Não esperava grande coisa do diretor de SE BEBER NÃO CASE num projeto como este. Não que eu não goste dessa série de comédia, acho bem ok, mas CORINGA me parecia exigir um olhar mais… “sério” e sombrio. E tinha minhas dúvidas se o sujeito seria capaz de algo assim. Mas depois que o filme recebeu o prêmio principal no Festival de Veneza, me deixei levar pelo hype. E preciso dar o braço à torcer, fui surpreendido pelo resultado. Todd Phillips conseguiu desenvolver uma atmosfera interessante, trágica e de grande intensidade dramática ao narrar a origem do principal inimigo do Batman.
E isso precisa ficar bem claro. Por mais que muita gente não queira aceitar, CORINGA é sim um filme de “super-herói”. Não é por causa da abordagem anti-convencional – se comparado ao estilo Marvel – que vai deixa de ser. O filme é sobre a origem do Coringa, personagem saído direto dos quadrinhos da DC, e mostra como ele se transformou no vilão que conhecemos, com todas as questões psicológicas e analíticas que isso envolve. Psicologia de boteco, claro… Bem superficial. Mas que não deixa de ter sua graça.
Temos aqui Arthur Fleck (Joaquim Phoenix), um sujeito obcecado em fazer as pessoas rirem, com a pretensão de se tornar um comediante. Apesar dele mesmo não ser muito engraçado. Às vezes provoca incômodo e constrangimento alheio com seu riso insano e incontrolável que surge em momentos incongruentes… Por cultivar um mundo de frustrações e dominado pela insanidade, gradativamente Fleck passa a entender que a violência e o mal são os únicos caminhos a percorrer. Nos minutos finais, depois uma participação ao vivo num programa de TV, o sujeito se torna uma espécie de líder e sua figura de palhaço um símbolo de uma rebelião violenta contra os poderosos.
Não vou entrar na ideia (polêmica?) de que o Coringa seja uma “vítima da sociedade”, até porque não vejo as coisas dessa maneira. Embora o meio social não deixe de servir como gatilho em algumas situações. Acima de tudo, Fleck é um maluco, principal razão para se tornar o que se tornou. Mas vamos ao que realmente interessa: Phoenix está impressionante em todos os sentidos. Quase todos os planos do filme são dedicados a ele, que justifica ser o centro das atenções com uma presença descomunal em cena, uma construção monstruosa que ofusca todo o resto. Aqui está o exemplo perfeito de um filme de ator, com tudo o que envolve sua magnitude. E Phoenix compreendeu perfeitamente o calvário da loucura de seu personagem mostrando com extrema minúcia a ascensão da violência de seu Coringa.
De vez em quando o filme remete a O REI DA COMÉDIA, de Martin Scorsese, não apenas pela presença de Robert De Niro, mas pelo tema do sujeito que busca sucesso, mas que tanto aqui quanto lá, falha em sua carreira cômica. E acaba se tornando sua própria antítese. Pra mim, na lógica da revolta das pessoas comuns contra a sociedade, me lembra mais TAXI DRIVER, que é uma influência óbvia também. O filme chega a copiar planos e cenas inteiras do filme de Scorsese. Mas acaba funcionando. É orgânico. Phillips consegue ressignificar um mundo de influência temática e formal de uma maneira muito própria.
Em suma, CORINGA é um filme scorsesiano, nos mais variados aspectos. O que ajuda bastante. Mas é graças especialmente ao talento de Phoenix (o melhor Coringa das telas até hoje?) que o filme surpreende bastante. E nenhuma reclamação a fazer sobre Todd Phillips. Talvez um diretor mais talentoso não desse tanto espaço ao seu ator e, portanto, perderíamos um trabalho deslumbrante. E finalmente a DC conseguiu emplacar um grande filme…
Pingback: FAVORITOS DE 2019 | vício frenético
Pingback: GLOBO DE OURO 2020 | vício frenético