BIGFOOT (1970)

A minha queda por filmes ruins me faz chegar aos níveis mais sombrios da incompetência cinematográfica. Acabo vendo cada coisa que é difícil de acreditar… Mas no caso de BIGFOOT quem resiste a um poster como esse?

Obviamente que nada de tão espetacular assim acontece no filme, não vamos esperar um pé-grande levantando uma motocicleta pro alto. Esse tipo de arte é realizada antes mesmo das filmagens começarem, como material pra conseguir investimento para a produção. E apesar da bela imagem acima, os realizadores não conseguiram convencer muito não… O orçamento que conseguiram, pelo visto, é ridículo! Mas mesmo assim seguiram em frente e hoje temos esse filme chamado BIGFOOT para assistir… Só não sei se isso é bom ou ruim.

Agora, “O maior filme de monstros desde King Kong!‘”? “O filme mais realista e horripilante de todos os tempos.“? Não tenho ideia de que tipo de droga que essas pessoas usam pra fazer esses elogios, mas seja lá o que for, eu quero um pouco! Para assistir BIGFOOT e gostar no nível desses caras só se tiver com muito tóxico na cabeça…

O filme começa com uma loura voluptuosa (Joi Lansing, em seu último papel no cinema antes de sua morte prematura de câncer) embarcando em um pequeno avião monomotor e decolando para… não faço ideia. Mas também não importa, porque numa reviravolta brilhante do roteiro escrito pelo próprio diretor, Robert F. Slatzer, e James Gordon White, algo dá errado no meio do vôo e ela é forçada a saltar do avião de paraquedas. Já no chão, no meio de uma floresta, acaba sendo atacada e capturada por um grande monstro peludo!

Enquanto isso, os vendedores ambulantes Jasper (a lenda do cinema de horror John Carradine) e Elmer (John Mitchum, irmão do ator Robert Mitchum) estão dirigindo pela floresta até chegarem numa pequena loja de conveniência à beira de estrada. Enquanto tentam vender seus produtos, Jasper e Elmer pedem cerveja ao dono do local, mas a loja acaba de ser limpa por um grupo de motoqueiros que está passando pela área para fazer o que quase todos os motoqueiros fazem nos filmes no início dos anos 1970: beber cerveja e dançar na floresta.

Um dos motoqueiros, vivido por Christopher Mitchum, filho de Robert Mitchum (sim, existem dois membros do clã Mitchum neste filme), se separa do grupo por algum tempo pra ficar mais à vontade com sua namorada. Depois de tropeçar em um inusitado cemitério de pés-grandes, acaba nocauteado por uma das criaturas. Acorda e descobre que sua garota foi sequestrada. Agora são duas belezinhas sequestradas pelos monstros. O motoqueiro volta ao armazém para telefonar às autoridades e, ao ouvir sua história sobre a existência de tal criatura, um autêntico Pé-grande, o velho Jasper vê cifrões em seus olhos e sai com Elmer para capturar a criatura e faturar uma grana.

Se serão capazes de resgatar as mulheres também, pouco importa… Aliás, e isso é uma das coisas mais bizarras de BIGFOOT, ficamos sabendo que as duas moças são mantidas prisioneiras numa caverna onde vive uma “comunidade” de Pés-grandes, cujos integrantes pretendem acasalar com as capturadas para preservar a espécie… Hahaha!

Pois é, BIGFOOT aparentemente possui todos os elementos para ser um filme da categoria “tão ruim que chega a ser bom“, mas em vez disso é apenas “tão ruim que é só ruim mesmo“. A trama, a partir desses acontecimentos, vira um grande NADA. Entra num estágio de monotonia que mesmo os fãs mais dedicados de cinema exploitation não vão conseguir encontrar muitos atrativos por aqui.

A premissa de monstros querendo acasalar com mulheres sequestradas e sendo perseguidos por uma gangue de motoqueiros realmente poderia render algo bem mais interesante, mas o resultado é pobre de forma lamentável em todos os sentidos. E até o nível de violência e nudez é zero. Existem poucas coisas mais tristes neste mundo do que um filme de exploração que não tem coragem de explorar nada daquilo que realmente enche os olhos dos fãs do gênero.

Como ponto positivo de BIGFOOT, temos John Carradine em cena numa boa participação, embora claramente trabalhando no modo “quero receber meu pagamento no fim do dia“, mas ainda assim à léguas acima da maioria dos outros atores. Christopher Mitchum é outro destaque nas atuações, mas num sentido oposto ao de Carradine, entoando suas falas com todo o entusiasmo de um paciente em coma. Consigo me divertir com isso… Já os Pés-grandes, apesar de serem ridículos, não são assim tão precários quanto se espera para o nível da produção. Obviamente que ainda dá pra perceber que são pessoas em fantasias peludas de loja de dez centavos, que é algo que eu adoro. Mas não tem jeito, BIGFOOT é chatíssimo, demora muito para as coisas acontecerem. E quando finalmente acontecem, não vale o tempo de espera… Assista por sua conta e risco.

A CASA DO DRÁCULA (1945)

bscap0221

Mais um adendo à peregrinação dos filmes de Frankenstein da Universal que tenho feito aqui no blog. Depois de A CASA DE FRANKENSTEIN, o monstro retorna agora, ainda que minimamente, em A CASA DO DRÁCULA (House of Dracula).

Descrever a trama deste aqui é um exercício praticamente inútil, especialmente se você tem acompanhado as postagens recentes sobre o tema… A fórmula é basicamente a mesma dos últimos filmes, os personagens também são exatamente os mesmos – Drácula, monstro de Frankenstein, Talbott/Lobisomem – os mesmos temas… E existe ainda o risco de começarmos a procurar coisas que façam sentido nessas bagunças que misturam monstros, mas será tudo em vão. De qualquer maneira, vamos lá…

bscap0202

O personagem que vai conduzir o fio desta vez, em A CASA DO DRÁCULA, é o Dr. Franz Edelmann (Onslow Stevens), um médico idealista, especializado, aparentemente, no tratamento de monstros, já que sua sala de espera está cheia de vampiros, lobisomens e o Monstro de Frankenstein… Na verdade, a trama começa quando o Conde Drácula (John Carradine) aparece. Ao que tudo indica, o vampirão está entediado com a vida eterna e quer se tornar um humano normal. E o Dr. Edelmann tem um tratamento revolucionário para isso, que envolve transfusão de sangue e algo a ver com glândulas, cirurgia craniana e, bom, não vale a pena se apegar nesses detalhes…

Larry Talbott, o Lobisomem, novamente encarnado por Lon Chaney Jr., também aparece por aqui com seu eterno desejo de morrer. Como as coisas não correm bem, o sujeito tenta tirar a vida se jogando de um penhasco. Felizmente, há uma caverna subterrânea na qual Larry acaba indo parar. O médico o resgata, e quem eles encontram soterrado no local? Claro… O Monstro de Frankenstein. Eu sei que isso vai ser difícil de acreditar, mas a partir daqui o enredo consegue ficar ainda mais bizarro. Cenas de transfusões de sangue com o Drácula, tentativas de reviver o monstro de Frankenstein, assassinatos misteriosos e, claro, a multidão de aldeões portadores de tocha empenhados em destruir tudo. Como vimos em todos os filmes anteriores…

bscap0216bscap0212

Lon Chaney Jr. repetindo a mesma performance como Larry Talbott/Lobisomem já deu, né? O sujeito até tenta dar alguma dignidade à sua atuação, mas é uma causa perdida a essa altura. John Carradine prova ser o Drácula mais chato da história. As únicas duas atuações que merecem destaque são a de Onslow Stevens como Dr. Edelmann, com uma pegada meio “O Médico e o Monstro”, e Jane Adams, que faz a enfermeira assistente do doutor e que, para não perder o costume, é corcunda.

De resto, não há uma construção muito boa de suspense ou mistério. Na verdade, a impressão que dá é de desespero da Universal em manter sua audiência interessada em filmes de monstro, realizando qualquer porcaria pra ver se dava certo… E olha que eles nem tinham feito ainda ABBOTT E COSTELLO CONTRA FRANKENSTEIN. Mas apesar da bobagem, eu até gosto deste, me divirto com a dupla de comediantes se metendo em confusão com os ícones do horror. Já A CASA DO DRÁCULA, é só um desperdício de celuloide…

A CASA DE FRANKENSTEIN (1944)

_house_of_frankenstein_14_dvd_

A CASA DE FRANKENSTEIN (House of Frankenstein), lançado um ano depois de FRANKENSTEIN ENCONTRA O LOBISOMEM, foi um dos infames (mas comercialmente bem-sucedido) filmes de crossover de monstros da Universal. Aqui temos Drácula, Lobisomem e o Monstro de Frankenstein, embora talvez curiosamente seus papéis não sejam realmente centrais. Não é lá um filme muito bom, mas tem seus momentos e é estranhamente agradável de se assistir. Até porque possui uma variedade formidável de ícones do horror do período em seu elenco: Boris Karloff retornando à serie, John Carradine, Lon Chaney Jr e J. Carrol Naish.

title_house_of_frankenstein_

Na trama, o Dr. Gustav Niemann (Boris Karloff) continua o trabalho do famoso Dr. Frankenstein e, como resultado, agora está apodrecendo na prisão. Ele ainda sonha em retomar o trabalho, mas parece improvável que seja capaz de fazê-lo encarcerado. Então o destino intervém – a prisão é atingida por um vendaval que destrói os seus muros, permitindo que Niemann e um outro prisioneiro, o corcunda Daniel (J. Carrol Naish), escapem.

Agora, Niemann pode voltar às suas experiências. Mas há duas tarefas que ele precisa realizar primeiro: encontrar os cadernos do Dr. Frankenstein e se vingar dos homens cujo testemunho o colocou na prisão. Então, com Daniel como seu fiel assistente, ele tem uma série de atividades ambiciosas para colocar em prática. E a partir daqui o filme vira uma bagunça de monstros surgindo pra todo lado…

bscap0002

Na fuga, um encontro casual com um show itinerante da Câmara dos Horrores dirigido por um tal professor Lampini (George Zucco) oferece a Niemann a oportunidade útil de disfarce perfeito, permitindo que viaje pelos campos sem ser reconhecido ou atraindo suspeita. Uma das exposições de Lampini é o esqueleto de Drácula. É claro que ninguém acredita que é o esqueleto do famoso vampiro, mas quando Niemann remove a estaca do esqueleto, descobre que é realmente o Conde Drácula, que volta à vida.

Encerrado o arco com o Drácula, Niemann está ansioso para voltar ao seu laboratório, especialmente depois de encontrar não apenas os preciosos cadernos do Dr. Frankenstein, mas também os corpos congelados do Lobisomem e do Monstro de Frankenstein. O cientista tem um interesse particular em transplantes de cérebro e agora ele tem muitos cérebros e muitos corpos para brincar. E obviamente, como se trata de um filme horror, você não pode sair por aí ressuscitando mortos e transplantando cérebros de monstros sem que algo dê errado. E nesse caso, o que dá errado é um trágico triângulo amoroso entre o corcunda, o lobisomem e uma cigana…

bscap0042

Talvez o grande problema de A CASA DE FRANKENSTEIN seja justamente essa combinação desnecessária de vários monstros… Quero dizer, claro que eu adoro a ideia de juntar esses ícones do horror num mesmo filme, mas que seja de uma maneira bem pensada. Por aqui, a trama do Dr. Niemann com seu fiel ajudante, o corcunda Daniel, já tinha material suficiente para um grande filme. Mas resolveram entuchar de monstros sem exatamente uma conexão lógica com o enredo.

O roteiro de Edward T. Lowe Jr (baseado na história de Curt Siodmak) não consegue resolver essa dificuldade. O trecho de Drácula, por exemplo, acaba sendo como um curta-metragem dentro do filme. A história do Lobisomem apaga totalmente a presença do Monstro de Frankenstein, que acaba desempenhando apenas um papel insignificante no final. Como disse, o principal foco da trama é a história da obsessão de Niemann por superar as conquistas de Frankenstein, combinada com os trágicos envolvimentos românticos causados ​​pela chegada da bela cigana Ilonka (Elena Verdugo) no pobre corcunda Daniel. E isso bastava.

bscap0020

Se os vários aspectos da trama nunca se juntam com muito sucesso, é preciso destacar pelo menos que o filme é tecnicamente bem executado. O diretor Erle C. Kenton mantém um ritmo frenético e oferece muitas emoções ao longo dessa bagunça. Alguns toques visuais são bem interessante (como a cena do assassinato do morcego-vampiro visto apenas em silhueta). A Universal sempre teve a proeza de conseguir fazer com que seus filmes de terror menores, sem grandes orçamentos, parecessem produções mais ricas e aqui não é exceção. Os cenários são impressionantes, especialmente a caverna de gelo onde Frankenstein e Lobisomem são encontrados. As cenas de transformação de monstros são bem feitas, especialmente a do Drácula que vai do estágio de esqueleto até chegar a um vampiro de carne e osso.

bscap0003bscap0005bscap0007

E as atuações, como sempre, variam de boas à excelentes. O desempenho de Karloff é interessante, com seu Dr. Niemann sempre afável, falado em voz baixa e até gentilmente, mas basta alguém se colocar em seu caminho e ele os descarta com crueldade de tirar o fôlego. É como se ele estivesse tão obcecado por seu trabalho que matar é apenas uma pequena irritação. Só é meio estranho vê-lo de volta à série sendo que ele fora o primeiro monstro de Frankenstein, nos três filmes maids marcantes. Portanto é meio bizarro vê-lo contracenando com o monstro (desta vez interpretado por Glenn Strange, que se tornaria oficialmente o monstro nos filmes seguintes produzidos pela Universal).

Lon Chaney Jr. poderia ter interpretado Larry Talbott/Lobisomem até de olhos fechados a essa altura, mas ele adiciona seus toques característicos de pathos, a tragédia, a vontade morrer, o que é sempre bom de ver. John Carradine é um Drácula sinistro e eficaz, uma pena que aparece tão pouco, mas no filme seguinte, A MANSÃO DE DRÁCULA, ele retorna ao personagem. J. Carrol Naish é quem acaba se destacando por aqui como o corcunda Daniel, um assassino de sangue frio, um fiel ajudante e uma vítima de um amor que deu errado.

bscap0046

A CASA DE FRANKENSTEIN pode até ser desconjuntado, é um pouco mais do que um amontoado de idéias não muito originais e de acumulação de monstros sem qualquer sentido, mas tudo é tão  bem executado visualmente que não se pode deixar de perdoar seus defeitos. E é sempre divertido vê-los tentando espremer ainda mais de uma fórmula tão desgastada. Acaba por ser mais um filme de monstro da Universal que recomendo uma conferida.

HONEY BRITCHES, aka DEMENTED DEATH FARM MASSACRE… THE MOVIE (1971/1986)

260__11_

Filme totalmente deslocado na carreira do prolífico Fred Olen Ray, HONEY BRITCHES foi produzido no início da década de setenta quando o sujeito não tinha completado nem vinte anos de idade e, mesmo assim, é muitas vezes confundido como o seu primeiro trabalho como diretor. Mas calma lá que vou explicar, até porque se trata apenas de uma picaretagem usual desses diretores de filme B.

HONEY BRITCHES realmente foi filmado no início da década de 70, mas por um tal Donn Davidson, e foi muito mal lançado comercialmente pela Something Weird. Fred Olen Ray só entra na parada em meados dos anos 80, quando descobre a existência do filme e decide comprá-lo. O sujeito reeditou a porra toda, filmou e acrescentou algumas cenas do bom e velho John Carradine como o contador da história, dizendo-se o “Juiz do Inferno”, falando qualquer baboseira só pra ter um apelo comercial, colocou seu nome nos créditos como diretor e vendeu essa “nova obra” para a famigerada Troma, que o relançou com o tal título DEMENTED DEATH FARM MASSACRE… THE MOVIE.

ddfm4

John Carradine com expressão de felicidade por estar participando desta maravilha

E se não fosse por tudo isso, talvez nunca assitiriamos a esta tralha. Até porque HONEY BRITCHES é uma porcaria de qualquer forma, então só mesmo o nome do Ray e Carradine nos créditos pra me fazer parar e conferir.

A trama é sobre quatro ladrões de jóias da cidade grande, dois casais que acabaram de cometer um roubo e tentam fugir pelas zonas rurais enquanto estão sendo procurados pela polícia local. O carro deles fica sem gasolina, decidem procurar abrigo para se esconder e acabam indo parar na cabana de um velho fazendeiro e sua jovem esposa sexy. Quando um dos ladrões começa a dar em cima da tal esposa, todo o plano para não serem descobertos começa a ruir, acarretando numa onda de violência e morte.

bscap0002

Um dos grandes problemas que eu tive de cara com HONEY BRITCHES é com o ritmo. O filme é chato e lento pra cacete, apesar da curta duração que não chega a 90 minutos. Logo no início do filme é preciso ter paciência para acompanhar as loooongas e intermináveis cenas dos ladrões de joias andando por florestas… Faz sentido se é o Tarkovski filmando uma de suas obras de arte, mas por aqui… Não sei o que esse Donn Davidson tinha na cabeça. E não acontece muita coisa, afinal, ao longo do filme, mas se você for paciente vai ver uma moça sendo morta à pancadas na cabeça com um jarro, um tridente na garganta de um sujeito e um tiro na testa de outro já perto do fim… Tudo filmado ao melhor estilo Herschell Gordon Lewis: exagerado e com muita tinha vermelha, que parece tudo, menos sangue.

O elenco também não ajuda muito. Um dos ladrões, que tem todo o ar de intelectual, possui um sotaque britânico que é extremamente irritante. Mas é engraçado ver o velho Carradine, quase próximo à morte, sendo a voz incosciênte da narrativa num cenário totalmente fora do contexto do filme. A coisa é tão deslacada que suas cenas parecem filmadas no quintal da casa de Ray. E temos pelo menos Ashley Brookes, que faz a esposa sexy. Não é boa atriz, mas se esforça, além de ser a única que mostra seus atributos numa rápida ceninha.

260__14_

Enfim, HONEY BRITCHES é uma picaretagem indicada para fãs hardcore de exploitations setentistas de orçamento risível, apreciadores de Fred Olen Ray e pessoas que possuem um gosto duvidoso, como é o meu caso. Não que eu tenha curtido, mas que tem sua graça justamente por ser tão bagaceiro, ah isso tem…

Outros filmes do Fred comentados aqui no blog:
BIOHAZARD
RESPOSTA ARMADA
HOLLYWOOD CHAINSAW HOOKERS

ESPECIAL DON SIEGEL #27: O ÚLTIMO PISTOLEIRO (The Shootist, 1976)

5039726480697332

Tinha convidado alguém pra escrever sobre O ÚLTIMO PISTOLEIRO, mas isso já faz mais de um ano, acabou que a pessoa não me enviou nada e eu também não lembro quem era, então tanto faz. O importante é dar prosseguimento à peregrinação do cinema de Don Siegel, que chega neste western que carrega, digamos, uma certa importância peculiar. O fato é que três anos depois de protagonizar O ÚLTIMO PISTOLEIRO, o maior ícone do western americano, John Wayne, bateu as botas por conta de um câncer fodido no pulmão e estômago. Este filme aqui, portanto, acabou por ser sua derradeira performance. E não poderia ser mais melancólico que o último filme do “Duke” fosse sobre um velho pistoleiro em fim de carreira chamado J. B. Booker, que descobre que tem um câncer terminal.

Booker só quer viver seus últimos dias da melhor maneira possível. Para confirmar a suspeita sobre sua saúde, visita um velho amigo médico, Dr. Hosteler, interpretado por por outro gigante, James Stewart, e obtém o diagnóstico que confirma seu câncer incurável. Em seguida, aluga um quarto em uma pensão administrada por uma viúva (Lauren Bacall) e seu filho adolescente (vivido por um jovem Ron Howard). Uma vez que Booker é reconhecido pela sua fama, as notícias se espalham pela pequena cidade de Carson City, incluindo sobre a doença, e percebe que não vai conseguir viver o pouco tempo que  lhe resta tão pacificamente como gostaria. Há tanto pessoas que tentam tirar proveito da presença do sujeito, como o agente funerário (John Carradine) que pretende embalsamar seu corpo, ou o jornalista que quer publicar um livro sobre suas façanhas, quanto, obviamente, outros pistoleiros desfrutando da situação para ganhar fama num possível duelo com Booker. Como o sujeito não quer “partir dessa para uma melhor” em agonia, deitado numa cama, a ideia de morrer trocando tiros com quem quer que seja até que não é tão ruim…

a Don Siegel The Shootist John Wayne DVD Review PDVD_013

John Wayne, como não poderia ser diferente, é o tour de force de O ÚLTIMO PISTOLEIRO, está simplesmente sensacional. O sujeito reúne toda a essência da persona que desenvolveu ao longo da carreira vivendo centenas de personagens para transcender em Booker, o cowboy em fim de carreira definitivo. Wayne nunca esteve tão carismático e singelo como aqui, sem perder o jeito durão que o transformou num dos maiores casca-grossas do velho oeste. Mas são os momentos bucólicos e simples que dão força ao filme: os diálogos entre Wayne e Bacall, a relação fraternal que surge entre o protagonista e o jovem Ron Howard e principalmente Wayne contracenando com James Stewart, num desses momentos dignos de antologia.

Don Siegel aproveita todo esse material humano da melhor maneira possível, sem nunca soar piegas pelos temas delicados e nem cair na tentação de transformar a coisa toda num dramalhão sentimental. O filme é até bastante leve e divertido, embora não tenha a energia de outros trabalhos do homem, que foca mais nas performances do elenco. E apesar de atores talentosos, que é realmente o melhor de O ÚLTIMO PISTOLEIRO, o filme não deixa de ter alguns problemas. Depois de um começo sólido, que te cativa, o ritmo começa a cair um bocado, enrola demais e me peguei bocejando lá pelas tantas.

23905203bzf

Rola algumas histórias de que Siegel e Wayne não teriam se dado muito bem durante as filmagens e era comum o ator tentar querer dirigir o filme, atravessando Siegel, reclamando que o projeto merecia um tom mais épico, totalmente fora do estilo mais seco do diretor. Inclusive chegou a queixar e palpitar no tiroteio final, dizendo que seu personagem nunca poderia atirar em alguém pelas costas, que  nunca tinha feito isso na vida, e esse tipo de baboseira. Acho que o “Duke” já estava perdendo a noção, mas O ÚLTIMO PISTOLEIRO volta a melhorar justamente perto do final, quando Books parte na iminência de encarar os seus inimigos à base de chumbo-grosso. E ação do clímax talvez não seja das melhores sequências de tiroteio que o Siegel já filmou na vida, mas é classuda, tensa e sangrenta suficiente pra prender a respiração.

De qualquer forma, o saldo final é muito positivo. O ÚLTIMO PISTOLEIRO pode não ser a melhor despedida, mas não deixa de ser um bom reflexo da mudança dos tempos para um pistoleiro old school adentrando no século XX, e um interessante estudo sobre a aproximação da morte. E vale muito a pena aproveitar o “Duke” numa atuação daquelas!