OLHOS FAMINTOS 2 (Jeepers Creepers II, 2003)

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Prometo que esse texto vai ser mais curto que o anterior, já que não preciso falar do background sórdido do diretor e roteirista Victor Salva, que também é responsável por este aqui. O primeiro OLHOS FAMINTOS havia deixado muitas questões em aberto, muitas perguntas sobre o que a criatura monstruosa planejara para o resto de sua fúria de 23 dias, num final pessimista e ousado. Um bocado da rotina do monstrengo é mostrada em OLHOS FAMINTOS 2, que dispensa os personagens do original (a não ser por uma pequena participação de Justin Long) e foca em duas histórias que se juntam no final de um dia de farta alimentação do famigerado Creeper (descobri que é assim que o chamam).

Depois que seu filho mais novo vira refeição do Creeper, o fazendeiro Jack Taggart (o grande Ray Wise, de ROBOCOP e TWIN PEAKS) e seu filho mais velho, Jack, decidem caçar a criatura a qualquer custo, como um capitão Ahab caçaria Moby Dick nos escritos de Herman Melville, com direito a um arpão e tudo mais…

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Enquanto isso, um ônibus escolar acaba tendo sua viagem interrompida por conta de um pneu furado, deixando um grupo de jovens jogadores de basquete, três Cheerleaders (sim, só três, esse número é importante) e os adultos responsáveis atrelados por horas no meio do nada. Examinando melhor, o buraco no pneu revela o que parece ser o trabalho de uma arma artesanal, parecido com uma estrelinha ninja, mas feita de ossos. Não demora muito, o grupo percebe que ficar parado à beira da estrada esperando ajuda é um dos menores problemas e aos poucos, adultos e adolescentes são apanhados um a um pelo faminto Creeper, na sua última noite antes da hibernação.

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Em relação a abordagem do filme original, que era um exemplar de maior elaboração, atmosfera, boas ideias, OLHOS FAMINTOS 2 segue uma linha diferente, outra pegada, mais direta, pauleira o filme inteiro. De cinco em cinco minutos tem pelo menos um ataque do monstrão direcionada ao grupo dentro do ônibus escolar, no clássico dilema “se ficar o bicho come, se correr o bicho pega”… As situações que surgem a partir disso é de pregar o espectador na poltrona, ou no mínimo diversão garantida.

Se como uma distração de horror OLHOS FAMINTOS 2 se sai muito bem, com cenas de ataque do monstro acontecendo a todo instante, por outro lado nunca temos identificação alguma com os personagens como tivemos no primeiro filme com o casal de irmãos, e voltamos àquela lógica de quanto mais adolescentes estúpidos morrer, melhor. O que não deixa de ser bom também… O único elemento que tira o tom genérico deste aqui é a presença de Wise, com uma performance fina e um olhar obcecado intenso que nos faz torcer por ele até o fim. A cena em que encara o Creeper com o tal arpão preso na sua caminhonete é espetacular, digna das mais criativas contextualizações de Moby Dick.

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Em OLHOS FAMINTOS 2, Salva escancara ainda mais o subtexto sexual sutilmente trabalhado no primeiro filme (que envolve um predador caçando implacavelmente um jovem através de seu cheiro), mas desta vez apresenta níveis de um David DeCoteau (diretor de filmes B dos anos 80 e 90, que se dedicou de uns tempos pra cá a fazer filmes de horror de temática homossexual) mostrando vários caras sem camisa tomando sol, e muitas provocações pra cima de um personagem em relação à sua sexualidade. Daí porque o número de meninas no filme é tão reduzido, enquanto rapazes sarados e bonitões têm aos montes…

Com OLHOS FAMINTOS 2, Salva expande o universo de sua criação, começa a se desenvolver uma espécie de mitologia para a série, que deveria já estar no seu, sei lá, sétimo ou oitavo capítulo, mas acredito que em razão da dificuldade que o diretor possui para tocar seus projetos por conta do seu passado, acabou não seguindo muito em frente, tendo que dirigir filmes sob contrato, como PEACEFUL WARRIOR, em 2006, com Nick Nolte. Este ano de 2017 marca o retorno de Salva à série OLHOS FAMINTOS, com seu terceiro capítulo… Mas é assunto pra outro post.

OLHOS FAMINTOS (Jeepers Creepers, 2001)

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Ainda na vibe da atual onda de acusações de violência sexual que anda, merecidamente, atormentando a vida de algumas figuras em Hollywood, me lembrei do diretor Victor Salva. Seu caso não é de hoje, do nada, como surgiu com um Kevin Spacey e Dustin Hoffman, por exemplo. É notório que em 1988, o sujeito foi condenado por “má conduta sexual” com um ator de doze anos que participou do seu primeiro trabalho como diretor, CLOWNHOUSE. Filmagens contendo pornografia infantil também foram encontradas na casa de Salva, que se declarou culpado e foi condenado a três anos de prisão, dos quais serviu 15 meses, seguindo em liberdade condicional o restante da pena.

É evidente que a carreira de Salva no cinema sofreria um baque. Quem contrataria um diretor pedófilo? Alguns anos depois, com a poeira baixa e trabalhando com telemarketing durante os dias úteis, Salva escrevia roteiros no fim de semana e enviava a produtores que nem lembravam mais quem era o tal Victor Salva. E foi assim que em 1995 o sujeito conseguiu voltar à direção com THE NATURE OF THE BEAST, um thriller excepcional realizado direto para o mercado de home video, estrelado por Lance Henriksen e Eric Roberts, num duelo de atuações incrível, personagens inspirados em pessoas que Salva conhecera na prisão, e com um plot twist que faria o Shyamalan se contorcer de inveja.

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O diretor Victor Salva

Depois, Salva foi contratado para comandar a produção de um grande estúdio, ENERGIA PURA (1995), o conto de um menino albino com poderes especiais, produzido pela… Disney. Sim, podem acreditar, nos anos noventa um diretor pedófilo escreveu e dirigiu um filme para a Disney! No meio das filmagens, a informação do passado de Salva veio à tona, o que causou alguma consternação com produtores e elenco, que não faziam ideia que o diretor havia sido condenado por abuso sexual infantil. Mas o filme seguiu em frente e foi lançado, também tornou-se um grande sucesso do VHS…

O lance é que, querendo ou não, Salva é um bom diretor. Portanto, continuou fazendo seus filmes, escrevendo e dirigindo, tentando esconder o seu passado. Pedófilo? Sim… Agora, atrás das câmeras é um talento. E em 2001 veio a consagração. Pelo menos como diretor de gênero, como diretor de horror.

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Apadrinhado por Francis Ford Coppola, Salva dirigiu OLHOS FAMINTOS. Não vi na época que lançou porque sempre pensei que fosse mais um desses terrozinhos adolescentes que vieram na esteira de PÂNICO no final dos anos 90, início dos 2000. Nada contra esse slasher revival desse período, até porque sou fã da série PÂNICO e me divertia com EU SEI O QUE VOCÊS FIZERAM NO VERÃO PASSADO, mas na época estava saturado dessa merda e deixei o filme de Salva passar. Já faz algum tempo, no entanto, que eu tinha a impressão de que OLHOS FAMINTOS fosse algo totalmente diferente e me surpreenderia… Então achei que agora, no auge da polêmica de agressões sexuais, era hora de dar uma conferida num filme deste indivíduo. Continuar lendo