2019: AFTER THE FALL OF NEW YORK (1983)

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O primeiro filme que assisto em 2019 é, obviamente, o fantástico 2019: AFTER THE FALL OF NEW YORK, um dos meus clássicos favoritos do ciclo “pós-apocalíptico” italiano dos anos 80, junto com FUGA DO BRONX e OS GUERREIROS DO BRONX, ambos de Enzo G. Castellari. Produções desesperadas em tentar lucrar ao máximo e aproveitar o sucesso internacional de FUGA DE NOVA YORK, de John Carpenter, e MAD MAX 2, de George Miller, entre outras coisas, mas que rendiam um manancial de pérolas absurdamente divertidas (em alguns casos). Eram os anos 80, enquanto o mundo caminhava para o fim da guerra fria, havia uma certa paranóia em relação a uma Terceira Guerra Mundial que acabou refletida e imaginada em filmes pós-apocalípticos como o do Carpenter e Miller. E é nessa tentativa de ganhar um trocado em cima do sucesso desses filmes, criando suas próprias versões, criando praticamente um gênero, que o ciclo italiano ficou marcado.

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No entanto, alguns desses filmes possuem tanta personalidade, que acabam também influenciando futuras produções. E acho que 2019: AFTER THE FALL OF NEW YORK pode se orgulhar de ter esse feito, uma vez que trata-se de uma versão italiana descarada de FUGA DE NOVA YORK, mas claramente inspirou a história de FILHOS DA ESPERANÇA, de 2006, do hoje consagrado diretor mexicano Alfonso Cuarón, com a busca do herói para encontrar e proteger a última mulher fértil num futuro distópico (com direito à um personagem que exibe proeminentemente “Guernica” de Picasso em sua parede)…

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Cena do filme FILHOS DA ESPERANÇA, de Alfonso Cuarón…

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…E uma cena de 2019: AFTER THE FALL OF NEW YORK. Coincidência? Acho que não.

A trama de 2019: AFTER THE FALL OF NEW YORK se passa vinte anos após o holocausto nuclear que praticamente devastou com o planeta. Os sobreviventes sofreram mutações e se tornaram inférteis. Há quinze anos não nasce um indivíduo nessa realidade. O guerreiro nômade Parsifal (Michael Sopkiw) é sequestrado a mando do presidente da Pan-Americana, uma confederação rebelde que luta contra os Eurac, que se intitularam vencedores da guerra. É explicado a Parsifal que estão planejando lançar uma espaçonave para realocar alguns indivíduos para Alpha Centauri, um conjunto de planetas com atmosfera habitável e é oferecido a ele um lugar na nave se aceitar a missão. A coisa consiste em adentrar as ruínas de NY para resgatar a única mulher fértil que restou. “Entrar em Nova York é fácil. Sair que é impossível“, diz o presidente interpretado pelo grande Edmund Purdon, numa sequência que remete logo de cara ao primeiro encontro de Lee Van Cleef e Kurt Russell no filme de Carpenter.

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Parsifal concorda, relutante, e vai acompanhado de dois outros membros rebeldes: Bronx (Paolo Maria Scalondro), um sujeito que perdeu sua família em NY durante a guerra e tem ódio mortal dos Eurac, e o misterioso Ratchet (Romano Puppo), um caolho que possui força sobre-humana. O resto de 2019: AFTER THE FALL OF NEW YORK se resume na missão desses aventureiros numa Nova York devastada, que é controlada pela tropa Euracs, esgueirando-se para não serem encontrados, algo impossível, o que acarreta numa dinâmica de ação que não deixa o filme parado, e aliando-se aos povos mutantes que vivem nas ruínas. Especialmente um anão, com o “criativo” nome de… Shorty (Louis Ecclesia).

A direção desse petardo é de Sergio Martino, um maestro relegado à condição de “menor”, por nunca ter o mesmo reconhecimento entre os mais cultuados do cinema de gênero italiano, como Lucio Fulci, Mario Bava e Dario Argento. Mas os autênticos admiradores desse tipo de cinema sabem de sua importância e legitimam seu imenso talento por colocar na tela exatamente o que seu público espera. Como já disse, é um filme que não diminui o ritmo em seus noventa e poucos minutos, o andamento das coisas em 2019: AFTER THE FALL OF NEW YORK é muito bom nesse sentido. O roteiro pode até não ser dos mais elaborados, com diálogos inspirados, mas mesmo nos trechos mais lentos, cuja impressão é de que vamos entrar num marasmo e nos aborrecer, Martino não demora para mostrar alguma situação absurda, apresentar personagens bizarros e jogar muita ação na tela, em sequências explosivas, lutas e tiroteios, com direito à um bocado de gore, olhos perfurados e cabeças explodindo.

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Algumas sequências que poderiam passar puramente de um xerox de FUGA DE NY acabam ganhando bastante personalidade nas mãos de Martino. Um bom exemplo é quando o grupo tenta fugir de NY num carro antigo, do século XX, através de um túnel “minado”, mais uma referência óbvia de Snake Pliskenss levando os seus, dirigindo pela ponte minada no climax do filme de Carpenter. Martino trabalha tantas ideias e incrementa tanto a ação, que a sua fuga acaba ganhando um novo sentido, tem sua própria força, sem ficar nada a dever ao filme, digamos, “homenageado”…

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Mas o grande contraste de Martino em relação ao filme de Carpenter é na construção do herói Parsifal. À princípio, temos um Snake de meia-tigela, cuspido e escarrado, com uma rebeldia latente e desprezo pelas autoridades, e totalmente desacreditado de que a raça humana mereça uma segunda chance com a possibilidade de uma mulher fértil em voltar a perpetuar o homem, como planeja o presidente. Mas onde o personagem de Kurt Russell permanece o individualista anárquico-pessimista-niilista até o fim, Parsifal se entrega aos sentimentos quando se apaixona por uma das habitantes das ruínas de NY. Isso muda tudo.

Sopkiw não é um Kurt Russell, obviamente, mas entrega uma atuação sólida em 2019: AFTER THE FALL OF NEW YORK, digno dos grandes heróis do cinema pós-apocalíptico italiano. Era a sua estreia no cinema, já tinha feito alguns trabalhos como modelo e Martino resolveu arriscar com o rapaz porque ficaria bem mais barato dentro do orçamento da produção, que já era apertado. Em entrevista, Martino fala que gostou de trabalhar com Sopkiw, que encaixou perfeitamente ao papel. E revela que estrelar um filme dele serviria de trampolim para qualquer ator iniciante. De fato, Sopkiw teve um breve momento de fama no meio dos anos 80, fez quatro filmes legais no período, mas logo depois resolveu abandonar a carreira e se dedicar à outros assuntos… Já comentei sobre Sopkiw no post sobre BLASTFIGHTER, de Lamberto Bava. Depois confiram aqui.

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Sem precisar gastar rios de dinheiro com um Franco Nero ou Giuliano Gemma, Martino pôde trabalhar com cuidado o visual, nos mínimos detalhes. Vale destacar, portanto, os efeitos especiais que abusam de miniaturas e maquetes, que são toscas sob um olhar mais exigente, mas que dão aquele charme a mais neste tipo de produção. Os figurinos, maquiagens dos mutantes – ou a cena em que um personagem precisa fazer uma cirurgia de colocação de olhos novos – e os cenários desse universo pós-apocalíptico também são caprichados. E o diretor aproveita bem desse material, dos close nas caras dos atores maquiados, com suas feridas putrefatas, ao bom uso do espaço físico na ação. O elenco também merece atenção, trazendo alguns bons nomes deste período do cinema popular italiano, como os já citados Romano Pupo, Edmund Purdon e o grande George Eastman, que rouba a cena com seu Big Ape, um mutante metade homem, metade macaco, que lidera uma trupe de seres bizarros.

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Portanto, o que temos aqui é uma obra genial, ou seja, uma picaretagem das boas do cinema de gênero italiano, que copia na cara dura o clássico de John Carpenter, FUGA DE NY, mas com tanta imaginação e personalidade, que acabou resultando em algo único, que sem dúvida alguma, o diretor mexicano Alfonso Cuarón usou de base para escrever FILHOS DA ESPERANÇA trinta anos depois. Uma última constatação é a influência de BLADE RUNNER, de Ridley Scott, em 2019: AFTER THE FALL OF NEW YORK, na lógica dos replicantes, de androides que se confundem com seres humanos e que estão entre os indivíduos que povoam o filme. E que, aliás, também se passa em 2019… Pelo visto, esses cineastas tinham uma ideia bem pessimista deste ano específico. Mas apesar do mundo não estar tão ruim quanto nessas visões de futuro, até que acertaram em alguns pontos. Mas vamos que vamos…

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“YOU WANT TO KNOW WHO I AM? I’M A SON OF A BITCH… who wants to be left alone.”

A frase acima extraída de BLASTFIGHTER, de Lamberto Bava, condiz tanto com o personagem principal do filme quanto com o próprio ator que o interpreta, o americano Michael Sopkiw. O sujeito atuou em apenas quatro filmes na Itália nos anos 80, demonstrou certo talento e características de um autêntico herói de ação da época e, de repente, largou mão do cinema. Em entrevistas, Sopkiw diz que após estrelar essas produções italianas, resolveu retornar aos EUA com a ideia de trabalhar como ator em Hollywood, mas infelizmente fazer apenas quatro filmes de gênero na Itália não ajudou muito. Após dois anos tentando e totalmente quebrado financeiramente, o sujeito decidiu tentar outra carreira. Foi estudar e trabalhar com remédios naturais, montou uma empresa e hoje importa e distribui nos Estados Unidos um tipo de garrafa de vidro que protege o conteúdo (os tais remédios) dos raios solares…

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Um dos melhores filmes que Sopkiw fez foi BLASTFIGHTER, um baita filmaço de ação onde o sujeito dá um show como action hero, o que me fez ficar ainda mais encucado pelo homem abandonar a carreira tão precocemente. Até porque dos quatro filmes que fez, vi três, e são todos ótimos! Primeiro foi 2019: AFTER THE FALL OF NEW YORK (1983), um divertido rip-off de FUGA DE NOVA YORK dirigido pelo Sergio Martino; depois foi trabalhar com Lamberto Bava num filme de tubarão, SHARK: ROSSO NELL’OCEANO (1984), este eu não vi ainda; repetiu a parceria com o Bava filho neste aqui e finalizou a carreira com o clássico filmado no Brasil PERDIDOS NO VALE DOS DINOSSAUROS (1985), de Michele Massimo Tarantini, completando cerca de três anos trabalhando no cinema.

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O projeto inicial de BLASTFIGHTER era de um sci-fi pós-apocalíptico, gênero que pintava aos montes naquele período, e a direção estava nas mãos do Lucio Fulci. Mas em algum momento da pré-produção acabou virando um filme de ação florestal, rip-off de FIRST BLOOD. E não se trata daquelas produções carcamanas com roteiro meia boca, que vale mais pelo visual, o humor involuntário e cenas de ação. A história e os personagens de BLASTFIGHTER são muito bem escritos e a produção, cujas filmagens aconteceram nas belas paisagens da Geórgia, EUA, é bem caprichada.

Sopkiw, com um bigode estilo Mauricio Merli e Franco Nero, interpreta Tiger Sharp, um ex-policial que acabou de sair da prisão por ter agido por vingança ao invés de fazer seu trabalho seguindo as regras da lei. Agora retorna à pequena cidade onde cresceu para tentar viver uma vida de forma pacata. Sem procurar muito contato social, acaba tendo que reencontrar a sua filha, que não vê há muitos anos e agora já é uma moça adulta; além do seu velho amigo de infância, vivido por George Eastman.

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Não demora muito o jeitão fechado de Tiger acaba atraindo alguns jovens da cidade, que começam a implicar com o sujeito. O problema é que a coisa foge do controle e ultrapassa todos os limites do respeito pela vida humana. De repente estamos assistindo a um exército de caipiras armados com rifles de caça em punho perseguindo o protagonista e sua filha pela floresta adentro. E após uma tragédia, Tiger se vê na posição de revidar, e seu contra-ataque é simplesmente brutal!

Vale comentar que o herói possui uma arma avançada tecnologicamente, com munição especial, que deve ser remanescente do projeto inicial de ficção científica e que é interessante vê-la em atividade, até porque há toda uma preparação para a ação do personagem, uma lenta construção do inferno que ele cria para cima de seus inimigos com a utilização dessa arma. Confesso que fiquei impressionado com a sequência final, um tiroteio explosivo daqueles de encher os olhos! Com direito a ossos quebrados, facadas sangrentas, carros e corpos explodindo, membros decepados, uma boa dose de gore. E é por isso que dá uma pena saber que Sopkiw fez uma quantidade risível de filmes e que o Bavinha retornou ao horror ao invés de aprontar outros exemplares no estilo de BLASTFIGHTER.

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Lamberto Bava, aliás, assina como John Old Jr. e confesso que não sei quantos filmes de ação ele fez, mas um sujeito que realiza BLASTFIGHTER deveria ter se dedicado mais no gênero. Aposto que se daria bem melhor do que na carreira de diretor de horror. Bava tem alguns filmes excelentes, como DEMONS (85), mas de uma maneira geral sua carreira não tem tanta expressividade como a de um Fulci, Soavi, Argento, Freda, Deodato, e, claro, o papai Mario Bava. Acho que carregar esse sobrenome não deve ter sido mole…

Algumas curiosidades para finalizar. Há uma versão do cartaz de BLASTFIGHTER que parece demais com as artes feitas para os filmes pós-apocalípticos daquele período (abaixo à esquerda). Imagino que seja uma arte conceitual ainda da fase em que o projeto seria um sci-fi. Além disso, utilizaram essa mesma arte, cuja figura representa o Sopkiw para copiar no cartaz brasileiro de outro filme estrelado por ele, PERDIDO NO VALE DOS DINOSSAUROS (abaixo à direita). Da mesma forma, a ótima trilha sonora de BLASTFIGHTER também foi reaproveitada no filme de Tarantini, provando mais uma vez que a zoeira desses italianos não tem limites.

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