DRÁCULA – O PRÍNCIPE DAS TREVAS (1966)

O diretor Terence Fisher foi responsável por alguns dos filmes de horror mais fundamentais do final dos anos 1950, todos produzidos pelo estúdio britânico Hammer Films. Três, sobretudo, A MALDIÇÃO DE FRANKENSTEIN, DRÁCULA – O VAMPIRO DA NOITE e A MÚMIA, foram reinterpretações em cores vibrantes de personagens clássicos trazidos às telas pela Universal nos anos 30. Todos se tornaram franquias com um universo gigante a ser explorado pelos amantes do horror. Aqui no blog, inclusive, já comentei, por exemplo, sobre os dois primeiros filmes do vampiro mais famoso e, aproveitando que fiz uma revisão, chegou a hora de falar do terceiro exemplar, DRÁCULA – O PRÍNCIPE DAS TREVAS (Dracula – Prince of Darkness), que trouxe de volta Christopher Lee no papel do personagem título, que o transformou num astro do gênero.

Aliás, todos esses filmes transformaram tanto Lee quanto Peter Cushing, outro gigante da Hammer, em ícones incontestáveis do horror. Só que mesmo após o grande sucesso de DRÁCULA – O VAMPIRO DA NOITE, Lee acabou recusando por muito tempo reprisar o papel do príncipe dos vampiros. Um segundo filme veio em 1960, AS NOIVAS DO VAMPIRO, sem a presença do ator. Somente seis anos depois, Fisher e a Hammer finalmente puderam fazer uma sequência oficial contando com a presença do seu astro, que é este DRÁCULA – O PRÍNCIPE DAS TREVAS.

No entanto, esse retorno não foi isento de pontos de contenda.

O que aconteceu antes das câmeras começarem a rodar é uma questão em debate, mas o resultado está ali para todos verem e, mais enfaticamente, não ouvirem: Christopher Lee pode até ter retornado como Drácula, mas ele não diz uma palavra sequer durante todo o filme.

Há quem diga que a Hammer optou por não dar nenhuma fala ao personagem como forma de reduzir um pouco o salário de Christopher Lee (já que pra tê-lo convencido de retornar deve ter custado uma nota). Por outro lado, Lee afirmou que achou o diálogo, originalmente escrito para ele, estúpido demais e simplesmente se recusou a entregar qualquer fala. No fim, porém, a razão pouco importa. Fica apenas essa sensação estranha. Lee com sua presença imponente e ameaçadora, que funciona na maior parte do tempo, mas “sem voz”, com a sensação de que falta alguma coisa…

DRÁCULA – O PRÍNCIPE DAS TREVAS começa com uma recapitulação do final do filme original de 58, para contextualizar a suposta morte de Drácula, com uma narração desnecessária para explicar o que, de outra forma, parece bem óbvio visualmente. Não é nenhum grande spoiler dizer que Drácula é derrotado e se desintegra em cinzas sob a luz do sol. Iniciam-se os créditos iniciais.

Fãs de terror, Drácula, Lee, enfim, ficam emocionados com a ideia do retorno de Christopher Lee como Drácula por aqui, mas, ironicamente, a maior parte do que há de melhor em DRÁCULA – O PRÍNCIPE DAS TREVAS acontece antes mesmo de Lee aparecer. Como no flashback inicial nos lembra, Drácula foi reduzido a um monte de cinzas, então como ele poderia retornar?

O roteiro leva metade do filme para estabelecer isso, e Terence Fisher faz um trabalho soberbo ao dar vida e essa visão na tela. Na verdade, pode-se dizer que, em última instância, é Fisher quem é o verdadeiro astro da obra, pois este é um filme que absolutamente sobrevive ou fracassa com base na sua capacidade de contar uma história, ainda que com algumas falhas, e manter o interesse do público. A construção lenta à medida que as vítimas são colocadas nos seus devidos lugares para trazer o retorno de Drácula é brilhantemente realizada e culmina em uma das cenas mais memoráveis da história das adaptações de Drácula para o cinema: a ressurreição do vampiro.

Mas antes, o filme mostra que mesmo passado os anos na região o medo do vampirismo ainda prevalece, mesmo com Drácula morto. Aí temos a entrada de dois casais de turistas, que chegam ao local e acabam parando no castelo de Dracula, ainda que sejam fortemente avisados contra isso por um padre. Eles até tentam seguir o aviso, mas acabam em uma carruagem, com a intenção de ir para outro destino, enquanto os cavalos têm suas próprias vontades e levam apressadamente os casais para o castelo.

Eles adentram o local, onde as hospitalidades aparentemente estão prontas e esperando por eles. Um servo logo entra e explica aos curiosos – alguns deles aterrorizados – que seu falecido mestre deixou instruções para que o castelo estivesse sempre pronto para receber hóspedes. Os dois casais jantam e são conduzidos aos seus quartos para a noite que se aproxima. Um dos homens logo deixa o quarto para seguir o servo que puxa um grande baú por um corredor, sem saber que ele desempenha um papel especial na tentativa de trazer seu mestre de volta à forma física. E pra isso, muito sangue tem que rolar. Resultando na tal cena da ressurreição de Dracula.

Não apenas o efeito visual da própria ressurreição é maravilhoso mesmo após tantas décadas, mas a antecipação que é criada, enquanto o assecla de Drácula (Philip Latham) coloca tudo em posição, é um golpe de mestre do suspense. Não se pode evitar de ficar na ponta da cadeira, esperando que aconteça. Isso é o gênio de Terence Fisher em ação, e ele merece todo o elogio possível, ainda que esteja esquecido e não venha recebido hoje em dia. O cara foi um dos maiores do gênero.

Desta vez, os realizadores criaram uma sequência que buscava minar a ideia do vampiro mais sedutor e elegante, alinhado com a liberação sexual, que enfatizava o papel crescente dos filmes de terror como alegorias morais, à medida que a sociedade britânica entrava na agitação juvenil dos anos 1960. Ainda que os temas morais em evolução do filme oscilem entre o liberal e o reacionário…

Dracula transforma, por exemplo uma mulher moralmente correta em uma serva de sua vontade. A Igreja, por sua vez, representa as forças da repressão civilizada, talvez necessárias para livrar o mundo do horror sexual anárquico da contaminação vampírica. No entanto, o filme não celebra esses puritanos religiosos, retrata-os como hipócritas morais. De fato, a destruição da vampira feminina é sugerida por Fisher como um substituto sexual violento também semelhante a um estupro coletivo.

Essa ambiguidade em relação à moralidade e imoralidade sexual perpassa todo o filme e acrescenta considerável profundidade e textura à história à medida que evoluem no estilo característico de Fisher, especialmente em termos de cor.

Cenas isoladas têm uma elegância pictórica, e há uma interessante construção de cores para sugerir a paixão crescente em meio à tentativa de mantê-la suprimida e até erradicada. Começa com cores terrosas, e os arredores do castelo do Drácula são devidamente invernais e ameaçadores, apesar da pretensa hospitalidade inicialmente encontrada ali. No entanto, e talvez de maneira incomum, os interiores do castelo são banhados por um calor dourado sensual, cativante e perigoso.

Essa sensação de calor é mantida intacta na transferência e complementa os subtons sexuais animalísticos do filme, culminando em um vermelho infernal enquanto Drácula observa tudo de cima.

Os vínculos entre cor e paixão são essenciais para a sensibilidade de Fisher, que utiliza de muito estilo para sugerir a natureza febril de uma existência sexual vampírica. O fato de ele consistentemente alcançar isso com tanta intensidade estética e alucinatória é um testemunho de suas habilidades de criador de imagens.

DRÁCULA – O PRÍNCIPE DAS TREVAS marca também o ponto em que a Hammer começa a brincar de forma mais descompromissada com a mitologia dos vampiros. O método pelo qual Drácula é ressuscitado é fascinante e muito bem feito, mas de forma alguma é tradicional pra época. E como é óbvio que queremos que Drácula volte à vida para causar estragos novamente – além de ser tão bem executado – nem nos importamos com esse aspecto. Temos também a ideia semi-tradicional de que um vampiro não pode atravessar água corrente, que aqui acaba se transformando em “um vampiro imediatamente se afogará sob água corrente“. Acaba sendo um pouco demais, muito conveniente à mitologia que resulta num desfecho bem fraco.

No fim das contas, o que isso implica é uma certa variedade de preguiça que, uma vez empregada, a Hammer usaria repetidamente nos anos seguintes sempre que fosse mais conveniente do que trabalhar com a mitologia já estabelecida. Como matar um vampiro? A resposta, para a Hammer, é “o que for mais conveniente para o diretor e o roteirista na época“.

Não vou nem comentar também sobre o fato de que, dada a aversão do vampiro à cruz, conforme aderido pela Hammer, por que Drácula sequer tentaria invadir uma abadia? Simplesmente não ligo. Eu não me importo em quase nada com essas “liberdades”. Exceto quando resulta em sequências realmente ruins (como a do desfecho, com a água corrente).

Até porque num geral DRÁCULA – O PRÍNCIPE DAS TREVAS se mantém como uma continuação muito boa para DRÁCULA – O VAMPIRO DA NOITE. E a direção de Terence Fisher é simplesmente boa demais para ser ignorada, e a cena da ressurreição, repito, realmente é uma das mais memoráveis ​​do filme, e ter Christopher Lee como Drácula, independente se ele fala, ou fica em silêncio, ou rosna ou grita, é sempre obrigatório.

Resumindo, se você gosta de filmes de vampiros de alguma forma e especialmente dos filmes da Hammer, DRÁCULA – O PRÍNCIPE DAS TREVAS definitivamente vale uma hora e meia do seu tempo. Sim, ele brinca livremente com as regras, mas os resultados são sólidos no geral, e tem alguns momentos clássicos que realmente fazem valer a pena todo o resto.

7 pensamentos sobre “DRÁCULA – O PRÍNCIPE DAS TREVAS (1966)

  1. Nas suas postagens sensacionais,por que em matéria de filme ,eu duvido que volte um dia do jeito que era ,hein?

    • Ah, você se referia aos filmes…. Olha, realmente tá difícil. Voltar, eu acho que volta sim, mas vai depender de muita coisa pra voltar com qualidade.. Até a escolha do ator tá complicado demais pelos possíveis nomes que tem surgido… Uma pena.

      • Por mim nem voltava mais acho essa franquia já deu tudo que tinha que dar, nunca mais vamos ver James Bond como os mesmo olhos como vimos no passado já que mundo que nos vivemos esta se tornando ou se renovando como alguns pseudos analistas dizem,pois para mim os dois últimos filmes com Daniel Craig foram ruins, assim como “MISSÃO IMPOSSIVEL”que dizem que esse ultimo filme é o mais do mesmo,só John Wick se salva apesar que tambem eu acho essa franquia acabou duvido que Keanu Reeves faça outro filme interpretando ele.
        Pra mim e melhor continuar assistindo os filmes dele antigo tanto na TV quanto na minha videoteca que tenho dele.
        OO7 para mim sera sempre eterno,mas do jeito que era, Ian Fleming deve esta se revirando no tumulo,pois estão estragando ou polindo (como dizem hoje em dia) o seu personagem.
        Um Abraço de Anselmo Luiz.
        P.S- Adoro debater filmes como você ,meu amigo!

        • Também gosto, meu caro. Sempre um prazer.

          Apenas sobre Missão Impossível, ainda não vi o último, mas taí uma franquia que eu gosto toda.

  2. … Tristeza é que ela fora ,todos os filmes de “DRACULA” da Hammer foi lançado em Blu-ray ,enquanto aqui nosso amado país o mercado de home vídeo morreu.

  3. Bela postagem,sobre “DRACULA- O PRINCIPE DAS TREVAS” ,texto leve, explicativo sobre filme retrato , o que eu mais gosto desse blog são esses frames maravilhosos, o filme em si eu adoro esse filme Dracula esta bem sombrio e sem falas fica mais assustador ,isso mostra que Christopher Lee era bom ator ,sem falas no filme exigi muito jogo de expressão e interpretação do ator em si e isso ele tenha de sobra. Assisti bem tardio ,quando a Globo reexibiu em um Corujão na decada de 90 com uma nova dublagem ,eu nem sabia na época que existia uma dublagem antiga ate á Works DVD ,lança-lo com á dublagem antiga com uma pequena falha,essa falha foi ate arrumada ,quando esse filme foi exibido ha 2 anos na Rede Brasil de Televisão,foi tambem lançado em BOX-DVD ” DRACULA – ULTIMATE COLLECTION” pela Vinyx DVD,o meu DVD-BOX veio com defeito de fabricação ,nenhum filme girava ,pedi o dinheiro de volta ,eles me reembolsaram e nem quiseram o BOX-DVD de volta,eu tenho ate hoje aqui mas não funciona,nem quis comprar outro pois muito filmes dessa distribuidora vinham com defeito.
    Um Abraço de Anselmo Luiz.
    P.S – A “Saga James Bond” voltara ou ….?

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