ATOS DE VIOLÊNCIA (2018)

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A trama de ATOS DE VIOLÊNCIA é sobre três irmãos, um deles é Roman (Ashton Holmes), que está prestes a se casar com sua namorada, Mia (Melissa Bolona). Quando ela é sequestrada por traficantes de escravas durante sua festa de despedida de solteira, Roman pede a ajuda aos outros dois irmãos, militares veteranos (Cole Hauser e Shawn Ashmore), para recuperá-la.

Bruce Willis aparece em cena como um detetive especializado neste tipo de caso, tentando derrubar esses traficantes, mas obrigado a fazer tudo debaixo da lei, embora saiba que está de mãos atadas por conta do sistema corrompido. A capa do DVD até dá aquela destacada para Willis, vocês sabem, é o único famoso do elenco, então já colocam a cara dele na capa para atrair público. Mas uma coisa que gostei em ATOS DE VIOLÊNCIA é como o roteiro encontra uma maneira orgânica de trabalhar com o velho Bruce na história. Seu papel pode ser pequeno, mas pelo menos ele tem um personagem digno e com alguns momentos para relembrar seus dias de action hero. Apesar disso, Willis esteve no set por apenas um dia para gravar suas cenas, a maioria delas sentado atrás de uma mesa, embora nem dê pra sentir muito isso… hehe!

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Não pode faltar o famoso biquinho…

Já a história central, que envolve os três irmãos, até que me prendeu. Algumas atuações são horríveis e exageraram na dose de situações dramáticas piegas, mas curti a ideia dos irmãos badasses, com treinamento militar, tendo que utilizar suas habilidades num ambiente urbano. Destaque para Cole Hauser, figura já conhecida para quem aprecia filmes de ação DTV (recomendo especialmente THE HIT LIST, com Cuba Gooding Jr.), fazendo um personagem mais complexo, veterano de guerra sofrendo de estresse pós-traumático. Também é legal ver Mike Epps, mais conhecido por fazer comédias, encarnando o sádico e perigoso chefão da operação de tráfico de escravas.

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Alguns problemas de roteiro aqui e ali, fórmulas batidas e clichezentas suficientes para espantar o “cinéfilo brioche”, mas o filme até consegue entregar o que promete para os admiradores de um decente thriller de ação de baixo orçamento. As sequências de ação, por exemplo, se não são expressivas, ao menos são filmadas com certa competência e clareza. A direção é de um tal Brett Donowho… Nunca ouvi falar, mas o cara já tem algumas coisinhas no currículo. Alguém mais corajoso pode desbravar se tiver interesse.

ATOS DE VIOLÊNCIA é daquele jeito: não tem pretensão alguma de ganhar prêmio, mas é uma maneira divertida que um fã de ação sem grandes expectativas pode encontrar para passar 86 minutos de sua vida. Foi lançado em DVD no Brasil pela A2 Filmes, pelo selo Flashstar.

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FAZENDO AS PAZES COM SHYAMALAN

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A reconciliação que fiz com o diretor de O SEXTO SENTIDO não veio agora, com GLASS, que assisti ontem. Veio com seus dois filmes anteriores, de forma tímida com A VISITA e com mais contundência em FRAGMENTADO, que me fizeram sentir a necessidade de reavaliar a obra de Shyamalan, da qual passei mais de uma década abominando…

Com exceção de O SEXTO SENTIDO e CORPO FECHADO, acompanhar a carreira de Shyamalan era acumular decepções, até chegar num ponto em que pensei em abandonar de vez, tanto que só fui assistir a DEPOIS DA TERRA nessa reavaliação que fiz e que aconteceu no ano passado, quando revi todos os filmes do homem. Percebi que o problema era, digamos, pessoal. Quero dizer, uma das coisas mágicas do cinema é a relação que estabelecemos com os filmes e como uma série de fatores externos e internos podem agir na percepção e influenciar essa relação tão íntima, tão subjetiva com as obras. Ou seja, filmes como FIM DOS TEMPOS e A DAMA NA ÁGUA, que achei um LIXO quando vi há mais de uma década, acabaram se revelando, esses mesmos filmes, obras-primas na revisão mais recente. FIM DOS TEMPOS se tornou meu favorito do diretor e um dos melhores filmes da década passada. O que aconteceu? Os filmes não mudam, quem muda sou eu, muda-se até um simples estado de espírito momentâneo, e conceitos e preconceitos de um período da vida… Ou eu amadureci/evolui meu paladar cinéfilo ou desandei e meu mau gosto por filmes ficou tão forte que as coisas que eu detestava passei a amar… Mas isso pouco importa, no fim das contas. O que vale pra mim são duas coisas nessa história:

1. Nunca leve muito à sério a suas velhas opiniões em relação a um filme ou diretor. Reveja, reavalie. Em dez, vinte anos muita coisa muda, seus gostos podem se alterar, filmes horríveis podem se tornar obras fascinantes e vice e versa.

2. Que o Shyamalan é um dos grandes diretores em atividade no cinema americano atual e que faz parte de uma certa linhagem de cineastas autorais que estão para além do acerto e do erro. Cada filme destes tipo de diretor é uma obra irrepreensível de ousadia e invenção. Não são trabalhos feitos para simplesmente gostar ou não gostar, mas para mergulhar de cabeça ou ficar na mesma, indiferente.

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Sobre GLASS, não quero falar muita coisa e nem teria muito o que dizer… Apenas que, em tempos de produções baseadas em quadrinhos da Marvel e DC Comics (dos quais não tenho nada contra), é Shyamalan quem acaba fazendo o filme mais notável sobre super-heróis, ou a possibilidade de existirem pessoas especiais, com qualidades sobre humanas. Sem nunca sair de seu estilo próprio, cadenciado, dramático, sem espetacularizar a ação, sem criar embates épicos, sem abusar de efeitos especiais caríssimos, quebrando todas as expectativas, GLASS fascina por ser uma obra intimista e reflexiva, um tratado sobre a crença, sobre acreditar na fantasia, na fábula, não como alegoria do real, mas como o real propriamente vivido, que é a síntese de boa parte do cinema shyamaliano.

Mas se GLASS exige certa cumplicidade por parte do expectador, especialmente de quem já admira o trabalho de Shyamalan, está familiarizado com suas idiossincrasias, não deixa de ser também dessas obras que, naquelas duas ou três horas que ficamos sentados na sala escura, somos convidados a nos “perder” na tela; melhor, somos instados a descobrir que é possível vivenciar um mundo muito além do cotidiano e do sonho. São filmes de exceção, talvez até anacrônicos em relação ao que se faz hoje no cinema americano (e por isso mesmo tão moderno), que mandam o realismo e o surrealismo para o espaço, e nos fazem vivenciar uma raríssima experiencia sensível.

O ÚLTIMO BOY SCOUT (The Last Boy Scout, 1991)

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CARTAS DE AMOR DE UM BADASS #02
por GUSTAVO SANTORINI

Joe Hallenbeck não vive seus melhores dias.

Ex-agente do serviço secreto americano, o agora detetive pé de chinelo passa os dias chafurdando no álcool, é odiado pela filha rebelde e ainda chega ao cúmulo de aceitar uma oferta de trabalho do homem a quem acabara de flagrar dentro do armário da esposa. Descobrir que o tal sujeito era seu melhor amigo não lhe motiva a recusar o serviço, afinal de contas, “quinhentos dólares são quinhentos dólares”, ele justifica, embora saiba que, no fundo, esse está longe de ser o verdadeiro motivo. Ocorre que o próprio Joe Hallenback não vê a si com bons olhos, e sufocar o orgulho diante de seu traidor é a forma mais abjeta de autopunição ao alcance. O serviço, aliás, também não é grande coisa. Sua função é proteger Cory (Halle Barry, apetitosa), uma stripper que vem sofrendo ameaças de morte. Ela afirma desconhecer os autores, mas é provável que esteja encobrindo algo. A despeito dos riscos envolvidos, o maior desafio de Joe será lidar com o namorado insuportavelmente irritante da moça, Jimmy Dix (Damon Wayans, canastrão na medida certa), um ex-jogador de futebol americano que poderia ter sido grande, caso não tivesse se envolvido no esquema ilegal de apostas. Quando Cory é assassinada, ambos resolvem unir forças para investigar a autoria do crime, e entre trocas de sopapos e insultos, as pistas os levarão a alta cúpula do esporte e da política de Los Angeles. E isso, caro leitor, é apenas o bilhete de entrada para uma montanha russa de intrigas, humor corrosivo e muita, muita ação de altíssima voltagem.

Mas não só isso.

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Os buddy movies, como são chamados os filmes cujo cerne temático é a convivência indesejada entre duas pessoas de personalidade opostas, constitui um subgênero dos mais férteis no cinema americano. Entre alguns exemplos de duplas icônicas, seria uma heresia não mencionar Bud Abott & Lou Costello, Jerry Lewis & Dean Martin (16 filmes juntos!), Walter Matthau & Jack Lemmon, Paul Newman & Robert Redford, Richard Pryor & Gene Wilder. A narrativa que envolvia essas duplas explorava com humor as situações antagônicas, e mesmo quando flertava com outros gêneros, raramente fugia do tom predominantemente escapista (uma exceção que me vem à mente é ACORRENTADOS, 1958, de Stanley Kramer). Em 1969 o conceito ganharia uma reinvenção com o denso PERDIDOS NA NOITE, o único de censura 18 anos a vencer o Oscar de melhor filme, a reboque das magníficas atuações de Dustin Hoffman e John Voight. A ruptura permitiu que outras variações começassem a surgir (OPERAÇÃO FRANÇA ganhou o Oscar dois anos depois), e o caso mais emblemático são os buddy cop movies dos anos 80. Pérolas como 48 horas, MÁQUINA MORTÍFERA, TOCAIA, INFERNO VERMELHO e FUGA A MEIA NOITE fizeram a alegria de toda uma geração de cinéfilos, sendo reprisadas a exaustão no saudoso Domingo Maior, da Rede Globo. No final da década, porém, a fórmula já se mostrava desgastada, vide o fracasso de TANGO & CASH (1989), o que contribuiu para a fria recepção de O ÚLTIMO BOY SCOUT. É uma pena, pois para mim esse é o exemplar mais rico que o subgênero apresentou.

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A primeira razão disso identificamos no eixo narrativo. A rigor, o filme tem consciência de que pertence a um nicho de arcabouço rígido, com começo, meio e fim muito bem delineados, e ainda assim não tem o menor pudor em remexê-lo numa argamassa extravagante. O tom deliciosamente histérico já nos pega na abertura, um clipe de futebol americano com uma explosão de fogos e cores vivas, onde atletas indômitos dividem a arena com voluptuosas cheerleaders de sorriso fácil, a bandeira americana ao fundo, e um cantor alucinado a esgoelar uma balada pop fanfarrona. Passado o espalhafato do inicio, somos jogados no meio de uma tensa partida de futebol, sob uma chuva abundante. Durante o intervalo do jogo, Billy Cole, um dos astros em campo – interpretado por Billy Blanks, um dos maiores badass de videolocadora dos anos 90, aqui numa rara aparição em blockbuster – recebe uma ligação em que é ameaçado de morte caso não decida a partida em favor de seu time. A pressão causa um abalo emocional no jogador, que sai com a bola em disparada pelo campo e, num touchdown insano, saca um revolver da cintura e baleia o rosto do jogador adversário, acerta outros dois pelo caminho, e ao final, antes de atirar contra a própria têmpora, exclama a seguinte frase: “Puta que pariu, que vida estúpida!”. A sequência é pintada como um pesadelo noir, e então o filme corta para a cena de apresentação do personagem de Bruce Willis largado no carro após uma noite de bebedeira. Roncando, Joe Hallenbeck é alvo das travessuras de um grupo de crianças. Quando abre os olhos, a raiva não é tanto por ser incomodado, mas por ainda estar vivo para se deixar incomodar. Dele passamos para o personagem de Damon Wayans, ridicularizado por um colega de farra. Ele até consegue revidar a ofensa, mas não sem o custo de expor sua fissura emocional. A mensagem no subtexto é simples: estamos diante de dois Billy Coles, tão esmagados pela letargia quanto o primeiro. Porém, um acerto do roteirista Shane Black – o qual deu ao mundo o já citado MÁQUINA MORTÍFERA, filme síntese dos buddy cop movies, e cuja estreia na direção se deu com BEIJOS E TIROS, outra variação do subgênero – é evitar adoçar o caldo de mea culpa. Pelo contrário, o estranhamento entre a dupla rende momentos cômicos de rachar o bico, como na sequência em que os personagens se encontram pela primeira vez, numa boate. Jimmy Dix se arde em ciúmes ao ver Joe na cola de sua garota, e o confronta: “Se minha namorada está precisando de ajuda, eu deveria ter sido informado”. Joe o responde com polida desfaçatez: “A água é clara, o céu é azul e as mulheres têm segredos. E daí?”. Mais adiante, há outro diálogo surreal, quando Joe adverte o parceiro sobre os riscos da investigação: “Isso não é brinquedo, garoto. Armas de verdade, balas de verdade, é perigoso.” “Perigo é meu nome”, responde Jimmy. Além de hilária, a conversa é extremamente eficaz por existir somente no universo peculiar do filme, e quando isso acontece, mal sabemos que já fomos inteiramente fisgados por ele.

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Embora seja eficiente na tarefa de oferecer pão e circo, o filme também se mostra interessado em desnudar o caráter ambíguo dos personagens, e em momento algum os perde de vista, mesmo nas sequencias de alívio cômico. A cena em que Wayans imita os trejeitos andróginos de Prince enquanto dirige, por exemplo, caminha na linha tênue entre a graça e o ridículo, e só não a ultrapassa porque enxerga-se na pantomima não apenas uma tentativa de sociabilidade, como uma forma de abstrair a tensão do perigo iminente. A sua maneira cínica, Joe poderia tê-lo rechaçado, e só não o faz porque compartilha dessa mesma necessidade. No final das contas, é seu sorriso amarelo que sela a camaradagem tácita entre os dois. Mais adiante, Jimmy descobre que Joe era um fã seu, e que desistiu de acompanhar os jogos da Liga de Futebol após sua aposentadoria precoce; Joe percebe que Jimmy só ostenta a fachada de arrogante em autodefesa, e dessa equação resulta a regra de ouro dos buddy movies, isto é, a ideia de que todo antagonismo só sobrevive na superfície, uma vez que quanto maior for a convivência entre indivíduos distantes entre si, tanto menor se revelarão as diferenças.

Se num primeiro momento o triste fim de Billy Cole se anunciava como o paradigma que a dupla estava fadada a seguir, eles acabam por descobrir a si próprios como merecedores de um epílogo mais honroso. Em meio a um salceiro de explosões e hematomas, ambos se revezam na tarefa de salvar a pele um do outro com tanta frequência que o fato de estarem com a cabeça a prêmio até ganha um contorno fraternal. Vê-los sofrer nas mãos dos bandidos pode ser tão divertido quanto angustiante, e há uma sequencia em especial que exemplifica essa dualidade: capturado no covil do chefão, Joe pede um cigarro a um dos capangas, e é atendido. Na hora de pegar o isqueiro, recebe um soco certeiro no rosto. Sangue esguichando, Joe torna a pedir o “fogo”, e após ser novamente esmurrado, é ele quem dá o troco, e o faz tão bem que coloca o sujeito pra dormir. Um engomadinho então aparece em cena, e quando vai se apresentar ao detetive, este o interrompe: “Que diferença faz a porra do seu nome? eu já sei que você é o vilão”. A piada metalinguística é divertida, mas Joe está equivocado. O verdadeiro Bad Guy surge logo depois, mergulhando o corpanzil na piscina da sala. Trata-se de Sheldon Marcone, um magnata do futebol americano. Surpreso, Joe o reconhece: “Oh, Shelly Marcone em pessoa”. A ameaça incutida na resposta do vilão só não é maior que sua espirituosidade: “Cuidado, filho. Só amigos me chamam de Shelly”… E o pobre Joe é submetido a novas surras. Antes que o pior aconteça, Jimmy consegue chegar a tempo.

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A dupla descobre que a stripper fora apenas mais uma vitima do esquema de corrupção no esporte. Os criminosos são rigorosamente punidos, ainda que tudo se encaminhasse para o contrário. A filha de Joe toma consciência de que é o espelho do pai a quem pensava odiar, e o ajuda no momento mais crítico. A mulher infiel tem sua chance de se redimir. Assim, o caos serve de reparo às fendas da família Hallenback, que agora recebe Jimmy Dix como novo integrante. Previsível, certo? Não necessariamente. É a forma como esses elementos são depurados, e não uma pretensa quebra de linguagem sob um truque inovador, que elevam O ÚLTIMO BOY SCOUT a um patamar acima de sua categoria.

É verdade que Bruce Willis já se encontrava numa certa zona de conforto action hero, o que não significa que o desempenhasse no piloto automático. Sua atuação possui o frescor de um novato. Ele e Damon Wayans parecem se divertir horrores. Por ironia, Willis lograria êxito comercial com um filme semelhante em DURO DE MATAR: A VINGANÇA, ao pegar um personagem já querido pelo público e adicionando Samuel L. Jackson a mistura, ambos recém-saídos do Big Bang chamado PULP FICTION, ele transformou o terceiro exemplar da franquia em um autentico filme de camaradas, o que não tinha como errar. Foi o canto de cisne da série, que depois seguiria ladeira abaixo com duas sequências sofríveis. Wayans também tentou repetir a fórmula em A PROVA DE BALAS, dessa vez acompanhado pelo mala do Adam Sandler. O filme é um festival de exageros e até diverte em alguns momentos, mas o maior atrativo é ver James Caan compor uma figura malévola digna de um episódio de Scooby doo.

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O diretor Tony Scott já prenunciava o estilo hiperativo com o qual se notabilizaria na década seguinte, em petardos como CHAMAS DA VINGANÇA e DOMINO. É curioso analisar sua carreira à luz do irmão Ridley, pois mesmo tendo este ultimo gozado da benevolência dos críticos, é na filmografia de Tony que reconhecemos um DNA autoral. Ridley padece de uma certa esquizofrenia temática que o faz atirar em todas as direções. Se por um lado realizou obras mais notáveis que o irmão caçula (ALIEN, BLADE RUNNER, PERIGO NA NOITE…), por outro deixou um numero maior de obras ruins. Sim, porque a favor de Tony pesa o fato de jamais ter torturado o espectador com uma iguaria do porte de um ATÉ O LIMITE DA HONRA, ou uma fábula canhestra como A LENDA, só pra citar dois exemplos. E foi justamente num momento de consolidação estética, quando até parte da intelligentsia começava a reavaliá-lo, que o cineasta pôs fim a própria vida, em agosto de 2012. As circunstâncias que o levaram ao ato continuam nebulosas. Ao contrário dos personagens com potencial trágico de O ÚLTIMO BOY SCOUT, é provável que os fantasmas o tenham finalmente alcançado. O que fica, porém, é o registro de uma filmografia robusta, recheada com momentos de pura cinefilia inflamável, e cuja ausência deixou uma lacuna irreparável no cinema de ação mainstream.

ESPECIAL McT #7: DURO DE MATAR: A VINGANÇA (Die Hard: With a Vengeance,1995)

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Prosseguindo com o Ciclo John McTiernan, para falar de DURO DE MATAR – A VINGANÇA convidei um dos maiores admiradores do filme que conheço e que inicia aqui uma espécie de colaboração oficial no blog. De vez em quando, o sujeito vai pintar por aqui com alguns textos especialíssimos. E acho que já começou muito bem!

por DANIEL VARGAS

Quando Bruce Willis retornou ao seu icônico papel de John McClane pela terceira vez, algumas coisas já haviam mudado bastante na vida do astro desde o primeiro filme. Para começar, o próprio fator “astro”. Bruce Willis não só já havia se tornado um, como provavelmente era o maior do mundo naquela época (Com Stallone e Schwarzenegger já meio que desgastados). O próprio diretor do DURO DE MATAR original, John McTiernan que retomava a série, já era considerado um dos mais respeitados diretores de ação de Hollywood. E se já no segundo filme as pessoas meio que engoliram com certa dificuldade a frase do McClane: ““Como é que a mesma merda pode acontecer com o mesmo cara duas vezes?”, aqui no terceiro a estigma que o homem comum já havia se transformado em mais um “super action hero” era inevitável. E mesmo Willis interpretando o personagem com os mesmos aflitos, a mesma humanidade de sempre, (errando, hesitando, se alterando, como uma pessoa perfeitamente normal) o público já enxergava McClane como um Rambo urbano.

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Então com o fator “homem comum em situação extrema” fora do baralho para o Willis, como contornar isso? Colocando o Samuel L. Jackson para fazer o pobre coitado da vez, é claro! Os dois recém saídos do surpreendente sucesso de PULP FICTION, mas sem nunca se encontrarem em cena uma vez sequer, dessa vez aqui eles se grudam do começo ao fim mostrando excelente química e criando um improvável buddy-cop movie, onde um dos personagens nem policial é, e solucionando o principal ingrediente que fez o primeiro filme ser tão especial.

Como odeio escrever sinopses quando estou escrevendo sobre um filme, deixa eu ir direto ao ponto: O campo de batalha da vez aqui não é um local fixo como no prédio Nakatomi Plaza em Los Angeles ou o aeroporto de Washington, e sim a inteira cidade já caótica de Nova York, a “homeland” do nosso herói. Lançado em 1995, pré-11 de Setembro, (lembro com exatidão como cenas do filme foram usadas anos depois a exaustão para demonstrar a terrível semelhança entre Hollywood e a vida real que acontecia no fatídico dia. Engraçado que no próprio filme tem uma menção, como alívio cômico, ao atentado terrorista no World Trade Center anterior ao 11 de Setembro em 1993) McClane aceita a participar de um joguinho que um terrorista que acionou diversas bombas em locais diferentes pela cidade, propondo em troca poupar vidas de civis. Logo em sua primeira “missão”, o azarado policial é mandado andar em pleno Harlem vestindo apenas uma placa escrito:

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Da hora a vida, né?

“Simon diz: Sr. Wayne, seu chá está pronto”

O tal terrorista conhecido apenas como “Simon” obviamente nutre um rancor específico por McClane, querendo o colocar em situações constrangedoras, perigosas e até mortais. Mas por quê? Então você que não viu o filme, por favor pare de ler o texto porque vou tirar isso a limpo agora: o Tal de Simon terá a identidade completa revelada como Simon Gruber. Sim, o irmão do “terrorista” Hans Gruber (Alan Rickman), morto por McCLane no primeiro filme e que agora busca vingança. Vendo por esse ponto de vista chega até ser comovente a história de amor de uma família de terroristas tão unida. Mas assim como no primeiro filmes, as coisas não são bem o que parecem. Mas essa revelação, que considero bem mais importante do que a relação de Simon com Hans, não vou deixar escapar. Fique apenas sub-entendido que justamente o que fez falta para o segundo filme em termos de um vilão fodão (acho o uso tanto de William Sadler quanto de Franco Nero, desperdiçados. O que é um pecado) o terceiro supre com uma composição sinistra genial de Jeremy Irons, que não deixa nada a desejar ao personagem de Alan Rickman. Muito pelo contrário, ele até mesmo possui o mesmo talento para “dissimular”. Aliás, não lembro de outro filme de ação puro depois desse, além da dobradinha Travolta/Cage em A OUTRA FACE que tivesse um vilão tão icônico e carismático. Estou me referindo apenas a filmes cujo o gênero “ação” se sobressai aos demais no filme em si, ou seja, não me refiro a personagens de dentro de temáticas mais divididas como “aventura” ou “policial”, deixando claro. O último que me chamou atenção nesse sentido foi Van Damme em OS MERCENÁRIOS 2 e ainda sim talvez muito mais por saudosismo do que pelo personagem em si. Não é a toa que Sean Connery, cujo papel foi o primeiro a ser oferecido, recusou por achar se tratar de um personagem maligno demais para ele (E realmente seria uma surpresa ver ele nesse perfil, apesar de achar que ele mataria a pau tanto quanto Irons)

diehard3_2990Willis: “Você é racista! Você não gosta de mim porque eu sou branco!”
Jackson: “Eu não gosto de você porque você matou meu camarada Vince em PULP FICTION!”

Mas voltando a história, depois de escapar de um possível linchamento de uma gangue local do Harlam com ajuda de Zeus Carver (O já citado Sam Jackson), um vendedor local boa-praça mas com um pouco de complexo de Malcolm X demais da conta (um personagem cuja a verborragia parece ter saído de um filme do Spike Lee, mas que o deixa ainda mais divertido) que acabou se metendo nessa furada por puro acidente. McClane, agora obrigado a trabalhar com o pobre civil contra sua vontade por Simon que mantem contato com eles por ligações misteriosas (onde ele parece estar sempre a par de tudo que acontece com a dupla em detalhes, dando-lhe um aspecto ainda mais misterioso e divino), os mandando de ponta a ponta pela cidade, tentando desvendar pequenas charadas afim de impedir que ele acione as bombas espalhadas pela a Grande Maça. O que se segue é uma direção frenética (literalmente) de McTiernan com nossa dupla tentando chegar nos locais designados por Simon a tempo, seja por corridas alucinadas de carro pelo tráfico infernal da cidade ou mesmo de bicicleta ou a pé. (de maneira que eles até conseguem chegar mais rápido ao locais desejados devido ao trânsito caótico) Mas não pensem que Zeus está ali apenas para ser alívio cômico como o cidadão comum. É um personagem inteligente e corajoso que salva a pele de McClane diversas vezes no filme.

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Originalmente escrito por Jonathan Hensleigh, especializado em roteiros de filmes de ação/aventura de grande orçamento, a história inicialmente era para ser outro terceiro filme de outro clássico do gênero, MÁQUINA MORTÍFERA e o personagem de Zeus seria uma mulher (?!), o que faria mais sentido se nessa versão da série o Murtaugh (Danny Glover) estivesse enfim aposentado e Riggs (Mel Gibson) trabalhando sozinho (será?). E de fato o filme é nada mais que um clássico “corrida contra o tempo”. Quase um “chase-movie” cujo a motivação do personagem é mera desculpa para perseguições, conflitos e explosões. Muitas explosões. Mas tudo isso é muitíssimo bem encaixado para a saga de McClane e orquestrado por quem entende do riscado, com personagens cativantes, que você realmente se importa e torce. E se estressa junto pela tensão. Sem nunca deixar de admirar a maneira como o vilão arquiteta seu plano de maneira genial e colocando a cidade sob seu domínio utilizando apenas sua voz. (Irons só vai aparecer de fato depois de quase uma hora de filme rolando)

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Dá para se dizer que DURO DE MATAR – A VINGANÇA é o tipo de blockbuster milionário que o cinema produziria em massa se o mundo fosse perfeito. Aquele blockbuster que vale cada centavo gasto. Uma sequência que nada deve ao original. Sem nunca se comprometer para atingir um público maior nos cinemas (além de uma cena de tiroteio violenta e brutal no elevador, McTiernan incluiu uma cena de sexo gratuita apenas porque já sabia que o filme receberia censura 16 anos) e ao mesmo tempo saber incluir perfeitamente o humor no filme. E aqui não há lugar para Greedo atirar primeiro. McClane é Eastwood aqui, atirando primeiro enquanto deixa a cautela para os vilões acharem que estão por cima da situação. Um grande filme que talvez tenha sido prejudicado apenas pelo estigma do “terceiro filme é sempre o pior” das diversas trilogias que tivemos até então. Talvez isso explique o motivo do porque a cotação do filme é tão baixa no Rotten Tomatoes e, pasmem, a do horrendo quarto filme ser superior. Ou talvez pelos seus 10 minutos finais onde tudo parece ser solucionado em um passe de mágica onde eles conseguem fazer o que não conseguiram em 1:50 de filme. E ainda trazem o personagem do Zeus junto, arriscando sua vida depois que ele já estava são e salvo. Pra quê?! Eu juro que acharia lindo se o Simon Gruber saísse vitorioso, e nem precisaria matar o herói pra isso! (e assim até retornando a humanidade do McClane do primeiro filme, que fecharia perfeitamente o ciclo) Mas acho que isso já é pedir demais para um blockbuster desse tamanho.

Agradecimentos ao Ronald pelo convite!

DURO DE MATAR 2 (Die Hard 2,1990)

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O fato de DURO DE MATAR 2 não ter sido dirigido pelo John McTiernan não é motivo para deixarmos de fora desta peregrinação pela carreira do diretor. Serve de anexo ao ciclo, cujo próximo da lista seria exatamente a terceira parte da “trilogia” (vamos fingir só um pouquinho que aqueles dois últimos filmes não existiram). Uma curiosidade é que McT até tinha planos para comandar a produção, mas acabou se envolvendo com  A CAÇADA AO OUTUBRO VERMELHO e os produtores decidiram não esperar. Foram em busca de sangue novo e escalaram o finlandês Renny Harlin que, até então, demonstrava grande talento para a coisa.

É verdade que Harlin nunca tenha atingido o potencial que lhe era esperado e hoje possui um currículo bem irregular, com várias porcarias e alguns exemplares bem divertidos, como RISCO TOTAL, com o Stallone. Mas é em DURO DE MATAR 2 que o sujeito realiza o seu melhor trabalho. Tá certo que o filme não chegue aos pés do primeiro em termos de grandeza cinematográfica, aliás, nenhum outro filme de ação americano jamais chegou, mas é uma continuação eficiente, repleto de cenas de ação espetaculares e bem filmadas, efeitos especiais de primeira qualidade e um elenco de encher os olhos.

O mais difícil seria colocar o herói novamente numa situação extrema que rendesse uma nova aventura. Em determinado momento de DURO DE MATAR 2, John McClane, outra vez interpretado por Bruce Willis, pergunta para si mesmo: “Como a mesma merda pode acontecer com o mesmo cara duas vezes?“. Considerando que a fórmula da aventura anterior fora um sucesso e se tornou um marco do cinema de ação, não se importaram em te colocar nessa situação de novo, meu caro McClane… A trama desta vez se passa num aeroporto, de novo às vésperas do natal, onde terroristas trabalham um plano mirabolante para libertarem um preso político, o General Ramon Esperanza (Franco Nero), que está sendo extraditado. Como a mulher de McClane está num dos vôos rumo ao aeroporto, o sujeito se mete de novo em todo tipo de enrascada para salvar o dia.

Além do astro italiano de DJANGO (66) em cena, a galeria de vilões é formada por John Amos e William Sadler. Ambos excelentes, mas este último está especialmente insano, surgindo no filme completamente nu, praticando exercícios de artes marciais, se concentrando para entrar em ação. No elenco ainda temos Dennis Franz, Fred Dalton Thompson, Tom Bower e até uma participação de John Leguizano e Robert Patrick. Mas o grande destaque e um dos principais motivos para encarar essa nova aventura é Bruce Willis, que repete o papel com muito carisma e consagra-se de vez como um ícone do cinema de ação.

Embora tenha uma premissa interessante, o roteiro de DURO DE MATAR 2 é desnivelado, com alguns excessos, detalhes que entravam a narrativa numa tentativa besta de complicar o simples ou tornar o filme mais longo do que deveria. A quantidade de takes para explicar todo o lance da munição de festim ou o retorno do repórter do primeiro filme, que surge aqui de maneira forçada, desnecessária e quebra o ritmo em alguns momentos, são alguns exemplos de como tudo poderia ser mais enxuto.

Nada que chegue a incomodar, no entanto, até porque se torna irrelevante quando a ação toma conta da tela em sequências absurdas, tensas e bastante violentas. Entre tiroteios bem orquestrados e a alta contagem de corpos, McClane é quase atropelado por um avião; é lançado ao céu no assento ejetável da cabine segundos antes do jato explodir, criando um dos enquadramentos mais icônicos da série; e no grand finale precisa trocar porradas com os bandidos na asa de um avião em movimento! É simplesmente de tirar o fôlego!

DURO DE MATAR 2 ainda apresenta uma daquelas cenas que não têm mais espaço para o cinema de ação bunda-mole atual: refiro-me aos terroristas derrubando um avião aleatório matando centenas de passageiros inocentes sem qualquer remorso. Só este detalhe já o colocaria acima da média do que é feito no gênero atualmente. Mas o legal é que o filme vai muito além. Claro, nas mãos de um McTiernan poderia render mais uma obra-prima do gênero, mas o resultado aqui é um action movie que cumpre aquilo que se propõe.

ESPECIAL McT #3: DURO DE MATAR (Die Hard, 1988)

1359741734_1Dizem que DURO DE MATAR é o pai do cinema de ação moderno feito em Hollywood. Não vou discordar, mas se for mesmo, não deve estar se sentindo muito orgulhoso com o resultado atual. Em algum momento em meados dos anos 90 algo deu errado no percurso e hoje 90% do que é produzido em termos de filmes de ação nos Estados Unidos pode ser considerado lixo, puro e simples. Mas não tenho intenção agora de ficar ressaltando a mediocridade do cinema de ação Hollywoodiano atual. O que quero aqui é prosseguir minha peregrinação pelo cinema de John McTiernan, especialmente agora que chegamos em sua obra-prima máxima, também conhecida como – e não tenho receio algum de afirmar isso, mesmo que alguém possa discordar – o melhor filme de ação americano de todos os tempos.

Acho que nem precisava me preocupar em descrever a trama, mas vamos lá. John McClane (Bruce Willis) é um policial de Nova York que vai a Los Angeles visitar sua esposa e filhos na véspera de natal. O casamento não anda lá essas coisas, a mulher mora em outra cidade por conta de um emprego numa multinacional, e o sujeito acha que é um bom momento de tentar uma reaproximação. Os planos de McClane vão por água abaixo quando um grupo de terroristas internacionais, liderado pelo maquiavélico Hans Gruber (Alan Rickman), decide invadir o local, manter todo mundo como refém e roubar 600 milhões de dólares em títulos trancados num cofre do prédio. Para a nossa sorte, McClane consegue escapulir das vistas dos bandidos e passa o filme inteiro sendo “o pior pesadelo” de Hans e sua turma.

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O filme segue a mesma linha de O PREDADOR, trabalho anterior de McTiernan, em termos de ação, na qual toda a trama se estrutura como um grande thriller, mais focado nas situações de tensão do que em lutas e tiroteios. Só a ideia de ter um cara sozinho no mesmo ambiente que um monte de criminosos armados e as mais variadas situações que podem surgir a partir daí já é meio caminho andado para segurar o espectador na poltrona. Um dos grandes êxitos de DURO DE MATAR é conseguir segurar um estado de tensão constante e amplificar a sensação caótica que McClane se encontra. Ou seja, o filme possui um ritmo alucinante independente da situação mostrada. Mesmo os momentos de conversa  são tão apreensivos quanto os instantes mais urgentes de ação.

Funciona especialmente pela ideia do protagonista vulnerável, do herói humanizado, talvez o tópico mais importante de DURO DE MATAR. E a escolha de Bruce Willis é fundamental. O filme nasceu como um projeto de continuação para COMANDO PARA MATAR (85), estrelado pelo Arnold Schwarzenegger. Não sei se no primeiro tratamento do roteiro o plano era colocar John Matrix (Arnie) num prédio cheio de terroristas, ou se a história já era baseado no livro de Roderick Thorp. Só sei que a coisa começou a desandar quando o Arnoldão abandonou o barco. Mudanças aqui e acolá, passaram-se alguns anos e finalmente os roteiristas Jeb Stuart e Steven E. de Souza conseguiram chegar em algo que agradasse o produtor Joel Silver e ao McTiernan.

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O livro de Thorp que serviu de inspiração para DURO DE MATAR chama-se Nothing Lasts Forever, que é uma continuação de outra obra do autor chamada The Detective. Esta já havia sido adaptada para o cinema no fim dos anos 60, com Frank Sinatra, que, aliás, mesmo aos 73 ano de idade, foi lhe oferecido o papel de John McClane por conta de uma clausula de um contrato referente ao filme anterior. Seria, no mínimo, estranho o Blue Eyes velhinho enfrentando terroristas. E o Bruce Willis? Ainda demorou a ser encontrado. O personagem foi oferecido aos dois maiores astros do cinema de ação na época, Schwarzenegger e Stallone, e também a Burt Reynolds, Richard Gere, Harrisson Ford, Mel Gibson e outros… Todos rejeitaram.

No fim das contas, calhou de ser aquele sujeitinho mais conhecido pelo seriado A GATA E O RATO, que fazia sucesso na época. É interessante fazer um exercício de imaginação e pensar como seria Burt Reynolds pendurado na mangueira de incêndio com aquele bigodão, ou Harrisson Ford soltando um Yippie-kai-yai motherfucker, mas não dá para negar que a escolha de Bruce Willis foi perfeita, embora ninguém acreditasse que pudesse carregar um filme de ação. A melhor escolha? Nunca se sabe, mas perfeita acho que podemos garantir. Qualquer outro ator no lugar de Willis e teríamos um DURO DE MATAR absurdamente diferente.

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Mas o que o homem tem que outros não têm? Basta olhar pra ele. Bruce é a representação do sujeito comum e o extremo oposto dos musculosos e indestrutíveis action heroes que povoavam os anos 80. E esse é um dos principais motivos que faz DURO DE MATAR ser o grande marco no cinema de ação americano e o policial John McClane um dos personagens mais revolucionários do gênero.

É o herói cinematográfico com atributos de um ser humano normal: Seus músculos não são volumosos, seu corpo e mente vulneráveis e em certas circunstâncias não sabe nem o que fazer. Sujeira, suor e sangue se acumulam e o simples fato de estar com os pés descalços torna-se um elemento narrativo. McClane precisar salvar o prédio tomado por terroristas e ainda tem questões conjugais a resolver. Estávamos acostumados em ver Stallone costurando seus próprios ferimentos no meio do mato, ou Schwarzenegger carregando tranquilamente uma tora pesada no braço, enquanto McClane age como se tivesse saído da vida real e poderia ser qualquer um de nós.

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Claro, basta assistir ao filme para perceber que, na verdade, não. Não poderia. Vamos ser honestos, ninguém teria colhões de pular do terraço de um arranha-céu prestes a explodir apenas com a mangueira de incêndio amarrado na cintura. É um “herói de carne e osso”, mas ainda estamos diante de um filme de ação exagerado da década de 80. De qualquer maneira, há uma identificação por parte do público muito maior com McClane do que o personagem “exército de um homem só” que monopolizava o gênero naquele período.

E não vamos esquecer que se o desenvolvimento de um bom herói eventualmente depende de um grande vilão, vale destacar o desempenho magistral de Alan Rickman, que compõe um Hans Gruber frio e calculista, que age de maneira extremamente racional. A relação que desenvolve com McClane é outro ponto forte de DURO DE MATAR e cria um equilíbrio narrativo interessante. Se assemelha a uma partida de xadrez: De um lado o herói improvisando diversas maneiras de sobreviver e salvar o dia e do outro um adversário cauteloso que pensa com cuidado antes de realizar qualquer movimento com seus peões.

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É curiosa também a relação de McClane com o sargento Al Powell, interpretado por Reginald VelJohnson, que o ajuda na jornada em conversas por rádio. Powell é o contato externo de John McClane e, mesmo sem compartilhar o mesmo ambiente, há uma química forte entre os dois. Uma maneira inusitada que o filme trabalha a ideia de sidekick. O encontro dos dois ao final, que nunca haviam se visto antes, é tocante.

Graças ao excepcional roteiro de Stuart e Souza, outros coadjuvantes ganham uma dimensão bem maior que o de costume. É o caso da esposa do homem, Holly (Bonnie Bedelia); Argyle, o motorista da limousine; Harry Ellis (Hart Bochner), que é um do personagens mais babacas que já pintou nos filmes de ação; além de outros que têm participações menores, mas conseguem de alguma maneira “deixar sua marca”, como o eterno capanga, Al Leong, roubando chocolate e Robert Davi na cena em que sobrevoa o Nakatomi Plaza de helicóptero e solta a minha frase favorita do filme: “Just like fuckin’ Saigon!“. E olha que estamos diante de um filme em que a cada quinze segundos os personagens soltam frases que se tornaram memoráveis.

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Além disso, DURO DE MATAR é repleto de pequenos toques geniais. Desde o início, a descoberta de McClane em esfregar os dedos dos pés no carpete após um longo vôo (obrigando o personagem a andar descalço o restante do filme), o poster de uma garota pelada na parede que serve como guia para o herói se localizar no labirinto de Nakatomi, até o uso de Beethoven na trilha sonora quando os terroristas adentram o cofre, acabam por criar uma experiência das mais ricas e fascinantes do cinema americano dos últimos trinta anos.

John McTiernan, diretor classudo, moderno e detalhista, realmente conseguiu reunir todos os elementos que precisava para fazer um verdadeiro épico do cinema de ação, uma obra-prima do gênero sem antecedentes. Orquestra cada cena, cada fragmento de filme, com uma excelente noção de ritmo e de arquitetura da ação, além de inteligência (o fato do protagonista utilizar mais o cérebro do que balas para se livrar dos apuros é sinal disso). O filme ainda cresce absurdamente sob um olhar estético, cortesia do holandês Jan de Bont na direção de fotografia, abusando de lens flare bem antes de virar modinha com J.J. Abrams.

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E em matéria de ação, alguns momentos já se tornaram clássicos: o tiroteio na cobertura do edifício que culmina no fosso do elevador e nos dutos de ventilação; a S.W.A.T. tentando invadir o local; o confronto entre o herói e Karl, o “braço direito” de Hans, um alemão brutamontes querendo vingar a morte do irmão (a primeira vítima de McClane); a já citada mangueira de incêndio e vários outras cenas pontuais que transformaram DURO DE MATAR num dos mais representativos filmes de ação daquele período.

Logo, dizem que é o pai do cinema de ação moderno… Ok, agora que chegamos aqui, preciso concordar com essa afirmação.  Hollywood mudou a maneira de trabalhar o gênero após a existência de DURO DE MATAR – trazendo junto mais de um milhão de exemplares com o selo DIE HARD plot, como A FORÇA EM ALERTA, com Steven Seagal, PASSAGEIRO 57, com Wesley Snipes, e, claro, DURO DE MATAR 2, dois anos depois. O problema é que ninguém no cinema americano pós-88 chegou perto de fazer algo tão magnífico com um filme de ação como DURO DE MATAR. É uma pena, portanto, que hoje pouquíssimos “filhos” façam esse “pai” se orgulhar.

Vale lembrar, já que estamos em dezembro, que DURO DE MATAR é um filme natalino. Nada melhor que rever ou apresentar para alguém que ainda não tenha visto. Bem melhor do que aquelas produções piegas onde as pessoas descobrem o significado do natal e blá blá blá… O verdadeiro significado do natal é Bruce Willis descalço pisando em caco de vidro pra livrar a carcaça! Ho-Ho-Ho!