O DIA DO COBRA, Il Giorno del Cobra (1980)

Outro dia parei para assistir a mais um Castellari, diretor que eu venho tentando fazer uma peregrinação, mas tenho me saído toscamente, já que os textos do diretor têm pintado esporadicamente por aqui. Pretendo consertar isso, porque se tem um diretor que vale a pena conferir toda a filmografia, é esse italiano maluco que eu considero um dos pilares do cinema de ação pós anos 70. E antes de Sylvester Stallone encarnar o marcante personagem Marion Cobretti, o tira casca gossa conhecido como COBRA, no filme de George P. Cosmatos de 1986, Castellari já havia chegado na frente e dirigido O DIA DO COBRA, em que o ator Franco Nero interpreta um policial com o mesmo apelido do “garanhão italiano”.

É a sexta parceria entre ator e diretor e, de alguma maneira, começa a demonstrar sinais de desgastes. O DIA DO COBRA já não possui a mesma energia pulsante de um HIGH CRIME ou VINGADOR ANÔNIMO, belos exemplares que a dupla já havia cometido alguns anos antes. Aliás, algumas cenas, detalhes da trama e até enquadramentos são cópias descaradas de coisas que o diretor já havia feito nos filmes que citei. Sem contar que o excesso de diálogos torna a obra uma experiência enfadonha.

No entanto, Castellari (quase) sempre é Castellari e (quase) tudo que faz dá pra tirar algum proveito. Apesar de insosso, problemático e sem o capricho de outrora, O DIA DO COBRA não deixa de ser um sólido filme policial, com mais um grande desempenho de Franco Nero, trilha sonora bacana e algumas sequências interessantes, como aquela bizarra na qual Nero enfrenta um transexual que luta kung fu! A produção ainda conta com uma femme fatale de resPEITO, a voluptuosa Sybil Danning, que fornece alguma nudez bem vinda, embora filmada de longe, não dando pra ver quase nada… mas tudo bem.

Castellari e Nero deram um tempo na parceria depois deste aqui e só voltariam a trabalhar juntos nos anos 90, no western JONATHAN DEGLI ORSI. O DIA DO COBRA é um filme recomendável. Mas se quiserem algo de qualidade mais certeira, recomendo mesmo HIGH CRIME, O VINGADOR ANÔNIMO, IL GRANDE RACKET e LA VIA DELLA DROGA para apreciar o melhor da maestria de Castellari no delicioso gênero poliziottesco.

LA VIA DELLA DROGA, aka Heroin Busters (1977)

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LA VIA DELLA DROGA é o último poliziottesco dirigido por Enzo G. Castellari na década de 70. A esta altura, não restavam dúvidas de que o diretor era um dos grandes mestres do cinema de ação de todos os tempos, mesmo que tenha copiado muita coisa de Sam Peckinpah para desenvolver seu próprio estilo. THE BIG RACKET e KEOMA estavam lá para tirar a prova. E LA VIA DELLA DROGA não fica muito atrás neste quesito. Mas é preciso ter um pouco de paciência. A primeira metade do filme é lenta e burocrática, embora nunca seja chata, apresentando os personagens e o desenrolar de uma trama intrincada, que gira em torno de uma operação policial que possui o objetivo de acabar com uma rota específica das drogas na Itália.

No elenco temos David Hammings (BLOW UP) vivendo um inspetor britânico que comanda toda a operação e Fabio Testi, retomando a parceria com o Castellari após THE BIG RACKET, encarnando aqui o típico herói de ação do policial italiano. Uma dos grandes destaques de LA VIA DELLA DROGA, sem dúvida, é justamente poder observar esses dois grandes atores contracenando. Ambos estão brilhantes, fazendo o contraponto extremo do outro.

Quando a ação finalmente começa, já na segunda metade, segue frenética e ininterrupta até o desfecho. Às favas com qualquer tipo de estrutura, o filme se transforma num festival de tiroteios em diversos cenários (construções, metrôs, fazendas, laboratórios), fugas espetaculares, perseguições em alta velocidade de carros, motos, até culminar no climax, um duelo mortal, extravagante e exagerado de aviões em pleno ar. Apesar dos indícios de insanidade que parecem ter acometido Castellari na elaboração dessas sequências, tudo é filmado com a notável competência e habilidade habitual do diretor e sublinhado pela magnífica trilha sonora do Goblin. Ou seja, LA VIA DELLA DROGA é um filmaço que precisa ser conferido urgentemente.

O VINGADOR ANÔNIMO, aka Street Law (Il cittadino si ribella, 1974)

Franco Nero marca presença como protagonista pela segunda vez num filme de Enzo G. Castellari, encarnando o engenheiro Carlo, sujeito pacato numa cidade onde o crime e a violência reinam desenfreadamente, como é mostrado nos créditos de abertura de STREET LAW. Assassinatos, roubos, vandalismo, os bandidos fazem a festa neste magnífico poliziottesco. E se no filme anterior do diretor o título italiano dizia que “a policia incrimina e a lei absolve”, neste aqui a situação fica ainda pior. A policia é tão corrupta quanto um deputado em Brasília, a lei não serve pra porra nenhuma e o nosso herói, cidadão comum, precisa botar a mão na massa por justiça.

O problema é que Carlo vai ao banco depositar seu dinheiro suado no mesmo horário que três bandidos decidem assaltar o local. Na fuga, escolhem o protagonista como refém, que após o acontecimento fica traumatizado e tremendamente decepcionado com a forma pela qual a polícia cuida do caso. Aos poucos, e contando com a ajuda de um ladrãozinho, localiza os bandidos e planeja sua vingança.

Divagando um bocado sobre o gênero, eu acho que o poliziottesco poderia ser dividido em três categorias: os exemplares protagonizados por policiais, como HIGH CRIME, NAPOLI VIOLENTA, etc; Temos também os estrelados por bandidos/mafiosos, abordando esse universo do crime organizado, como MILANO CALIBRO 9 e LA MALA ORDINA; e teríamos a categoria que STREET LAW se encaixa, a do sujeito comum, que por determinado motivo resolve pegar uma arma e mandar chumbo nos meliantes, como é o caso também de MANHUNT IN THE CITY, do Umberto Lenzi.

E novamente é preciso destacar o belíssimo desempenho de Franco Nero. Diferente de um vingador como Charles Bronson em DESEJO MATAR, Nero constrói um civil repleto de fraquezas, todo desajeitado nessa busca por vingança, e ganha muita veracidade nas expressões do ator. Aliás, o motivo para ir atrás dos bandidos nem é tão grave como vemos em outros filmes. Tudo bem que o cara foi levado como refém, levou umas cacetadas, mas é só… até a namoradinha, vivida por Barbara Bach, sai ilesa. Paul Kersey saiu às ruas empunhando um revolver para vingar a filha estuprada e a esposa assassinada por uns malucos que invadiram sua casa. Um motivo bem mais contundente.

STREET LAW não tem muita ação, é mais focado nas investigações de Marco e as burradas que faz pelo caminho. O tiroteio final, por exemplo, é filmado de maneira que remete à natureza do protagonista… o cara fica escondido o tempo todo atrás de umas caixas e atira a esmo sem saber direito o que faz. Mas é sensacional! É uma ação intencionalmente feia, mas brilhantemente conduzida por Castellari, que novamente destrói com mais uma aula de enquadramento, movimentos de câmera, câmera lenta, utilização de trilha sonora…

Engraçado que o diretor William Lustig, nos comentários em áudio do DVD lançado pelo seu selo, a Blue Underground, comenta com Castellari que STREET LAW serviu de inspiração para o seu VIGILANTE. O curioso é que STREET LAW foi lançado em video na Inglaterra como VIGILANTE 2. O filme que serviu de inspiração para a produção de Lustig acabou tornando-se também a sua continuação.

Outra curiosidade interessante é em relação ao poster de STREET LAW na Turquia, cuja arte recebeu uma imagem adicional de uma mulher nua com uns peitões de fora, algo que não havia no cartaz original e de outros países, muito menos no próprio filme! Esses turcos são picaretas até nisso! Hahaha!

HIGH CRIME (La polizia incrimina la legge assolve, 1973)

Já tinha escrito um textinho pequeno e superficial sobre este filme tempos atrás, mas como estão me cobrando mais Castellari – e com razão – resolvi rever para postar algo tão superficial quanto o texto anterior, mas um pouquinho mais detalhado e condizente com o especial Enzo Castellari que iniciei aqui no blog há alguns meses e dei uma parada, mas estou retomando a partir de agora. E só um detalhe para os mais aficcionados no homem: pulei dois filmes, ETORE, O MACHÃO e TEDEUM. O primeiro não encontrei em lugar algum e o segundo só achei com uma qualidade horrível e fiquei com preguiça de ver. Prefiro prosseguir com os filmes que me dão vontade ver do que ficar adiando… e no caso do ótimo HIGH CRIME valeu a revisão.

Na época em que foi lançado, o cinema policial italiano, conhecido também como poliziottesco, caminhava para a consolidação que aconteceria no decorrer da década de 70. O comissionário Stefano Belli, personagem encarnado pelo Franco Nero, já havia surgido em UN DETECTIVE, de 1969, comandado pelo Romolo Guerrieri, tio de Enzo G. Castellari.

Assim como no filme de 1969, Franco Nero volta à pele de Belli em HIGH CRIME. Logo na abertura, temos uma operação policial para prender um bandido que culmina numa longa perseguição em alta velocidade pelas estradas italianas filmada com a agilidade e o talento preciso de Castellari. O filme começa bem pra cacete, não tenham dúvidas, e mantém o alto nível até o fim, com boas sequências de ação, dosado com uma carga emocional muito forte na figura do policial protagonista em sua encruzilhada contra o tráfico de drogas e corrupção… alvos frenquentemente vistos no gênero.

E Franco Nero aguenta a pressão de carregar tanta dramaticidade. Entrega uma performance magnífica com seu personagem romântico, lutando por aquilo que acredita com todas as suas forças, absorvendo a figura do action man setentista ao mesmo tempo em que precisa encarar de frente as tragédias e perdas pessoais que são consequências de seu empenho conta o crime (Fernando Rey surge aqui como vilão, sempre ótimo).

É difícil tirar da cabeça o olhar desolado e expressivo de Belli no desfecho… resultado de um belo trabalho combinado entre o gigante talento de Nero com uma sensibilidade fora do comum na direção de Castellari. Mas é claro que não poderia deixar de destacar mais uma vez o trabalho enérgico nas cenas de ação deste mestre italiano. Talvez seja o primeiro filme de Castellari com todas as características que marcam sua assinatura como diretor de ação. Os tiroteios sangrentos filmados em câmera lenta ao estilo Peckinpah, a perseguição do início, sequências explosivas de tirar o fôlego. A ação final é uma aula de enquadramentos e movimentos de câmera.

HIGH CRIME é a primeira colaboração entre Nero e Castellari, o filme seguinte do diretor, STREET LAW, já repete a parceria. Os dois ainda fizeram juntos o maravilhoso e crepuscular KEOMA, CIPOLLA COLT, O CAÇADOR DE TUBARÕES e O DIA DO COBRA… Estes três últimos eu nunca vi. Nem STREET LAW, que já está engatilhado aqui e trago minhas impressões em breve.

THE BIG RACKET (Il Grande Racket, 1976), de Enzo G. Castellari

Já faz alguns dias que assisti a este poliziesco de primeiríssima qualidade com assinatura do mestre italiano Enzo G. Castellari, o mesmo que já nos brindou com clássicos como ASSALTO AO TREM BLINDADO, KEOMA, GUERREIROS DO BRONX e muitos outros. THE BIG RACKET é mais um filmaço do diretor, hours-concours do cinema policial italiano e obrigatório para qualquer criatura que deseja enveredar-se pelo subgênero mais cool do cinema carcamano!

Fabio Testi, ator magnífico, encabeça o elenco interpretando um policial do tipo linha dura que não se inibe ao utilizar métodos nada ortodoxos contra a bandidagem, principalmente quando se trata dos membros de uma organização criminosa que cobra dos pequenos comerciantes uma “taxa de proteção” absurda. E pior para aqueles que não aceitarem as condições dos bandidos, como é mostrado já nos créditos iniciais!

A coisa fica mais feia ainda quando os criminosos rolam o carro do protagonista por uma ribanceira abaixo – com ele dentro, diga-se de passagem – numa cena espetacular com a câmera dentro do carro filmando o próprio Fabio Testi experimentando a sensação de capotagem em um terreno bastante íngreme. E as iniqüidades não param por aí: toda vez que o personagem de Testi consegue prender de forma legal algum membro da organização, um advogado liberta o vagabundo com a maior facilidade. E se eu disser que as perversidades dos delinquentes ainda não param por aí, alguém acreditaria? Mas pra saber mais, você vai ter que assistir ao filme…

“O jeito é resolver a situação à base de chumbo grosso!”, assim pensa o nosso herói. Mas antes de agir como um vingador solitário armado até os dentes, como Charles Bronson em DESEJO DE MATAR, ele recruta alguns indivíduos que possuem conta em aberta com os bandidos e estão sedentos de vingança! E uma dessas vítimas ansiosa pelo seu dia de desforra, é interpretada pelo grande Vincent Gardênia. Alguns outros nomes também são bem conhecidos no meio dos subgêneros italianos como Orso Maria Guerrini e Joshua Sinclair.

Mas o que mais chama a atenção, dentre todas as qualidades que THE BIG RACKET possui, é mesmo a direção de Castellari nas cenas de ação. O sujeito deve ter acordado com o pé direito em todos os dias de filmagens. Duas sequencias, em especial, são verdadeiras aulas de como uma boa action scene deve ser filmada, com bastante estilo e sem frescuras: o tiroteio entre os vagões e claro, o grande final, uma das demonstrações mais expressivas de ação no cinema de Castellari, com direito as suas habituais câmeras lentas e brutalidade explícita. Mais um belo exemplar altamente recomendado!


Como não poderia deixar de fazer, indico um ótimo texto do Felipe M. Guerra sobre o filme. Basta clicar aqui.