RACE WITH THE DEVIL (1975)

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Os prazeres da descoberta cinéfila são sempre renovadores, especialmente quando se trata de bons exemplares do exploitation americano setentista que hoje quase todo mundo não dá a mínima, como é o caso de RACE WITH THE DEVIL, de Jack Starrett. Um híbrido de ação com horror que é um filmaço. Na verdade, a “descoberta” deste filme específico vai ser de quem ainda não conferiu, porque eu pessoalmente já tive esse prazer há alguns bons anos, mas desde então me pego revendo essa pérola. Então para começar bem o fim de semana, a dica é RACE WITH THE DEVIL, que saiu aqui no Brasil como CORRIDA COM O DIABO.

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Na trama, os bons amigos Roger (Peter Fonda) e Frank (Warren Oates) planejam as melhores férias de suas vidas. Acompanhados pelas suas respectivas mulheres, Kelly (Lara Parker do seriado DARK SHADOWS) e Alice (Loretta Swit, “Hot Lips” do seriado MASH), os dois casais enchem o luxuoso trailer de Frank de cerveja e outros mantimentos e caem na estrada para uma viagem até o Colorado. Num trecho rural do Texas, eles acham um ponto para estacionar e descansar durante a noite. Sob a lua cheia os dois amigos vão à beira de um riacho, jogam conversa fora enquanto enchem o bucho de álcool, quando veem uma enorme fogueira sendo acesa do outro lado do rio.

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Observando a cena de forma, digamos, clandestina, Frank e Roger a princípio pensam que estão testemunhando uma boa e velha putaria de hippies libertinos; várias mulheres peladonas brincando em volta do fogo fazem com que os dois disputem jovialmente os binóculos. Só que a diversão se transforma em horror quando uma moça é esfaqueada por uma figura com uma máscara bizarra em algum tipo de sacrifício humano ritualístico. Os dois sujeitos borram nas calças, metaforicamente falando, e decidem tirar o trailer de lá antes que sejam vistos. Mas é tarde demais – um bando de adoradores do Diabo já está se espalhando pelo rio, correndo direto na direção da dupla.

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Depois da fuga, os casais vão até a delegacia de polícia mais próxima para relatar o que aconteceu. O amável Sheriff Taylor (veterano ator R.G. Armstrong) investiga devidamente o local, mas Frank começa a suspeitar de algo. A força policial local parece tranquila demais, até irreverente eu diria, sobre um possível assassinato de uma jovem numa floresta no meio da noite. O xerife sugere que hippies “fumaram umas cocaina”, estavam de brincadeira e que os dois amigos deve ter se confundido com alguma encenação… Mas aos poucos, vários sinais misteriosos vão sendo deixados aos casais protagonistas, que parecem indicar exatamente o contrário do que a polícia pensa. Não exatamente certo em que acreditar, o quarteto continua suas férias, deixando para trás a horrível experiência daquela noite. Mas parece que nem todo mundo quer “virar essa página”…

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RACE WITH THE DEVIL é uma miscelânea de temas e gêneros muito bem combinados. Temos uma pitada de horror rural do início dos anos 70, como DELIVERANCE, do John Boorman, ingredientes do horror satanista e um bocado de thriller/ação para dar um tempero mais excitante. Na verdade, é curioso pensar que toda a ideia do culto satânico poderia ser facilmente substituído por algum outro tipo de atividade nefasta – contrabando de drogas, escravidão humana, enfim, qualquer coisa – e pouco da trama precisaria ser alterado. Mas o toque de horror dessa mistura de gêneros vem com um gostinho especial, são vários momentos em que as convenções do terror deixam as coisas mais tensas de acompanhar…

A cena do ritual, por exemplo, é bem macabra e os figurantes eram compostos por membros reais de seitas, conforme afirma o diretor Jack Starrett em entrevistas. Se é verdade, eu não sei, só garanto que a coisa toda é uma experiência angustiante. Até porque, em vez de pegar em cheio na jugular, RACE WITH THE DEVIL toma o seu tempo em estabelecer o cenário, em construir os personagens e em aumentar gradualmente o suspense e a tensão.

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A ação mais direta, mais  deflagradora mesmo, não entra em cena até os 15 minutos finais, em uma sequência de perseguição de tirar o fôlego, colocando o trailer dos protagonistas contra um bando de carros e caminhões dirigidos pelos membros da seita. Numa época em que nem se sonhavam nas possibilidades dos efeitos especiais de CGI, é revigorante ver os dublês se arriscando perigosamente ou pirotecnias geradas com explosivos reais em vez de pixels movidos à photoshop. Os carros trombando em alta velocidade no clímax é de encher os olhos e lembram muito o que George Miller faria no seu maravilhoso MAD MAX II, oito anos depois. Não ficaria surpreso se houvesse algum tipo de influência deste aqui sobre a obra do australiano.

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RACE WITH THE DEVIL era inicialmente para ser dirigido por Lee Frost, especialista em filmes baratos daquele período, mas acabou substituído pelo Starrett, que era outra figura que contribuiu bastante com o cinema exploitation. Frost chegou a receber crédito como roteirista, ao lado de Wes Bishop, mas todas as cenas que rodou foram refilmadas por Starrett. O sujeito tinha um estilo eficiente e direto de filmar, sem muita frescura, não se vê virtuosismo e beleza estética nos filmes do Starrett, embora ele consiga extrair sempre algo interessante do seu material. E RACE WITH THE DEVIL é um de seus momentos mais inspirados, sem duvida.

Para quem não sabe, o Starrett também era ator, participou de muita produção de baixo orçamento, mas é mais conhecido por ter vivido o policial sádico que acerta umas pancadas em John Rambo em RAMBO – PROGRAMADO PARA MATAR. O mesmo que cai do helicóptero, que balança quando Rambo acerta uma pedrada… Enfim, só uma curiosidade.

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Por último, vale destacar a presença de dois dos mais significativos nomes do cinema setentista encabeçando o elenco, Fonda e Oates, que estão excelentes como os amigos tranquilos, bem de vida, que só querem um pouco de paz e diversão em família e acabam metidos numa confusão macabra em que precisam chegar aos extremos, pegar em armas e atirar para matar. Já o lado feminino infelizmente acaba não tendo muito destaque, o que é estranho considerando que o movimento feminista estava em plena atividade na metade dos anos setenta; as esposas de Roger e Frank não passam de mulherzinhas completamente indefesas que se põem a gritar e a chorar a qualquer circunstância misteriosa.

Tirando isso, filmaço! RACE OF THE DEVIL Foi lançado em DVD por aqui, mas se não encontrar, procure nos torrents, foda-se, encontre alguma maneira de conhecer este clássico do cinema grindhouse.

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IDAHO TRANSFER (1973)

bscap0034O ator Peter Fonda possui três obras creditadas como diretor: o belo e poético western THE HIRED HAND (1971), o simpático WANDA NEVADA (1979) e este IDAHO TRANSFER, que resolvi assistir outro dia e acho que vale alguns comentários, um trabalho do homem praticamente esquecido, que é também um estranho sci-fi ecológico com viagem no tempo.

(Mas só para constar, não custa lembrar que apesar não receber créditos na direção de EASY RIDER, é notório que Fonda dividiu o serviço com o Dennis Hopper.)

IDAHO TRANSFER é basicamente um filme síntese dos temores setentistas em relação ao futuro da terra. Propõe que nós, seres humanos, vamos acabar nos destruindo e, mesmo conscientes disso, é inevitável. O que é bastante óbvio, na verdade, passados mais de quarenta anos que o filme foi feito, porque de fato estamos arrasando ecologicamente com o planeta, sabemos disso e mesmo assim vamos foder com tudo. Talvez naquela época isso não fosse tão claro quanto hoje. Talvez ainda tivessem esperança.

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Na trama um projeto científico torna possível a viagem no tempo. No entanto, apenas jovens com seus vinte e poucos anos são capazes de sobreviver às repetidas idas e vindas temporais. Durante essas jornadas, descobre-se que o futuro não é nada otimista e uma catástrofe ecológica pôs fim a vida na terra.

Coloca-se em prática, portanto, um plano secreto para enviar um grupo de jovens ao futuro com recursos e disposição para iniciar uma nova civilização. Mas a coisa desanda porque o projeto acaba ameaçado pelo governo fazendo com que os mancebos fiquem presos no futuro e obrigados a encarar essa realidade catastrófica que devastou a humanidade, além de outros detalhes que tornam a vida desses indivíduos ainda mais problemática… Continuar lendo

DEMENTIA 13 no feriadão: MISTURA DE GÊNEROS

JONES, O FAIXA PRETA (Black Belt Jones, 1974):

Jim Kelly é o cara! No clássico OPERAÇÃO DRAGÃO, estrelado por Bruce Lee, era apenas um rosto desconhecido que conquistou a atenção do público com carisma, ótimos movimentos em cenas de lutas e um black power super cool. O diretor Robert Clouse percebeu algo no rapaz e em JONES, O FAIXA PRETA, seu trabalho seguinte, o escalou como protagonista, expandindo ainda mais o potencial do ator, que se tornou um ícone do ciclo blaxploitation!

A trama de JONES, O FAIXA PRETA não é lá grandes coisas, mas é lógico que isso não conta. O que vale é a quantidade de sequências em que Jim Kelly arrebenta a fuça de vários bandidos – bem ao estilo Bruce Lee, com direito a gritinhos e tudo mais – e os pequenos detalhes e personagens que tornam o filme imperdível. Vale lembrar que o diretor possui experiência com filmes de artes marciais, então os fãs não tem do que reclamar. Já nos créditos iniciais somos brindados com uma pequena obra-prima dos filmes B: Kelly lutando contra vários meliantes enquanto as imagens congelam para o texto dos créditos surgirem na tela. A cena onde Gloria Hendry desabotoa a saia de forma sexy para logo depois botar vários marmanjos a nocaute também é um achado. E no final temos ainda a clássica luta no sabão!

Hoje, a figura de Jim Kelly é kirtsh e vista de maneira gozada. Mas uma olhada em JONES, O FAIXA PRETA percebe-se um bom filme, híbrido de blaxploitation e artes marciais, com alguns momentos impagáveis e uma trilha sonora bacana que ajuda na climatização do estilo. Não chega ao nível de um SHAFT, SWEETBACK, COFFY, mas é diversão certeira para o público iniciado nos gêneros marginais dos anos 70.


CORRIDA COM O DIABO (Race With The Devil, 1974):

É outro filmaço que faz uma deliciosa bagunça de gêneros. Mas o enredo é bem simples, sobre dois casais que partem juntos num grande trailer para suas merecidas férias. Certa noite, eles testemunham um ritual satânico com sacrifício humano. Após serem descobertos, passam o filme inteiro pelas estradas tentando sobreviver aos ataques dos insanos integrantes do grupo, bem como a paranoia que toma conta de suas mentes.

Essa mistura de horror com ação era para ser dirigida por Lee Frost, especialista em filmes baratos daquele período, mas acabou substituído por Jack Starrett, outra figura que contribuiu bastante com o cinema de baixo orçamento. Frost chegou a receber crédito como roteirista, ao lado de Wes Bishop, mas todas as cenas que rodou foram refilmadas por Starrett.

As sequências de ação, com os carros trombando em alta velocidade são perfeitas e lembram muito o que George Miller faria no seu maravilhoso MAD MAX II, oito anos depois. Não ficaria surpreso se houvesse algum tipo de influência deste aqui sobre a obra do australiano. Mas a atenção do espectador também é voltada completamente aos momentos macabros da narrativa, como a cena do ritual, cujos figurantes eram compostos por membros reais de seitas, conforme afirma o diretor em entrevistas. Se é verdade, eu não sei, só garanto que o filme é uma experiência angustiante e muito divertida.

Embora seja um autêntico B movie, CORRIDA COM O DIABO se beneficia muito também por ter dois dos mais representativos atores daquela geração, Warren Oates e Peter Fonda, em excelentes atuações.