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Nem me lembro qual foi a última vez que postei sobre Spaghetti Western aqui no blog, algo que já me foi cobrado algumas vezes. Já que no último fim de semana eu acabei revendo um dos primeiros filmes que me apresentou ao gênero, aqui vamos nós. Quiçá foi o primeiro mesmo… Já não me lembro. Era muito moleque quando meu pai colocou no VHS um tal DJANGO (1966), de um tal Sergio Corbucci, estrelado por um tal Franco Nero, e desde então fiquei fascinado pelo “bang bang à italiana“. Embora eu nem tivesse consciência desses nomes ou de onde vinham essas produções…
hoje já dá pra perceber algumas coisas. Como, por exemplo, a influência de POR UM PUNHADO DE DÓLARES (1964), de Sergio Leone, que pode ser sentida em DJANGO, mas ao mesmo tempo, depois de ver um bocado de faroestes do tipo, acho que ambos os filmes precisam ser colocados em pé de igualdade no que se refere a sua representatividade no Spaghetti Western.

Sabemos que o filme de Leone não foi o primeiro exemplar do gênero, mas é considerado o produto seminal do ciclo e Corbucci claramente prestou atenção no estilo exagerado, no cinismo, o revisionismo e anti-heroísmo mítico do western de Leone. Só que ele pegou tudo isso e elevou ao extremo. Se a paisagem vista em POR UM PUNHADO DE DÓLARES estava empoeirada e suja, então a paisagem em DJANGO tinha que ser um lamaçal desgraçado. Se POR UM PUNHADO DE DÓLARES era pessimista, DJANGO era niilista. E por aí vai…
O que se seguiu a partir daqui é notório, é só procurar quantos spin-offs não oficiais que o personagem título teve nos anos seguintes, quantas produções mudando seus títulos para encaixar o nome “Django” e aproveitar o sucesso do filme de Corbucci… Enfim, POR UM PUNHADO DE DÓLARES é um filme seminal, sim senhor, mas acredito que DJANGO exerceu tanta, ou até mais, influência nos westerns europeus que o filme de Leone.

DJANGO já começa mostrando suas intenções excêntricas na sequência dos créditos iniciais, apresentando essa figura de preto, vista de costas, puxando um caixão por uma paisagem inóspita, pelo terreno lamacento, cheio de obstáculos para esse sujeito que sequer possui um cavalo. E o olhar do diretor de fotografia, e também cineasta, Enzo Barboni, impregna as locações com uma desolação ameaçadora. Algo que se mantém até o fim. A coisa é atenuada, no entanto, pela beleza da inesquecível música-tema do argentino Luis Enríquez Bacalov. “Djangoooooo! Django, have you always been alone? Djangoooooo! Django, have you never loved again?…“. Um dos maiores clássicos entre as trilhas sonoras do western europeu e que gruda fácil nos ouvidos. Há dias me pego cantarolando essa merda…

A primeira indicação das habilidades quase sobrenaturais de Django em manusear um revólver é quando ele salva Maria (Loredana Nusciak), logo no começo do filme, de ser queimada viva por um grupo de assassinos de capuz vermelho a serviço do Major Jackson (Eduardo Fajardo). Mas é preciso notar que enquanto Django age com o habitual sangue-frio na eliminação dos homens de Jackson, ele fica parado olhando à distância, poucos minutos antes, Maria sendo açoitada por um trio de mexicanos.
Isso nos dá algumas indicações da atitude duvidosa de Django. Em certo momento ele deixa claro para a grata Maria que suas ações foram totalmente egoístas, o que reverbera nas suas concepções de moralidade, ideais e crenças ao longo do filme. É uma figura um tanto contraditória esse Django. Sua busca é puramente de vingança, mas isso não o impede, por exemplo, de tentar enriquecer roubando o ouro dos mexicanos que ele havia ajudado a saquear. Não sabemos muito bem o que esperar de Django. O que o torna ainda mais fascinante…


O roteiro de Sergio e Bruno Corbucci também é evasivo em relação ao passado de Django. Ele lutou na Guerra Civil, fato que permanece uma espécie de pano de fundo vago, nunca referido pelo protagonista. Além de um certo histórico com o lider dos revolucionários mexicanos, o General Hugo, vivido por José Bódalo. O desempenho de Franco Nero, com semblante inexpressivo na maior parte do tempo, contribui pra isso.
Os outros personagens do filme possuem menos desenvolvimento ainda. O Major Jackson, por exemplo. Sabemos que ele que matou a mulher de Django. E só. O filme não tem muitos detalhes a oferecer. De resto, Jackson é apenas o malvado sádico da trama, que comanda um bando que utiliza capuzes vermelhos, uma clara alusão à KKK. Enfim, um racista que pratica tiro ao alvo com camponeses mexicanos, numa sequência emblemática, que contribui para a alegoria política do filme. E é suficiente, não precisamos muito de substância para acompanhar os personagens desse universo.

Uma coisa que eu não lembrava, e que me surpreendeu, é uma quantidade incomum de violência e a alta contagem de corpos. Claro, um dos momentos mais marcantes e que eu nunca esqueci é a clássica sequência que mostra Django abrindo seu caixão para revelar uma metralhadora, com a qual ele literalmente elimina um exército dos homens de Jackson em meio à lama e à decadência de uma cidade fronteiriça sem nome. Mas o que me chama a atenção é que o clima de uma violência latente permanece durante todo o filme. Há uma cena que um padre tem sua orelha cortada e logo depois a enfiam na sua boca; Django tem suas mãos quebradas por tentar roubar o ouro dos mexicanos e o aspecto delas é bem gráfico, as mãos de Django devem ter levantado algumas sombrancelhas em 1966…

Embora o filme, de uma forma superficial, também tome emprestado o alguns princípios básicos do plot de YOJIMBO (1961), outra relação que possui com POR PUNHADO DE DÓLARES, que é uma refilmagem do filme de Kurosawa, no qual um homem chega a uma cidade e se encontra no centro de duas facções rivais, Corbucci não leva isso muito adiante. Sempre fica bem claro que Django tem como alvo o Major Jackson. E a cidade que serve de cenário a esses eventos é um espaço notavelmente desesperado e desolado; é habitada quase exclusivamente por prostitutas, e elas estão tão decadentes quanto as vigas podres do edifício do salão. Um cenário apropriado para essa figura enigmática e mítica que é Django. Seu coração sombrio, que bate apenas para se vingar do assassino de sua esposa, combina com o cinismo áspero que se esconde em cada canto deste mundo perverso.
É como se o velho oeste de Corbucci não fosse a terra da promessa ou de novos futuros, mas o fim da linha para pessoas que não têm outro lugar para ir. E DJANGO é um filme que não contém esperança alguma. E talvez seja a sua grande contribuição para a humanidade, ou pelo menos como influência no Spaghetti Western. E é inteiramente apropriado que o filme termine em um cemitério, com Django alcançando aquilo para que vive.
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