DRACULA (1931)

Revi o DRACULA do Tod Browning, estrelado pelo grande Bela Lugosi. Nunca fui grande fã desta versão e cheguei a comentar no início do texto que fiz sobre FRANKENSTEIN, de James Whale, há alguns meses, que “FRANKENSTEIN sempre me pareceu bem mais avançado e moderno, resistindo mais ao teste do tempo. Posso ver e rever que não me canso. Já o filme de Browning… Não que eu não goste de DRACULA, que também tem sua inegável importância para o gênero, mas não me encanta tanto quanto outros exemplares de horror do período.

Bom, eu era jovem e não sabia de nada quando vi DRACULA nas primeiras vezes. E ainda não sei muita coisa. Mas revi agora em blu-ray e, pronto, foi dessas revisões que muda tudo. Daí que sempre ressalto a importância de rever determinados filmes. Estes não mudam, mas a nossa sensibilidade sim. E ao longo do tempo obras que achamos menores acabam se revelando maravilhas do cinema. Como é o caso de DRACULA.

Pode-se dizer que trata-se da primeira versão oficial levada para as telas do romance de Bram Stoker, considerando que NOSFERATU (22), de Murnau, seja a versão pirata do romance. Essa história todo mundo conhece, os caras não compram os direitos de adaptação do livro, e mesmo assim seguiram em frente achando que ninguém ia se importar. O filme é maravilhoso, mas a rapaziada se ferrou. Mesmo com todas as diferenças em relação ao material original, não teve jeito… A viúva de Stoker chegou a processar e ganhar uma ação contra o estúdio alemão, mas acabou não recebendo nada, porque a produtora faliu…

Enfim, quem acabou adquirindo os direitor foi a Universal. Mas depois de tanto escreve e reescreve de quase uma década, o roteiro de DRACULA acabou tomando como ponto de partida uma peça de teatro da Broadway, que havia sido um enorme sucesso. E essa decisão talvez tenha sido a mais importante. A estrutura complexa do romance de Bram Stoker nunca foi muito propícia à adaptações e praticamente todas as versões pra cinema do livro suprimem vastos trechos da bagagem detalhada que Stoker usa na sua narrativa.

Por outro lado rolou um custo criativo nesta decisão que fez com que o filme ganhasse tantos detratores. O lance é que o roteiro herdou estratégias narrativas que vinham das origens teatrais do material. Isso é evidente na natureza desequilibrada do filme. Os primeiros vinte minutos de DRACULA, que transcorrem na Transilvania progridem num ritmo legal, é bem mais dinâmico, que vai sempre se renovando esteticamente, explorando cenários, praticamente tudo aqui é clássico, icônico. Mas no momento em que a ação muda para Londres, o filme dá uma desascelerada e imputa seus princípios teatrais… Mas, olha, confesso que não tive problema algum com isso nessa revisão.

Até porque a direção de Browning e o trabalho de câmera atmosférico de Karl Freund (com sua bagagem vinda do expressionismo alemão) mantém sua força. Gosto bastante também dos diálogos e os atores estão ótimos. É bom lembrar que apesar desse material ter sido readaptado, imitado e parodiado tantas vezes ao longo dos anos, aqui temos a origem de tudo. É curioso ver os perosnagens discutindo as coisas pela primeira vez antes de se tornarem clichês. E temos algumas sequências bem legais, como os duelos travados entre Van Helsing (Edward Van Sloan) e o Conde Drácula. Uma das melhores é quando o famoso caçador de vampiros percebe que o conde não está refletindo sua imagem num pequeno espelho de um porta-charutos.

E obviamente algo que se destaca e ainda nos fascina acima de tudo é termos a presença deste ator magnífico em cena que é BELA LUGOSI. Muitos atores ao longo da história viveram o personagem, mas nenhum como Lugosi, com seu forte sotaque e um magnetismo bizarro, o sujeito realmente capturou o poder do personagem e acabou sendo um pioneiro em filmes de terror, deu o tom para a maneira como os vampiros foram percebidos pelo público nos anos seguintes. E foi uma diferença gritante entre o vampiro de NOSFERATU, o Conde Orlok, vivido por Max Schreck, uma criatura repulsiva de se olhar, do Dracula de Lugosi, um esbelto e educado aristocrata que tem a possibilidade de transitar livremente pela sociedade, pelo mundo dos mortais, para satisfazer seu desejo de sangue.

O vampiro de Lugosi dependia de sua própria personalidade e estilo de atuação imaginativa para criar um retrato tão distinto na personificação da criatura. O “monstro” que vemos na tela e o vampiro saído das páginas escritas por Stoker fizeram uma combinação perfeita, tornando Lugosi, o ator, e o personagem, Drácula, autênticos sinônimos. Curioso que Lugosi só conseguiu o papel depois que a escolha preferida da Universal havia morrido – Lon Channey, que já havia trabalhado com Browning em diversos filmes anteriores. Lugosi acabou escolhido, mas tinha a vantagem de já ter vivido o personagem na tal peça na Broadway alguns anos antes.

Outra coisa que me chama a atenção e deixa essa segunda metade do filme mais interessante é como em 1931, o diretor Tod Browning já era bastante direto sobre o ato de “chupar sangue” como um eufemismo para o sexo. Browning realizou DRACULA um ano depois que o Código Hays começou a censurar as produções, numa tentativa de “limpar” os filmes. Mas Browning foi capaz de eoncontrar maneiras de driblar os censores em vários momentos, como nas cenas em que Drácula adentra o quarto de Mina à noite e inclina-se sedutoramente sobre sua figura adormecida ou, ainda quando Dracula envolve-a possessivamente em sua capa numa dos gestos mais eróticos do filme.

E há as três esposas de Drácula (e até hoje me surpreende que Browning tenha escapado dessa também), em seus longos vestidos brancos espectrais, pairando sobre Renfield (Dwight Frye, que é outro destaque) no castelo, preparando-se para um banquete… Aliás, como são incríveis todos os planos que envolvem essas três esposas, a forma como Browning realiza composições com esses corpos dentro dos quadros é um trabalho de mise en scène assustadoramente bonito.

Esta versão de Browning continua não sendo a minha favorita sobre o lendário vampiro. Ao longo dos anos tivemos vários exemplares que aprecio mais: o da Hammer, O VAMPIRO DA NOITE (1958), com o Christopher Lee encarnando o personagem; a do Coppola, já nos anos 90, é provavelmente a minha favorita; a do John Badham, DRACULA, de 1979, também é maravilhosa; e até a do Paul Morrissey, BLOOD FOR DRACULA, com Udo Kier fazendo o vampirão é um bom concorrente nessa disputa… No entanto, DRACULA, de Todd Browning, depois dessa revisão, já entra na lista de favoritos, sem dúvidas.

E foi o seu sucesso que encorajou a Universal a produzir e lançar um segundo filme de horror no mesmo ano de 1931, FRANKENSTEIN, dando início em definitivo ao famoso ciclo de filmes de monstro da Universal (depois ainda viria A MÚMIA, O HOMEM INVISÍVEL, O LOBISOMEM e várias continuações de todos esses).

★ ★ ★ ★ ★

2 pensamentos sobre “DRACULA (1931)

  1. Pingback: A FILHA DE DRÁCULA (1936) | vício frenético

  2. Tou pra ver tem um tempão. Qualquer dia desses tomo vergonha na cara. Tod Browning é um diretor interessante. Melhor que Nescal.

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