INFERNO VERMELHO (1988)

Não tem muito como errar com a boa e velha fórmula do “filme de parceiros policiais“. Ou como ficou mais conhecido no seu próprio idioma original, os buddy cop movies. Era pegar dois sujeitos de personalidades, classes, culturas opostas, ou seja lá o que for, e colocá-los juntos para resolver crimes enquanto batem boca e defendem visões divergentes… É claro que colocar a Whoopi Goldberg fazendo parceria com um dinossauro de látex não é lá uma boa ideia… O dinossauro merecia um parceiro melhor. Mas os exemplos positivos de buddy cop movies temos aos montes. É como pizza, até quando é ruim é bom.

Um diretor que é sinônimo de buddy cop movies é Walter Hill, um dos responsáveis por definir as regras do sub-gênero ainda lá atrás no início de carreira, como roteirista, em HICKEY & BOGGS (72), dirigido pelo Robert Culp, ou no piloto DOG AND CAT (77), antes mesmo de realizar seu próprio exemplar nos anos 80, o clássico 48 HORAS (1982). E tão familiar com o tema, Hill sempre encontra um jeitinho de dar uma boa variada na fórmula.

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Em INFERNO VERMELHO (Red Heat) essa variação vem num trabalho de “choque cultural”. Tá certo que o resultado acaba sendo tão ingenuo e cartunesco quanto o de ROCKY 4, mas reflete a visão estereotipada coletiva da Rússia pelos americanos do período. Além de funcionar bem como pano de fundo de um filme de ação policial que se propõe a ser uma sátira de diferenças de costumes. Mas o verdadeiro desafio de Hill não era tão simples e poderia colocar todo o projeto a perder. Consistia em trocar as peças um pouco de lugar e convencer o público americano dos anos 80 a aceitar um soviético comunista como herói da história.

Uma grande sacada para resolver essa questão pode ter sido usada já na escolha do ator que faria esse herói, já que naquele período qualquer produção que Arnold Schwarzenegger se envolvesse seria quase automaticamente levada à aceitação pública. O cara era um astro, o “tough guy” do momento ao lado de Sylvester Stallone, e não seria o fato de encarnar um russo que mancharia sua imagem.

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Aliás, a gênese de INFERNO VERMELHO nasceu do desejo de Hill em dirigir Schwarzenegger, o que trazia ao mesmo tempo algumas questões que incomodavam o diretor, como o sotaque do austríaco, por exemplo, que não encaixava em nenhum personagem previamente pensado. Então, Hill veio com a ideia do sujeito ser soviético e a partir disso, com o ator em mente, é que ele, Harry Kleiner e Troy Kennedy-Martin escreveram o roteiro.

Schwarza se encaixou perfeitamente e Hill soube aproveitar a sua iconografia de modo fundamental. Basta reparar na entrada do ator em cena, na sequência inicial na sauna russa, com a câmera passeando pelo corpo de Schwarza imponente como se estivesse estabelecendo um componente dramático-visual relacionado ao físico. Schwarza desempenha seus papéis com presença física em qualquer filme do período, na maneira como seu bíceps aparece na tela, como os músculos do pescoço se comportam no enquadramento, como as veias sobressaltam na pele somando valor estético, é o que torna filmes como INFERNO VERMELHO, CONAN – O BÁRBARO e PREDADOR tão físicos.

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A trama de INFERNO VERMELHO a grande maioria dos fãs do gênero já conhece, mas vamos lá: Schwarza é o capitão Ivan Danko, um policial de Moscou altamente badass que vai parar em Chicago na cola de um perigoso criminoso russo (Ed O’Ross) que matou seu parceiro. Na América, após o estranhamento inicial, ele acaba ganhando a camaradagem, depois de muita resistência, de um controverso e espertinho policial de Chicago, vivido por James Belushi, que lhe ajuda a seguir os rastros do bandido.

O que se desenrola a partir dessa premissa não é exatamente importante, serve apenas de base para algumas questões que interessam a Hill e, obviamente, ao público ávido por este tipo de produto, como a ação física, a sátira escrachada e o relacionamento entre as duas figuras que vamos acompanhar nessa aventura.

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Uma das razões pela qual INFERNO VERMELHO funciona lindamente pra mim, e que eu já ressaltei, é que se assume logo de cara como uma sátira de “choque cultural” cheia de contornos cômicos que envolvem a jornada desse russo na América. É praticamente uma comédia de costumes e é difícil segurar o riso das situações que Danko, o policial russo comunista, passa na meca do capitalismo. A própria maneira como Hill trabalha a imagem para enfatizar certas coisas é muito forte aqui, como a forma que filma Moscou – clean, sóbria e contemplativa – se contrapondo a Chicago, o caos, a poluição sonora e visual, local sujo repleto de bandidos e putas. Danko liga a TV no quarto de hotel em que está instalado e rola um pornozão de boa. A reação dele é hilária: “Capitalistas“.

Em outras ocasiões já acho que o humor nem era intencional, mas não dá pra não rir com Danko, depois de encontrar um pacote de droga na perna de madeira de um sujeito, soltando um “cocainum!“. A química entre Schwarzenegger e Belushi também é um ponto forte nesse lado cômico do filme. Belushi nunca vai chegar aos pés de seu irmão, John Belushi, um ícone da comédia americana, mas até que ao seu modo conseguiu sair da sombra do irmão. Em INFERNO VERMELHO, o sujeito consegue pagar de badass ao mesmo tempo em que arranca boas risadas do público.

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Grande parte do diálogo entre Belushi e Schwarza consiste no primeiro soltando algo do tipo: “Do I look like a fucking cab to you?“, seguido por um “yes” monossilábico de Arnie… E basta para me deixar com um sorriso na cara.

Já a sequência que os dois discutem sobre o fato de Danko ter um periquito de estimação é simplesmente de rachar o bico… Além de Schwarza e Belushi, o elenco merece atenção com vários nomes interessantes que surgem na tela. Ed O’Ross encarna com desenvoltura o papel do vilão russo, temos Peter Boyle como chefe de polícia, Laurence Fishburne, Gina Gershon e uma impagável participação de Brion James.

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Outro principal motivo para qualquer fã de cinema de ação ter a obrigatoriedade de conferir INFERNO VERMELHO é justamente pelas sequências de ação. Hill foi um dos grandes nesse departamento, herdeiro direto de Sam Peckinpah, não economizava em virtuosismo ao filmar tiroteios e perseguições, mesmo que as sequências não sejam nada extravagantes.

Seus tiroteios são crus, filmados com classe, mas que rendem uma boa dose de brutalidade. Os dez primeiros minutos de INFERNO VERMELHO são de arregaçar! Temos Schwarza trocando socos com russos bombados numa sauna, que prossegue num campo aberto coberto de neve e, logo em seguida, um tiroteio classudo num bar que culmina na morte do parceiro do protagonista.

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Outro destaque é o tiroteio na espelunca em que Danko está hospedado. A edição simples, o trabalho com o movimento dos corpos e espaços, a violência dos tiros – causa e efeito bem definidos, filmados com clareza – e até uma prostituta peladona enchendo um bandido de chumbo, proporcionam uma boa dose de truculência.

A exceção da ausência de “espetáculo” na ação de Hill fica na sequência final, em que bandido e mocinho usam um ônibus cada um numa perseguição frenética em meio ao trânsito da cidade, dando um toque do exagero oitentista à obra, mas sem perder a elegância.

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INFERNO VERMELHO é daqueles filmes que eu posso rever e rever quantas vezes forem necessário e ainda vou estar longe de enjoar. Até a sua reflexão ingênua da dialética comunismo x capitalismo funciona bem numa trama que não tenta fazer nada de diferente em termos de estrutura dos buddy cop movies, mas tem a personalidade de seu diretor e entrega exatamente o que promete: ação de primeira qualidade, humor zoeiro e ainda cria um dos personagens russos mais casca-grossa do cinema americano.

Não é o melhor filme que Hill dirigiu, nem o melhor veículo que Arnold Schwarzengger estrelou, mas sem dúvida alguma é um dos produtos mais divertidos que ambos fizeram.

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Texto originalmente escrito para o Action News em maio de 2018.

THE MATRIX REVOLUTIONS (2003)

Minhas impressões da revisão de THE MATRIX REVOLUTIONS são meio malucas. Se por um lado eu consigo identificar tudo que desagradou os fãs na época (eu incluso), por outro já não me importei com nada e simplesmente embarquei nessa tragédia shakespeareana misturada com uma viagem pseudo-cyber-filosófica-espiritual cheia de ação épica… Achei um filme fascinante.

O grande problema pra mim desta vez foi bem diferente do que senti quando vi THE MATRIX REVOLUTIONS no cinema há quase duas décadas. Eu só queria que aquela bobagem toda acabasse o mais rápido possível…

Nesta revisão, não sei explicar porquê, acontece justamente o contrário. Eu queria mais e mais, eu queria uma série pra TV com vinte temporadas explorando a riqueza visual/espiritual/filosófica de THE MATRIX, eu simplesmente fiquei maravilhado e queria mais!

E, bom, as Wachowski se arriscaram pra caramba pra concluir essa bagaça. THE MATRIX tava no coração da moçada, quase todo mundo tinha curtido, tinha sua importância dentro dos blockbusters hollywoodianos, então este terceiro filme era muito aguardado. E elas vão lá e, PIMBA! não entregam nada daquilo que o público queria! Hahaha!

Convenhamos que o encerramento de uma série dessa magnitude nunca vai agradar todo mundo mesmo que tivessem feito “o básico”.

Mas THE MATRIX REVOLUTIONS acabou sendo uma aula de como subverter as expectativas do público e até mesmo de narrativa: por exemplo, colocando a tão aguardada batalha de Zion, dos homens contra as máquinas, no meio do filme, sem sequer contar com a presença do protagonista. Forçando toda a solução das suas questões filosóficas entregues numa única luta de tirar o fôlego entre Neo (Keanu Reeves) e o Agente Smith (Hugo Weaving).

A batalha de Zion é um esplendor que mal tenho palavras para descrever. Não lembro muito o que senti há quase vinte anos quando vi pela primeira vez, na tela grande, mas como não curti na época, é bem capaz de não ter achado grandes coisas.

Hoje foi bem diferente. São praticamente 30 minutos de espetáculo sensorial de ação de tirar o fôlego, que tem um peso poderosíssimo e uma sensação insuportável de ameaça, realmente convence – mesmo que por um momento – de que tudo está realmente fodido e que a humanidade vai ser extinta.

As irmãs Wachowski têm uma excelente percepção de onde colocar a câmera na ação. Os enquadramento nunca são óbvios, as figuras são milimetricamente posicionadas no quadro, um pouco distorcidas para ganhar movimento, apenas o suficiente para proporcionar um prazer visual que não é comum. A edição também é sólida: em nenhum momento a geografia é confusa ou incoerente.

E as cenas de artes marciais são compreensíveis. O que nos leva à luta entre Neo e Smith, toda belíssimamente construída, com quadros que remetem a um duelo de faroeste. Começa com os dois sujeitos em extremos opostos de uma longa rua, enquanto gotas de chuva os encharcam, entre duas filas de cópias do Agente Smith. É sublime.

Neo e Smith trocam algumas palavras antes de dar tudo de si numa briga de proporções épicas que carrega aquele aroma de inevitabilidade, como diria o Agente Smith.

Há uma outra sequência de ação que é menos lembrada do que esses dois mastodontes que citei aí em cima, mas que ainda impressionam: a que Morpheus (Laurence Fishburne), Trinity (Carrie-Ann Moss) e Seraph (Collin Chow) trocam tiros com uns caras que literalmente andam no teto do cenário… É uma dessas pequenas joias dentro do filme que também provam a maestria das Wachowski na condução da ação.

Mas uma das coisas mais importantes pra mim por aqui é como a coisa se resolve dentro de sua própria lógica filosófica de boteco e religiosidade de fundo de quintal (é quase uma versão sci-fi de passagens bíblicas), deixando um monte de ponta solta, um bocado de perguntas sem resposta, tudo tão aberto, pra desespero dos fãs.

Mas que ao mesmo tempo toca no fundamental: o nível de sacrifício exigido de seus personagens em algo reconhecidamente humano, fazendo-nos sentir o custo mortal por trás das figuras e feitos que se tornam lendas. Se THE MATRIX RELOADED rejeita os mitos que alimentamos, THE MATRIX REVOLUTIONS nos mostra como novos mitos são criados.

Enfim, depois dessa revisão, agradeço às Wachowski por não terem realizado algo pra agradar os fãs (não é mesmo, Disney?).

Passei tempo demais sem revisitar esse universo, deveria ter feito antes e mais vezes e redescoberto essa maravilha que é toda a saga THE MATRIX, especialmente se olharmos agora e percebermos que não tivemos nada remotamente parecido no gênero como essa trilogia desde então em Hollywood.

Que me perdoem os fãs da Marvel Cinematic Universe, mas todos os seus trocentos filmes juntos não dão nem pro cheiro que é a trilogia THE MATRIX.

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Quero saber as impressões de vocês. O que meus cinco leitores acham da trilogia THE MATRIX? Não deixem de comentar na caixa de comentários aqui do blog, ou no facebook, Twitter, Instagram… Bora papear.

THE MATRIX RELOADED (2003)

Pois, inspirado pelo último post, resolvi rever os outros dois exemplares da trilogia THE MATRIX de uma vez. Eu já esperava gostar de THE MATRIX RELOADED, novamente dirigido pelas irmãs Wachowski, até porque tinha lembranças vívidas de algumas sequências de ação e que confirmaram o nível de qualidade nessa revisão (uma em específico é uma obra-prima).

Então, acabou que não foi nenhuma surpresa me deparar com um filme tão maneiro. E obviamente a ação é importate… Crucial, eu diria – como verão à seguir – mas me interessou bastante tudo aquilo que o filme se propõe como continuação.

Na verdade, THE MATRIX RELOADED é bem funcional como capítulo intermediário e só faz sentido acompanhado dos outros dois. É quase impossível entender alguma coisa sem ver o seu antecessor e conferir logo em seguida o encerramento da bagaça, THE MATRIX REVOLUTIONS (que foi lançado no mesmo ano, alguns meses só de diferença, em 2003).

Não que a trama seja tão complexa ou difícil de acompanhar, mas toda a gama filosófica de mesa de bar do primeiro filme precisa estar na mente para perceber os seus desdobramentos por aqui. Nada muito complicado, mas que torna-se incompreensível se falta a parte inicial e fica incompleta sem o desfecho.

Então, pra que que serve MATRIX RELOADED?

Olha, eu poderia até dar uma resposta mais detalhada, explicar que serve pra expandir o universo do primeiro filme, explorar os personagens e até mesmo se aprofundar nos seus conceitos que agora transcendem as questões cyber filosóficas para se tornar algo mais energia-espiritual-budista e blá blá blá… Mas não.

A única coisa que eu consigo pensar como razão deste filme existir é pelo espetáculo sensorial do segmento de ação “da rodovia”. Sabem qual é? Sabem do que tô falando?

Tudo que rodeia esses momentos frenéticos, tudo que vem antes ou depois dessa pancadria, perseguições, tiros e explosões que são a matéria prima dessa sequência, só serve de pretexto para esse segmento em específico acontecer diante dos nossos olhos. Não tenho dúvida alguma de que é uma das melhores sequências de ação do século.

Então minha resposta é essa. Pra que serve MATRIX RELOADED? Pra isso:

Toda essa construção, essa sucessão de acontecimentos, é simplesmente do caralho! Eu perdi a noção do tempo, mas devem ser uns quinze minutos de ação frenética ininterrupta.

Começa com um kung fu de Neo (Keanu Reeves) contra uns sujeitos numa espécie de chateau, desce pra uma garagem com os Gêmeos que viram fumaça, dando um trabalho do cão pra Morpheus (Laurence Fishburne) e Trinity (Carrie-Ann Moss) e o barraco acaba indo parar numa perseguição alucinante de carros, caminhões, viaturas de polícia, moto na contra-mão, com gêmeos-fumaça e os agentes da Matrix (aqueles caras fodões de terno e gravata do primeiro filme) perseguindo Morpheus, Trinity e um tal chaveiro numa rodovia de alta velocidade lotada de veículos.

A coisa termina quase num orgasmo com uma luta entre Morpheus e um dos agentes (vivido por ninguém menos que o grande Daniel Bernhardt, o sub-Van Damme dos anos 90, protagonista das continuações de O GRANDE DRAGÃO BRANCO e o petardo bad movie O GRANDE DRAGÃO DO FUTURO) em cima de um caminhão em movimento… Ufa! É o fino da grosseria!

Tudo lindamente bem filmado e coreografado pelas Wachowski. E os efeitos especiais até hoje impressionam… Honestamente, é essa sequência que faz valer o filme. Eu não queria mais saber das armações políticas em Zion, do ataque das máquinas no “mundo real”, do romance entre Neo e Trinity, se o Oráculo tava certa ou errada, ou pra que caralho serve o tal chaveiro. Eu queria simplesmente viver naquela sequência de ação por, sei lá, mais duas horas… Um clássico.

Sobre o restante de THE MATRIX RELOADED, é tudo o que se pode esperar de uma continuação para uma obra tão pop e cultuada do cinema da virada do milênio. Uma aventura de ficção-científica à altura de seu antecessor – apesar do fator novidade não existir mais aqui – mas que exige atenção do espectador e entretém com categoria.

Na trama, finalmente vemos Zion, a tal cidade do mundo real – e que rola umas raves hippies muito loucas sem qualquer motivo, a não ser mostrar corpos suados e com pouca roupa em movimento, ao som do batidão, o que pra mim tá bom…

Ficamos sabendo que as máquinas estão avançando em direção à cidade, cada vez mais perto de aniquilar os últimos 250 mil homens, mulheres e crianças da Terra, e é praticamente inevitável o confronto homem vs máquina.

A turminha Morpheus, Neo, Trinity e Link (Harold Perrineau) chegam na cidade. Personagens vão se apresentando, se reencontrando… O ritmo do filme é bem lento nesse início, com todas essas informações sendo lapidadas, com direito até a “reuniões de conselho” onde discute-se alguma coisa que parece importante (estilo Guerra Nas Estrelas). Rola até um Neo & Trinity fazendo saliências

Não sabemos ainda como Neo vai salvar a humanidade. Nem ele, na verdade, mas continua sua jornada de descobertas com o apoio de Morpheus e Trinity. Talvez a grande revelação do filme aconteça na sequência que Neo encontra o Arquiteto (Helmut Bakaitis) e descobre-se a existência de outros “Neo’s” e que ele na real não tem escolha alguma, a não ser seguir o que lhe foi determinado desde o princípio pelas máquinas.

Seu destino é jogar um jogo dentro dos termos já estabelecidos, o que é uma baita quebra de expectativa do que a rapaziada almejava pras continuações considerando o final do primeiro filme. Motivo pra ter deixado muita gente puta na época, o que já prova que foi a escolha certa das Wachowski.

Temos uns outros personagens novos, Jada Pinkett-Smith, Monica Belucci e Lambert Wilson, como Merovingian, importante pra trama. O Chaveiro também é crucial – mas que no fim das contas só serve mesmo para ser jogado de um lado para o outro na tal épica sequencia de ação.

Mas dessa nova galeria de figuras, os melhores pra mim são os tais Gêmeos, capangas do Merovingian, que tem por trás tem aquele conceito incrível de se transformarem em fumaça, em fantasmas, sei lá… Só sei que é massa!

Outro ponto a destacar é a presença de Hugo Weaving, o agente Smith, que ressurge com novos propósitos após sua “libertação” no final do primeiro filme (à princípio imagina-se que ele foi destruído por Neo). No entanto, só vamos entender totalmente seu arco em THE MATRIX REVOLUTION. Aqui em RELOADED sua participação ficou marcada pela sequência de pancadaria entre Neo e múltiplos Agentes Smith.

É outro momento de ação bem legal que até nessa revisão me surpreendeu, especialmente enquanto vemos atores e dublês, de carne e osso, atuando e encenando as coreografias. Quando entram em cena os bonecos de CGI rodopiando a coisa fica fake demais, parece jogo de Playstation 2, envelheceu mal pra caralho… Mas ainda gosto bastante, acho que faz parte do charme que essa cena possui.

É tudo muito divertido, barulhento e muito bem feito, até para os padrões atuais de cinema espetáculo de sci-fi/ação. Muito melhor e mais autoral, por exemplo, que qualquer filme da Marvel feito nos últimos quinze anos.

Foi realmente uma revisão proveitosa. Algum momento mais lento aqui, outro mais chato ali, especialmente no primeiro terço do filme. As cenas em Zion se demorassem mais um pouquinho iam me perder… Mas uma vez que a intensidade do ritmo aumenta e a ação entra pra valer, THE MATRIX REALOADED cresce muito. Um filmaço.

Em breve comento o que achei de THE MATRIX REVOLUTION. Vou deixar no suspense…

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E vocês? Há quanto tempo não assistem à trilogia? E o quais as suas impressões sobre a série da primeira vez que viram e nas revisões? Deixem aí uns comentários pra eu saber.

THE MATRIX (1999)

Escrevi esse textinho no início do ano passado, em 2019, exatamente vinte anos após o lançamento de THE MATRIX, para o extinto Action News. A minha intenção era rever toda a trilogia, como podem perceber no final do post… Como na época acabei revendo apenas este primeiro, vou republicar aqui no blog pra ver se animo finalmente revisitar os outros dois. Até porque um quarto filme vem aí…

Primeiro, é preciso ter consciência de que já se passaram vinte anos que THE MATRIX foi lançado e se tornou um fenômeno pop cultural, celebrado como um filme inovador em vários aspectos – revolucionário em termos de efeitos especiais e ação, e carregado de filosofia pós-moderna cibernética e blá, blá, blá. Mas e hoje? Como é ver THE MATRIX hoje? Muita coisa mudou de lá pra cá. O mundo vivia às vésperas da virada do milênio, a era da informática se iniciava, tudo o que apresentava em termos de comunicação e internet parecia tão distante da realidade; eu era um adolescente que peguei o VHS numa locadora e assisti, no mínimo, nove vezes antes de devolver rebobinado… Até as diretoras do filme, as irmãs Wachowski, ainda eram chamadas de irmãos Wachowski naquela altura… Sim, muita coisa mudou.

Resolvi encarar o filme de novo. Hoje. E se tem algo que NÃO muda é o fato de THE MATRIX ainda manter sua força em certos quesitos: alguns conceitos premonitórios, o visual cyberpunk que parece uma novela de William Gibson ganhando vida, e o fato de ser um cânone do cinema de ação na virada do século. Não dá pra conversar sobre cinema de ação do período sem que alguém cite Neo (Keanu Reeves) desviando de balas, com a câmera girando em slow motion, que ficou conhecido como “bullet time”, um tipo de cena que foi abusada à exaustão nos anos seguintes, mas que aqui ainda impressionava, era novidade; ou Neo encarando o agente Smith (Hugo Weaving) num metrô abandonado; Salvando Trinity (Carrie-Ann Moss) de um helicóptero em queda; ou enfrentando Morpheus (Laurence Fishburne) num treinamento de Kung Fu (cujo coreografo das cenas de luta foi o lendário Yuen Woo-ping)…

Lembro que na época era um filme considerado difícil de entender entre a molecada que tentava encarar a jornada do hacker Neo com mais prudência, prestando atenção no seu conceito filosófico. E toda a trama que envolve um mundo real e outro virtual, questões de livre arbítrio e identidade do indivíduo, e até um elemento religioso, com a concepção do “escolhido”, que volta para salvar o mundo, bagunçava mesmo a cabeça de um mancebo no final dos anos noventa que mal tinha entrado na internet na vida e só queria ver uns tiros, porrada e bomba. A trama nem era tão original assim, e depois foram se revelando vários filmes anteriores que tinham premissas similares.

É aquilo, THE MATRIX é a definição perfeita do que Hollywood costuma promover como algo “novo”, mas que acaba sempre sendo mais do mesmo… só que diferente.  Quem já tinha assistido na época filmes como EXISTENZ, do Cronenberg, DARK CITY, do Proyas, e O 13º ANDAR não deve ter visto nenhuma novidade por aqui, exceto a ação eletrizante, numa intensidade de encher os olhos, e que realmente tinha uma proposta inventiva. Mas era o tipo de filme que, de certa forma, nos levava a refletir, a fazer as perguntas sobre questões da vida sem conseguir obter respostas muito concretas.

Mas o que realmente encantava e, curiosamente, ainda encanta nessa revisão, é como THE MATRIX é divertido pra cacete! Quero dizer, se tu não tá a fim de ficar esquentando os miolos com os elementos filosóficos, ao menos temos aqui uma história cheia de momentos que te prendem na cadeira sem tirar os olhos da tela. Ou, basicamente, temos Keanu Reeves lutando, correndo, pulando, atirando, etc, por duas horas. “Eu sei kung-fu.” Esse tipo de coisa nunca envelhece. E obviamente é sempre importante destacar os efeitos especiais seminais, que realmente surpreendiam na época. Mesmo que em alguns momentos tenham ficado datados, mas faz parte. Tudo somado, THE MATRIX é um filme de ação sci-fi inteligente, com uma filosofia de boteco que tem seu charme. É frenético, bem dirigido, com momentos e personagens icônicos que ainda fascinam, um visual interessante, enfim, continua incrível.

Depois de THE MATRIX, as Wachowski criaram muito barulho com a expansão do universo do filme. Vieram as animações compiladas em ANIMATRIX e terminou numa das trilogias mais célebres da primeira metade dos anos 2000’s. Para alguns. Extremamente decepcionante para outros… Eu incluso. Até tenho boas memórias de RELOAD. No entanto, REVOLUTIONS era simplesmente intragável. O legal é que quase tudo desse período revelou-se bons filmes em revisões recentes. E é gratificante quando isso acontece, adoro mudar de opinião e descobrir maravilhas de coisas que eu detestava. Por isso vou rever o restante da trilogia. Volto pra falar se melhoraram com o tempo ou se ainda são as porcarias que tenho na memória…

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E termino esse post com essa imagem maravilhosa das filmagens de THE MATRIX 4, que poderiamos ver mais cedo, mas graças à pandemia só será lançado em 2022. A Lana Wachowski parece feliz em dirigir mais um capítulo dessa saga…

A CAÇADA (Fled, 1996)

Para um adolescente viciado em filmes de ação sem muitos critérios, assistir A CAÇADA na época que saiu nas locadoras foi o máximo! Me peguei pensando nesse filme recentemente e fui rever pra ver o que acontecia. Anda meio esquecido atualmente (e por que alguém se lembraria?), então resolvi ressuscitá-lo, até porque se está bem longe de ser um dos melhores filmes do gênero, é bem mais movimentado do que eu lembrava. Noventa minutos de pura diversão bobinha que passam voando. Claro, basta não levar muito a sério.

A CAÇADA é inspirado em ACORRENTADOS (58), de Stanley Kramer, cuja trama é sobre dois prisioneiros, um branco e um negro, acorrentados um ao outro, tentando escapar após um acidente com o ônibus do presídio. Na atualização da história a coisa é um pouco mais elaborada, envolvendo um policial infiltrado, roubos milionários cibernéticos e um disquete com informações suficientes para colocar um chefão da máfia cubana atrás das grades… não que isso torne o filme mais complexo. Ao contrário, o longa original em sua simplicidade é muito mais definido nos temas que aborda. Aqui tudo leva à ação. Se naquela altura os protagonistas eram os grandes Sidney Poitier e Tony Curtis, aqui temos a presença de Laurence Fishburne e Stephen Baldwin. O elenco ainda conta com Bill Patton (fazeno um sotaque redneck muito bizarro), Salma Hayek e Robert John Burk.

Fishburne, um tempinho antes de virar Morpheus, parece à vontade, encarnando o personagem durão que faz pose para atirar nos bandidos e solta um “Time do pay the piper” antes de jogar o vilão para a morte (só para constar, o nome do personagem é Piper, ). Já o Baldwin é aquele caso de ator que de tão canastra eu acabo gostando. O sujeito até que se esforça, mas sua atuação acaba ficando mais cômica do que já é. Principalmente quando tenta pagar de bonitão, como na cena na boate de striptease aí em baixo. Aliás, uma boa cena!

A direção é de Kevin Hooks, que fez outro filme de ação dos anos noventa carente de uma revisão: PASSAGEIRO 57, com o Wesley Snipes. Em A CAÇADA, a ação até que é boa, mas filmada de maneira simples demais. Até temos alguns momentos interessantes e que nunca saíram da minha memória, como a cena em que Fishburne atira contra um carro depois de uma perseguição em alta velocidade pilotando uma Ducati. No entanto, o departamento seria melhor avaliado pela quantidade de tiroteios, perseguições, pancadaria e situações de tensão do que a qualidade da direção dessas cenas. É nesse ponto que um John Woo ou Walter Hill fazem a diferença em relação a outros diretores. Talvez uma caprichada na construção e decupagem dos tiroteios e etc transformassem A CAÇADA em algo mais marcante.

Mas foi legal revê-lo. Talvez o faça de novo daqui uns 50 anos.