RUAS DE FOGO (1984)

Antes mesmo de me preocupar em saber o nome de diretores, eu já gostava do trabalho de Walter Hill. Alguns de seus principais filmes passavam exaustivamente na TV e durante a minha infância pude conferir várias belezinhas, como 48 HORAS I e II, INFERNO VERMELHO, THE WARRIORS, EXTREME PREJUDICE, etc…

No entanto, o curioso é que mesmo tendo visto apenas uma parcela de seu trabalho, adorando o cinema do sujeito, tendo-o, na minha opinião, como um dos pilares do cinema de ação moderno (junto com Woo, Flynn, Castellari, Mann e, claro, Peckinpah), grande parte da sua obra só fui parar para conferir há pouco mais de dois anos: LUTADOR DE RUA, CAVALGADA DOS PROSCRITOS, THE DRIVER, O IMBATÍVEL… Pra piorar (ou não, já que vou ter o prazer de assistir pela primeira vez), me falta conferir um bocado de coisa do homem ainda (SOUTHERN COMFORT, TRESPASS, JOHNNY HANDSOME, WILD BILL, etc).

E RUAS DE FOGO entra na categoria das descobertas recentes. Tive uma relutância boba, não sei explicar a razão por não ter assistido antes e me arrependo profundamente por tê-lo conferido agora. Não, não achei o filme ruim, ou algo parecido, pelo contrário, é uma obra muito estilosa, sonoricamente magnífica e visualmente hipnotizante, tem boa ação (não poderia ser diferente, já que estamos falando do Hill), enfim, é mais que uma simples diversão! Mas eu fico imaginando assistir com o olhar de menino… teria sido, no mínimo, mágico!

 

 

 

Situado em um universo paralelo em um período indefinido, um mundo mítico saído da mente de Hill – talvez o mesmo universo de THE WARRIORS – que mistura a década de 50 com a de 80, RUAS DE FOGO narra a simples fábula na qual Cody (Michael Paré), retorna para casa, após o chamado de sua irmã, para resgatar sua antiga namorada, agora uma cantora de sucesso, Ellen (Diane Lane), das garras de Raven (Willem Dafoe), líder de uma gangue de motoqueiros. Assim eles poderão tentar dar uma segunda chance ao amor, ou não, e ela poderá continuar cantando músicas bacanas como Tonight Is What It Means To Be Young, uma das tantas canções que fica grudada na cabeça:

 

*Este vídeo contém spoiler!

 

Ah, sim! Esqueci de dizer que o filme é meio que um musical… mas não do tipo convencional, desses que as pessoas substituem diálogos com cantoria, como nos desenhos da Disney. A narrativa é pontuada com trechos de shows da mocinha e outros músicos, e o filme inteiro acaba possuindo um ritmo alucinante no encadeamento das cenas. A sequência do resgate de Ellen é um bom exemplo, quando a edição entrecorta planos de Cody se preparando para distribuir sopapos, tiros, explodir motocicletas, com a apresentação de Rock’n’Roll dentro de um bar. O efeito sonoro-visual é simplesmente incrível!

 

 

 

Michael Paré demonstra ser um canastrão de rostinho bonito que prometia ser um astro, mas acabou entrando em cada furada… Nem mesmo o Hill conseguiu tirar muita coisa do sujeito, mas até que não se sai tão mal por aqui fazendo pose de herói de ação, com seu modelito cowboy, estilo ERA UMA VEZ NO ESTE. Já Diane Lane, apesar de ser de dublada nas cenas que aparece cantando, está admirável e tem bastante química com Paré. E ainda temos Willem Dafoe fazendo vilão com aqueles olhos esbugalhados e assustadores. Sujeito possui talento de sobra! O elenco se completa ainda com Bill Paxton, Rick Moranis, Deborah Van Valkenburgh e Amy Madigan, que é uma das personagens mais interessates, autêntica mulher-macho, que chuta a bunda dos marmanjos e faria Stallones e Schwarzeneggers pensarem duas vezes antes de mexer com ela.

 

 

 

 

O projeto inicial de Hill seria realizar uma trilogia com o personagem de Paré, mas como RUAS DE FOGO foi um desastre completo nas bilheterias, acabaram desistindo da idéia. Mas é um filme fascinante que já encontrou o seu público e ganhou status de cult, merecidademente. Ainda este ano ou no próximo (nunca se sabe), o diretor Albert Pyun, que é fã confesso de RUAS DE FOGO, pretende lançar uma espécie de continuação não oficial, ROAD TO HELL, estrelado pelo Paré. Vamos ver o que vai dar…

CANNIBAL! THE MUSICAL (1993)

Outro filme sugerido para o mês de horror aqui no blog foi este CANNIBAL! THE MUSICAL… er, embora não se enquadre muito bem ao gênero. Na verdade, foi realizado pelos criadores do desenho South Park, a dupla Trey Parker e Matt Stone, então seria um equívoco esperar algo sério por aqui, mas isso pouco importa! O filme é delicioso, estranho, engraçado e com altas doses de gore! As filmagens aconteceram quando os dois dementes ainda eram alunos do curso de cinema na Universidade do Colorado e algum tempinho depois a produtora Troma resolveu lançar essa tralha pelo mundo à fora.

E fizeram um bem danado! Lembro que perdi a chance de comprar o DVD quando fui na Master Class do Lloyd Kauffman em São Paulo, porque, se não estou enganado, o Felipe M. Guerra pegou o último exemplar que tinha à venda e eu acabei tendo que me contentar com o obscuro DEF BY TEMPTATION, que também deve ser uma maravilha… tem o Samuel L. Jackson no elenco e é dirigido por um cara chamado James Bond III!!! Quando eu der uma espiada, eu comento por aqui.

Mas voltando ao CANNIBAL, trata-se de um bizarrento musical que mistura elementos verídicos da história americana, western, aventura e, claro, antropofagia, como o título já indica, com direito à várias sequências grotescas de violência trash. O enredo segue a jornada de Alfred Packer, um ingênuo cowboy, com uma paixão animalesca por sua égua, que acaba se transformando no guia de uma expedição de seis homes em busca de ouro pelos confins dos Estados Unidos. Durante o percurso, uma galeria de personagens hilários cruza o caminho do grupo e várias atribulações comprometem a missão. O problema é que Packer é o único a retornar com vida da jornada e acabam lhe acusando de comer, literalmente, seus companheiros de viagem.

Momento desabafo: acho que o gênero comédia, de uma forma geral, se tornou um troço meio intragável a partir de determinado período, quando o politicamente correto parece ter virado um consenso. Por isso é sempre legal celebrar uns exemplares libertos, ácidos e com personalidade, como CANNIBAL, filme sem grandes pretensões, mas com um humor peculiar e ousadia de sobra! Uma pena Parker & Stone terem feitos  poucos trabalhos para cinema…

Parker, em especial, é um talento fora do comum e em CANNIBAL ele escreve o roteiro e todas as canções, dirige, estrela com muita desenvoltura e até empresta a sua voz nas cenas de cantoria. Matt Stone também dá a sua contribuição como produtor, roteirista e interpreta um dos caçadores de ouro. O resto do elenco é quase todo formado por amadores e mandam muito bem… inclusive Stan Brakhage também marca presença. Sim, o mestre do cinema experimental era professor da dupla na época. Tenho a impressão de que não era bem isso aqui que o sujeito esperava de seus aplicados alunos.