NOTAS SOBRE FILMES RECENTES

JUNGLE CRUISER (2021)

Dir: Jaume Collet-Serra

Inchado até o talo e bem irregular. Até gosto do toque feminista, tem algumas ceninhas bacanas de ação, o conceito visual dos exploradores espanhois amaldiçoados é bem feito, criativo, e o Jesse Plemons parece se divertir como vilão alemão. Mas é um filme que me deixa com sono a maior parte do tempo. E não convence de maneira alguma com a química entre The Rock e Emily Blunt, que tá mais pra uma versão forçada da Bela e a Fera. Mas também ninguém estava esperando um filme mais “Collet-Serra” do que um “Disney Movie”, não é mesmo? Não precisava de um diretor autoral pra fazer isso aqui. Podiam chamar um Gary Ross ou Francis Lawrence que dava na mesma. 

Torcendo pro Collet-Serra voltar a fazer filmes com o Liam Neeson.

O ESQUADRÃO SUICIDA (2021)

Dir: James Gunn

Nem sou tão detrator do primeiro ESQUADRÃO SUICIDA (apesar de ser mesmo fraquinho) e acho o David Ayer um diretor bem interessante. Mas ele realmente se fodeu quando se meteu com a Warner/DC. James Gunn parece transitar melhor pelos corredores dos grandes estúdios e leva muito jeito pra trabalhar nesses tipos de projetos, com esses orçamentos volumosos (de um cara que surgiu ali no underground, da TROMA, é algo a ser estudado). E, sobretudo, consegue impor sua visão pessoal. O nível é MUITO superior aqui, o tipo de espetáculo divertido, engraçado, subversivo e violento que se espera desse material e de um filme do James Gunn.

DUPLA EXPLOSIVA 2 – E A PRIMERA-DAMA DO CRIME (2021)

Dir: Patrick Hughes

O australiano Patrick Hughes mantém as coisas num bom ritmo, em constante movimento durante toda a duração, que é mais longa que deveria, quase duas horas pra um filme desse é praticamente auto sabotagem. Mas entrei na onda e deu pra se divertir… Gosto bastante do primeiro filme, que postei aqui há um tempinho, acho até um bocado subestimado. Achei esse aqui ainda melhor, trabalha uns temas interessantes, de forma boba, mas que não prejudica o que interessa. A coisa tem potencial pra ser uma franquia, se não no mesmo nível que um MISSÃO IMPOSSÍVEL, VELOZES E FURIOSOS ou JOHN WICK, pelo menos agradável, com um universo muito próprio e personagens engraçadíssimos (Salma Hayek em especial…). E apesar de ter OS MERCENÁRIOS 3 no currículo, Hughes filma bem ação. Evidente que o tom cartunesco do filme permite certos exageros e humor abobalhado na ação, o que pode não agradar a todos. Mas é inegável o talento do sujeito em filmar perseguições, pancadria e tiroteios com bastante energia. Que venham mais filmes da série.

NEM UM PASSO EM FALSO (2021)

Dir: Steven Soderbergh

Cai numas armadilhas bestas que poderiam ser evitadas: excesso de personagens, reviravoltas e subtramas que deixa a coisa inchada bem mais que deveria, em especial na segunda metade. Mas o filme é tão consistente naquilo que propõe, em tecer uma teia curiosa de crime, roubos, assassinatos, traições, com um humor ácido peculiar e uma atmosfera noir interessante, que acaba tendo sua graça no fim das contas… Óbvio que o elenco acaba sendo um destaque, sobretudo Ray Liotta, um Brendan Fraser incrivelmente obeso e Bill Duke genial como sempre.

VAL (2021)

Dir: Leo Scott e Ting Poo

Obviamente que eu queria ver o Val Kilmer falando sobre as produções de ação e terror vagabundos direct to video dos anos 2000, mas aí já seria pedir demais… De todo modo, é um belo documentário, um retrato interessante e sensível de uma figura fascinante, bizarra e problemática do cinema americano que foi do ápice do estrelato ao fundo do poço e resolveu filmar tudo em vídeo. Uma vida inteira toda registrada. Vale a pena. Produção da Amazon, então tá disponível no streaming deles.

DUPLA EXPLOSIVA (2017)

Este ano teremos a continuação de DUPLA EXPLOSIVA (The Hitman’s Bodyguard), um filminho de ação bem bacana que chegou aos cinemas em 2017, mas que quase ninguém deu muita bola. Não que merecesse tantos aplausos, é o típico filme de ação trivial, mais batido que bengala de cego, trabalhando dentro de uma fórmula tão usada, mas tão usada, que é impossível enumerar os clichês, mas que no fim as contas diverte o espectador que só quer gastar um tempo dando risadas com Samuel L. Jackson e ver uma alta contagem de corpos em tiroteios frenéticos e perseguições deflagradoras… Então, estou animado com a continuação.

Este primeiro foi dirigido por Patrick Hughes, o australiano que realizou OS MERCENÁRIOS 3, e é estrelado pela improvável dupla Ryan Reynolds e o citado Samuel L. Jackson. DUPLA EXPLOSIVA segue a tradição clássica dos buddy movies, esgotando todas as suas possibilidades, combinando esses dois personagens extremos opostos que acabam forçados a trabalhar lado a lado para atingir seus objetivos. Ou seja, manter a pele intacta, como é a maioria dos casos… Pensemos na fase áurea desse subgênero para ter uma referência, pensemos em Shane Black, em 48 HORAS, na série MÁQUINA MORTÍFERA, INFERNO VERMELHO, FUGA À MEIA NOITE… E DUPLA EXPLOSIVA, apesar de não acrescentar quase nada ao subgênero, não faz feio no nível de diversão que proporciona.

A trama é simples, mas funciona. Reynolds é Michael Bryce, um guarda-costa de primeira linha que viu sua carreira descer a ladeira quando um de seus protegidos foi assassinado debaixo do seu nariz, sob sua proteção. Agora, os únicos trabalhos que consegue são os que ninguém mais quer. Ansioso para recuperar seu status, acaba aceitando a missão de proteger um assassino profissional sob custódia, Darius Kincaid (Samuel L. Jackson), que é uma testemunha vital no julgamento de um ditador sanguinário de um país qualquer do leste europeu (vivido pelo grande Gary Oldman).

Ao longo do caminho, as personalidades dos dois sujeitos se chocam: Kincaid é emoção explosiva, impulsivo, mas com um grande caráter, um sujeito que eu sentaria num bar e pagaria uma cerveja numa boa, enquanto Bryce é estritamente regimentado, arrogante e um verdadeiro babaca, embora seja bom naquilo que faz; Bryce protege os clientes e o trabalho de Kincaid é eliminá-los. E por conta disso, os dois possuem uma série de desavenças de longa data. E a essência de DUPLA EXPLOSIVA não é apenas esses dois homens sendo perseguidos por assassinos, matando quem entra em seus caminhos, para um deles testemunhar num tribunal… Mas sim como essas duas personas totalmente diferentes interagem e descobrem a si mesmo numa jornada de redenção.

Redenção que foi também para o diretor Patrick Hughes, que acabou entrando numa barca furada em 2014 com o terceiro capítulo da série OS MERCENÁRIOS, um autêntico fiasco… Só que Hughes vinha de uma estreia classuda e badass em sua terra natal, um filmaço policial anti convencional chamado BUSCA SANGRENTA, que me surpreendeu bastante na época. E eu tinha certeza que poderia esperar mais do sujeito fora de um projeto tosco como OS MERCENÁRIOS 3.

A sua redenção veio com DUPLA EXPLOSIVA, que embora o plot básico seja só um fiapo e uma desculpa para a dinâmica entre os dois protagonistas, o diretor mantém as coisas vivas, com muita energia e sequências de ação espetaculares, tiroteios elaborados e longos planos sequências de lutas realistas e viscerais que remetem ao que Keanu Reeves faz em JOHN WICK. Como na briga de Reynolds contra um brutamontes numa loja de ferragens. As cenas de perseguições de carros também são um primor, incluindo uma que se passa nos canais de Amsterdã que me deixou com olhos grudados na tela.

É incrível como a ação de JOHN WICK vem influenciando cineastas interessados no gênero atualmente. Vejo como algo positivo. Este ano tivemos NOBODY, que comentei recentemente, outro belo exemplar influenciado pelo filme estrelado por Keanu Reeves, e na ocasião disse que eu não tenho problema com essas imitações contanto que continuem fazendo filmes divertidos como este aqui. Me lembra um pouco aquela fase em que diretores americanos casca-grossas do início dos anos 90 imitavam o John Woo…

Além disso, DUPLA EXPLOSIVA possui várias sacadas engraçadíssimas, Reynolds e Jackson estão hilários, carismáticos, o que também ajuda a elevar o material. O velho Samuca, óbvio, se destaca mais, soltando seus habituais “motherfucker’s” a cada dois minutos. Salma Hayek também chama a atenção em todas as cenas em que aparece, como a esposa de Kincaid, o que inclui uma certa sequência romântica ao som de Hello, de Lionel Ritchie, que é impossível um fã de musicas bregas oitentistas ficar indiferente.

Tirando o fato de ser um bocado mais longo do que deveria (praticamente duas horas, num filme que tem pouca história pra contar), DUPLA EXPLOSIVA prova que não é preciso ser tão original para o resultado ser divertido. Um filme que não quer inventar a roda, mas trabalha as fórmulas desgastadas do gênero com bom humor, cumprindo exatamente o que promete, que é ser um filme de ação exagerado, sem vergonha e violento. E ainda conta com o carisma e a química de seus dois protagonistas, Reynolds e Jackson, em estado de graça.

Acredito que vai ser engraçado ver essa dupla retornando numa continuação, que vai se chamar DUPLA EXPLOSIVA 2 – E A PRIMEIRA-DAMA DO CRIME (Hitman’s Wife’s Bodyguard), fazendo referência à personagem de Salma Hayek. Vai ser dirigido novamente por Patrick Hughes, vamos ter a adição de Antonio Banderas e Morgan Freeman no elenco e tem estreia marcada para o mês que vem, em julho, no Brasil.

OS BONS COMPANHEIROS (1990)

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Mais um para o esquenta do THE IRISHMAN, novo filme de Martin Scorsese que está aproximando cada vez mais da estreia na Netflix. Na verdade, acho que essa semana já teremos cinemas passando o filme, se não estou enganado. Bom, enquanto não tenho certeza, vamos de OS BONS COMPANHEIROS (Goodfellas), que foi o segundo grande filme de máfia do Scorsese depois daquela lindeza que é CAMINHOS PERIGOSOS, que eu comentei aqui na semana passada.

Gosto de fazer um paralelo de OS BONS COMPANHEIROS com os filmes de máfia do Coppola, a saga d’O PODEROSO CHEFÃO, que é uma visão mais romantizada do crime organizado, representando a nata da máfia que governa como monarcas. Enquanto o filme de Scorsese é uma espécie de refutação, que retrata os bandidos e soldados que povoam o submundo da máfia e a fragilidade de suas próprias existências. Não os bandidinhos ralé de CAMINHOS PERIGOSOS, mas criminosos que chegam a atingir certo status, mas ainda estão longe do topo. Isso não quer dizer que uma abordagem é melhor que a outra, apenas são diferentes. Em vez de ver homens honoráveis, quase míticos, como Don Corleone, em OS BONS COMPANHEIROS somos levados a ver como a coisa funciona para aqueles que estão tentando sobreviver no submundo: assaltos, brigas, tráfico de drogas, a violência que deflagra completamente sem sentido…

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OS BONS COMPANHEIROS foi baseada no livro Wiseguy do jornalista Nicholas Pileggi, que conta a vida do gângster, que se torna informante, Henry Hill. O sujeito é um meio-siciliano meio irlandês que cresceu no Brooklyn e desde novo idolatra os gangsters que trabalham do outro lado da rua. Vendo-os indo e vindo como bem entenderem, Hill fica determinado a ser um deles. Isso acaba o levando a trabalhar para Tuddy (Frank DiLeo), cujo irmão, Paul (Paul Sorvino), é o chefe do bairro. Ignorando os apelos de sua família, que tenta mantê-lo longe dos bandidos, o jovem Henry (Christopher Serrone) decide que essa é a vida que ele levará. Não tem mais necessidade de estudos, trabalho “normal” ou outras atividades comuns dos adolescentes. Ele só quer aprender a ganhar dinheiro.

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A história avança e Henry (agora encarnado por Ray Liotta) cresce, unindo forças com os compatriotas Jimmy Conway (Robert De Niro) e Tommy DeVito (Joe Pesci). Em Jimmy, Henry encontra um mentor. Um criminoso experiente e um homem que realmente gosta do crime e da política do submundo. Mas como ele é irlandês, nunca poderá ser um “homem feito” oficialmente, ou seja, nunca vai subir os níveis na “cadeia alimentar” da Cosa Nostra. Mas Jimmy tem bastante poder trabalhando para Paulie, supervisionando os vários esquemas de Henry e Tommy. Este último é a dinamite prestes a explodir. Um psicopata que rotineiramente rompe em fúria assassina.

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A vida dos caras se resume em fazer todo tipo de crime – desde simples assaltos de caminhões de carga à um complexo roubo em um aeroporto – e desfrutar de um certo prestígio que essa vida lhes dá, ganhando “respeito” no submundo e frequentando os melhores restaurantes da cidade. Após assassinatos indevidos, passagens pela prisão, o movimento nos 70 para o mundo do narcotráfico, o caminho de todos começa a mudar, para o bem ou para o mal. Mais para o mal, na verdade… Até o ponto em que Henry precisa fazer a escolha da sua vida: arriscar a sobrevivência nesse mundo ou testemunhar contra seus amigos.

Para um filme de duas horas e meia de duração, OS BONS COMPANHEIROS se move num ritmo frenético e vertiginoso que é simplesmente uma delícia de se acompanhar. Scorsese tem o completo domínio de seu filme, que é um bom exemplo para se recorrer quando se pensa no virtuosismo de Scorsese como diretor. Há sequências que são verdadeiras aulas de cinema, como os famosos planos com a câmera deslizando pelas boates enquanto os personagens interagem entre si. Ou então na sequência em que os corpos dos membros da equipe do assalto da Lufthansa começam a aparecer por toda a cidade. A câmera se move graciosamente e vai revelando corpos em Cadillacs, caminhões de lixo ou pendurados em congeladores de carne, com as tensões do piano da clássica “Layla” tocando ao fundo.

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São várias sequências clássicas. Como o arco que envolve o assassinato brutal de Billy Batts (Frank Vincent), e o trio principal se livrando do corpo. Mas um dos momentos que mais me impressionou nessa revisão – e que já não lembrava da sua intensidade – é o capítulo próximo ao final do filme, quando a vida de Henry fica completamente fora de controle. O sujeito sabe que já não pode contar muito com Jimmy e Paulie e depende cada vez mais da venda de cocaína como sua única renda. E em um dia específico, Scorsese mostra os malabarismos de Henry em realizar várias tarefas – entregar silenciadores de armas para Jimmy, encontrar seu contato do tráfico, pegar seu irmão, organizar a próxima viagem de contrabando para uma garota – enquanto vai ficando cada vez mais surtado, estressado e paranoico além do seu limite. Especialmente por conta de um helicóptero que o protagonista acredita de pés juntos que está o seguindo aonde quer que vá.

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E Scorsese retrata sensorialmente esse sentimento de paranoia e estresse apenas pela maneira como filma e edita. Em parceria com sua colaboradora de longa data, a editora Thelma Schoonmaker, a montagem é cheia de cortes rápidos para mostrar o ritmo frenético em que a mente de Henry funciona, à mil por hora, e realmente sentimos o cara à ponto de explodir a qualquer momento. Além disso, a trilha sonora de toda essa sequência é perfeita, pulando entre estilos e humores, como “Monkey Man”, dos Rolling Stones, “What Is Life”, de George Harrison e “Manish Boy”, de Muddy Waters… Tudo embalado de forma descontrolada, como deve ser.

O elenco é uma das forças de OS BONS COMPANHEIROS. Não consigo pensar em nenhuma outra performance na carreira de Ray Liotta que seja tão expressiva quanto seu desempenho como Henry Hill. Robert De Niro certamente tem melhores atuações, inclusive trabalhando com Scorsese, mas seu Jimmy, com a natureza calculista e insensível necessária para o personagem é sem dúvida mais um dos destaques de sua carreira. Lorraine Bracco também merece reconhecimento como Karen Hill, a esposa de Henry que também é consumida pelo estilo de vida dos mafiosos. É interessante observar sua progressão de dona de casa ingênua para basicamente uma comparsa nas operações de drogas do marido. Além dos já citados, o filme ainda tem uma participação bacana de Samuel L. Jackson, Michael Imperioli e algumas pontinhas ao fundo de Vincent Gallo.

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Mas o grande destaque, o tour de force de OS BONS COMPANHEIROS, é Joe Pesci. Ele é a versão moderna dos personagens vividos por James Cagney nos dias dourados de Hollywood. O homem é um psicopata e suas repentinas e inesperadas explosões de violência são realmente chocantes. Cenas como o assassinato à sangue frio do jovem Spider (Imperioli) por não lhe trazer uma bebida causa certa impressão até mesmo a quem já está acostumado com filmes de máfia. Ao mesmo tempo, Tommy é um sujeito leal e que pode ser incrivelmente engraçado. Todo mundo lembra da famosa cena “Funny how? What’s funny about it?” entre Tommy e Henry, mas há outros momentos que sempre me fazem rir. Coisas como Tommy tentando convencer Henry a ir a um encontro de casais, ou depois que ele atira em Spider e Henry declara que o garoto está morto e Tommy responde com naturalidade: “Good shot. What do you want from me? Good shot. Fuckin’ rat anyway.

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Enfim, é um filme muito rico, com vários momentos marcantes e imagens icônicas e eu não saberia como continuar abordando tudo o que gostaria sem que soasse chato e repetitivo e uma punhetagem (que é o que este texto já virou há muito tempo)… Ficaria dias falando sobre tudo pelo qual sou apaixonado em OS BONS COMPANHEIROS. Pelo que me lembre, foi o primeiro filme de Scorsese que assisti, quando ainda era moleque nos anos 90 e nunca me canso de rever. Richard Linklater diz que este filme só se revela mesmo como obra-prima lá pela terceira ou quarta vez que você o vê. Como eu já perdi as contas de quantas vezes já vi, “obra-prima” é pouco pra ele. Até hoje me impressiona como OS BONS COMPANHEIROS é um filme que pode ser tão popular e divertido e, ao mesmo tempo, atingir o nível mais alto de sofisticação das maiores obras de arte do cinema.

PS: Apesar de tantos elogios, ainda prefiro CAMINHOS PERIGOSOS.

FAZENDO AS PAZES COM SHYAMALAN

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A reconciliação que fiz com o diretor de O SEXTO SENTIDO não veio agora, com GLASS, que assisti ontem. Veio com seus dois filmes anteriores, de forma tímida com A VISITA e com mais contundência em FRAGMENTADO, que me fizeram sentir a necessidade de reavaliar a obra de Shyamalan, da qual passei mais de uma década abominando…

Com exceção de O SEXTO SENTIDO e CORPO FECHADO, acompanhar a carreira de Shyamalan era acumular decepções, até chegar num ponto em que pensei em abandonar de vez, tanto que só fui assistir a DEPOIS DA TERRA nessa reavaliação que fiz e que aconteceu no ano passado, quando revi todos os filmes do homem. Percebi que o problema era, digamos, pessoal. Quero dizer, uma das coisas mágicas do cinema é a relação que estabelecemos com os filmes e como uma série de fatores externos e internos podem agir na percepção e influenciar essa relação tão íntima, tão subjetiva com as obras. Ou seja, filmes como FIM DOS TEMPOS e A DAMA NA ÁGUA, que achei um LIXO quando vi há mais de uma década, acabaram se revelando, esses mesmos filmes, obras-primas na revisão mais recente. FIM DOS TEMPOS se tornou meu favorito do diretor e um dos melhores filmes da década passada. O que aconteceu? Os filmes não mudam, quem muda sou eu, muda-se até um simples estado de espírito momentâneo, e conceitos e preconceitos de um período da vida… Ou eu amadureci/evolui meu paladar cinéfilo ou desandei e meu mau gosto por filmes ficou tão forte que as coisas que eu detestava passei a amar… Mas isso pouco importa, no fim das contas. O que vale pra mim são duas coisas nessa história:

1. Nunca leve muito à sério a suas velhas opiniões em relação a um filme ou diretor. Reveja, reavalie. Em dez, vinte anos muita coisa muda, seus gostos podem se alterar, filmes horríveis podem se tornar obras fascinantes e vice e versa.

2. Que o Shyamalan é um dos grandes diretores em atividade no cinema americano atual e que faz parte de uma certa linhagem de cineastas autorais que estão para além do acerto e do erro. Cada filme destes tipo de diretor é uma obra irrepreensível de ousadia e invenção. Não são trabalhos feitos para simplesmente gostar ou não gostar, mas para mergulhar de cabeça ou ficar na mesma, indiferente.

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Sobre GLASS, não quero falar muita coisa e nem teria muito o que dizer… Apenas que, em tempos de produções baseadas em quadrinhos da Marvel e DC Comics (dos quais não tenho nada contra), é Shyamalan quem acaba fazendo o filme mais notável sobre super-heróis, ou a possibilidade de existirem pessoas especiais, com qualidades sobre humanas. Sem nunca sair de seu estilo próprio, cadenciado, dramático, sem espetacularizar a ação, sem criar embates épicos, sem abusar de efeitos especiais caríssimos, quebrando todas as expectativas, GLASS fascina por ser uma obra intimista e reflexiva, um tratado sobre a crença, sobre acreditar na fantasia, na fábula, não como alegoria do real, mas como o real propriamente vivido, que é a síntese de boa parte do cinema shyamaliano.

Mas se GLASS exige certa cumplicidade por parte do expectador, especialmente de quem já admira o trabalho de Shyamalan, está familiarizado com suas idiossincrasias, não deixa de ser também dessas obras que, naquelas duas ou três horas que ficamos sentados na sala escura, somos convidados a nos “perder” na tela; melhor, somos instados a descobrir que é possível vivenciar um mundo muito além do cotidiano e do sonho. São filmes de exceção, talvez até anacrônicos em relação ao que se faz hoje no cinema americano (e por isso mesmo tão moderno), que mandam o realismo e o surrealismo para o espaço, e nos fazem vivenciar uma raríssima experiencia sensível.

ESPECIAL McT #7: DURO DE MATAR: A VINGANÇA (Die Hard: With a Vengeance,1995)

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Prosseguindo com o Ciclo John McTiernan, para falar de DURO DE MATAR – A VINGANÇA convidei um dos maiores admiradores do filme que conheço e que inicia aqui uma espécie de colaboração oficial no blog. De vez em quando, o sujeito vai pintar por aqui com alguns textos especialíssimos. E acho que já começou muito bem!

por DANIEL VARGAS

Quando Bruce Willis retornou ao seu icônico papel de John McClane pela terceira vez, algumas coisas já haviam mudado bastante na vida do astro desde o primeiro filme. Para começar, o próprio fator “astro”. Bruce Willis não só já havia se tornado um, como provavelmente era o maior do mundo naquela época (Com Stallone e Schwarzenegger já meio que desgastados). O próprio diretor do DURO DE MATAR original, John McTiernan que retomava a série, já era considerado um dos mais respeitados diretores de ação de Hollywood. E se já no segundo filme as pessoas meio que engoliram com certa dificuldade a frase do McClane: ““Como é que a mesma merda pode acontecer com o mesmo cara duas vezes?”, aqui no terceiro a estigma que o homem comum já havia se transformado em mais um “super action hero” era inevitável. E mesmo Willis interpretando o personagem com os mesmos aflitos, a mesma humanidade de sempre, (errando, hesitando, se alterando, como uma pessoa perfeitamente normal) o público já enxergava McClane como um Rambo urbano.

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Então com o fator “homem comum em situação extrema” fora do baralho para o Willis, como contornar isso? Colocando o Samuel L. Jackson para fazer o pobre coitado da vez, é claro! Os dois recém saídos do surpreendente sucesso de PULP FICTION, mas sem nunca se encontrarem em cena uma vez sequer, dessa vez aqui eles se grudam do começo ao fim mostrando excelente química e criando um improvável buddy-cop movie, onde um dos personagens nem policial é, e solucionando o principal ingrediente que fez o primeiro filme ser tão especial.

Como odeio escrever sinopses quando estou escrevendo sobre um filme, deixa eu ir direto ao ponto: O campo de batalha da vez aqui não é um local fixo como no prédio Nakatomi Plaza em Los Angeles ou o aeroporto de Washington, e sim a inteira cidade já caótica de Nova York, a “homeland” do nosso herói. Lançado em 1995, pré-11 de Setembro, (lembro com exatidão como cenas do filme foram usadas anos depois a exaustão para demonstrar a terrível semelhança entre Hollywood e a vida real que acontecia no fatídico dia. Engraçado que no próprio filme tem uma menção, como alívio cômico, ao atentado terrorista no World Trade Center anterior ao 11 de Setembro em 1993) McClane aceita a participar de um joguinho que um terrorista que acionou diversas bombas em locais diferentes pela cidade, propondo em troca poupar vidas de civis. Logo em sua primeira “missão”, o azarado policial é mandado andar em pleno Harlem vestindo apenas uma placa escrito:

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Da hora a vida, né?

“Simon diz: Sr. Wayne, seu chá está pronto”

O tal terrorista conhecido apenas como “Simon” obviamente nutre um rancor específico por McClane, querendo o colocar em situações constrangedoras, perigosas e até mortais. Mas por quê? Então você que não viu o filme, por favor pare de ler o texto porque vou tirar isso a limpo agora: o Tal de Simon terá a identidade completa revelada como Simon Gruber. Sim, o irmão do “terrorista” Hans Gruber (Alan Rickman), morto por McCLane no primeiro filme e que agora busca vingança. Vendo por esse ponto de vista chega até ser comovente a história de amor de uma família de terroristas tão unida. Mas assim como no primeiro filmes, as coisas não são bem o que parecem. Mas essa revelação, que considero bem mais importante do que a relação de Simon com Hans, não vou deixar escapar. Fique apenas sub-entendido que justamente o que fez falta para o segundo filme em termos de um vilão fodão (acho o uso tanto de William Sadler quanto de Franco Nero, desperdiçados. O que é um pecado) o terceiro supre com uma composição sinistra genial de Jeremy Irons, que não deixa nada a desejar ao personagem de Alan Rickman. Muito pelo contrário, ele até mesmo possui o mesmo talento para “dissimular”. Aliás, não lembro de outro filme de ação puro depois desse, além da dobradinha Travolta/Cage em A OUTRA FACE que tivesse um vilão tão icônico e carismático. Estou me referindo apenas a filmes cujo o gênero “ação” se sobressai aos demais no filme em si, ou seja, não me refiro a personagens de dentro de temáticas mais divididas como “aventura” ou “policial”, deixando claro. O último que me chamou atenção nesse sentido foi Van Damme em OS MERCENÁRIOS 2 e ainda sim talvez muito mais por saudosismo do que pelo personagem em si. Não é a toa que Sean Connery, cujo papel foi o primeiro a ser oferecido, recusou por achar se tratar de um personagem maligno demais para ele (E realmente seria uma surpresa ver ele nesse perfil, apesar de achar que ele mataria a pau tanto quanto Irons)

diehard3_2990Willis: “Você é racista! Você não gosta de mim porque eu sou branco!”
Jackson: “Eu não gosto de você porque você matou meu camarada Vince em PULP FICTION!”

Mas voltando a história, depois de escapar de um possível linchamento de uma gangue local do Harlam com ajuda de Zeus Carver (O já citado Sam Jackson), um vendedor local boa-praça mas com um pouco de complexo de Malcolm X demais da conta (um personagem cuja a verborragia parece ter saído de um filme do Spike Lee, mas que o deixa ainda mais divertido) que acabou se metendo nessa furada por puro acidente. McClane, agora obrigado a trabalhar com o pobre civil contra sua vontade por Simon que mantem contato com eles por ligações misteriosas (onde ele parece estar sempre a par de tudo que acontece com a dupla em detalhes, dando-lhe um aspecto ainda mais misterioso e divino), os mandando de ponta a ponta pela cidade, tentando desvendar pequenas charadas afim de impedir que ele acione as bombas espalhadas pela a Grande Maça. O que se segue é uma direção frenética (literalmente) de McTiernan com nossa dupla tentando chegar nos locais designados por Simon a tempo, seja por corridas alucinadas de carro pelo tráfico infernal da cidade ou mesmo de bicicleta ou a pé. (de maneira que eles até conseguem chegar mais rápido ao locais desejados devido ao trânsito caótico) Mas não pensem que Zeus está ali apenas para ser alívio cômico como o cidadão comum. É um personagem inteligente e corajoso que salva a pele de McClane diversas vezes no filme.

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Originalmente escrito por Jonathan Hensleigh, especializado em roteiros de filmes de ação/aventura de grande orçamento, a história inicialmente era para ser outro terceiro filme de outro clássico do gênero, MÁQUINA MORTÍFERA e o personagem de Zeus seria uma mulher (?!), o que faria mais sentido se nessa versão da série o Murtaugh (Danny Glover) estivesse enfim aposentado e Riggs (Mel Gibson) trabalhando sozinho (será?). E de fato o filme é nada mais que um clássico “corrida contra o tempo”. Quase um “chase-movie” cujo a motivação do personagem é mera desculpa para perseguições, conflitos e explosões. Muitas explosões. Mas tudo isso é muitíssimo bem encaixado para a saga de McClane e orquestrado por quem entende do riscado, com personagens cativantes, que você realmente se importa e torce. E se estressa junto pela tensão. Sem nunca deixar de admirar a maneira como o vilão arquiteta seu plano de maneira genial e colocando a cidade sob seu domínio utilizando apenas sua voz. (Irons só vai aparecer de fato depois de quase uma hora de filme rolando)

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Dá para se dizer que DURO DE MATAR – A VINGANÇA é o tipo de blockbuster milionário que o cinema produziria em massa se o mundo fosse perfeito. Aquele blockbuster que vale cada centavo gasto. Uma sequência que nada deve ao original. Sem nunca se comprometer para atingir um público maior nos cinemas (além de uma cena de tiroteio violenta e brutal no elevador, McTiernan incluiu uma cena de sexo gratuita apenas porque já sabia que o filme receberia censura 16 anos) e ao mesmo tempo saber incluir perfeitamente o humor no filme. E aqui não há lugar para Greedo atirar primeiro. McClane é Eastwood aqui, atirando primeiro enquanto deixa a cautela para os vilões acharem que estão por cima da situação. Um grande filme que talvez tenha sido prejudicado apenas pelo estigma do “terceiro filme é sempre o pior” das diversas trilogias que tivemos até então. Talvez isso explique o motivo do porque a cotação do filme é tão baixa no Rotten Tomatoes e, pasmem, a do horrendo quarto filme ser superior. Ou talvez pelos seus 10 minutos finais onde tudo parece ser solucionado em um passe de mágica onde eles conseguem fazer o que não conseguiram em 1:50 de filme. E ainda trazem o personagem do Zeus junto, arriscando sua vida depois que ele já estava são e salvo. Pra quê?! Eu juro que acharia lindo se o Simon Gruber saísse vitorioso, e nem precisaria matar o herói pra isso! (e assim até retornando a humanidade do McClane do primeiro filme, que fecharia perfeitamente o ciclo) Mas acho que isso já é pedir demais para um blockbuster desse tamanho.

Agradecimentos ao Ronald pelo convite!