007 – OS DIAMANTES SÃO ETERNOS (1971)

Já faz um tempinho que não posto algo sobre o agente secreto mais famoso do cinema, mas quem ainda não leu, ao longo dos anos venho escrevendo sobre cada filme em ordem cronológica. E agora chegou a vez do sétimo filme oficial da franquia, 007- OS DIAMANTES SÃO ETERNOS (Diamonds are Forever), de Guy Hamilton, que traz algumas peculiaridades interessantes.

A começar pelo momento borracharia do blog, já que este aqui é o primeiro e único, dentre todos os filmes do espião, em que aparecem certos atributos femininos na tela, mesmo que em um único frame, que eu fiz questão de capturar pra deixar aqui registrado:

Pronto. Feito o registro, vamos ao contexto. Até 1967, com o lançamento de COM 007 SÓ SE VIVE DUAS VEZES, Sean Connery estava desencantado com o papel de James Bond, que o tornou famoso, não queria ficar marcado pelo personagem, buscar novos desafios e blá, blá, blá… Sem Connery, os produtores consideraram vários substitutos até optarem pelo modelo australiano sem experiência em atuação, George Lazenby. O resultado foi o último filme do espião que comentei aqui no blog: 007 À SERVIÇO SECRETO DE SUA MAJESTADE, que é um caso controverso até hoje. Eu acho um dos melhores da série, uma autêntica obra de arte na franquia Bond.

Enfim, o problema é que Lazenby, devido aos mais diversos motivos, como descrevi no texto sobre o filme, acabou deixando a série. Com ele fora de cena, os produtores Harry Saltzman e Albert R. Broccoli voltaram à caça e cortejaram um americano, o ator John Gavin (o namorado de Marion Crane [Janet Leigh] no clássico de Alfred Hitchcock, PSICOSE), mas nunca desistiram de Connery, que aos 45 do segundo tempo acabou recebendo uma oferta boa demais para recusar. Tradução: muito dinheiro.

O retorno de Connery à série resulta, como disse, em um filme peculiar. Digamos que tá mais próximo do espírito das paródias futuras de Austin Powers do que qualquer outro filme de Bond realizado até aquele momento. É um filme meio bobo demais comparado às entradas britânicas… Não me refiro nem aos exageros acrobáticos que aos poucos foram sendo inseridos na série e já se apresentava em algum nível em SÓ SE VIVE DUAS VEZES. Falo da maneira sem vergonha de abraçar um tom mais avacalhado mesmo de tratar as coisas. E talvez por causa do desejo inicial de contratar Gavin, o filme também é mais “americanizado”, com locações nos EUA, em Las Vegas… E aí DIAMANTES SÃO ETERNOS acabou dividindo a base de fãs de 007. Há uns puristas que não gostam, há quem ame… E há público como eu, que acha divertido se abordado da maneira certa.

O filme começa com muita energia, com um 007 enfurecido espancando diversos contatos (incluindo a moça que ele puxa o biquini do registro lá de cima), enquanto ele tenta encontrar o esconderijo de Blofeld. Lembremos que o vilão consegue escapar de Bond nos dois filmes anteriores…

Na trama, Bond é chamado para investigar uma operação de contrabando de diamantes e descobre um enredo muito mais sinistro envolvendo o seu arqui-inimigo Blofeld. Mais uma vez determinado a conquistar o mundo, Blofeld desenvolveu um satélite a laser, com acessórios formados por centenas de diamantes, que aumentam o seu potencial devastador… E aí somos apresentados a um trabalho de espionagem, com Bond atuando sob disfarce e tudo mais. No entanto, como disse, a coisa é tão avacalhada que é provável que você nem se lembre disso depois que o filme termina.

Isso porque fizeram questão de enterrar todo esse trabalho cuidadoso mais sério do primeiro terço do filme sob uma montanha de fanfarronice a partir do momento em que a trama vai pra Las Vegas, com um humor cafona e lasers do espaço sideral. E tá tudo bem…

O roteiro desajeitado – uma mistura do romance original de Fleming (a parte séria do contrabando de diamantes), cultura pop e uma adição completamente desajeitada de Blofeld (ele não fez parte da história original) – são coisas muito menos importante para a experiência geral de DIAMANTES SÃO ETERNOS, do que a sensação de aventura sem vergonha que é o que realmente importa. E felizmente para os produtores (e o futuro da franquia James Bond), era esse tipo de material que salvaria a série do fracasso.

O tom caricato se estende ao próprio Blofeld em si, anteriormente interpretado por Donald Pleasence e Telly Savalas. Embora a interpretação de Pleasence seja mais lembrada por sua aparência distintiva de cabeça raspada e cicatriz no rosto, o sujeito não teve muito a fazer no papel e, na verdade, foi uma substituição de última hora para um ator alemão que ficou doente durante as filmagens. Savalas, em A SERVIÇO SECRETO DE SUA MAJESTADE, é formidável e talvez o melhor dos Blofelds adaptados pra tela grande. Aqui temos Charles Gray, efeminado e maravilhosamente maldoso, mas raramente representando uma ameaça real à James Bond.

O auge do caricato chega quando Blofeld se disfarça de mulher – é uma cena divertida que Gray claramente aprecia, mas que faz seu personagem se tornar tão cômico que é impossível levá-lo a sério como vilão… Vale lembrar que Gray já havia trabalhado em outro filme da série, numa rápida participação em SÓ SE VIVE DUAS VEZES.

Agora, quem rouba a cena e eleva consideravelmente a qualidade de DIAMANTES SÃO ETERNOS é a dupla Bruce Glover e Putter Smith, como os assassinos Mr. Wint e Mr. Kidd. Mais lembrados por interpretar um casal gay, que são apresentados se livrando de um contato no deserto apenas para sair de mãos dadas juntos no pôr do sol. Glover e Smith dominam cada momento que têm na tela, mesmo quando estão apenas em segundo plano. Eles transformam o que facilmente poderia ter sido um papel de dupla clichê em algo muito mais forte, dando aos personagens potencialmente bobos um ar real de ameaça maquiavélica, ao mesmo tempo em que estão em sintonia com o tom debochado e fanfarrão do próprio filme. Eles são um prazer de assistir do primeiro ao último momento, e suas atuações garantem que Wint e Kidd estejam ao lado de Oddjob e Jaws como os maiores capangas na franquia James Bond.

Nenhum filme de 007 está completo sem as belas bond girls, e DIAMANTES SÃO ETERNOS certamente tem sua parcela de beleza na forma, sobretudo, de Jill St. John no papel de Tiffany Case, que é uma das primeiras mulheres de Bond a realmente se qualificar como uma protagonista ativa – atrevida, durona e determinada – que ainda precisa ser resgatada de vez em quando, mas está longe de ser um mero enfeite. Lana Wood também se destaca em seu pequeno papel como a inesquecível Plenty O’Toole (“of course you are”). A cena que ela é jogada do quarto de hotel de Bond para uma piscina apenas de calcinha pelos capangas de Tiffany é engraçada. E vale destacar que um dos capangas é ninguém menos que Sid Haig.

Quanto ao espião, Connery interpreta o papel com sagacidade, causando uma impressão melhor do que a sua versão entediada de SÓ SE VIVE DUAS VEZES. E é realmente o grande elemento que o público precisava para fazer do filme um sucesso, o Bond original, raíz. Lembremos, por exemplo, da aura cool de Connery estático no meio da tela antes que percebamos que ele está em cima de um elevador, que começa a subir pegando o público de surpresa. Ainda é uma imagem forte do ator no papel que deu tanta vida até aquele momento.

Mas no fim das contas, é evidente que, apesar de uma boa atuação, no geral Connery já não tinha o mesmo vigor, simplesmente não é mais o mesmo 007. Ao mesmo tempo também deixa claro que é possível interpretar o personagem de maneiras diferentes. Assim como o próprio filme, temos um Bond menos cínico e mais fanfarrão, no qual o seu trabalho de espionagem importa cada vez menos (por mais que esteja presente) e importa mais os absurdos cartunescos e cômicos desse universo.

Connery voltaria ao papel apenas mais uma vez como 007, em NUNCA MAIS OUTRA VEZ, um filme não oficial da série que, devido a alguns processos judiciais, conseguiu ser realizado como uma refilmagem de CHANTAGEM ATÔMICA (o que expliquei também no texto deste filme).

Fico imaginando apenas como o filme teria sido se Lazenby tivesse continuado o papel… Suponho que teria lidado com a perda climática que 007 sofreu no final de A SERVIÇO SECRETO DE SUA MAJESTADE e, como tal, teria sido provavelmente uma história de vingança mais sombria e dura. No entanto, recebemos o caricato em vez disso – perde-se na densidade, ganha-se na diversão. E, repito, tá tudo bem.

O diretor Guy Hamilton (que já havia realizado o melhor filme da franquia até o momento, GOLDFINGER, e ainda dirigiria os próximos dois depois deste aqui) mantém o ritmo do filme bem rápido, sempre em movimento, não há grandes set pieces de ação, mas sempre colocando Bond em situações cômicas e divertidas de acompanhar. Ajuda muito toda a aparência do filme, sempre muito competente, graças ao trabalho habilidoso do diretor de fotografia Ted Moore e o designer de produção de Ken Adam (o esconderijo penthouse de Blofeld é uma maravilha). E é preciso destacar o trabalho de John Barry na trilha sonora, juntamente com a canção-título, interpretada por Shirley Bassey, que é uma das minhas favoritas da série.

Onde acho que o filme falha é justamente no departamento de ação. O que pra um filme de 007 é algo a se considerar. A luta de Bond num elevador e alguns stunts em alta velocidade em Las Vegas é o máximo que dá pra destacar por aqui. E são realmente boas. O restante não tem muita graça… A fuga pelo deserto no carro lunar tinha potencial, tá no clima brincalhão demais, em sintonia com o filme, mas a execução é medíocre. E, ok, a sequência que Bond apanha das duas garotas, Bambi e Thumper, é clássica. Dos poucos momentos que eu mantive vivo na memória mesmo depois de mais de vinte anos sem assistir a isso aqui. Mas provavelmente foi por outros motivos, além da luta em si, se é que me entendem…

Mas o pior de tudo é o clímax a bordo da plataforma de perfuração de petróleo de Blofeld, uma bagunça mal executada, uma miscelânea de cenas jogadas e montadas de qualquer jeito, longe dos grand finale que os filmes do espião tinham até então. Até que gosto de uns efeitos especiais mais toscos que temos lá pelas tantas, o trabalho óptico pobre que mostra os resultados do satélite a laser de Blofeld e que poderiam estar em uma das aventuras de Fu Manchu de Christopher Lee dirigido pelo Jess Franco.

De qualquer maneira, um filme que transcende a ação. É preciso ressaltar isso. Não importa se a trama seja boba e desleixada e a aventura sem vergonha… A real é que DIAMANTES SÃO ETERNOS não vai encabeçar a lista de “Os Melhores Filmes de Bond” de qualquer fã sério, nem é provável que chegue sequer à metade superior. Mas ele ainda é divertido por toda a sua fanfarronice, Pelo retorno de Sean Connery no papel pela última vez num filme oficial e obviamente pela de assassinos gays que são das melhores coisas disso aqui. Temos exemplares melhores, ok, mas ainda é bom demais para dar algumas risadas.

3 pensamentos sobre “007 – OS DIAMANTES SÃO ETERNOS (1971)

  1. Pingback: UM HOMEM A MAIS (1967) E A MATERIALIDADE DO CINEMA DE AÇÃO | vício frenético

  2. Sean Connery já estava cansado de repetir o mesmo papel e acho que ele mesmo decidiu fazer um 007 diferente do habitual .Esse filme foi exibido pela primeira vez na TV Aberta na Tela Quente em 19/12/1988 E depois passou várias vezes na sessões de filmes desta emissora depois passou no SBT e por último na rede Brasil de Televisão e na próxima semana ele vai passar nesse canal ,pois está passando “Festival James Bond” e nesse sábado vai passar o filme que você gosta tanto amigo Perrone ,”007-A Serviço Secreto de sua Majestade”a partir da 16 horas,eu gosto do filme ,pena que mas versões ao qual ele foi lançado tanto em DVD e Blu-ray ele foi lançado refugiado,por que disso eu não sei,talvez a própria Globo perdeu a dublagem antiga,ótima postagem ,texto impecável e excelentes frames ,um abraço de Anselmo Luiz.

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