VALHALLA RISING, por Davi de Oliveira Pinheiro

Ao final do visionamento de VALHALLA RISING talvez você esteja um pouco machucado. Algumas marcas de machado no braço, alguns cortes de lâmina na barriga, mas nada que mate, afinal um filme é um filme, mas em tempos de tecnologias que tentam aumentar a imersão do espectador, é interessante uma obra que se atém a preceitos básicos de imagem e som para criar esta imersão.

VALHALLA RISING ao mesmo tempo em que ataca de forma visceral o espectador, lhe dá mais forças através de uma jornada que para cada um deve ser muito particular, já que é um filme de silêncios, da relação do homem com o ambiente, seja o espaço que separa continentes ou mesmo o compacto de uma embarcação. Trata superficialmente de fé, misturando mitologia nórdica e cristã, mas sua relação principal é com a transcendência do homem, a sua própria noção de importância e de seu lugar na história.

O personagem principal, o Caolho (Mads Mikkelsen, um de meus novos atores favoritos), não participa do filme e de ambições históricas, na verdade. Ele é nosso elo de ligação, mas as questões temáticas se estabelecem através dos demais personagens, de suas reações ao Caolho, cujas únicas ações são violentas, sempre seguidas de silêncio, de calma, de observação. Ele não procura conflitos, nem mesmo gera-os; ele os elimina através da violência. Talvez seja o personagem cinematográfico mais antitrama da história. Em todos os momentos que outros personagens reagem para “avançar” a trama, criar os pontos de trama que facilitariam a absorção do filme, o Caolho tem um rompante de violência e mata o plot point.

Ficamos presos a um filme estagnado, de reações. Um grupo de homens em uma procura, mas sem a força de vontade para chegar ao objetivo, sem capacidade de ir adiante. O que acaba por importar é a atmosfera, os enquadramentos, as locações, as cores e texturas do ambiente. Não cai no campo do experimental, pois a narrativa não é algo novo, mas sai do lugar comum dos filmes de aventura contemporâneos. É um filme de ação que a rejeita e com isso traz um leve sabor de novidade.

VALHALLA RISING (2009), de Nicolas Winding Refn

O novo trabalho do dinamarques Nicolas Widing Refn é o que podemos chamar de um curioso experimento perturbado. O ótimo Mads Mikkelsen interpreta uma versão hardcore e silenciosa de seu personagem em FÚRIA DE TITÃS. Aqui ele é um alegórico guerreiro caolho e mudo que parte com um grupo de Vikings cristão em uma jornada surtada à terra Santa. Em tempos de cenários formatados em 3D e criados em CGI pós-SENHOR DOS ANÉIS, VALHALLA RISING é um frescor! Com um fiapo de roteiro, Refn consegue hipnotizar o espectador com uma estética fora do comum no cinema atual e compensa totalmente uma possível falta de conteúdo nos brindando com momentos de rara beleza de imagens e sons sem deixar de lado o impacto causado pela violência e brutalidade explícita praticada pelo protagonista sobre suas vítimas.

O que realmente pega em VALHALLA RISING é que o filme é aparentemente bastante vago para justificar seu projeto e comportar 90 minutos de duração. Na verdade, o filme possui conteúdo, mas é preciso ter um conhecimento prévio da mitologia viking, e como eu não tenho, fiquei boiando. Os diálogos são escassos, os personagens pouco fazem além de andar pelos cenários e Refn preenche muito de seu tempo com imagens das paisagens, imagens belíssimas, diga-se de passagem, mas que podem afugentar o espectador que espera acompanhar de fato uma trama bem definida.

Confesso que isso não me incomodou. Conversando com o Leandro Caraça, ele associou VALHALLA ao AGUIRRE de Herzog. Um filme que segura o espectador mais pela força de suas imagens que pela trama em si, até porque se formos parar pra pensar, uma boa parte do filme do alemão maluco é uma espécie de embacarção rumando sem destino por um rio. Mas alguém consegue desgrudar os olhos da tela? Sei que é bem mais difícil aqui, mas quem conseguir embarcar nesta poesia visual e sonora de Nicolas Winding Refn, vai ser bem recompensado.

Acho difícil não entrar na minha lista de melhores filmes no fim do ano…