DOLLMAN (1991)

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Embora seja mais uma dentre tantas produções dirigidas pelo Albert Pyun que sofre às duras penas por conta do baixíssimo orçamento, DOLLMAN teve a incrível façanha de ser um de seus trabalhos que conseguiu reunir perfeitamente as ideias mirabolantes da cabeça do diretor com um bom resultado visual na tela. Ainda bem, porque isso é crucial em DOLLMAN. Se essas ideias não funcionassem, seria quase impossível engolir a história do policial alienígena que possui o tamanho de um boneco de “Comandos em Ação” no nosso planeta.

Tim Thomerson, trabalhando pela primeira vez com Pyun, encarna Brick Bardo, o tal personagem minúsculo. O sujeito é o típico policial casca-grossa que estamos acostumados a ver em filmes dos anos 80 e 90, que age por conta de suas próprias regras e que pode usar óculos escuros à noite sem parecer um hipster ridículo. Com a pequena diferença de que é um extraterrestre de trinta centímetros de altura. Ao perseguir um meliante de seu planeta, Bardo acaba parando na Terra, onde ele não passa de um tiquinho de gente. Mas isso não impede que seu lado durão se abale, até porque o sujeito tem sempre em mãos “a arma de mão mais poderosa do universo“, como diz um moleque gordinho logo no início do filme, um revolver que explode corpos inteiros no seu planeta. O que já faz também um belo estrago na bandidagem da Terra.

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Um desses bandidos por aqui é vivido por ninguém menos que Jackie Earle Haley em início de carreira, antes de viver Rorschach em WATCHMEN, já demonstrando certo talento dramático, por incrível que pareça. Seu personagem passa grande parte do filme com uma bala no bucho, o que exige uma certa expressividade do ator. Sim, amiguinhos, estamos analisando dramaturgia num filme do Pyun em que o personagem principal é um policial de trinta centímetros… Vincent Klyn, o eterno Fender de CYBORG, também dirigido pelo Pyun, marca presença como um dos vilões, como não poderia ser diferente. Ainda no elenco, alguns habituais do diretor também dão as caras por aqui, como Nicholas Guest e Michael Halsey, todos bem competentes. Mas é impossível tirar os olhos do protagonista. Tim Thomerson carrega o filme nas costas, apesar do tamanho, com uma atuação excepcional!

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DOLLMAN foi a primeira parceria de Pyun com a Full Moon, de Charles Band, produtora que sempre trabalhou com pouco recurso, mas com muita criatividade e excelentes resultados nos anos 80 e 90. Embora Pyun reclame que Band seja um produtor muito controlador, o diretor consegue fazer o que queria em termos visuais com bastante eficiência, tornando crível a situação de escala do protagonista em relação aos espaços, ao mundo gigante que o rodeia. Os enquadramentos, o que Pyun mostra ou deixa de mostrar, os ângulos criativos da câmera, tudo faz acreditar que Thomerson é realmente um autêntico bonequinho. Até mesmo no uso de efeitos especiais e trucagens, que o orçamento não permite ser dos melhores, dão um charme à mais na obra.

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Além disso, Pyun tem sempre grandes sacadas para manter o ritmo frenético em DOLLMAN, com bons momentos de ação e um humor sarcástico característico do diretor. Várias cenas são impagáveis, sequências realmente difíceis de acreditar que conseguiram fazer com tão pouco recurso e que só poderiam ter saído da cachola do diretor e do produtor Charles Band. Toda a sequência inicial que se passa no planeta de Bardo é excepcional, filmada com um filtro avermelhado, faz uma apresentação perfeita do tipo de policial que Bardo é, agindo numa situação com reféns, de deixar o chefe de polícia arrancando os cabelos. E mostra, também, o estrago que sua arma é capaz fazer num corpo.

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Já no nosso precioso planeta Terra, sequências como o pequenino herói pendurado num carro cheio de bandidos, ou as trocações de tiros com os meliantes com suas diferenças de escalas, e até o confronto do herói com um rato, quando o personagem literalmente entra pelo cano, são bons exemplos que garantem a diversão…

DOLLMAN é daquelas obras feitas sob medida para os fãs assíduos de uma boa tralha de baixo orçamento, que obviamente o espectador normal deverá achar uma perda de tempo. Azar o deles. Trata-se de um dos melhores e mais divertidos filmes de Albert Pyun.

Texto originalmente escrito para o blog Radioactive Dreams, em agosto de 2010, e atualizado para o Dementia¹³ em janeiro de 2019.

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DE VOLTA PARA O INFERNO (Uncommon Valor, 1983)

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Daqueles filmes que você para e dá aquela refletida… “Por que raios eu não assisti essa merda antes?”  DE VOLTA PARA O INFERNO é o típico de filme de ação/guerra dos anos 8o que eu já deveria ter visto e não sei porque ainda não o tinha feito. Possui uma história sólida, relevante, pessimista de um certo ponto de vista, ao mesmo tempo em que todos os elementos divertidos e exagerados que me fazem sorrir em filmes do tipo se materializam por aqui. É dirigido pelo Ted Kotcheff, um casca-grossa com muito talento e sensibilidade, e reúne alguns dos atores mais badasses do cinema testosterona oitentista! Entre eles o grande Gene Hackman encabeçando o elenco.

Em uma narrativa ao estilo “men in a mission“, DE VOLTA PARA O INFERNO centra-se em um coronel dos Estados Unidos aposentado, Jason Rhodes (Hackman), que acredita que seu filho, Frank, um soldado que esteve em ação no Vietnã, ainda está vivo e mantido prisioneiro no Laos, mesmo passados dez anos do fim da guerra. Depois de conseguir financiamento de um magnata do petróleo (Robert Stack), cujo filho também desapareceu na mesma guerra, Rhodes recruta um grupo de ex-militares e velhos companheiros de guerra de seu filho para retornar à região em busca do pobre rapaz, além de outros americanos vivendo em cativeiro. A equipe inclui Fred Ward, Randall “Tex” Cobb, Reb Brown (o Capitão América dos anos 70), o grande Tim Thomerson e Patrick Swayze, num de seus primeiros papeis para cinema. Se esse não é um dos elencos com um dos mais altos níveis de truculência desse período, então eu já não sei mais nada da vida.

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A primeira metade do filme é a reunião do grupo e o treinamento para colocar esses veteranos em forma antes de partir para a ação. Serve também para que o público se identifique com os personagens, com suas habilidades e trabalhe a química entre eles. Mas também pra mostrar o quão fodido é a vida de alguns indivíduos no pós-guerra, um bando de outsiders atormentados sem a mínima capacidade de se encaixar num convívio social decente. E vêem nessa oportunidade de retornar ao campo de batalha uma maneira de tentarem se reencontrar e dar sentido às suas vidas.

Dessa forma, DE VOLTA PARA O INFERNO serve de expansão ao universo do trabalho anterior de Kotcheff, um dos melhores filmes que existe na vida, que também trata de traumas do Vietnã, FIRST BLOOD, mais conhecido no Brasil como RAMBO – PROGRAMADO PARA MATAR, também conhecido como a obra-prima de Sylvester Stallone. Aliás, recomendo muito este texto sobre RAMBO, do amigo Lázaro Cassar, para o Action News. 

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A segunda metade do filme é tiro, porrada e bomba, como diz minha mulher… Mas sem a previsibilidade habitual. Por exemplo, todo o planejamento para a ação de resgate termina numa furada e grande parte da missão acaba acontecendo na base do improviso – o armamento de Rhodes é confiscado pela polícia local e precisa arranjar armas velhas no mercado negro; os helicópteros de resgate não estão onde deveriam e acabam roubando de uma base militar Vietcong; um dos personagens é mordido por uma cobra ao adentrar um túnel que dá no campo de concentração… E por aí vai. Quando a ação começa pra valer é de arregaçar! Kotcheff manda muito bem  em criar um espetáculo de balas e explosões, com domínio de ritmo, de coreografia e de exageros típicos do cinema de ação/guerra oitentista. A ação final é ao mesmo tempo frenética, divertida, classuda e sem frescuras, mas também melancólica… Como em OS STE SAMURAIS, de Kurosawa, ou SETE HOMENS E UM DESTINO, de john Sturges, o filme não tem muito receio em terminar com algumas baixas de personagens importantes. Personagens que passamos metade do filme criando uma relação… Continuar lendo

TRANCERS (1985)

Fazia tempo que eu estava querendo postar alguma coisa sobre este pequeno, mas fantástico, sci-fi movie oitentista que marcou de maneira profunda a minha formação cinéfila, deixando sequelas irreparáveis no meu mau gosto pra filmes quando eu ainda era moleque no fim dos anos oitenta. TRANCERS, que gerou mais cinco filmes depois deste aqui, combina duas das melhores coisas do universo dos filmes B daquele período: o ator Tim Thomerson e o diretor Charles Band com sua produtora Full Moon. Quando esse dois mundos colidem, as possibilidades são infinitas. E nesse caso, o resultado é um pequeno clássico do cinema fantástico independente.

TRANCERS começa em algum lugar no futuro. O herói Jack Deth (Thomerson) adentra uma cafeteria à procura de café e de alguns… Trancers. A cafeteria possui tanto neón que parece tirada de um cenário de BLADE RUNNER. Trancers são pessoas, digamos, possuídas, sob controle mental de um sujeito chamado Martin Whistler (Michael Stefani). Eles agem normalmente até que são descobertos e se revelam como zumbis loucos psicopatas querendo destruir tudo e a todos a sua volta. Bem, é exatamente isso que acontece na cafeteria e Jack precisa agir com seu revólver em punho, pois o sujeito é um policial e seu trabalho é justamente exterminar essas criaturas.

Após uma investigação aprofundada, Jack descobre que o bandido está foragido e o que o separa do herói não é apenas a distância, mas também o tempo. Em outras palavras, o sujeito foi parar em 1985, no passado. O incansável Jack não vê problemas nisso e resolve ir atrás de Whistler antes que os habitantes daquela época sejam transformados em Trancers. Chegando lá, encontra uma Helen Hunt em início de carreira pagando mico nesta produção classe B, que ajuda o pobre Jack em sua busca (aliás, a ganhadora do Óscar de melhor atriz também participou das duas próximas continuação de TRANCERS, já nos anos 90). Isso tudo acontece nos primeiros vinte minutos de duração. O resto é gasto com Jack e sua “parceira” caçando Trancers e Whistler de várias maneiras possíveis…

Uma das grandes provilégios de assistir a TRANCERS é poder acompanhar o ator Tim Thomerson como  protagonista de um filme só seu – algo relativamente raro – agindo, atirando, fazendo caras de poucos amigos, soltando frases de efeito a cada cinco minutos, numa espécie de “Dirty” Harry do futuro… É o melhor trabalho da carreira de Thomerson, junto, claro, com DOLLMAN, geralmente marcada por papéis menores. Uma pena que seja tão subestimado, nunca teve muita oportunidade de demonstrar seu talento em filmes maiores. Acabou se dedicando – com extrema competência, diga-se de passagem – a fazer filmes dirigidos pelo Albert Pyun e produzidos pela Full Moon… Sorte nossa e azar do público “normal”, que não preza pelas verdadeiras obras de arte do cinema. Como TRANCERS, por exemplo… hehehe!

Mas, atenção! O filme é todo perdido na sua lógica de viagem do tempo, o roteiro é tão imprudente com isso que Jack Deth teria feito o Doc Brown de DE VOLTA PARA O FUTURO ter um ataque cardíaco em menos de dez minutos. E quem ficar se preocupando com esse tipo de detalhe corre sérios riscos de ganhar uma úlcera no estômago. O negócio é relaxar e aproveitar os vários outros atrativos que o decorrer da aventura nos apresenta. Os efeitos especiais, por exemplo, totalmente retrôs, com raios lases e luzes brilhantes, um espetáculo de efeitos old school e muito brega. O que nos faz amar ainda mais essa belezinha!

TRANCERS é altamente recomendado. O ritmo de aventura não pára nem um minuto, a ação é exagerada e engraçada, a trilha sonora oitentista é incrível e a atitude bad ass de Thomerson nunca cessa… e há ainda viagens no tempo! Quer mais diversão que isso?

NEMESIS (1993), de Albert Pyun

As perguntas da entrevista com o diretor Albert Pyun já foram enviadas para ele e estamos agora aguardando as respostas. Não esperem um Truffaut/Hitchcock dos filmes B, mas acho que se tudo correr bem, vamos ter algo bem legal. Enquanto isso, eu vou assistindo a alguns filmes do homem que eu ainda não havia visto, como por exemplo TICKER, de 2001, que nem vale a pena comentar de tão ruim, mas tem o Tom Sizemore como um dos protagonistas, o único que tenta salvar esta barca furada, e nem com Dennis Hopper, Steven Seagal e Peter Greene à bordo, deixou de afundar.

NEMESIS é um dos filmes mais divertidos do Pyun e me chamou muito a atenção pelo tratamento visual de algumas cenas e pelas várias sequências de ação de tirar o fôlego, muito bem dirigidas e coreografadas. O diretor retorna aos temas futuristas, cenários pós apocalípticos com estética cyberpunk e a presença de cyborgs ocupando seus espaços. São elementos que obtiveram bons resultados em outros filmes do Pyun como em CYBORG – O DRAGÃO DO FUTURO e RADIOACTIVE DREAMS (que só não me lembro de haver cyborgs, mas o resto…).

A trama já possui certo grau de complexidade que por si só deixa o espectador interessado, ou confuso. Olivier Gruner – que é um robô na vida real – vive Alex Rain, um policial que peleja, no ano de 2027, contra uma organização terrorista que perturba a sociedade, que já não é lá muito tranquila neste período. Ferido diversas vezes, Alex é metade humano e metade máquina, mas ainda é capaz de salvar um cãozinho indefeso quando é preciso. Mas decide se aposentar e conviver com suas dualidades sossegado num canto qualquer. Mas se isso realmente acontecesse, não teríamos o filme, então o chefe de policia determina uma última missão a Alex e para obrigá-lo a realizar tal tarefa, eles implantam uma bomba perto de seu coração. Aí não tem escapatória. Mas à medida que realiza a missão, o nosso herói descobre que está envolvido em uma conspiração cujo objetivo é a conquista do mundo pelas máquinas, e que os terroristas que ele passou a vida exterminando estão, na verdade, lutando pela raça humana!!!

E as referências são bem diversificadas, vai de BLADE RUNNER e FUGA DE NOVA YORK à EXTERMINADOR DO FUTURO, com direito a esqueleto metálico em stop motion azucrinando a vida do protagonista. Mas NEMESIS também pode se orgulhar por ter influenciado a estética de alguns filmes futuristas, principalmente o figurino bem ao estilo MATRIX, com os sobretudos, óculos escuros, ternos pretos, roupas de couro…

O elenco é ótimo. Além do Gruner, temos Tim Thomerson, Cary-Hiroyuki Tagawa, Vincent Klyn, Brion James, e até mesmo uma pequena participação de um jovem Thomas Jane, apanhando de mulher nua, a gata Deborah Shelton.

Sobre as sequências de ação, temos o inicio do filme, os primeiros 15 minutos, que é um dos melhores momentos da carreira do Pyun, um tiroteio frenético muito bem filmado e editado num cenário magnífico. É um trabalho muito interessante que se sobressai ao restante do filme, que nunca consegue atingir o mesmo nível, uma pena. Ainda assim, Pyun não deixa a peteca cair. O seguimento que transcorre no hotel também é bacana e temos Olivier Gruner atravessando o chão fazendo burados com sua metralhadora, como nos desenhos animados. O final até que é legal com um sinistro Tim Thomerson seguindo Gruner e sua parceira por uma floresta em volta de um vulcão, mas não sei, o futuro da humanidade sendo decidido à beira de uma cachoeira é uma coisa feia. Prefiro muito mais os prédios tombados, a atmosfera de destruição e o cheiro de concreto queimado do inicio do filme. Mas tudo bem, o que importa é que NEMESIS é divertido pacas!