ALÉM DA IMAGINAÇÃO 1.9: PERCHANCE TO DREAM (1959)

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Primeiro episódio da série ALÉM DA IMAGINAÇÃO que não foi escrito pelo seu criador, Rod Serling. Charles Beaumont, que viria a escrever algumas obras em parceria com Roger Corman, como ORGIA DA MORTE e THE INTRUDER, ficou responsável por PERCHANCE TO DREAM, que conta a história de Edward Hall (Richard Conte), um sujeito que está acordado há mais de 80 horas quando o episódio começa. Diagnosticado ainda muito jovem com uma doença cardíaca degenerativa, ele tem medo de adormecer e que um pesadelo recorrente envolvendo um cenário surreal e uma mulher misteriosa (Suzanne Lloyd) seja suficientemente chocante para fazer seu coração parar.

O capítulo começa com Hall procurando ajuda de um psiquiatra, o Dr. Eliot Rathmann (John Larch), a quem ele conta sua história. E a partir disso já não sabemos o que é relato, o que é sonho, o que é realidade, mas ao mesmo tempo temos uma das sequências visuais das mais impressionantes de toda a série.

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PERCHANCE TO DREAM foi uma produção agraciada com as pessoas certas em seus devidos lugares. Complementando a história psicologicamente aterrorizante escrita por Beaumont, havia um grupo de atores perfeitamente adequados para dar vida a este pequeno conto. O pequeno elenco incluiu três excelentes nomes, com Richard Conte, mais conhecido como o mafioso Barzini em O PODEROSO CHEFÃO, entregando uma performance especialmente angustiante como o condenado Edward Hall. John Larch, que viria aparecer em outros episódios da série, como DUST e IT’S A GOOD LIFE, tem uma atuação sutil num personagem muitas vezes estereotipado. E a atriz canadense Suzanne Lloyd que captura a essência da sedutora misteriosa que perturba os sonhos de Hall.

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O diretor do episódio, Robert Florey, não era nenhum estranho no gênero de mistério e horror, tendo co-roteirizado FRANKENSTEIN, de 1931, dirigido por James Whale (inicialmente Florey era cotado para dirigir), além de ter adaptado e dirigido OS ASSASSINATOS DA RUA MORGUE, de Edgar Allan Poe, com o o Bela Lugosi, e que eu já comentei por aqui. Florey faz um trabalho maravilhoso em PERCHANCE TO DREAM, conferindo à sequência do cenário alucinatório de pesadelo e imagens oníricas uma verossimilhança que consegue manter a atenção do espectador ao longo do ritmo acelerado e curto do episódio. É como se estivéssemos diante de alguns dos maiores pesadelos filmados do Expressionismo Alemão.

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E temos a estreia de um roteirista para dar uma nova cara à esta primeira temporada. Talvez o aspecto mais importante que Beaumont trouxe para a série tenha sido a propensão à fantasia sombria, às histórias de horror, quase sempre de natureza psicológica, que exploravam o aspecto mais sombrio da mente humana. Enquanto Serling trabalhava em grande parte dentro dos limites reconhecíveis da fantasia (robôs, viagens no tempo, medos coletivos, como a solidão, etc.), Beaumont chegou com um tratamento singular da fantasia e do horror psicológico. Com exceção de Serling, Beaumont foi o mais ativo roteirista de ALÉM DA IMAGINAÇÃO, tendo assinado 22 scripts ao longo das temporadas. E PERCHANCE TO DREAM é um dos melhores exemplos do processo imaginativo único de Beaumont.

OS ASSASSINATOS DA RUA MORGUE (Murders in the Rue Morgue, 1932)

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De vez em quando eu entro numa de ensaiar uma maratona dos clássicos de horror da Universal, mas sempre assisto dois ou três e já abandono… Vamos ver se escrevendo sobre algum deles eu fico mais animado. OS ASSASSINATOS DA RUA MORGUE, de Robert Florey, adaptação de Edgar Allan Poe e com o grande Bela Lugosi no elenco, foi um dos últimos que vi e que vale a pena expor algumas coisas por aqui.

Aliás, diretor e ator quase haviam trabalharam juntos anteriormente no grande clássico do horror, FRANKENSTEIN. Não aconteceu, como se sabe. E tanto para Florey, substituído por James Whale, quanto para Bela Lugosi, a dissociação de FRANKESTEIN sinalizou inúmeros pontos de inflexão na carreira de ambos: Florey nunca mais teve a oportunidade de dirigir uma produção de tanto potencial, e Lugosi, ao se afastar do projeto, permitiu o surgimento de seu rival de tela, Boris Karloff, que, não demoraria muito, acabaria lhe eclipsando.

O prêmio de consolação do estúdio para Lugosi e Florey foi OS ASSASSINATOS DA RUA MORGUE, que não teve o sucesso crítico ou popular que suas carreiras precisavam, apesar de ser um dos mais interessante e ousados filmes de horror do período, acredito eu, pelo menos dentre os poucos que já vi até o momento.

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É que Florey pega pesado na referência do expressionismo alemão, criando quadros realmente fortes e atmosféricos de uma Paris carregada e sombria para além da conta, além de nos oferecer algumas imagens inesquecíveis, e transgressoras para o período, de Bela Lugosi amarrando moças sequestradas a quadros de madeira em forma de X e lhes fazendo transfusões de sangue de gorila… De arrepiar.

Na trama, Bela Lugosi é o Dr. Mirakle, cientista que trabalha no campo da evolução humana e que está experimentando a hibridização entre macacos e humanos em Paris em 1845. Ele financia suas experiências exibindo seu gorila de estimação em um espetáculo em festivais. Fruto de suas experiências, ocasionalmente mulheres são encontradas flutuando no Rio Sena. E seu encontro com um estudante de medicina, o famoso Dupin (que nas histórias originais de Poe era um perspicaz detetive aos moldes de Sherlock Holmes), e sua namorada desencadeia uma série de incidentes infelizes…

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A história original de Poe tem o lance do mistério revelado num final surpreendente, mas aqui Florey transforma o texto de Poe num relato de puro horror com o fato de que já sabemos de antemão o que está acontecendo desde o início. Possivelmente uma sacada sábia, mas o roteiro de OS ASSASSINATOS DA RUA MORGUE (que teve ajuda do diretor John Huston) parece cheio de equívocos em alguns momentos, prejudicado pela decisão da Universal de fazer refilmagens e invadir o filme, que já estava concluído. No entanto, é uma obra que espreita um suspiro de inspiração audaz por parte de Florey em uma estética das mais sombrias e sinistras daquele período.

Altamente recomendado para quem quer se enveredar por aquelas plagas do cinema de horror, mas quer conhecer bons exemplares fora dos ciclos dos monstros clássicos, como DRÁCULA, FRANKENSTEIN, A MÚMIA e etc…