CEMITÉRIO MALDITO (1989)

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Acho que a força de CEMITÉRIO MALDITO, uma certa grandeza que o coloca acima de boa parte dos filmes de horror nos anos oitenta, reside na maneira como o filme lida com a morte. Vidas são tiradas a todo instante no cinema de horror e o público, obviamente, torce para que isso aconteça. A morte é banalizada e se torna uma diversão, ninguém quer assistir a uma continuação de SEXTA-FEIRA 13 e ver o Jason saindo de mãos vazias, certo? Mas aqui a morte, a perda, tem um peso dramático muito forte e coloca o espectador em confronto com a situação trágica da morte de um filho de forma extrema e direta.

A própria ideia básica do filme, notória adaptação de Stephen King, é muito perturbadora. A trama gira em torno de uma família que se muda para uma nova casa em Ludlow, no Maine. É uma típica família feliz, recomeçando a vida, até que um caminhão em alta velocidade muda tudo isso. E a existência de um cemitério de animais de estimação amaldiçoado que reanima os mortos piora ainda mais a situação…

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É evidente que há muitas coisas boas típicas do horror, elementos fundamentais, em CEMITÉRIO MALDITO para acalentar o coração dos fãs do gênero. É um filme muito sombrio com uma atmosfera densa em alguns momentos, especialmente nas sequências das visitas ao tal cemitério; temos algumas mortes criativas, uma boa dose de sangue, um gato zumbi, sonhos bizarros, aparições de uma figura fantasmagórica, entre outras coisas… No entanto, acima de tudo, CEMITÉRIO MALDITO funciona por causa do drama central que se desenrola a partir da perda trágica de um ente querido.

A sequência do caminhão é um primor. Mesmo quem percebe na hora o que está prestes a acontecer, acaba chocado pela coragem do filme em realmente chegar nos finalmentes e fazer o que tinha que fazer… Até porque sempre existiu o tabu de se matar crianças nos filmes dessa maneira. Mas só é mostrado o essencial: o moleque indo para a rodovia, o caminhão desatento se aproximando, um sapatinho vazio que rola no asfalto. O suficiente para nos deixar sem chão e passarmos a sentir a dor do protagonista (interpretado por um Dale Midkiff). Algo que no universo de King acaba sendo bem mais aterrorizante que o horror tradicional.

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Por muito tempo, quem esteve à frente do projeto e meio que possibilitou sua existência foi o pai dos zombie movies, George A. Romero, que já era naquela altura grande amigo de Stephen King, já haviam trabalhado juntos em CREEPSHOW, e acabou comprando os direitos do livro. No contrato, duas condições: a primeira é que o filme deveria ser rodado no Maine. Depois, o próprio King deveria escrever o roteiro. E foi o que aconteceu. A dupla preparou o filme por bom tempo até que surgiram algumas atribulações entre o diretor e o estúdio, que convocou Romero no meio desse processo insistindo em refilmagens de algumas sequências de INSTINTO FATAL (Monkey Shines), que Romero havia dirigido pouco tempo antes. Para não deixar a produção parada, Romero acabou pulando fora de CEMITÉRIO MALDITO, sendo rapidamente substituído por Mary Lambert, uma diretora de video clipes que só havia feito um longa até então, SIESTA, de 87, mas que já era vista como um talento promissor.

E Lambert deu conta, conseguiu dar vida ao roteiro de King, ao universo sempre tão particular de seu criador, com muita precisão e criatividade visual. Claro, seria ótimo ver como CEMITÉRIO MALDITO seria sob a batuta de Romero, mas não aconteceu. E eu simplesmente não tenho do que reclamar desta versão, que se tornou um dos meus clássicos favoritos do horror oitentista.

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No elenco, vale destacar Brad Greenquist, a figura fantasmagórica que mostra ao protagonista o limite que não se deve ultrapassar no “semitério”; Fred Gwynne, o eterno Herman Munster, da série dos anos 60 OS MONSTROS (ou A FAMÍLIA MONSTRO); e Miko Hughes, o garotinho zumbi demoníaco com um bisturi afiado nas mãos empenhado a matar.

Aparentemente, CEMITÉRIO MALDITO é a adaptação da obra de King mais apreciada pelo próprio autor; Óbvio, considerando que ele mesmo escreveu o roteiro e que detesta, por exemplo, a adaptação de O ILUMINADO, do Kubrick, não é muito difícil o cara ter preferência por este aqui. King até faz uma breve participação como um reverendo. O filme teve uma continuação nos anos 90, dirigido pela mesma Mary Lambert, e que preciso rever, não lembro de quase nada. E aí sim, estarei devidamente preparado para encarar a nova versão que ainda não parei pra ver.

IT (2017); continuando…

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Então, só para deixar claro, eu dizia que o Pennywise de Skarsgård me causa mais impressão, é mais perturbador que o do Curry, bem mais eficaz como agente causador de horror. Mas numa reflexão estrutural, IT segue mais uma linha da “aventura de horror” típica dos anos 80, com personagens infantis, como alguns que já citei no post anterior. Claro, é um filme que tem bons momentos atmosféricos, de tensão e uns sustos bem colocados, elaborados, e nada sutis, para gerar alguns gritos – a sequencia do projetor é excepcional -, no entanto, me parece que há mais a ideia de medo na sensação de que todas as crianças do filme estão lidando com abusos em algum nível do que quando encaram o Palhaço Pennywise, que acaba sendo uma representação do medo coletivo dessas personagens; A mãe superprotetora de Eddie, o racismo pra cima de Mike, que é negro, o bullying agressivo e violento que todos sofrem do maldoso Henry (muito melhor desenvolvido aqui) e principalmente o abuso literal de Berverly nas mãos de seu pai.

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Cada uma das crianças possui sua própria personalidade muito bem definida. Têm também suas próprias perseguições personalizadas por Pennywise. Por exemplo, Mike tem visões de seus pais morrendo queimados num incêndio, enquanto a pia do banheiro de Berverly soltar jatos de sangue parece especificamente relacionado à compra de sua primeira caixa de absorventes. Muschietti demonstra muito carinho pelo grupo, e isso faz com que nos preocupemos com o destino de cada um, algo raro hoje em dia. E é divertido vê-los contracenando, o elenco possui uma química muito forte, os diálogos são inteligentes e convincente, atados com algumas tiradas engraçadíssimas, especialmente dos personagens vividos por Finn Wolfhard e Jack Dylan Grazer.

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Muito tem se comparado IT com a série STRANGER THINGS. Não vejo muita relação, a não ser o fato da história se passar nos anos 80 e por roubar um dos atores da série (Wolfhard). Claro, Muschietti aproveita muito da iconografia de aventura dos anos 80 na tela: o cenário da cidade pequena com seu passado sombrio; crianças de bicicletas; cartazes de filmes clássicos do período, como GREMLINS e BEETLEJUICE; um cinema que está passando A HORA DO PESADELO 5: O MAIOR HORROR DE FREDDY e BATMAN… Está tudo aqui, mas diferente de STRANGER THINGS esses elementos nunca se sobrepõem em causa de uma nostalgia barata. Mas é certamente um filme apaixonado por suas inspirações e pelo período fantástico que foi a década de 80…

Para o cenário atual, IT pode até estar causando gargalhadas da moçada dentro dos multiplexes, mas acho um filme com um conceito bem estabelecido por Muschietti, bem construído dentro de seus propósitos, e os fãs de horror quem possum certa bagagem e tem consciência do que faz um bom filme de horror, vão perceber isso, vão ter em IT uma experiência fascinante e com sabor especial.

IT (2017)

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Se a revisão recente da adaptação dos anos 90 revelou-se uma decepção, ainda que eu tenha um certo afeto nostálgico pelo filme, o IT de 2017, dirigido por Andy Muschietti (do fraquinho MAMA) por outro lado, foi uma das grandes surpresas do ano em termos de horror

Gosto sempre de abordar as reações do público. É uma curiosidade minha… Este aqui teve diversas e opostas, mas a maioria é positiva, especialmente do público fã de horror. Mas teve quem achou um um lixo, teve quem diz ser um novo clássico do gênero. Há quem diga que nem horror é… Queria entender quem pensa algo assim. Vai ver é sequela do surgimento desse novo termo, “pós-horror”. Eu gostaria de dizer algumas coisas sobre “pós-horror”. Vamos lá? É o seguinte: “Pós-horror” é o meu ovo!

Bom, agora vamos com calma. IT não é a última bolacha do pacote, obviamente, mas estou do lado dos que gostaram. Na verdade, nessa ceara atual que todo mundo procura chifre em cabeça de cavalo com esses termos inúteis, chega a ser um frescor um filme como IT que se assume como um horror puro e basicão, que não faz questão alguma de evocar temas de agendas sociais nem reinventar o gênero. Só quer mesmo trabalhar os dispositivos do medo e dar uns bons sustos de vez em quando…

É evidente que filmes assim ainda sejam produzidos todos os anos, mas com a qualidade de IT já não são muitos. Não que eu desgoste de alguns exemplares que estão sendo classificados como “pós-horror”. Um dos meus filmes favoritos do gênero nos últimos anos é CORRENTE DO MAL. Acho que A BRUXA também entrou na dança, e é uma obra-prima. E curti muito, por exemplo, CORRA, IT COMES AT NIGHT e estou bem interessando neste A GHOST STORY. São filmes que se levam a sério e são honestos nas suas propostas, mas aparentemente não querem ser rotulados como filmes de horror… Ou, as pessoas que assistem, críticos e cinéfilos metidos à besta, não querem que sejam. Foda-se, são horror. Independente de estilo e “mensagens” sociais, não vão deixar de ser.

Bom, já não sei onde quero chegar. Antes que isso aqui fique longo demais, voltemos ao IT. Na sessão que eu estava, eu não sei se a moçada gostou ou não, mas ouvia frequentes gargalhadas em determinadas sequências mais tensas… Normal. Não dá pra esperar muito do público atual. IT é um tipo raro de horror, que pouco se faz atualmente, mas que vem ressurgindo aos poucos. É um horror adolescente estilo trem fantasma, com exageros e extravagâncias, mas assustador na medida certa, e que tínhamos aos montes nos anos 80 e 90. O público de hoje tá em outra, tá numa pegada de horror mais realista… Já IT, com seu horror retrô, achei divertido até o talo.

Algumas mudanças cruciais desta nova versão para a dos anos 90: o foco agora é só na aventura infantil, não chegamos a ver os personagens adultos. Ou seja, o que de melhor restava no filme de Tommy Lee Wallace é trabalhado e até melhorado por aqui. Outra coisa legal, pelo menos pra mim, é a aventura ser transportada da década 60 para os anos 80, um período que pessoalmente me encanta mais, foi a década que nasci e que guardo recordações nostálgicas de referências visuais e sonoras com muito carinho.

Esta versão está intitulada como “Capítulo Um”, o que é bem provável que tenhamos uma continuação focada nos personagens adultos. Vamos ver o que sai… Se for no mesmo nível deste aqui já tá bom demais.

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O cenário de IT é basicamente a mesma pequena cidade do material original, onde um grupo de moleques – apelidados de “otários”, nas legendas nacionais – resolvem fazer algo em relação à onda de desaparecimentos de crianças na região. Um dos desses casos é Georgie, a quem vemos na cena de abertura sendo arrastado de forma brutal para dentro de um bueiro durante uma tempestade por um palhaço bizarro chamado Pennywise (Bill Skarsgård). É uma das minhas cenas favoritas dessa nova versão e que estabelece de prontidão alguns pressupostos por aqui. Como por exemplo deixar bem claro que o “bicho vai pegar”…

A maneira como age, como fala, convence, se expressa, como a luz incinde sobre os olhos, a performance de Skarsgård, tudo me leva a crer que o Pennywise de IT versão recauchutada 2017 é um desses personagens fascinantes que chega para marcar, para ser um ícone do horror moderno, com todos os méritos que lhe cabe. E basta a cena inicial do bueiro para convencer de que isso é uma realidade. O Pennywise de Skarsgård é uma criatura genuinamente ameaçadora. Cheguei a comentar no post anterior que este filme aqui era melhor em todos os sentidos. Muita gente concordou, mas corrigiu que ao menos o Tim Curry era melhor como Pennywise. Mas não sei, há algo de perturbador e doentio no Pennywise de Skarsgård, na sua relação com as crianças, na maneira que ele as seduz e as ameaça que me deixou um tanto arrepiado e até incomodado. O palhaço de Curry nunca vai deixar de ser o ícone do horror que sempre foi, mas confesso que se eu tivesse que entrar num bueiro com algum dos dois, não escolheria de forma nenhuma o Pennywise de Skarsgård…

E ainda tem mais! Comparando novamente com o filme original, algo que não deveria fazer, mas só para exemplificar o que temos aqui, quase todas as mortes do filme de 1990 eram off screen, com a câmera aproximando da vitima e rolando um fade sem mostrar de fato o que acontece. Para um filme de terror, isso é caixão. É um dos detalhes que me chateou na revisão… Em IT 2017, a cena do bueiro é uma aula de tensão e leva o horror até as últimas consequências. É simplesmente chocante, inesperado, violento, subverte toda a nossa concepção de cena de morte de uma criança no horror atual. O filme já me ganhou aqui.

Eu ainda tenho mais algumas impressões sobre esta nova versão de IT que gostaria de registrar aqui no blog, mas já estou cansado, com sono, trabalhei o dia inteiro e vou ficar por aqui. Vou dividir então este texto em dois e provavelmente amanhã termino… Até logo!