baixo orçamento. Então, voltamos à estaca zero.

Enfim, chegamos no momento atual. Ser produzido por streamings é uma via na qual muitas figuras em declínio tem se redescoberto, onde muitos heróis de ação do passado podem ser melhor servidos, onde um público mais amplo os aguarda. E agora Van Damme vai aproveitar disso com O ÚLTIMO MERCENÁRIO. A julgar pelo trailer, tem o tipo de valor de produção que ele não obteria no padrão DTV atual. Filmado em sua língua nativa, o filme parece ter o equilíbrio certo entre ação, comédia, nostalgia e auto-referência. Exatamente o tipo de filme que Van Damme deveria ter feito depois de JCVD. Antes tarde do que nunca.

Mas O ÚLTIMO MERCENÁRIO vai ser o ressurgimento de Van Damme? Se a audiência comparecer e o filme for sucesso, talvez ele faça mais alguns filmes com a Netflix, talvez até com mais oportunidades de mostrar que se tornou o ator talentoso que é. Mas, querem saber? Acho que a essa altura da careira dele, pouco importa. Eu mesmo não me importo. Claro, seria bom vê-lo tendo destaque novamente em filmes de ação de grandes estúdios, mas a gente sabe que daqui a pouco ele volta a fazer pequenos filmes de ação. Ou talvez se arrisque em mais uma produção ousada com esperança de renascimento. Mas o resultado é sempre o mesmo: o que temos é uma das figuras mais interessantes da história do cinema de ação, com uma das filmografias mais malucas, cheias de altos e baixos e tentativas frustradas em busca de algo melhor. Mas que renderam por si só grandes obras.

O que importa mesmo é que O ULTIMO MERCENÁRIO vem aí e eu vou ser o “primeiro da fila” a conferir.

AVISEM OS PROFESSORES: O VINGADOR TÓXICO É UM FILME CULT

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por Gabriel Lisboa

Nos tempos em que era comum ainda andar pelas prateleiras de uma locadora para procurar o que assistir, só olhando pelas capas, eles estavam lá. Muitas vezes fora do seu habitat mais adequado e já que você nunca tinha ouvido falar acabava achando que era só um filme estranho. Não sei se foi o canal do Telecine que tornou o termo mais comum, já que antes de se tornar “Cult”, o espaço reservado para os filmes mais antigos e alternativos na TV paga era chamado de Classic. O que ainda acontece é encontrar nas locadoras, uma prateleira de filmes cult, com 2001 – UMA ODISSEIA NO ESPAÇO (68) vizinho de AMÉLIE POULAIN (01). Alguns dizem que filme cult é um filme alternativo, fora do circuito comercial dos grandes cinemas. Acabam classificando filmes não hollywoodianos automaticamente como cult. Tem gente ainda, que diz que o cult é um filme inteligente, que ganha áurea de intelectual. Aí todo mundo sai perdendo. Procurei por algumas explicações para o termo em alguns sites e blogs brasileiros só para ter certeza de como ainda se bate nas mesmas teclas (Godard e Truffaut, cults por excelência)[1]. Continuar lendo

JOE D’AMATO, UM DIRETOR COM COLHÕES

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Não se pode exigir qualidade de todas as produções do diretor italiano Joe D’Amato. Aliás, qualidade é algo que o sujeito não tem muito o costume de prezar mesmo. O que devia ser mais importante pra ele é a quantidade. Que digam os mais de 190 filmes no currículo. D’Amato, cujo nome verdadeiro era Aristide Massaccesi, filmava uns oito filmes por ano e às vezes mais de um ao mesmo tempo! Dentro desse amontoado de filmes, cuja direção era assinada com vários pseudônimos diferente, salva-se mesmo uns 20 filmes.

Mas então o cara era uma droga como diretor? Sim! Em muitos casos, o resultado de seu trabalho não era muito diferente de bosta de cavalo, então por que raios eu gosto do sujeito? Porque Joe D’Amato tinha o que muitos diretores não têm: colhões! Ele foi um dos cineastas mais ousados, corajosos e picaretas de seu tempo e toda e qualquer ideia, por mais perturbadora, iconoclasta, sádica e imoral que tivesse, era aproveitada em seus filmes.

Até aqui, este texto seria a introdução de uma análise que eu iria fazer de um dos seus petardos, o filme ROSSO SANGUE, aka ABSURD, aka ANTROPOPHAGUS 2, de 1982, mas resolvi deixar pra escrever mais tarde. Joe D’Amato vai ser figurinha constante no Dementia 13, seja com suas tralhas de baixa categoria, seja com seus filmes mais famosos.

Eis aí mais alguns motivos para gostar de Joe D’Amato:

• O canibal grego Nikos, interpretado por George Eastman, eleva seu nível de sadismo ao máximo na cena em que mastiga um feto em ANTROPOPHAGUS (1980).

• No mesmo filme, depois ter a barriga perfurada e as tripas colocadas pra fora, Nikos resolve nada mais nada menos que colocar tudo de volta pra dentro. Literalmente, o sujeito “se come”.

• D’Amatao dá uma aula de direção filmando uma autópsia extremamente realista no romance necrófilo BUIO OMEGA (1979).

• Cenas de Snuff Movies de EMANUELLE NA AMÉRICA (1977). Diz a lenda que D’Amato conseguiu imagens reais de snuff’s com mafiosos russos! Hahaha!

• Mistura de sexo explícito com terror e suspense em filmes como PORNÔ HOLOCAUSTO (1981), EMANUELLE NA AMÉRICA (1977) e EROTIC NIGHTS OF LIVING DEADS (1980).

• Realizou um dos filmes mais importantes do subgênero Nunsploitation (aqueles onde freiras sapecas são protagonistas), IMMAGINI DI UN CONVENTO (1979), com mais doses erotismo e atacando a igreja católica de todas as formas possíveis.

• Dirigiu Klaus Kinski em A MORTE SORRIU PARA O ASSASSINO (1973).

D’Amato morreu em 1999 em plena atividade e muitos outros momentos poderiam ser destacados, obviamente…