O MUNDO MARCHA PARA O FIM (1965)

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Outro dia estava vendo um filme de espionagem dirigido pelo John Sturges. Não conhecia a obra, mas do diretor, é quase impossível errar na escolha. Ao menos, o que vi do Sturges, só clássicos do autêntico cinema badass: SETE HOMENS E UM DESTINO, FUGINDO DO INFERNO, CONSPIRAÇÃO DO SILÊNCIO, SEM LEI E SEM ALMA, entre outras coisas boas.

Sturges sempre teve certo prestígio e respeito entre os admiradores do “cinema de ação raiz”, mas já a crítica séria subestima diretores que não possuem uma veia autoral, como é, de fato, o caso de Sturges. O sujeito era um típico diretor “Pistoleiro de Aluguel”, desses que sabem atirar muito bem, mas acabam não deixando muito rastro. Ou seja, não possuem um caráter autoral, embora façam seu trabalho muito bem feito. E em se tratando de filmes de ação, o cara sabia muito bem onde colocar sua câmera e como orquestrar o que se passava na frente dela, como preencher os espaços da tela larga do CinemaScope.

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O tal filme de espionagem em questão é um bom exemplo disso. O título do filme no Brasil é O MUNDO MARCHA PARA O FIM, adaptação de um livro de Alistair MacLean, autor de clássicos suspenses de guerra, como OS CANHÕES DE NAVARONE. No elenco temos George Maharis e um grisalho Dana Andrews, cuja carreira já estava em declínio. No início do filme, acontece uma invasão num laboratório ultrassecreto de guerra química e bacteriológica do governo americano, quando um dos cientistas havia acabado de aperfeiçoar um novo vírus, que fora apelidado de “the satan bug“, que é também o título original do filme. Quando em contato com a atmosfera, o vírus parece ser completamente imparável e um único frasco poderia, em teoria, acabar com toda a vida na Terra. É tão perigoso que os cientistas estavam considerando seriamente destruí-lo, pela suspeita de ser letal demais para ter algum uso prático.

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Para um caso tão urgente, é necessário um tipo muito especial de agente para resolver as coisas e fazer, digamos, um trabalho sujo. E o homem certo é Lee Barrett (Maharis), um espião dissidente, que foi demitido de todos os cargos que ocupou, tido como encrenqueiro e causador de dor de cabeça para o governo. Ou seja, Mas o homem perfeito para o trabalho de pegar os terroristas e recuperar o perigoso vírus. Daí pra frente o filme não para…

John Sturges não tinha um grande orçamento para trabalhar, mas sabe muito bem  o que fazer com este tipo de material, e segura o filme com boa dose de tensão. Não temos aqui nenhum discurso entediante do vilão insano que tenta justificar suas ações e, apesar do assunto e do contexto da época, o filme acaba não sendo levado para o lado político… É um thriller de ação, puro e simples. O filme também não perde tempo com explicações pseudocientíficas elaboradas. Tudo o que precisamos saber é que o vilão tem uma arma super poderosa em mãos e ele deve ser parado à qualquer custo. É-nos dado apenas o suficiente para tornar essa ameaça assustadora e não deixar que o público desgrude os olhos da tela. E considerando o baixo orçamento, algumas sequências de ação são bastante impressionantes, com perseguições de carro, tiroteios e até uma luta em um helicóptero em pleno ar.

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Não sei se esse aqui já foi lançado no Brasil em DVD, mas fica a dica para alguma distribuidora brasileira o lançamento desta e de outras obras do Sturges não tão conhecidas e que fariam sucesso no mercado de vídeo. O MUNDO MARCHA PARA O FIM é um desses filmes esquecidos de um grande diretor que a vale a pena uma conferida.

SETE HOMENS E UM DESTINO (The Magnificent Seven, 1960)

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Não vi ainda, mas estreou a refilmagem de SETE HOMENS E UM DESTINO, de John Sturges, clássico absoluto do western americano, que afinal era também uma refilmagem de OS SETE SAMURAIS. Então tá tudo bem, não sou desses xiitas que já se opõe em tudo quanto é remake e décima sétima continuação. Se o filme for bom, vale tudo… E até o Akira Kurosawa se inspirou nos faroestes americanos de John Ford, Budd Boetticher, Delmer Daves, Howard Hawks e outros ao realizar o seu clássico samurai. Tudo gira em círculo. Por isso vou repostar este texto do blog antigo.

Assisti pela primeira vez a SETE HOMENS quando ainda era moleque e não achava grandes coisas. Revi há alguns anos e acabou se mostrando bem mais interessante por conta da maneira como o filme desmistifica um pouco a áurea dos heróis justiceiros do faroeste americano com reflexões sobre a solidão e o modo de vida desses indivíduos. Algo que eu não havia pescado na infância, interessado apenas em ver pessoas atirando uma nas outras…

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Outros westerns já haviam trabalhado esse assunto, portanto, nada de muita originalidade por aqui. Mas o fato é que SETE HOMENS E UM DESTINO deixa de ser apenas um bang-bang de aventura para ser, também, um excelente estudo de personagens. E estes são interpretados por um elenco dos mais notáveis, o que contribui muito para que o espectador não desgrude o olho da tela. SETE HOMENS E UM DESTINO ajudou a alavancar as carreiras de Steve McQueen, Charles Bronson, James Coburn e Robert Vaughn. Conta também com atores experientes, do calibre de Yul Brynner e Eli Wallach, o primeiro, já naquela altura, possuía status de celebridade.

Com toda essa turma reunida, são curiosas algumas, digamos, fofocas de bastidores. McQueen, por exemplo, ávido por mais presença, queria se tornar um astro o mais rápido possível e tentava roubar as cenas de Brynner fazendo coisas que chamassem a atenção para si quando contracenava com o careca. Já Brynner estava preocupado em aparecer bem mais alto que McQueen nos enquadramentos (os dois tinham praticamente a mesma altura). O sujeito chegou a fazer um montinho de terra para ficar em cima, mas McQueen chutava “sem querer querendo” toda vez que passava por ele…

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Confrontos de egos à parte, todos estão ótimos e cada um conseguiu transmitir com personalidade as características definidas particularmente para seus personagens. Coburn caladão, sempre na dele, Vaughn medroso traumático, Bronson durão de coração mole, e por aí vai… É bacana também as habilidades específicas de alguns deles, especialmente Bronson, que é um exímio atirador com o rifle, e Coburn, um perito em facas. A divisão na hora de editar as sequências de ação também concede a cada um algumas boas cenas. Nisso John Sturges era muito bom, algo que se comprovou em outros filmes, sobretudo em FUGINDO DO INFERNO (63), clássico que também tinha o trio Bronson, McQueen e Coburn no elenco. Além de uma porrada de outros atores.

Sturges é o que podemos chamar de bom artesão. Não se pode esperar a elegância e maestria de um John Ford ou Don Siegel, mas fazia o que tinha que fazer com muita eficiência. Nesse sentido, as sequências de ação acabam em segundo plano em SETE HOMENS. São filmadas de maneira correta, mas com poucos momentos de maior destaque. Uma das cenas que eu chamaria atenção é quando Robert Vaugh finalmente perde o medo e resolve entrar na ação invadindo uma casa cheia de bandidos.

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Mas perguntem a algum fã do filme se ele sente falta de tiroteios mais elaborados. A construção dos personagens, a maneira como interagem, como são desmitificados, até a trilha sonora de Elmer Bernstein, são elementos suficientes para transformar SETE HOMENS E UM DESTINO no autêntico clássico que é. E a história é fascinante. Com uma duração bem menor que a de OS SETE SAMURAIS, há quem diga que os realizadores pegaram somente as “partes boas” do filme do Kurosawa e transformaram nesta belezinha. Recomendo uma espiada em ambos para as devidas comparações e tirarem suas próprias conclusões. E agora,  uma conferida nessa refilmagem do Antoine Fuqua, que provavelmente não deve chegar aos pés do clássico, mas se conseguir ser divertido, já tá bom demais.

BAD DAY AT BLACK ROCK (1955)

bad-day-at-black-rock-2Acho que já não deve ser mistério pra ninguém que o gênero ação é o meu predileto, então nada mais justo que conferir de vez em quando as raizes de tudo, não? O problema é que são tantos títulos do cinema físico e de ação clássico que fica difícil escolher por onde começar… que tal então BAD DAY AT BLACK ROCK (adoro o título original), um dos grandes precursores do cinema badass, dirigido pelo casca-grossa John Sturges (FUGINDO DO INFERNO, SETE HOMENS E UM DESTINO) e com um puta elenco formado por vários monstros consagrados do cinema americano?!

Começando pelo protagonista, Spencer Tracy, fazendo um tipo misterioso que chega de trem em uma minúscula cidade no meio do nada. O visual do filme é de encher os olhos desde os primeiros segundos, com um largo CinemaScope sendo preenchido com planos abertos, riqueza de detalhes, formas, cores e segue assim até o fim. A trama se passa nos anos 50 mesmo, mas o local parece que não acompanhou o decorrer do tempo e ficou preso no século anterior, com sua aparência de velho oeste. Há quatro anos o trem não para na estação local, então esta simples chegada do personagem ao local equivale à Copa do Mundo para aqueles habitantes.

Do mesmo modo que o objetivo de Tracy é totalmente desconhecido para os moradores, ao espectador a coisa não muda de figura. A princípio, Tracy parece um detetive da cidade grande, investigando pessoas e locais, todo engomadinho, com chapéu, maleta e… apenas um braço! Aos poucos, percebemos que algo naquele lugar realmente não cheira muito bem, e Robert Ryan logo surge em cena como o cínico dono da cidade e seus capangas, Lee Marvin e Ernest Borgnine, tentam transformar a vida de Tracy num inferno, intimidando o visitante, fazendo perguntas de um jeito não muito agradável sobre as intenções dele no local… obviamente, não gostam da presença dele ali.

E eu já vou soltar logo o maior spoiler de BAD DAY! Não, não estou falando do segredo que aquela pequena cidade esconde. Quero dizer algo que realmente me surpreendeu: o personagem de Spencer Tracy luta karatê! Há uma cena que é o paroxismo do cinema badass, no qual Tracy está tomando qualquer coisa no bar e Borgnine chega para atazanar a sua vida sem ter a mínima idéia que está diante de um especialista em artes marciais maneta… mas quem poderia saber? Tracy lhe aplica vários golpes com uma facilidade de fazer Steven Seagal se morder de inveja!

Apesar disso, o ritmo é bem lento para os padrões do cinema de ação moderno. E não estou criticando o trabalho do Sturges, pelo contrário, acho que o que falta na maioria dos filmes atuais, não só de ação, é justamente um ritmo mais lento, uma narrativa mais elaborada e cadenciada, com diálogos e situações “estáticas” tão tensas e emocionantes quanto explosões e tiroteios frenéticos! Uma das melhores coisas em BAD DAY, por exemplo, é a maneira como Sturges lentamente conduz o mistério da trama e o revela gradativamente. Isso sem contar que a descoberta aborda um assunto que nunca sai de moda.

Não é a toa que o diretor Don Siegel disse que o roteiro de BAD DAY AT BLACK ROCK foi o melhor que ele já leu! O filme consegue ser divertido, cheio de mistério e ação, mas com substância inesperada por trás de tudo. E se você ainda curte karatê com pessoas de apenas um braço, então este filme é pefeito pra você.