SANDOKAN, O GRANDE (1963)

Coprodução italiana/francesa/espanhola, dirigida por Umberto Lenzi, SANDOKAN, O GRANDE (Sandokan, la tigre di Mompracem) foi baseada no primeiro dos romances do famoso personagem da literatura italiana, Sandokan, Os Tigres de Mompracem, do escritor italiano do século XIX Emilio Salgari. Na literatura, Sandokan é um pirata heróico que combate o tirânico Império Britânico e a Companhia das Índias nos mares do Sul asiático. Suas aventuras são contadas numa série de onze histórias, tendo aparecido pela primeira vez em 1883.

Nesta versão cinematográfica, Steve Reeves é quem dá vida ao corajoso e ousado pirata malaio Sandokan. E para quem conhece o sujeito, famoso por interpretar os fortões heróis do cinema de “sandália e espada” italiano, gênero conhecido por lá como PEPLUM, pode até estranhar vê-lo como como um pirata do século XIX em SANDOKAN, O GRANDE… Mas até que a coisa não muda tanto de figura não. Muda-se cenários e vestimentas, mas o senso de aventura dessas produções italianas permanecem.

Aparentemente o enredo do filme é apenas vagamente baseado no romance, mas captura o espírito de maneira bastante eficaz. Na trama, o pai de Sandokan é o rajá de um pequeno principado em Bornéu, que acabou deposto pelos britânicos e capturado. Agora pretendem executá-lo. Sandokan, que começa o filme já com certa notoriedade pelos seus feitos como líder de um grupo pirata, não tem intenção de permitir que isso aconteça, e resolve intervir tocando o terror pra cima do poderoso Império Britânico.

O primeiro passo de Sandokan e sua turma é um ataque à casa fortificada do comandante britânico Lord Guillonk (Leo Anchóriz), e no meio da confusão acaba sequestrando Mary Ann (Geneviève Grad), sobrinha de Guillonk. Ela obviamente fica indignada com a ideia de ser sequestrada por piratas, mas por outro lado aprendemos em SANDOKAN, O GRANDE que se você é uma jovem moça e acaba sequestrada pelo Steve Reeves fantasiado de pirata, arrojado, bonitão e másculo, talvez não seja tão ruim quanto parece…

Especialmente quando o sujeito salva-lhe a vida encarando um tigre no meio do mato…

Em determinado momento, o braço direito de Sandokan, o aventureiro português Yanez (Andrea Bosic), também ajuda a colocar na cabeça da moça algum esclarecimento sobre a autoritária política colonial britânica, e como os seus compatriotas – homens do seu tio inclusive – mataram membros da família de Sandokan. Ela começa a entender porque Sandokan não é lá grande fã dos britânicos. Yanez também aponta que os seguidores de Sandokan foram forçados a se tornarem piratas por conta das potências coloniais européias e o seu modo de agir na região.

A aventura progride, agora com Sandokan sendo caçado pelos homens de Lord Guillonk e se vê tendo que atravessar a ilha onde a trama transcorre, enfrentando os mais diversos e perigosos cenários para não ser pego. Isso significa enfrentar pântanos e selvas inexploradas, um feito bastante desafiador, mas ainda mais difícil com Mary Ann de reboque e com alguns companheiros feridos e, pior, tendo um traidor no grupo que ninguém sabe ainda quem é…

Aparentemente, o Sandokan da literatura é um líder inspirador e carismático, mas também impulsivo e inclinado a erros de julgamento. Um pouco diferente da sua versão para cinema. Steve Reeves decidiu, em vez disso, buscar dignidade e autoridade silenciosa. O que acaba sendo uma abordagem válida, tendo em vista que o ator não tinha lá muita desenvoltura para se expressar verbalmente diante das câmeras. O desempenho físico do sujeito foi mais que adequado.

Claro, há algum excesso de confiança de Sandokan que soa exagerado – seu plano de atravessar a ilha sobre pântanos intransitáveis ​​e entrando em terrítórios de tribos caçadores de cabeças não era lá uma ótima idéia, por exemplo. Mas os homens de Sandokan têm absoluta confiança nele, apesar disso não significar necessariamente que o sujeito saiba o que está fazendo. Mas aí é que entra umas das coisas mais legais em SANDOKAN, O GRANDE, que é como o protagonista é sortudo pra cacete. Não há nada racional ou calculista nele, é um homem que está sempre preparado para colocar sua fé no destino (ser salvo por um chimpanzé, por exemplo). Se Deus quiser, ele sobreviverá e continuará lutando. Seu fatalismo faz dele um herói fascinante.

Embora seja um filme de piratas, não há cenas de batalhas no mar. Provável que o orçamento não tenha sido suficiente para contemplar algo tão ambicioso. Mas quando se tem um diretor como Umberto Lenzi sabemos que estamos em boas mãos. Claro, é evidente que Lenzi ainda estava em início de carreira aqui, mas já tinha no currículo sete filmes, todos aventuras do gênero Peplum, então já tinha experiência de sobra pra comandar uma produção como esta.

Mesmo que o ritmo de SANDOKAN, O GRANDE tenha uma caída no meio, e comece a se arrastar um pouco, não demora muito pras coisas esquentarem. E quando a ação começa a aumentar no final, vale a pena a espera. A batalha final, por exemplo, é um bom espetáculo de ação. E Lenzi faz um trabalho sólido, nada muito inspirado, mas bem seguro na maior parte do tempo. A localização das filmagens no Sri Lanka também ajuda. São visualmente impressionantes e Lenzi sabe como aproveitar e dar uma sensação de autenticidade exótica.

Há sempre o perigo desse tipo de filme abusar da mensagem anticolonialista (que existe no romance de Salgari) e sucumbir à pregação excessiva. É algo que pode estragar um pouco a diversão, concordando ou não com a mensagem. Mas não acho que seja um problema em SANDOKAN, O GRANDE, até porque os britânicos são retratados como vilões quase cartunescos e maniqueístas.

No geral, SANDOKAN, O GRANDE é um filme de aventura agradável, sem grandes pretensões, e que tem algumas coisas divertidas a seu favor, como o cenário incomum e o seu herói exótico, Sandokan. São exemplos que, juntamente com a sequência final de batalha e outros momentos de ação, são suficientes para compensar alguns pequenos problemas de ritmo e coerência.

Steve Reeves retornaria ao papel de Sandokan no ano seguinte, em I PIRATI DELLA MALESIA, novamente dirido por Umberto Lenzi. Mas ao longo do tempo, o personagem ganhou novos filmes e novos intérpretes. É um universo vasto o de Sandokan, que eu ainda preciso explorar…

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BLACK DEMONS (1991)

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Há alguns anos eu comentei por aqui os dois filmes da série DEMONS, dirigidos pelo Lamberto Bava e produzidos pelo Dario Argento. Quem nunca leu, pode conferir clicando aqui e aqui. Mas o que isso tem a ver com BLACK DEMONS, de Umberto Lenzi? A princípio, nada. No entanto, como a picaretagem italiana não tem fim, resolveram lançar o filme na Itália com o título DEMONI 3, mesmo não tendo absolutamente nenhuma relação com os filmes anteriores… Só que os caras foram ainda mais longe e a série DEMONS acabou ganhando outras “continuações” sem qualquer sentido… Mas isso é assunto pra outros posts.

Hoje vamos de DEMONI 3, ou melhor, BLACK DEMONS, que é como prefiro chamar… Não é dos filmes mais lembrados do Umberto Lenzi, talvez porque não seja mesmo lá grandes coisas em comparação com a fase de ouro do horror italiano e com a própria obra do diretor, mas não deixa de ser uma dessas tralhas divertidas do gênero que foram esquecidas ao longo dos anos. A história é simples, mas eficaz: três estudantes estrangeiros vem parar aqui no Brasil, no Rio de Janeiro, para pesquisar sobre religiões africanas, vodu e coisas do tipo. Dick (Joe Balogh), ao se afastar dos outros, acaba se envolvendo em um ritual de macumba e, de alguma forma, é possuído pelo misterioso poder da magia negra.

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Do Rio, o trio parte para Belo Horizonte… Só que numa estradinha de chão rodeado de matagal, porque é exatamente assim as rodovias que vão do Rio à BH, né? Mas tudo bem, a gente entende que Lenzi quer fazer o público de fora pensar que o Brasil é só mato, animais selvagens e voodoo, ao mesmo tempo em que todos os brasileiros falam inglês. Durante a viagem, o veículo do trio quebra e acabam sendo ajudados por um casal que mora nas proximidades e que lhes oferece repouso enquanto resolvem o problema do carro.

A casa é uma dessas antigas mansões de algum barão do café do século IXX que usava escravos como mão de obra. Não muito longe dalí, há justamente um cemitério com os túmulos de seis escravos que, segundo uma lenda, foram mortos por seus senhores um século antes e que em algum momento retornariam em busca de vingança. Quando Dick, possuído por seja lá o que for, é levado quase em transe a este cemitério e começa a tocar a música que gravou durante o ritual de magia negra, ele acaba tornando a lenda em realidade. Os escravos saem das tumbas e começam a realizar sua sangrenta vingança…

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Mas para chegar a até aqui não é das tarefas das mais fáceis… BLACK DEMONS tem um ritmo lento, a produção é barata e acaba não tendo tantos atrativos como outros exemplares do horror italiano. No entanto, consegui entrar na onda do filme, até porque Lenzi tem bom domínio narrativo, mesmo trabalhando com tão pouco e com roteiro e atores tão ruins. O uso que o sujeito faz das locações, das paisagens do Rio de Janeiro, das favelas e do interior são muito bons. Sem contar que a iconografia dos rituais e do universo de magia negra tornam a história genérica um pouco mais interessante.

E quando a violência finalmente acontece, Lenzi não hesita em mostrar tudo graficamente nos mínimos detalhes. Há pelo menos três mortes mais explícitas, com direito a olhos arrancados e gargantas cortadas com muito sangue. Os próprios zumbis são muito bem feitos, com feridas nojentas e a deterioração mostrada em detalhes.

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Um dos maiores problemas de BLACK DEMONS acaba sendo os atores. Joe Balogh é quem se destaca, mas o restante do elenco, principalmente os “talentos” brasileiros locais, são terríveis. A exceção é a mulher que interpreta a criada da casa, tem carisma, mesmo falando um inglês péssimo. O próprio Lenzi afirma em entrevista que os problemas de atuação foram um dos motivos de tornar o filme mais fraco do que previa que fosse. Também é divertido que o filme tenha um toque levemente político, a ideia de escravos negros, agora zumbis de pele escura, atacando pessoas brancas, é uma peculiaridade curiosa. Lenzi fala um pouco sobre isso no extras do DVD, mas ainda sente que é apenas um filme de terror sem significados mais profundos.

Mesmo com seus problemas, não achei tão ruim BLACK DEMONS. A violência é das boas, os zumbis são brutais e matam sem piedade e a direção de Lenzi é inspirada, apesar da precariedade da produção. E é só isso o que eu poderia querer de um filme como esse…

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