ESPECIAL DON SIEGEL #25: O HOMEM QUE BURLOU A MÁFIA (CHARLEY VARRICK, 1973)

13555703_10208996364001782_1149537433_o

por MARCELO NARDI

Os anos 70 foram tão grandiosos para o cinema que além da ascensão dos jovens diretores da geração Nova Hollywood, havia os veteranos como Sam Peckinpah, Robert Aldrich e Don Siegel no auge de suas carreiras engenhando filmes de ação geniais como THE GETAWAY (1972), EMPEROR OF THE NORTH (1973) e CHARLEY VARRICK (1973). Estes trabalhos ainda hoje reverenciados retém uma atmosfera e energia raramente recriada nos dias atuais. São poucos os diretores que conseguem reproduzir 15% da truculência setentista. CHARLEY VARRICK aka O HOMEM QUE BURLOU A MÁFIA é um filme que engloba diversas características desta década e penso que não poderia ter sido feito em outra época com os mesmos resultados.

Em todos os melhores filmes do Don Siegel antes mesmo de 1973 (THE KILLERS, THE BEGUILED, DIRTY HARRY, HELL IS FOR HEROES, COOGAN’S BLUFF, MADIGAN) permeia onipresente uma espécie de violência febril, seja em forma de ameaça ou em forma física. Em CHARLEY VARRICK não podia ser diferente, inclusive fica transparente que a ambientação e algumas situações do enredo são ainda muito bem utilizadas nas tramas de alguns dos melhores filmes e seriados de crime modernos – KILLING THEM SOFTLY do Andrew Dominik, NO COUNTRY FOR OLD MEN dos irmãos Coen e a série BREAKING BAD – só para citarmos três exemplos onde se percebe a influência da obra.

Os créditos de O HOMEM QUE BURLOU A MÁFIA apresentam ao espectador a rotina de uma pacata cidade do interior americano do Estado Novo México, daquelas com apenas uma escola, um mercado, uma delegacia e um banco. Pois é justamente este banco que logo nas primeiras cenas é violentamente assaltado com trágicas consequências para ladrões, funcionários e policiais.

13549104_10208996368041883_927080920_o

Após uma fuga explosiva, entre mortos e feridos, contemplando cenas de ação provindas do melhor cardápio do diretor, começamos acompanhar o cabeça do roubo, o astuto Charley (Walter Matthau) e o seu jovem beberrão e inexperiente comparsa e funcionário Harman Sullivan (Andrew Robinson), mesmo ator que interpretou o serial killer em DIRTY HARRY, aqui em um papel bastante diferente. Os sujeitos queriam apenas fazer um roubo prático e não muito ambicioso em um banco pequeno e esperavam sair com uns 20/30 mil dólares, porém na contagem pós-fuga são surpreendidos com mais de meio milhão de dólares em dinheiro. Acontece que a imprensa noticia no rádio e na televisão que foram roubados apenas algo em torno de dois mil dólares.

E é nesse jogo de mentiras que fica evidente para Charley que eles roubaram “dinheiro marcado”, dinheiro lavado proveniente de apostas, drogas e prostituição, portanto dinheiro da máfia e o sujeito inteligente sabe que roubar da máfia é uma sentença de morte. Charley Varrick conclui que terá que olhar por cima dos ombros a cada minuto e a partir desse momento terá que bolar planos ardilosos para se livrar do perigo. Em um dos melhores diálogos do filme, Charley tenta explicar para o seu não tão inteligente comparsa, que seria melhor ser perseguido por 10 agentes do FBI, do que ser perseguido pela incansável organização criminosa, que não sossegará até conseguir o seu dinheiro de volta e mais importante, não descansará até punir de forma exemplar os responsáveis pelo transtorno.

13518061_10208996366441843_2104591059_o

A partir daquele momento, trabalhando para os donos deste dinheiro, está o brutamontes Molly (Joe Don Baker), camarada de chapéu e cachimbo que parece ter saído diretamente de um faroeste com a missão de colher informações, identificar e ir atrás dos ladrões e não economizar brutalidade quando for necessário (e quando desnecessário também não faz mal). Destaque para a atuação de Joe Don Baker que rouba o filme toda vez que está em cena, como o assassino de aluguel de poucas palavras e de postura ameaçadora e arrogante, intimidando gerentes de banco, mulheres e até mesmo idosos, em uma vertente contínua do politicamente incorreto, mas cinematograficamente permitido.

A curiosidade é que o papel de Molly originalmente foi escrito para Clint Eastwood que recusou o trabalho, por supostamente não ter achado nenhuma característica redentora no personagem que o motivasse a interpretá-lo. Como consequência disto, uma piada interna foi lançada em uma das cenas. Ao adentrar uma sala, Joe Don Baker se apresenta “Eu sou Molly” e recebe a seguinte resposta: “Eu pensei que você fosse o Clint Eastwood”.

A estrutura narrativa do filme é bastante solta e permite ao espectador se divertir com as situações que são criadas em diferentes cenários (prostíbulos, trailers no deserto, lojas de armas, estúdios fotográficos de passaportes clandestinos, escritórios e armazéns) incluindo uma genial ponta do diretor, que aparece em uma cena jogando ping-pong com gangsteres chineses!

13518223_10208996362641748_372416444_o

Além de um verdadeiro filmaço, pode-se considerar CHARLEY VARRICK um claro ápice na filmografia do diretor, aqui ele consegue trabalhar com todos os elementos do seu cinema na maior liberdade, em campo aberto entre uma paisagem e outra, mantendo um ritmo preciso e inserindo excelentes cenas de ação que culminam no sensacional clímax do filme que envolve três personagens, um carro e um avião. Um dos motes do filme que se evidencia pelo título traduzido em português é a perspicácia, inteligência e paciência do protagonista, que prefere resolver sozinho e na surdina todos os seus problemas. Aliás o filme ia se chamar “ O último dos independentes”, mas o título foi alterado de última hora para contrariedade do diretor.

Destaque também para a trilha sonora e a fotografia do filme, é realmente impressionante a beleza dos filmes ambientados no Estado do Novo México. A amplitude das paisagens confere vida ao filme e também regulam as dimensões e ações dos personagens. Trata-se de “cinema físico” da mais alta qualidade, utilizando os espaços internos e externos com máxima eficiência para a trama.

MPW-68333