Já era um “veterano” em McTiernan quando vi NOMADS pela primeira vez há pouco mais de dois anos. Revi incontáveis vezes PREDADOR (87), O ÚLTIMO GRANDE HERÓI (93), DURO DE MATAR III (95), além do primeiro DURO DE MATAR (88) que é um dos meus filmes de ação de cabeceira. Tinha assistido também a outros trabalhos do homem, como CAÇADA AO OUTUBRO VERMELHO (90), THOMAS CROWN (99), BASIC (03) e vos garanto que toda essa experiência com os seus filmes posteriores não me preparou em nada para conferir este estranhíssimo horror movie que marcaria a estreia de McTiernan na direção.
O autor de John McTiernan: LeMaître du Cinéma d’action, Claude Monnier, lembra de uma história interessante com Howard Hawks, na época do lançamento de seu primeiro filme, de 1926, THE ROAD TO GLORY. Tendo acabado de conferir aquele dramalhão pesado e trágico, o produtor Sol Wurtzel chegou para o Hawks e disse “Pronto, você demonstrou que é capaz de realizar um filme. Mas, pelo amor de Deus, faça agora algo mais divertido!”. E, realmente, há uma diferença absurda entre NOMADS e o restante da carreira do McTiernan. Dá a impressão de que o sujeito queria exorcizar alguns demônios antes de se firmar em Hollywood.
NOMADS é aquele caso no qual falar pouco já é falar demais. O certo seria apenas recomendá-lo, “assistam a essa bagaça sem ler nada a respeito“. No entanto, já falando demais, a trama de gira em torno de um antropólogo francês, interpretado pelo Pierce Brosnan, famoso por estudos de tribos nômades ao redor do mundo. Quando chega a Los Angeles, junto com a esposa, para dar aulas numa universidade, acaba tendo problemas com uma gangue de punks barra pesada. Ao invés de chamar a polícia, ou algo assim, o sujeito decide reviver suas experiências antropológicas em pleno submundo urbano. Passa, então, a seguir, tirar fotos e observar os hábitos da gangue pelos cantos da cidade. A coisa toma contornos cada vez mais bizarros quando Brosnan descobre que, na verdade, aquele grupo é formado por espíritos, ou demônios, que vagueiam como nômades pela Terra em forma humana para espalhar o mal.
E se tudo isso já não bastasse, a maneira como McTiernan estrutura a trama contribui para manter as coisas de forma ainda mais enigmática e com certa originalidade. O próprio plot que eu descrevi aí em cima acaba acontecendo de uma maneria bem diferente do que se espera. E o filme não faz a mínima questão de entregar tudo explicado de bandeja para o espectador, o que pra mim é essencial, uma pena que isso seja cada vez mais raro no cinema atual. O roteiro é do próprio McTiernan e foi o único que escreveu em toda a carreira.
Já na direção, o sujeito demonstra uma talento raro na condução de um debut. Faz algumas experimentações estéticas, mas a maior parte do tempo mantém um estilo clássico de um mestre, com pequenos movimentos de câmera conscientes, enquadramentos bem compostos e muita noção de ritmo. As sequências noturnas, em especial, são bem bonitas visualmente, com bastante atmosfera e tensão, como nos momentos em que Brosnan espreita a corja pelas ruas escuras.
Há uma cena incrível que o protagonista se esconde das figuras que o perseguem debaixo de um carro. A câmera fica lá estática mostrando o ator deitado enquanto os pés dos seus algozes aparecem o rondando, mas não dá pra saber se eles o perderam de vista, ou se estão brincando com o sujeito. Só sei que a cena é tensa pra cacete! Outro momento que me marcou foi quando Brosnan joga um desses seres do alto de um prédio e o indivíduo cai sob o mesmo enquadramento do Hans Gruber (Alan Rickman) em DURO DE MATAR… Esse enquadramento em especial parece ser uma obsessão na carreira do McTiernan. Há também em O ÚLTIMO GRANDE HERÓI e DURO DE MATAR III.
Mesmo com a qualidade visual, NOMADS foi massacrado pela crítica na época. Mas há mesmo algumas questões que realmente podem espantar a clientela: a narrativa se torna confusa em determinada altura, o experimentalismo da gramática do horror, a falta de explicação, até o sotaque do Brosnan, que é irlandês, mas interpreta um francês, que se muda para L.A. Depende do nível de tolerância de cada um. Essas questões, para mim, não são nada e simplesmente embarquei na trama, no visual onírico, na atmosfera inquietante de sonho, na trilha sonora oitentista, ignorei os pontos discutíveis e, longe de ser uma obra-prima, NOMADS resultou num mix de estranheza e encantamento.
Não é um PREDADOR ou DURO DE MATAR, mas é surpreendentemente sólido como filme de horror, especialmente vindo de um estreante. Aliás, há um ator que disse em sua biografia que ficou tão hipnotizando com o clima do filme que convenceu os produtores a contratarem o diretor para sua próxima empreitada. O ator é o Arnold Schwarzenegger e o filme acabou se tornando o segundo trabalho de McTiernan, que nem preciso dizer qual é…
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Um dos longas mais herméticos que eu já assisti…
sou nada? é sim o melhor,reflita. hehehhe
Ronald Perrone e Felipe M. Guerra,os melhores opinadores sobre cinema
O Felipe é mesmo, agora eu, sou nada… hehe
Tem o Osvaldo Neto, do blog Vá e Veja, que é um dos melhores também.
ronald perrone,cite 5 filmes subestimados dos anos 90
O ÚLTIMO PORTAL, do Polanski
OLHOS DE SERPENTE, do De Palma
SHOWGIRLS, do Verhoeven
VILLAGE OF THE DAMNED, do Carpenter
THE SUNCHASER, do Cimino
Caro amigo, este foi o último filme que assisti da impecável filmografia do Mr. McTiernan. E confesso, que após assistí-lo duas vezes seguidas, não consegui formar uma opinião sobre o mesmo. Talvez por estar acostumado ao estilo movimentado. E se eu estiver equivocado, me corrija, por favor. Mas achei um filme com um certo estilo Lynchiano. Será que estou viajando? rsrs
De maneira alguma, em determinados momentos lembra mesmo um pouco o Lynch de VELUDO AZUL… Na primeira vez que vi, achei mais difícil definir o que o filme era mais: estranho ou bom? Da segunda vez, o “bom” prevaleceu, acho um filmaço, mas ainda assim é bem estranho.
gostaria muito que você abordasse e fizesse uma postagem sobre cool world (ralph bakshi),filme este que exibiasse no cinema em casa do sbt.Sei que destoa do especial McTiernan,mas faz uma exceçãozinha,please
Tranquilo, faço sim… Assisti a esse filme na época que passava no SBT. Preciso rever, só não sei se vai dar pra fazer pra logo. Mas em breve. E nem é por causa do especial McTiernan, já que outros filmes serão postados por aqui durante o especial.
Ronald sempre entro no seu blog, apesar de não estar sempre comentando.Sucesso na nova casa.
Valeu! 🙂
li seu texto de China Girl e fiquei curioso,esse filme e o cinema do Abel Ferrara é tão pouco comentado.A rapaziada cinéfila atual subestima?
Subestima. São poucos os que eu vejo dando valor. E trata-se de um dos principais diretores americanos dos últimos trinta anos.
Abel Ferrara está entre os meus 10 diretores preferidos já há uns 3 anos. Já assisti quase todos os seus filmes e nas revisões, obras como Rei de Nova York, Os Chefões e New Rose Hotel CRESCEM MUITO.
Aliás se eu tivesse votado para o especial, Ferrara seria o escolhido.
Então já considere o Ferrara como uma opção garantida para a próxima votação. Aliás, O REI DE NY em uma revisão se tornou um dos meus filmes favoritos da vida! Num top 20 com certeza ele entra. Já o NEW ROSE preciso rever mesmo, pois foi o único dele que não fui muito com a cara…
Estranheza é a melhor palavra para definir esse filme: vi nas Americanas, comprei, assisti e ainda não sei se gostei ou não. Mas gosto da presença do Pierce Brosnan.
Também comprei esse DVD das Americanas… Quando vi da primeira vez senti mais a estranheza, mas rever esses dias me permitiu aproveitar melhor. O McTiernan tem o dom de fazer filmes para serem revistos e revistos e revistos…
ronald perrone,qual sua opinião embasada sobre críticos de cinema? são guia de consumo? impõem o que é bom para eles à goela abaixo?
Há três tipos de críticos de cinema. Uma boa parte que não deixa de ser mesmo “guia de consumo”. Há uma parcela, menor, que mantém viva a ideia de estudar o cinema como arte, como uma linguagem. E há o Pablo Villaça, que não serve pra nada. Agora, opinião “embasada” eu não tenho nem na hora de comer o café da manhã… é apenas uma opinião pessoal.
sugestão: faça um especial John Waters
Seria bacana da sua parte.
Anotada a sugestão. Vai entrar na próxima vez que fizer a votação do próximo diretor.
agora sim dá pra comentar! Yay!
Arnoldão visionário.
Bota visionário nisso… hehe!
legal demais. Lá ou cá, seus textos sao otimos. Aguardando ansiosamente o texto do Predador, um dos meus filmes preferidos de todos os tempos.
Valeu! 🙂
Apenas uma sugestão…daria pra fazer os textos um pouco mais longos? Sempre fica aquela sensação de quero mais…ou será que a ideia é essa?
Na verdade, vai mais da minha disposição, tempo e habilidade mesmo pra escrever… Não escrevo bem como o Felipe M. Guerra (Filmes para Doidos) e outros que conseguem escrever textos enormes e interessantes… Não é intenção de ficar a sensação de “quero mais”, as vezes o texto fica pequeno porque foi tudo que eu consegui mesmo.
Como sempre deixei claro, não sou crítico de cinema, e minha ideia sempre foi de relatar experiências com os filmes, de maneira informal, como se estivéssemos num bar e batendo papo.