GAROTAS SELVAGENS (1998)

John McNaughton, que até então era um cineasta visto com certa seriedade, surpreendeu, seja de forma positiva ou negativa, com GAROTAS SELVAGENS (Wild Things), produção que, a princípio, talvez fosse mais adequada para um “direto para vídeo” do que uma produção de Hollywood de orçamento razoavelmente alto (e as continuações de GAROTAS SELVAGENS dão uma boa noção do que o filme seria em circunstâncias normais). Por outro lado, os realizadores e o estúdio talvez tenham reconhecido que os elementos do cinema de exploração – intrigas vulgares, violência, sexo, nudez e garotas com preferências sexuais heterodoxas – poderiam dar ao filme uma nova qualidade, se realizado de modo correto.

O resultado é uma espécie de pastiche de neo-noir, com traminhas de crime e traição, personagens amorais, mas como se as fêmeas fatais do gênero pairassem sobre um capítulo de Malhação. GAROTAS SELVAGENS realmente tinha tudo pra ser muito ruim, mas é tão auto-consciente no que tá fazendo, além de safado e divertido, que fica difícil não resistir a essa pequena joia do final dos anos 90, que revi recentemente e continua um barato.

Ambientado na Flórida, somos apresentados ao professor Sam Lombardo (Matt Dillon), que é acusado de estuprar suas alunas, Kelly (Denise Richards) e Suzie (Neve Campbell), duas garotas er… selvagens. Você sabe que muita coisa ainda vai acontecer quando o assunto é encerrado no tribunal com menos de meia hora de filme, a deixa para que o vira-revira da história entre em ação com esse trio (e mais o policial vivido por Kevin Bacon). E também não adiantaria ficar aqui resumindo a trama, não porque vá estragar as várias surpresas e reviravoltas que o filme guarda (se é que alguém aí ainda não assistiu), mas porque, de uma forma ou de outra, a história não faz mesmo nenhum sentido… Haha!

O que vale a pena é acompanhar esses personagens inseridos em um contexto de sátira hiper-inflacionada dos elementos noir atualizados para a época. Os golpistas da trama são jovens de colégios, o dinheiro é absurdo de alto, o escândalo bem mais sensacionalista na sociedade e o sexo bem mais intenso. Um item que, aliás, chama a atenção pelo tom apelativo para um filme mainstream, usado como anzol para o grande público. Sobretudo na cena envolvendo uma trinca sexual, que chega com a sutileza de um filme pornô “com historinha”.

Cenas como Denise Richards saindo de uma piscina em câmera lenta, com um maiô transparente, ou Kevin Bacon em um nu frontal saindo do chuveiro são tão coreografadas, e de certo modo desnecessárias, que redefinem a palavra “gratuito”. Eu, particularmente, não tenho problema nenhum com isso, só acho que com toda essa exploração o filme não tem coragem de mostrar com todas as letras um óbvio envolvimento homossexual entre os personagens de Dillon e Bacon, embora, o faça quando o assunto é entre as duas garotas.

Mas enfim, seria mais uma revelação num mar de reviravoltas que GAROTAS SELVAGENS tem para oferecer. E que avança com um enredo que, embora simples e compreensível, começa a se enrolar nessa brincaderia dos “plot twist“. É, ao mesmo tempo, justamente a piada que McNaughton e o roteirista Stephen Peters querem contar e o tiro no pé do próprio filme. Uma vez que as reviravoltas começam a acontecer, elas nunca param, com novas revelações a cada poucos minutos quando o filme entra em sua meia hora final. E em consequência perdem força. Ainda assim, esse tipo de coisa acaba funcionando como uma comédia, mesmo que involuntária.

O elenco de GAROTAS SELVAGENS acaba sendo um destaque. Especialmente para esse tipo de filme, que precisa de talentos peculiares, por exemplo, como o de Denise Richards, que além de fazer bem o seu papel, mostra algumas outras qualidades na frente das câmeras. Neve Campbell também está ótima, fazendo um tipo mais ambiguo, assim como Matt Dillon e o olhar ameaçador de Kevin Bacon. Marc Macauley e Thereza Russell fazem boas participações, mas o show mesmo é roubado por Bill Murray em um papel curto, mas incrivelmente eficaz, como um advogado picareta.

GAROTAS SELVAGENS não é um filme perfeito, nem é um desses clássicos esquecidos dos anos 90 que precisava de uma redescoberta obrigatória… É bobo e tem quase duas horas de duração que podem ser ocupadas com coisa melhor. No entanto, para quem tem um gosto mais, digamos, vulgar pra cinema, é um belo exemplar que vale a pena conhecer caso alguém ainda não tenha visto.

SEXTA-FEIRA 13 (1980)

Mês de outubro, clima de Halloween, etc, aproveitei para revisitar SEXTA-FEIRA 13, o clássico slasher que tá completando 40 anos em 2020. Já fazia umas duas décadas que não assistia, mas guardava boas lembranças. Então fiquei feliz de ter essa impressão confirmada agora. Não acho nenhuma obra-prima, mas é um horror bem eficiente e, levando em conta o seu contexto, a coisa se torna especial, estamos mexendo com as raízes do subgênero slasher por aqui…

Claro, PSICOSE pode ter plantado a semente; BAY OF BLOOD, de Mario Bava, e BLACK CHRISTMAS, de Bob Clark, serviram de base e muita inspiração; e HALLOWEEN deu o pontapé inicial. Outros filmes surgiram no meio do caminho que de certa forma dialogam com o subgênero (MASSACRE DA SERRA ELÉTRICA, por exemplo). Então é evidente que SEXTA-FEIRA 13 não criou nada do zero. Mas é fascinante perceber como o diretor Sean S. Cunningham e o roteirista Victor Miller pegaram todos os ingredientes possíveis desses filmes anteriores, misturaram e conceberam a alma do slasher movie, um produto final de pureza absurda, estabeleceu todos os clichês do gênero. Provavelmente um dos mais copiados de todos os tempos. HALLOWEEN pode ser um filme melhor em vários sentidos. Esse sim, uma obra-prima. Mas SEXTA-FEIRA 13 é o filme definitivo quando se trata de slasher movie.

Essa revisão deixou ainda mais evidente como SEXTA-FEIRA 13 é um filme muito bom. É direto, a trama é simples, mas gosto do seu primitivismo. E como foi tão copiado ao longo das décadas, fica a impressão até de um filme meio genérico – tirando a reviravolta no final, ele nunca sai do formato narrativo que estabelece desde o início. Mas quando você para e pensa que a coisa aqui ainda tava em sua gênese, é incrível.

E é interessante como a memória às vezes engana, o filme não é tão violento quanto eu lembrava e, apesar disso, não senti falta de algo mais brutal. Obviamente temos algumas ceninhas gráficas de violência com muito sangue e corpos perfurados, rasgados e decepados para dar aquela alegrada e poder elogiar o trabalho fenomenal de Tom Savini – especialmente na cena da morte de Kevin Bacon (único no elenco jovem que conseguiu desenvolver uma carreira depois?). Mas em comparação com slashers posteriores, é suave.

Mas como disse, não senti falta de mais violência, acho que compensa o trabalho atmosférico, a câmera em “primeira pessoa” que observa furtivamente o grupo de jovens que em breve vão virar presunto… E o cenário que é estabelecido captura perfeitamente o terror mágico das florestas, com a chuva cintilante caindo em Crystal Lake, cada vez mais descendo às trevas. Chega num ponto que não se vê merda nenhuma na tela, de tão escuro, mas ao mesmo tempo é precisamente iluminado para que se veja o que é necessário. Está no nosso DNA, sabemos que é preciso ficar perto do fogo, da luz, e fingir que não há nada lá fora nos observando. Mas a gente sabe que a qualquer momento uma lâmina bem afiada pode surgir pra cortar a nossa jugular… Esse é o poder de SEXTA-FEIRA 13.

Mas peraê? Até gora não falei do maior ícone da série SEXTA-FEIRA 13! Talvez o principal motivo da franquia durar tanto tempo. Na verdade, é provável que seja o maior ícone do slasher movie de uma forma geral. Acho que não chega nem a ser um spoiler o que vou dizer, mas se você, por algum motivo, nunca teve notícias sobre o primeiro SEXTA-FEIRA 13, esteve em coma nos últimos 40 anos ou chegou agora no planeta terra vindo de marte, sugiro que não leia o próximo parágrafo antes de ver o filme.

O fato é que neste primeiro filme, o inigualável Jason Voorhees, com sua inconfundível máscara de hóquei, não é exatamente um personagem, ele é “o motivo” de todas as mortes… Não ficamos sabendo muito da história do Acampamento Crystal Lake, apenas que é chamado de “Camp Blood” por causa de alguns assassinatos que rolaram no passado (mostrados logo no início do filme) e tentativas de reabrir o acampamento falharam. No final do filme, Betsy Palmer aparece como a lunática Pamela Voorhees, que começa a falar sobre o garotinho que se afogou no local e revela que era seu filho, Jason. Ela culpa os conselheiros do local por não cuidarem do moleque o suficiente, e totalmente surtada confunde qualquer filho da puta que cruza seu caminho com os conselheiros. E é isso, essa senhorinha é quem de fato perfura, corta e decepa os vários personagens de SEXTA-FEIRA 13.

Inclusive, um dos pontos altos é a luta final entre a final girl do filme, Alice (Adrienne King) e Pamela Voorhees. Elas realmente partem pra grosseria, rolam no chão, dão pancadas, é uma briga bem digna. Mas não demora muito, Alice decepa a cabeça da velha com um facão, o que é algo que já torna SEXTA-FEIRA 13 obrigatório… Não é sempre que vemos uma senhorinha simpática de suéter tendo a cabeça cortada.

Agora tenho que rever a parte 2, que a única coisa que lembro é que, agora sim, teremos Jason em todo seu resplendor para mais uma contagem de corpos, apesar de ainda ser sem a máscara de hóquei… Vamos ver como se sai hoje. Se for tão divertido quanto este aqui, já fico no lucro.