007 À SERVIÇO SECRETO DE SUA MAJESTADE (1969)

Ainda não assisti ao último James Bond, 007 – SEM TEMPO PARA MORRER, mas lembro que já comentei aqui no blog alguns filmes da série na ordem cronológica:

007 CONTRA O SATÂNICO DR. NO
MOSCOU CONTRA 007
007 CONTRA GOLDFINGER
007 CONTRA A CHANTAGEM ATÔMICA
e COM 007 SÓ SE VIVE DUAS VEZES

Todos esses foram estrelados por Sean Connery, vivendo o papel do espião mais famoso do cinema. O filme seguinte é este 007 À SERVIÇO SECRETO DE SUA MAJESTADE, que é uma espécie de anomalia na franquia 007. Lembro que quando era moleque, acostumado com os filmes do Roger Moore que passavam exaustivamente nas tardes da TV aberta, achei este aqui muito estranho. Era como se eu não estivesse vendo um filme de 007, o que pra minha cabeça de guri era algo negativo e me sentia enganado… Mas não tenho certeza de quando começou, passei a conhecer mais a mitologia James Bond, e em um certo ponto da vida comecei a me sentir particularmente atraído por essa bizarrice aqui. Ainda assim, vamos notar que tem um bocado de coisas fora do lugar…

A começar pelo herói. Pela primeira vez na franquia oficial, James Bond não foi encarnado por Sean Connery. Mas até aí tudo bem, qualquer um poderia ter assumido o posto e dado sequência na franquia. Só que George Lazenby, a figura escolhida para substituir Connery, acabou fazendo apenas este aqui, o que contribui para o “corpo estranho” que é o filme dentro do cânone do espião britânico.

Lazenby, que foi também o único ator fora da Grã Bretanha a viver o papel (ele é australiano), foi escolhido para ser 007 após um encontro ocasional com o produtor Albert R. Broccoli, que o convidou para fazer uma entrevista e testes de cena. O sujeito era modelo, boa pinta, tinha presença, e, enfim, existe muito material que aborda a peculiar escolha de Lazenby e que vocês podem encontrar por aí para saber mais. Mas antes mesmo de À SERVIÇO SECRETO DE SUA MAJESTADE estrear nos cinemas, o ator recusou a sequência, 007 – OS DIAMANTES SÃO ETERNOS, cujas razões existem versões aos montes: alegou que o espião era muito anacrônico e não estava em sintonia com a contra-cultura da época; outra versão diz que o contrato era muito rígido e exigente, para sete filmes, e ele também queria tentar outros papéis… No entanto, uma das versões mais frequentes que se ouve por aí é de que os próprios produtores se desentenderam com Lazenby, e como a bilheteria de SUA MAJESTADE não foi lá grandes coisas resolveram trazer Sean Connery de volta… 

Outra característica deste sexto filme da franquia que o torna uma anomalia é que ele se esquiva de alguns elementos habituais e dos exageros acrobáticos que a série vinha se definindo ao longo de cada filme até aquele momento. COM 007 SÓ SE VIVE DUAS VEZES já dava pra perceber que o tom de aventura pitoresca, exagerada e fantasiosa já tinha se estabelecido, com suas vastas sequências de ação cartunescas e tramas mirabolantes. Mas sabe-se lá porquê, parecem ter decidido que SUA MAJESTADE precisava ser um pouco mais sério. E é evidente que ao tentar reduzir os absurdos bondnianos, acaba reduzindo também o que torna filmes 007 o que eles realmente são. Uma das coisas mais significativas pra mim é a falta da música tema durante os créditos iniciais. Temos a canção “We Have All the Time in the World“, que foi a última que Louis Armstrong gravou – e viria a falecer dois anos depois – mas foi a primeira vez na franquia que não incluíram a música nos créditos de abertura (exceto, claro, DR. NO que é tocado basicamente o tema oficial de James Bond).

A própria trama do filme é mais, digamos, intimista, sem grandes ameaças de escala global, como nos filmes anteriores. Bond salva uma mulher que tenta se suicidar em uma praia deserta e acaba se envolvendo com ela. Mais tarde, descobre que ela é a notória Condessa Teresa di Vicenzo , ou simplesmente Tracy (interpretada por Diana Rigg), como gosta de ser chamada, filha do criminoso Marc Ange Draco, que passa a ser um aliado do espião britânico para combater a organização secreta Spectre e, ao mesmo tempo, localizar o paradeiro do chefe dessa organização, Blofeld (aqui vivido de forma maravilhosa por Telly Savalas), que escapou de 007 no filme anterior. Bond se disfarça de genealogista com o pretexto de se infiltrar e investigar a clínica de pesquisa de alergia de Blofeld, no alto dos Alpes suíços. E é basicamente nesse cenário exótico que o enredo transcorre.

Bom, quer goste ou não desse estilo mais pé no chão de Bond, ou do Lazenby no papel principal, definitivamente isso acaba não influenciando o meu gosto pelo filme e pelo personagem em SUA MAJESTADE. Neste universo mais “realista”, o espião se torna mais identificável e, de certa forma, mais carismático pra mim. Acho que, a essa altura, seria complicado explorar de maneira mais próxima a persona de Bond com Sean Connery cansado de viver o personagem, como já era visível em SÓ SE VIVE DUAS VEZES, o que o transformava em apenas um herói acidental. Aqui, com Lazenby, parece ter um certo frescor. Tudo sobre o personagem de James Bond e que tipo de pessoa ele é devido ao que faz é melhor trabalhado. Vê-se claramente suas motivações na trama: encontrar seu arquiinimigo Blofeld e casar com a bond girl Tracy, por quem se apaixona. O que nos leva a outro detalhe bizarro por aqui que o diferencia do que era visto até então, que é o súbito interesse de Bond pela monogamia. O que não impede de realizar a difícil tarefa de ir pra cama com várias mulheres, obviamente. No entanto, por estar apaixonado por Tracy, o filme desenvolve um maior sentido de consequência emocional em comparação aos episódios anteriores nos relacionamentos de Bond. Sobretudo com o desfecho trágico e dramático que o filme possui. Certamente o momento mais sombrio de toda a franquia 007.

Mas além de ser um dos Bonds mais emocionalmente fortes, SUA MAJESTADE também tem algumas das melhores sequências de ação da série. Tiroteios, algumas ceninhas de luta, e MUITAS perseguições. Uma das minhas favoritas é a perseguição noturna de esqui, com Bond descendo pela encosta da montanha onde fica a clínica de Blofeld. O vilão e seus homens o perseguem e Bond tem de suar pra sair vivo do local, matando vários capangas no processo. Não é uma sequência tão extravagante. Como já ressaltei, este filme é um bocado mais “realista”. Mas a ação é ótima, tem um sentido de escala e energia cinematográfica que ainda faz funcionar mesmo mais de meio século depois. Simples, bem filmada e sem frescuras. Essa sequência vai parar num outro cenário onde a ação continua frenética, quando Bond encontra Tracy numa cidadezinha, mas os homens de Blofeld ainda estão atrás dele. Tracy acaba dirigindo no meio de uma corrida de carros e acaba causando um caos na pista. Pra mim, uma das melhores cenas de ação em qualquer Bond Movie.

Há ainda outro momento clássico de perseguição que envolve Bond na cola de Blofeld em um trenó num clímax deflagrador. Enquanto os dois voam numa pista de gelo, Bond tenta atirar em Blofeld e este arremessa granadas de seu próprio trenó. O negócio é que, elogiar a ação de SUA MAJESTADE, é elogiar também seu diretor, Peter H. Hunt, que fazia sua estreia na função por aqui, embora para esse tipo de sequência mais movimentada o sujeito já fosse um mestre, tendo atuado como editor, assistente de diretor ou diretor de segunda unidade em TODOS os 007 anteriores. O cara era bruto! O cinéfilo que aprecia um bom filme de ação old school vai lembrar de um dos maiores clássicos de Hunt, PERSEGUIÇÃO MORTAL (81), um filmaço classudo em que Lee Marvin persegue Charles Bronson num cenário coberto de neve…

Mesmo nos momentos sem ação, Hunt sempre parece saber onde colocar sua câmera para manter as coisas atrativas, seja enquadrando as cenas mais íntimas entre Bond e Tracy ou seja a viagem de helicóptero para os Alpes, na qual ficamos acompanhando tudo o tempo todo com Bond, vendo as imagens das várias estações de esqui próximas de sua perspectiva. Por falar em gente foda, a fotografia de Michael Reed é excelente. Facilmente um dos filmes mais bonitos do espião até aquele momento. Desde a sequência inicial, uma cena de luta na praia, com suas sombras densas e escuras, até as maravilhas das paisagens dos Alpes Suíços, há muito para se olhar por aqui e admirar. John Glen foi o editor, outro cabra foda, que depois também viria a dirigir alguns filmes da série já na fase com Roger Moore e Timothy Dalton. E manda muito bem por aqui, é o Bond Movie mais freneticamente editado até então, muitas vezes utilizando várias câmeras simultâneas para cortar rapidamente entre os planos, especialmente na ação, o que o torna visualmente empolgante. Glen também exibe sua habilidade em montar sequências mais tensas, como a do escritório do advogado Gumbold, bem ao estilo Hitchcock de fazer suspense.

Eu preciso de um pequeno parágrafo que seja para falar do grande Telly Savalas como Blofeld. O sujeito é um vilão e tanto. Segurando seus cigarros do seu jeito característico, exala esse mal diferente de qualquer outro vilão de Bond – certamente diferente de um Donald Pleasance, o Blofeld do filme anterior, que também está genial, mas que não deixa ser uma caricatura. Aqui Savalas faz um trabalho dinâmico, adicionando uma leve camada de ameaça até mesmo numa conversa casual. O primeiro encontro de Blofeld com Bond é um desses momentos especiais do filme. E vale destacar Tracy de Diana Rigg, para além de sua importância no cânone. Ela também parece ser a mais empoderada de todas as Bond Girls do período. É evidente que na ação final acabe de fora, mas ela chega a derrotar um brutamontes sozinha, sem ajuda de ninguém, e ainda é ela quem está ao volante na sequência de perseguição na pista de corrida. O que já é um avanço.

Existem alguns problemas menores em SUA MAJESTADE. O ritmo desacelera um pouco durante um bom tempo na clínica de Blofeld, e a duração do filme acaba parecendo um pouco longa demais. Mas nada que impeça de SUA MAJESTADE ser um dos meus Bond Movies favoritos de toda a franquia. Pode ter lá suas peculiaridades, ser uma anomalia, e até não ter o melhor Bond nele – eu não cheguei a falar muito sobre isso, mas deixo claro que eu até gosto do Lazenby, ele tem presença, um certo charme e é bom nas sequências de ação, mas convenhamos que não chega aos pés de Connery. Entretanto, no que diz respeito ao thriller de espionagem que o filme é e o que representa à mitologia de James Bond, definitivamente 007 À SERVIÇO SECRETO DE SUA MAJESTADE tá numa posição privilegiada no meu ranking 007, um lugar especial onde poucos outros filmes da franquia habitam (um dia eu posto meu top 10 James Bond por aqui)… E olha que eu gosto praticamente de todos os filmes da série do espião britânico. Mas, como dizem os jovens, este aqui é top.

FUGA PARA ATHENA (1979)

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FUGA PARA ATHENA (Escape to Athena) é um típico produto de sua época, especialmente em termos de tom. É característico como as experiências de guerra, naquela altura no cinema, ficaram tão filtradas até o entretenimento em sua forma mais pura que começa a se assemelhar a um pastiche e repleto de humor e ação. É o tipo de filme em que os nazistas são rotineiramente filmados em cima de telhados ou torres para permitir que o dublê realize um mergulho quando alvejado e dê às sequências de ação um pouco mais de emoção.

Mas se há uma coisa legal que posso dizer logo de cara sobre FUGA PARA ATHENA é o elenco fantástico, que é outro ponto característico desse tipo de filme nesse período. Temos aqui Roger Moore, David Niven, Telly Savalas, Claudia Cardinale, Sonny Bono, Elliott Gould e Richard Rountree – ou seja, James Bond, Shaft, Kojak, etc – o que deixa essa aventura de guerra e comédia ainda mais divertida.

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O cenário é um campo nazista de prisioneiros em uma ilha grega em 1944, durante a Segunda Guerra Mundial. É um campo de concentração diferente. Sua finalidade é um trabalho de escavação em busca dos tesouros arqueológicos do local. O saque deve ser enviado para Berlim, mas o comandante do campo, major Otto Hecht (Moore), é um trambiqueiro que faz alguns desvios com alguns dos itens mais valiosos. Personagem ambíguo e fascinante, antes da guerra Hecht era um traficante de antiguidades e está espoliando seus comandantes em Berlim da mesma forma que enrolava seus clientes pré-guerra. Não deixa de ser um patriota, desde que isso não interfira em seus planos de enriquecer a si mesmo.

Em outros aspectos, no entanto, é um sujeito decente. Não tem lá muito interesse ideológico e trata com respeito e dignidade os prisioneiros que utiliza para desenterrar os tesouros arqueológicos, alguns bastante adequados para seus propósitos, incluindo o arqueólogo Professor Blake (David Niven). Mas essa sua falta de fervor nazista o coloca em desacordo com o comandante da SS na ilha, um desses oficiais alemães brutais e cruéis.

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O filme mostra ainda a chegada de dois prisioneiros peculiares, duas figuras americanas  capturadas no local: Dottie del Mar (Stefanie Powers), uma nadadora campeã, cantora e dançarina, cujas habilidades de natação serão úteis para a Hecht na procura de possíveis tesouros afundados no mar. E Charlie Dane (Gould), um comediante que não tem qualquer utilidade, mas Hecht acaba por simpatizar pelo sujeito, em parte porque compartilha uma paixão pelo jazz americano.

Enquanto isso, a resistência grega está ativa na ilha. Seu líder é um monge destituído chamado Zeno (Savalas). Sua namorada, Eleana (Cardinale), dirige o bordel local que é na realidade o centro de coleta de informações da resistência. Com uma iminente invasão dos aliados, Zeno tem ordens para assumir o controle da ilha e destruir as instalações nazistas, incluindo algumas bases secretas, que contém mísseis e representam uma grande ameaça para uma frota invasora.

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Para assumir a ilha, Zeno contará com a ajuda de alguns prisioneiros, ganhando suas cooperações prometendo que saquem o mosteiro da região e seus tesouros bizantinos. Este aspecto da operação é particularmente forte para Charlie, e também para o cozinheiro italiano do acampamento Bruno Rotelli (Bono) e Nat Judson (Roundtree), um soldado americano baaaadaaasss. A dificuldade potencial é que os planos da Resistência também exigirão a ajuda do Major Hecht, que não gosta da ideia de traição, mas acaba sendo favorável à persuasão, especialmente por estar apaixonado por Dottie.

Os produtores de FUGA PARA ATHENA dispunham de muito dinheiro para brincar e o diretor George P. Cosmatos (RAMBO II e COBRA), que veio com a ideia original, aproveitou bastante dos recursos que tinha em mãos. As cenas de ação não são nada espetaculares, mas a utilização dos cenários como palco para tiroteios e explosões, incluindo o mosteiro em que se passa a ação final, construído especificamente para o filme (e completamente explodido ao final), são suficientes para manter os fãs do gênero felizes. Há também uma perseguição de motocicleta pelas ruas estreitas de uma aldeia que é muito bem elaborada.

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O aspecto do filme que provavelmente seja mais problemático é a comédia, que de vez em quando ameaça sobressair demais. Gould e Powers parecem estar envolvidos em um filme totalmente separado daquele em que Savalas e Roger Moore estão fazendo. Se isso realmente é um problema depende de quanta tolerância você tem para os momentos cômicos exagerados. A mim, não incomoda tanto, embora reconheça que saia um pouco do tom de vez em quando…

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Uma das coisas que gosto em FUGA PARA ATHENA é a ideia de colocar Roger Moore como um comandante nazista, algo que não estava esperando e que, a princípio, o coloca como um dos vilões da história. O próprio ator já declarou que se sentiu deslocado no papel… Como dizem, um miscasting (aparente escolha transversal de algum integrante do elenco). Para quem cresceu vendo o sujeito interpretar James Bond, soa meio estranho, mas destaco a ousadia. Pessoalmente, gostaria de vê-lo tendo mais a fazer nesta aventura, mas não tenho do que reclamar quando quem acaba dominando o filme é o grande Telly Savalas, que transforma Zeno num personagem muito forte, dramático, mas com um toque de humor irônico.

FUGA PARA ATHENA é bem divertido. Como disse antes, um pastiche ao tratar da guerra, em que aprendemos que nem todos os soldados alemães eram nazistas, porque até James Bond poderia ser um oficial alemão desde que ajudasse o Kojak a salvar o dia. Para quem sabe apreciar esse tipo de ficção da história, é uma boa pedida.

LISA AND THE DEVIL (Lisa e il diavolo, 1974), de Mario Bava

LISA AND THE DEVIL é uma entre tantas obras primas de um dos meus diretores favoritos. Mas antes de entrar nos detalhes do filme e descobrir porque este delirante trabalho de Mario Bava é tão bom, é interessante conhecer um pouco sobre as duas versões que rolam por aí.

Uma delas, o produtor Alfredo Leone, numa tentativa de picaretagem habitual desses italianos, tentou aproveitar o sucesso do recém lançado O EXORCISTA, de William Friedkin, e resolveu inserir por conta própria algumas cenas de um padre (interpretado por Robert Alda) realizando a tarefa de tirar o tinhoso do corpo de alguma personagem (não sei exatamente qual, porque eu não vi esta versão).

Parece que aproximadamente 15 minutos do original dirigido pelo Bava haviam sido cortados para as novas cenas se encaixarem. Acredito que essa profanação à obra do diretor de RABID DOGS não tenha resultado em algo melhor que a versão integralmente dirigida por ele, e é esta a versão vista por mim e que irei comentar adiante. Quem quiser se aventurar pela outra versão, recomendo dar uma conferida antes neste aqui…

O filme segue Lisa (Elke Sommers), uma turista em visita a uma antiga cidade européia, onde dá de cara com um afresco com a representação do coisa-ruim. Logo depois, vagando pelas ruelas da cidade, como se estivesse tendo uma atração sobrenatural, ela entra numa oficina de manequins, encontrando um estranho sujeito cujo rosto é idêntico ao do “cão” representado no afresco.

A partir daí, a moça acaba se perdendo e a narrativa toma forma de sonho – no caso da protagonista, um tom de pesadelo! Depois de conseguir uma carona com um casal, vai parar numa mansão onde transcorre o restante da trama, que se resume numa somatória de temas do imaginário onírico de Mario Bava, como a morbidez e a necrofilia…

Somos melhor apresentados ao estranho personagem visto na oficina no início, o mordomo Leandro, interpretado pelo magnífico Telly Savalas, sempre chupando um pirulito e com uma estranha força em cena, não é a toa que no final alegórico, quando se descobre a verdadeira identidade do sujeito, não chega a ser uma grande surpresa.

E que maravilha é Elke Sommers dando vida à sua personagem, tragando o espectador pra dentro de sua fantasia… além de estar muito bela. Os outros personagens são apenas bonecos que estão ali para baterem as botas, derramarem sangue e divertir o público.

A excelência de Bava na direção se faz presente em cada enquadramento, movimento de câmeras, e até nos zoons que acabou se tornando um bom artifício para o diretor nos anos 70, quando passou a trabalhar com orçamentos mais modestos em comparação aos seus trabalhos dos anos 60. Até existe uma diferença discreta na utilização das cores como elemento de horror. Se em seus filmes da década anterior Bava carregava na matiz de seus filmes dando o efeito alucinógeno desejado, na década de 70 as tonalidades permitiam um visual mais realista, sem deixar de ter um tratamento fotográfico de primeira!

Bava era um excelente fotógrafo, e ele mesmo iluminava seus próprios filmes, ou pelo menos tinha grande participação. Em LISA AND THE DEVIL, o diretor filmou alguns de seus melhores momentos da carreira, como o assassinato da Condessa cega, interpretada pela grande atriz italiana Alida Valli; quase todas as cenas de homicídios são de uma beleza poética e brutal impressionante! Percebe-se claramente de onde Dario Argento foi se inspirar antes de realizar SUSPÍRIA. Também o bizarro ménage à trois entre Lisa, seu “amante” e Elsa (um cadáver em avançado estado de decomposição)…

São tantos outros detalhes que fazem de LISA AND THE DEVIL um verdadeiro clássico do horror italiano, que prefiro parar por aqui para não estragar eventuais surpresas. Acho um filme essencial para os admiradores de Mario Bava, embora eu não recomende aos iniciantes. BLOOD AND BLACK LACE, KILL BABY KILL e WHIP AND THE BODY são bons exemplares para começar e amar o sujeito pra sempre, ou então odiá-lo de uma vez…