CINECLUBISMO + FIRST REFORMED (2017)

Sábado fui prestigiar a primeira sessão do Cineclube Vertigo, organizado pelo grande Guilherme Ferraro. O filme escolhido foi o que elegi como o melhor do ano passado, FIRST REFORMED, do Paul Schrader.

A sessão contou com a presença de um pequeno grupo seleto, incluindo meu querido amigo Du Aguilar, e foi seguido de um bom debate, algo que faz muita falta pra mim hoje em dia. Tenho a impressão de que as pessoas se acostumaram a discutir filmes pelas redes sociais e esqueceram como é bom juntar um grupo que você nunca viu na vida para sentar, assistir uma obra e discuti-la depois. Algo tão besta, que deveria ser tão habitual para nós, cinéfilos, mas que tem sido tão raro hoje… Isso é cineclubismo, pô! Viva o Cineclube Vertigo!


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Sobre o filme visto (revisto, no meu caso), foi legal para confirmar que se trata mesmo de um dos grandes filmes desta década. A carreira de Schrader nos últimos anos não tem sido muito fácil, acumulando trabalhos considerados irregulares (eu, particularmente, gosto de todos), além de problemas com os homens engravatados dos estúdios (como na sua versão de O EXORCÍSTA – O INÍCIO e mais recentemente com THE DYING OF THE LIGHT)… Mas com FIRST REFORMED parece que ele realmente teve total liberdade, sob a batuta da A24 Films, e fez um trabalho com assinatura autoral e de um radicalismo formal absurdo.

É, para Shrader, um filme de retorno às origens: à sua criação religiosa cauvinista, a influência do cinema de Robert Bresson e Ingmar Bergman, retorno também aos temas de TAXI DRIVER, do qual, para quem não se lembra, o roteiro é de sua autoria.

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FIRST REFORMED é sobre um reverendo, Ernst Toller (Ethan Hawke), que administra a pequena e histórica igreja First Reformed, no interior de Nova York, supervisionada pela Abundant Life, uma dessas mega igrejas bem-sucedidas, que parecem máquinas de ganhar dinheiro. Toller carrega cicatrizes profundas, perdeu um filho na guerra do Iraque, vive num estado de solidão, mesmo que o trabalho exija contato com outras pessoas, comandando cultos e como guia turístico na pequena igreja; mas quando chega a escuridão da noite, se afunda no whisky enquanto desenvolve uma doença e preenche as páginas de um diário (alusão óbvia ao DIÁRIO DE UM PÁROCO DE ALDEIA, de Bresson).

Quando Toller começa a aconselhar um ativista ambiental instável e depressivo e sua esposa grávida, o resultado só agrava a sua situação e o leva a uma profunda crise espiritual e psicológica cujas consequências não são nada agradáveis de se ver…

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Não que sua fé seja abalada nessa jornada mais materialista que espiritual, e ele diz, numa narração em off, que encontrou uma “nova forma de rezar”. Mas é nessa espiral descendente que FIRST REFORMED encontra TAXI DRIVER, cuja essência é a do indivíduo que carrega traumas e cicatrizes, seres deslocados e incapazes socialmente, que sentem a necessidade de “fazer alguma coisa” para mudar o mundo, mesmo que seja através da violência.

Tarefa não muito fácil de acompanhar FIRST REFORMED em certo sentido, provavelmente pela profundidade dos temas que Schrader aborda, preocupado com o que está acontecendo com o mundo contemporâneo. Política, guerras no Oriente Médio, mudança climática, espiritualidade x materialismo… É um filme que lida com muitas questões e é impressionante como Schrader explora cada tema com um equilíbrio e distanciamento correto, sem fazer disso tudo um discurso óbvio e inútil. E sem fazer concessão alguma na maneira como conduz tudo isso, num trabalho de direção austero, filmado em uma proporção quadrada de 1,37: 1, com uma câmera tão fixa, tão estática, que quando se movimenta causa até uma catarse, vide o plano final, com a câmera girando ao redor dos corpos, um dos desfechos mais sublimes que eu já vi…

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Vale destacar ainda um iluminado Ethan Hawke, que dá ao seu reverendo Toller a complexidade que o personagem exige para habitar nesse universo. Um típico “herói” Schradiano, que sofre por inúmeras razões e acha que deve proteger o mundo, o que Deus criou, mas sem se incomodar em se ferir no processo, e dentro dessa lógica encontrar um propósito para sua própria existência. E Amanda Seyfried, também ótima, numa personagem chamada Mary, grávida, o que dá pano pra manga pra outras tantas interpretações…

FIRST REFORMED é uma experiência rara e fascinante, vindo de um dos nomes mais originais do cinema americano pós-70’s, que às duras penas vem conseguindo se adaptar e explorar os novos meios e formas para continuar expurgando seus anseios em forma de cinema. Enquanto Schrader filmar, teremos filmes dignos e inteligentes para aguardar de joelhos… Espero que o velho ainda dure alguns bons anos com saúde e vontade de filmar.

Uma pena que este aqui não tenha sido distribuído no Brasil.

SCHRADER NO OSCAR

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Os membros da academia não tiveram colhões pra eleger FIRST REFORMED, último trabalho de Paul Schrader, entre os indicados a Melhor Filme. Mas isso já era esperado. Uma pena que Ethan Hawke também não esteja entre os escolhidos na disputa de Melhor Ator. Fará falta. O sujeito entrega aqui uma dos mais fortes desempenhos de sua carreira. Ao menos Schrader concorrerá na categoria Roteiro Original. É difícil, mas ficamos na torcida. Porque FIRST REFORMED merece todo o reconhecimento, seja lá de onde vier, mesmo que todos falem “ah, o Oscar é uma bobagem, é uma premiação feita à base de lobby“. Mas é também o tipo de coisa que define o futuro de um cineasta veterano como Schrader. Receber um prêmio hoje é ganhar fôlego (e financiamento) para um próximo filme.

E isso vale também para o Spike Lee, que está na jogada com o seu sensacional BLACKKKLANSMAN. Esse sim, concorrendo à vários dos prêmios principais, incluindo Melhor Filme e Diretor.

FIRST REFORMED e BLACKKKLANSMAN, os dois maiores filmes do ano passado, já têm minha torcida no Oscar 2019.

PAUL SCHRADER GOES WEST

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Um dos maiores monumentos do cinema americano atual é esse senhorzinho aí em cima, que atende pelo nome de PAUL SCHRADER. Diferente de caras como John Carpenter, William Friedkin, Michael Mann, David Cronenberg, e outros velhinhos que já fizeram muita coisa legal, Schrader continua à pleno vapor, escrevendo e dirigindo, se adaptando e se reinventando no cinema contemporâneo e às novas tecnologias, novos formatos, novos meios de exibição, como um garoto de 72 anos.

Celebremos Paul Schrader… Porque se depender daqueles outros ali em cima, estamos perdidos. Sério, eu espero estar errado, mas vamos cair na real que nunca mais teremos um filme novo do Carpenter, Coppola, Friedkin, Mann, Cronenberg… Clint Eastwood deve fazer mais uns dois no máximo. Brian De Palma não consegue lançar nem seus filmes que já estão prontos. Fora de Hollywood, Paul Verhoeven é um milagre que esteja lançando algo este ano, mas não tenho muita esperanças. Johnnie To já anunciou a aposentadoria… Um ciclo que vai se encerrando aos poucos. E Abel Ferrara? Scorsese ainda se salva. Até quando, já não sei.

Enquanto isso, temos Schrader. Seu último filme, FIRST REFORMED, é maravilhoso e encabeçou a lista dos meus filmes favoritos do ano passado. E o cara disse essa semana, durante a premiação dos Critics Choice Awards, que agora vai fazer um western. No elenco, já apontou Willen Dafoe e Ethan Hawke, e o título por enquanto é NINE MEN FROM NOW, que remete ao clássico de Budd Boetticher, SEVEN MEN FROM NOW, com Randolph Scott e Lee Marvin. Sem mais informações no momento, é só aguardar de joelhos.