A MALDIÇÃO DE FRANKENSTEIN (1957)

A Hammer Films já existia há um bom tempo e tinha obtido um sucesso considerável com algumas produções, sobretudo com o excelente THE QUATERMASS XPERIMENT em 1955. Mas foi A MALDIÇÃO DE FRANKENSTEIN (The Curse of Frankenstein), em 1957, que realmente colocou a produtora no mapa e, no processo, lançou uma onda de filmes de monstros clássicos, do terror gótico, como franquias bem lucrativas.

O próprio diretor da bagaça, Terence Fisher, já havia dirigido muitos filmes para Hammer, incluindo exemplares de ficção científica e alguns da safra de film noir britânico que a produtora fazia aos montes na sua primeira fase. Foi uma escolha óbvia para assumir este projeto aqui, o mais ambicioso da Hammer até aquele momento, o sujeito demonstrava um talendo superior a todos os demais diretores da produtora. E para dar o pontapé inicial, a Hammer decidiu trabalhar com um dos mais famosos monstros da literatura e que também já tinha virado ícone do horror pela Universal nos anos 30. Só que agora seria em cores, widescreen e com um teor a mais de sexo e violência. Foram decisões acertadas, assim como colocar Peter Cushing e Christopher Lee como as figuras centrais da parada.

Mas o roteiro de Jimmy Sangster para A MALDIÇÃO DE FRANKENSTEIN não se apega muito ao romance de Mary Shelley, muito menos à versão de 1931 da Universal – até porque a produtora americana estava ameaçando processar os ingleses da Hammer se qualquer elemento ou detalhe de seus filmes fosse copiado… Melhor assim. Sangster acabou escrevendo algo “original” e um dos motivos de sucesso do filme foi justamente o fato de que parecia uma abordagem completamente nova do mito de Frankenstein e sua criatura.

Nesta versão, o assistente do Barão Frankenstein (Cushing) é seu tutor, Paul Krempe (Robert Urquhart), que se tornou colaborador. Até que os experimentos de Frankenstein começam a se tornar mais radicais e seus métodos moralmente duvidosos. Paul se mantém no local apenas porque tem medo de deixar a bela prima – e noiva pretendida – de Frankenstein, Elizabeth (Hazel Court), sozinha em casa com o Barão cada vez mais obsessivo. Paul tenta persuadir Frankenstein do perigo representado por seu experimento, a criação de um indivíduo artificial composto de várias partes de vários corpos, mas os esforços de Paul para impedir o Barão resultam em danos ao cérebro que fora reservado para a criatura. Isso não só tem consequências desastrosas para o monstro, mas também empurra Frankenstein ainda mais à beira da loucura.

O que há de mais revolucionário nesta versão é a atuação de Peter Cushing como Frankenstein. O livro de Mary Shelley e a maioria das adaptações cinematográficas levantam a questão de quem é o verdadeiro monstro, Frankenstein ou a criatura, mas nesta versão não há nenhuma dúvida. O foco é todo no barão Frankenstein em vez de sua criação. Aqui, Cushing é quem brilha, tem um de seus melhores momentos – é o vilão que você ama e odeia. É quem o público vê assassinando e provocando o caos, uma máquina diabólica, desmembrando cadáveres e utilizando partes de corpos, é o “cientista maluco” clássico, com seu cinismo latente e sua moralidade jogada às favas em prol da ciência. O tipo de sujeito que senta perto do fogo e bebe um bom vinho tinto depois de ter empurrado um velho para a morte só para utilizar seu cérebro; ou, depois de um passeio noturno ao agente funerário, orgulhosamente exibe à Paul um novo par de olhos ou mãos decepadas para usar nos experimentos. E ele não é um cientista idealista que sucumbe gradualmente à tentação de brincar de Deus, nem é um homem bem-intencionado, que lentamente perde sua bússola moral conforme seus experimentos fogem do controle. Com o Frankenstein de Cushing, fica claro que as sementes da loucura e do mal estavam lá desde o início. Desde o início de sua carreira científica, ele estava preparado para perseguir fins e utilizar meios que não eram apenas moralmente duvidosos – eram clara e inequivocamente imorais.

Nisso, Christopher Lee acaba ficando meio que relegado ao segundo plano. Boris Karloff, em 1931, havia dotado a criatura com uma certa dignidade e até bastante simpatia. Por aqui, a criatura de Christopher Lee é um reflexo hediondo do vácuo moral na alma de seu criador. Mas todas as suas poucas cenas, com aquela maquiagem grotesca (imagem acima), são geniais. São momentos pelos quais o filme ganha uma força seminal, mostra um novo tipo de horror surgindo na tela, cheio de vigor e cores contrastantes. A primeira meia hora de A MALDIÇÃO DE FRANKENSTEIN pode até ser um pouco lenta, mas depois disso o ritmo acelera e Terence Fisher demonstra porque foi um dos grandes mestres do horror. Alguns de seus filmes anteriores são bons, mas está claro que o terror gótico era o gênero perfeito para seus talentos.

A amizade de Lee e Cushing também deu-se início por aqui, quando Lee invadiu o camarim de Cushing, reclamando que seu personagem não tinha falas… Cushing gentilmente respondeu: “Você tem sorte. Eu li o roteiro“. Mas A MALDIÇÃO DE FRANKENSTEIN é realmente ótimo, não é meu filme favorito da “franquia” de Frankenstein da Hammer, mas sem dúvida alguma foi um começo de um ciclo que impressiona a cada revisão.

Hammer Time: AS NOIVAS DO VAMPIRO (The Brides of Dracula, 1960)

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O sucesso das primeiras incursões da Hammer Film no terror gótico, nas releituras dos clássicos monstros como Frankenstein, Drácula, a Múmia e Lobisomem, fez com que as suas continuações fossem, obviamente, inevitáveis. No caso da sequência de O VAMPIRO DA NOITE (que comentei por aqui há alguns anos), primeiro exemplar da Hammer sobre o famigerado personagem Conde Drácula, a produtora se deparou com um pequeno problema: a ausência de seu astro, Christopher Lee. Existem relatos variados sobre o motivo pelo qual Lee não quis reprisar seu icônico papel (o principal seria para não ficar marcado pelo personagem, o que acabou acontecendo de qualquer maneira, já que o sujeito voltou a encarnar o vampirão diversas vezes nas duas décadas seguintes), mas seja lá qual for a verdadeira razão, a Hammer teve que se virar e encontrar um novo vampiro.

Encontraram David Peel, que não chega nem no calcanhar de Christopher Lee, mas faz um bom vilão vampírico. Felizmente, eles ainda tinham também o diretor Terence Fisher, bons roteiristas, como Jimmy Sangster, o ator Peter Cushing e praticamente a mesma equipe técnica que realizou O VAMPIRO DA NOITE. O resultado foi AS NOIVAS DO VAMPIRO, que se não possui a mesma força que o anterior, não deixa de ser também um filme de vampiro agradável, que possui todos os mesmos elementos visuais que adoramos nos filmes da Hammer.

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No final do século XIX, uma jovem professora, Marianne (Yvonne Monlaur), está à caminho para ocupar uma posição numa academia de jovens moças na Transilvânia. Meio perdida durante o trajeto, uma mulher mais velha, a baronesa Meinster (Martita Hunt), oferece à moça estadia em seu castelo. Os aldeões parecem aterrorizados com a baronesa, mas Marianne, que é uma jovem inocente, fica feliz em aceitar sua oferta. Ela logo descobre que a baronesa não mora sozinha. Em outra ala do castelo ela vê um jovem jeitoso, filho da baronesa, mas que se encontra acorrentado. Diante dessa situação, o rapaz a convence de libertá-lo.

E é claro que o jovem barão Meinster (Peel) é um vampiro. Apesar do título original aparecer o nome “Drácula”, isso nunca é mencionado no filme. O que leva o título nacional a ter uma maior coerência, mas de fato temos aqui as noivas vampiras. Marianne parece destinada a se juntar a elas, mas felizmente o Dr. Van Helsing (Cushing) está passando pela aldeia fazendo algumas pesquisas sobre vampirismo e novamente terá que entrar em ação.

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Aliás, ação é o que não falta por aqui. AS NOIVAS DO VAMPIRO é bem mais agitado que o seu antecessor. O roteiro aparentemente passou por várias reescritas e nota-se uma certa bagunça na história e na quantidade de personagens. Como resultado, certas sub-tramas foram deixadas penduradas enquanto a trama principal é cheia de buracos. O diretor Terence Fisher, mestre do gênero, ignora sabiamente esses detalhes e se concentra na atmosfera, no visual e em manter a ação em movimento, consciente de que o filme tem força suficiente para compensar suas fraquezas.

No elenco, vale destacar Peel (como já disse, consegue fazer um bom vilão se não for comparado a Lee) e Cushing, que está em boa forma, como na maioria das vezes nessas produções da Hammer. Yvonne Monlaur faz pouco além de parecer assustada e inocente, mas Martita Hunt está bem expressiva como baronesa, que se revela mais vítima do que vilã. Freda Jackson dá uma exagerada como a velha enfermeira do jovem barão, mas funciona. E Miles Malleson oferece um bom alívio cômico como um médico de moral duvidosa.

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Os cenários estão entre os melhores das produções de horror gótico do Hammer. O Castelo Meinster é particularmente impressionante. Bernard Robinson foi responsável pelo design de produção e é um dos seus melhores trabalhos. A maravilhosa fotografia em cores Technicolor de Jack Asher é outro grande trunfo.

Sem qualquer desrespeito a Christopher Lee, de certa forma dá para refletir em como AS NOIVAS DO VAMPIRO se beneficia de sua ausência, uma vez que libera os roteiristas dos grilhões da história de Drácula e permite que eles se desviem em uma direção diferente. É óbvio que um monumento como Christopher Lee faz falta, mas o esforço de fazer algo original e fora dos padrões é o que torna AS NOIVAS DO VAMPIRO num dos melhores exemplares do gênero produzidos pela Hammer.

Hammer Time: O MONSTRO DO HIMALAIA (1957)

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O MONSTRO DO HIMALAIA (The Abominable Snowman), é o terceiro filme da colaboração entre o diretor Val Guest e o escritor Nigel Kneale sob a batuta da Hammer Film. Apesar de não estar no mesmo nível de TERROR QUE MATA (The Quatermass Xperiment, 1955) e QUATERMASS 2 (1957), não fica muito atrás. Peter Cushing é um montanhista/cientista que lidera uma expedição no Himalaia em busca do lendário Yeti, mais conhecido como o abominável homem das neves. O sujeito quer capturar um espécime para fins científicos, ao contrário de seu parceiro, Tom Friend (Forest Tucker), que encara a expedição como uma maneira de fazer fortuna.

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Muito antes de TUBARÃO, de Steven Spielberg, Val Guest já estava determinado a usar a velha tática de mostrar o mínimo possível do monstro, o que não só aumenta a tensão nas sequências de suspense, especialmente para o público da época, mas também coloca o foco nos personagens e suas motivações. Enquanto buscam encontrar um Yeti  ao escalar os colossais montes do Himalaia, acabam, na verdade, se deparando com seus próprios medos.

A produção de O MONSTRO DO HIMALAIA é caprichada, e percebe-se que fizeram um bom trabalho de filmagens em locação, imagens aéreas, que dão uma autenticidade visual especial ao filme. A fotografia em preto e branco (de Arthur Grant, responsável pelo visual extraordinário de vários clássicos da Hammer) é de encher os olhos. O roteiro de Nigel Kneale é inteligente, levanta questões interessantes sobre as origens e o destino final de nossa própria espécie, e sobre as relações entre ciência e entretenimento. No elenco, destaca-se obviamente Cushing, que mesmo em um modo mais discreto consegue sobressair-se. E Forest Tucker, que nunca chamou muito a atenção, mas faz um trabalho louvável aqui, sem deixar seu personagem se transformar numa mera caricatura.

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Um dos filmes mais subestimados da Hammer, pouco visto ultimamente, mas é altamente recomendado. Muito mais do que apenas um simples monster movie.

Hammer Time: O VAMPIRO DA NOITE (Dracula, 1958)

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Começando o carnaval, época boa pra ficar em casa e assistir a uns filminhos de terror… Estava meio receoso de começar uma série de textos tratando de TODOS os filmes sobre o universo Drácula que a Hammer criou nos anos 50, 60 e 70, porque o meu amigo Paulo Blob já fez isso recentemente no site Boca do Inferno. Todos textos obrigatórios, diga-se de passagem. Mas como resolvi rever alguns exemplares e finalmente conferir os que ainda não tinha visto, acho justo que eu faça pelo menos alguns breves comentários pra ficar registrado por aqui. Começando pelo começo, fiz uma revisão de O VAMPIRO DA NOITE, a primeira incursão da Hammer ao personagem de Bram Stoker e que gerou oito continuações oficiais. O filme reúne novamente Christopher Lee e Peter Cushing, os astros do primeiro filme de monstros clássicos da Hammer, THE CURSE OF FRANKENSTEIN (57), com o diretor Terence Fisher, que é responsável pela grande maioria desses filmes.

Ainda pretendo peregrinar nas outras séries de monstros que a produtora britânica realizou, mas vale destacar, a princípio, sobre essas obras seminais, algumas sacadas que os realizadores tiveram para conseguir atrair de volta a atenção do público a um tipo de horror que já estava em baixa no período e que favorece bastante, por exemplo, O VAMPIRO DA NOITE. A primeira coisa foi evitar o preto e branco tradicional das fitas de horror e colocar cores vivas estourando na tela, ou seja, agora era possível ver o sangue vermelhão derramado, e violência gráfica era algo que Fisher abusava bastante em seus filmes e que, querendo ou não, em plena década de 50 tinha um impacto danado. Em segundo lugar, esses filmes introduziram um bocado de erotismo às obras clássicas do horror, o que não seria comum nas versões da década de 30 e 40… E ver uma senhorita com um belo decote e olhar insinuoso era tudo que um senhor britânico de meia idade poderia querer ao entrar numa sala de cinema naqueles dias.

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O roteiro de Jimmy Sangster em O VAMPIRO DA NOITE não faz questão alguma de ser fiel aos escritos de Stoker. Entre as principais mudanças há o personagem de Jonathan Harker, interpretado por John Van Eyssen, que aqui aparece como aspirante a caçador de vampiros, assistente de Van Helsing (Peter Cushing), chegando ao castelo de Drácula (Christopher Lee) já ciente da natureza vampírica do Conde, mas passando-se por um bibliotecário. Drácula, que não é bobo, descobre a jogada e lasca uma mordida no pescoço do sujeito, que acaba se transformando num vampiro. Já Van Helsing deve ter ficado com saudade e, sem notícias do jovem Harker, acaba indo procurá-lo, seguindo seus passos até chegar no Castelo, descobrindo o que aconteceu com seu pupilo. Nada que uma estaca no coração não resolva. O problema é que o Conde já partiu para a Inglaterra em busca de uma nova vítima: Lucy, noiva de Harker. Van Helsing retorna a Londres para tentar impedir as intenções do vampirão.

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A partir daí, o filme se desenrola nos mesmo moldes dos tradicionais filmes de Drácula, até chegar no ponto onde Van Helsing e o Conde têm um duelo final. E aí, meus caros, a diferença está exatamente em ter em cena um Peter Cushing e Christopher Lee para tornar tudo mais genial. Cushing, especialmente, está excepcional como o caçador de vampiros incansável, uma mistura de cérebro com coragem, embora lhe falte porte físico. Já Christopher Lee tem presença física de sobra, tanto que seu Conde Drácula possui o total de apenas treze falas durante todo o filme. Mas nem faz muita falta, basta seu olhar esbugalhado, com sangue escorrendo da boca, sua expressividade incrivelmente magnética. Não à toa O VAMPIRO DA NOITE consagra Christopher Lee, assim como seu antecessor, Bela Lugosi, três décadas antes, como um ícone do horror vampiro para toda uma nova geração. O elenco de apoio também ajuda bastante e o destaque vai para Michael Gough, que interpreta o irmão de Lucy. Gough é lembrado bem mais velho por ser o mordomo Alfred dos filmes do Batman dirigidos pelo Tim Burton e Joel Schumacher.

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Em termos de direção, estética, fotografia e cenários, que belo filme é O VAMPIRO DA NOITE! Os planos nos interiores são muitíssimo interessantes, com o uso das cores vibrantes. E do lado de fora, aquelas paisagens pintadas à mão que tanto me encantam. A sequência final do já citado confronto entre Van Helsing e Drácula mostra bem do que esses caras eram capazes de fazer na construção da tensão, na elegância da ação, ao mesmo tempo tão seco e cru. Fisher não tava de brincadeira não… É um baita diretor, embora quase nunca seja lembrado como o mestre do horror que é.

Agora preciso ver o resto da série. Mas antes, mais uma revisão, AS NOIVAS DO VAMPIRO (60), novamente dirigido pelo Fisher e estrelado pelo Cushing, mas infelizmente sem Christopher Lee no papel de Drácula. O sujeito tava com medinho de ficar estigmatizado no personagem e tentou variar um bocado, mas acabou retornando em DRACULA – O PRÍNCIPE DAS TREVAS, em 1966… Mas a gente chega lá.