Para quem descobriu o diretor Joe Carnahan lá em 2002 com essa porrada chamada NARC, é até bizarro notar as escolhas que o sujeito fez ao longo da carreira. Não acho ruim os seus trabalhos seguintes (pelo menos os que cheguei a assistir – inclusive adoro THE GREY, com Liam Neeson) mas NARC me fez pensar na época que Carnahan seria um diretor ao estilo do que um David Ayer e James Gray foram por um tempo e Craig S. Zahler vem sendo hoje. Ou seja, um realizador de obras mais sombrias e pesadas do universo policial, adaptando autores como James Ellroy… Carnahan acabou deixando uma espécie de lacuna. E NARC se tornou, ao longo dos anos, um pequeno cult movie para os amantes de um bom e velho filme policial.
NARC segue a tradição dos grandes filmes de tiras corruptos e investigadores infiltrados dos anos 80 e 90, com a mesma crueza e o realismo duro de filmes como e COP, de James B. Harris, O PRÍNCIPE DA CIDADE, de Sidney Lumet, VÍCIO FRENÉTICO, do Ferrara, DONNIE BRASCO, de Mike Newell, COPLAND, de James Mangold, JUSTIÇA CEGA, de Mike Figgs… Em resumo, Carnahan nos oferece um mergulho na vida cotidiana de policiais incapazes de lidar com uma vida “normal”, que vivem apenas para o seu trabalho, e acabam afetados de todas as formas possíveis pela imersão em universos dos quais não fazem parte.
Quando o filme começa, Nick Tellis, o policial interpretado (com intensidade inesperada) por Jason Patric, tenta se reconstruir com sua esposa e filho, alguns meses após uma investigação que deu errado e durante o qual ele acabou causando a morte de um inocente. Portanto, nada o levaria a aceitar a nova missão que lhe é oferecida: investigar o assassinato de um policial acompanhado do ex-parceiro da vítima. Nada o obriga a sair de volta às ruas, à violência das ruas… Mas ele tem isso encravado na alma: ser policial é mais que um trabalho, é a sua vida.
Aos poucos Nick vai voltando às atividades e quando se dá conta, já está completamente absorvido pela investigação. Obviamente, a descida ao inferno é total. Mais profunda do que podemos imaginar, especialmente depois da sequência devastadora dos primeiros minutos de filme. Aliás, que puta começo! A sequência de abertura de NARC é antológica, tensa pra cacete. O espectador é simplesmente arremessado na situação em que Nick, ainda sob disfarce, persegue um criminoso a pé, sem nenhum contexto, com uma câmera chacoalhando freneticamente que faria os caras do Dogma 95 se morderem de inveja, mas que se justifica de tão bem utilizada. E a coisa toda termina de um jeito trágico e violento. Uma violência que prenuncia o resto do filme.
O outro policial de NARC é Henry Oak, encarnado por um Ray Liotta assombroso. Oak é um sujeito dedicado da velha escola que usa força bruta pra cima dos criminosos e acredita que o departamento de policia deseja enterrar as investigações sobre o seu parceiro assassinado e por isso precisa agir por fora do livro de regras para solucionar o caso. De vez em quando Liotta encontra papeis dignos de seu imenso talento, como é o exemplo de NARC. Com o rosto todo esculpido, os olhos alucinados e uma raiva incandescente, Liotta devora o filme evocando, com a mesma determinação inabalável, uma espécie de Popeye Doyle de OPERAÇÃO FRANÇA.
O próprio Friedkin elogiou pra caramba NARC, chegando a dizer que era melhor do que seu próprio filme. Uma modéstia, claro, não chega a tanto, mas o filme de Carnahan não tem nada do que se vergonhar da comparação.