FÚRIA SELVAGEM (Man in the Wilderness, 1971)

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Ainda na toada de O REGRESSO resolvi rever MAN IN THE WILDERNESS, de Richard C. Sarafian pra ver o que dava. Que filme sensacional! É muito melhor do que eu lembrava e bem diferente do filme do Iñarritu… Mas numa estúpida comparação das versões, este aqui ganharia de lavada. O filme me fez pensar um bocado na carreira de Sarafian, diretor de talento gigante mas extremamente subestimado e pouco lembrado. E quando o fazem é por VANISHING POINT, lançado no mesmo ano deste aqui. É um baita filmaço que ganhou seu status de filme cult com merecimento, mas não consigo ver lógica para que MAN IN THE WILDERNESS não tenha virado um clássico entre os westerns de aventura setentistas, ao lado de O PEQUENO GRANDE HOMEM, O HOMEM CHAMADO CAVALO, O GRANDE BUFALO BRANCO, e outros…

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E Sarafian estava em estado de graça quando filmou a história de Zach Bass, vivido por Richard Harris, num de seus melhores desempenhos, um desbravador do velho oeste que, após ser atacado por um urso selvagem, é deixado para morrer no meio do nada. Recupera-se dos ferimentos e parte para se vingar dos antigos companheiros, entre eles o diretor John Huston. Como disse no texto de O REGRESSO, o plot do filme de Iñarritu é exatamente a mesma coisa, mas os desdobramentos a partir desses eventos é que distanciam uma obra da outra. A começar pelo lado alegórico que contempla a obra de Sarafian, e que é justamente a parte piegas do filme de Iñarritu. Na verdade, não tinha intenção de ficar fazendo comparações, mas é difícil num momento em que O REGRESSO está tão em voga e tão fresco na cabeça… Vocês sabem, gosto dessa nova versão como um grande filme de aventura, mas está longe de ser a jornada mística e espiritual que Iñarritu gostaria que fosse em comparação com o que Sarafian realiza em MAN IN THE WILDERNESS. O processo de ressurreição e transformação, tanto na recuperação física, quanto psicológica, de Harris é arrebatador na sua perfeita comunhão com a natureza, na sua busca pela sobrevivência, encarando fome, frio, animais e o caralho e transcendendo seu desejo de vingança à outro nível espiritual… Continuar lendo

CORRIDA CONTRA O DESTINO (Vanishing Point, 1971)

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Em VANISHING POINT, temos Kowalski (Barry Newman), um personagem peculiar, que lutou no Vietnã, foi policial e piloto de corrida e agora trabalha como entregador de carros. Seu serviço mais recente é levar um Dodge Challenger branco (o mesmo carro que Tarantino homenageia em DEATH PROOF) de Denver para São Francisco em apenas dois dias. Para botar ainda mais lenha na fogueira, o sujeito aposta com o seu revendedor local que consegue fazer o percurso muito antes do tempo previsto e pisa fundo pelas estradas!

Correndo em altíssima velocidade, não demora muito para o sujeito chamar a atenção. Os primeiros policiais que tentam pará-lo são botados pra fora da estrada. A partir daí, somos levados ao passado do personagem em flashbacks que mostram o trauma de quando Kowalski ainda era um policial, e provavelmente explica o motivo de tê-los colocado pra fora sem hesitar. Ao longo de todo o filme ocorrem essas “regressões” que evocam diferentes períodos da vida do motorista. O trabalho de edição é um dos grandes atrativos de VANISHING POINT e monta um quebra-cabeça perfeito com a vida do personagem.

Quando a informação do rádio da policia sobre a tal perseguição é captada por um DJ cego chamado Super Soul (Cleavon Little), o protagonista em alta velocidade começa a receber uma ajudinha, além de ter seus 15 minutos de fama. Super Soul “enxerga” a situação como uma metáfora para a liberdade e chama Kowalski de “o último herói americano”. E de certa forma é irônico como o DJ cego torna-se os olhos de Kowalski nas estradas, avisando sobre bloqueios policiais além de inspirá-lo com seu entusiasmo expressivo e com as musicas porretas da época.

Durante o trajeto pelas estradas americanas, Kowalski acaba se deparando com várias figurinhas excêntricas, como o individuo num carrinho estranho que tenta apostar uma corrida e acaba pra fora da estrada, ou o casal gay que pega uma carona e tenta roubar o nosso herói. Ainda há o caçador de serpentes que ajuda Kowalski a se esconder de um helicóptero em pleno deserto e um motoqueiro hippie que além de fornecer um pouco de anfetamina e ter uma namorada que pilota uma moto completamente nua, ajuda-o a passar por um bloqueio policial de forma criativa. É interessante um último e surreal encontro de Kowalski com uma mulher (Charlotte Rampling) que acaba evocando a lembrança de uma namorada que morreu tragicamente alguns anos antes.

Assim como a incrível direção de Richard C. Sarafian, outro elemento que se destaca bastante é o roteiro de Guillermo Cabrera. É escrito com diálogos simples ao mesmo tempo em que tudo acontece de maneira estranhamente poética com algumas sacadas originais, como a brincadeira cronológica do início mostrando o final, deixando bem claro que VANISHING POINT não é apenas virtuosas sequências de ação com carros em alta velocidade, mas realmente existe uma história cativante e uma jornada existencialista, por trás de tudo.