TODAS AS CORES DO MEDO (Tutti il colori del buio, 1972)

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Revi outro dia… Porra, Edwige Fenech, essa cocota do Eurocult é uma das mulheres mais sexy e belas da história do cinema. Nascida em 1948, esta estonteante franco-argelina apareceu em uma porrada de thrillers, gialli, filmes de terror e comédias eróticas a partir dos 19 anos de idade, e ainda estava boa o suficiente para aparecer nua na Playboy italiana no auge dos seus quarenta e tantos anos. Mas para provar que Edwige não é só beleza, mas também atriz de verdade, TODAS AS CORES DO MEDO tá aí, um elegante e singular giallo de Sergio Martino na qual Edwige é o centro das atenções ao encarnar uma jovem perturbada que pode, ou não, ser o alvo de um assassino misterioso.

Mas é um giallo diferentão, todo desconstruído… Vamos lá. A pobre Jane Harrison (Fenech) vem sofrendo de alguns pesadelos muito loucos, cheio de imagens piscodélicas e situações pertubadoras… Neles ela vê sua própria mãe – que foi assassinada por um desconhecido assaltante quando Jane era uma menina – sendo esfaqueada até a morte por um homem com olhos incrivelvente azuis e penetrantes (Ivan Rassimov).

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Esses pesadelos estão se tornando um transtorno na vida de Jane, afetando não apenas seu psicológico, mas também seu relacionamento com o marido, Richard (o grande George Hilton). Ele acredita que os pesadelos provêm de um aborto que Jane teve depois de um acidente de carro no ano anterior, só que o problema pra ele é ainda mais complexo, afinal desde então a mulher se tornou frígida e, bem, vocês sabem, dividir a cama com a Edwige Fenech e não poder fazer nada de vez em quando é algo realmente para abalar as estruturas de um casamento feliz…

O conselho da irmã mais velha de Jane é que ela comece a encarar um psiquiatra, afirmando que é a única maneira para que restaure a sua saúde mental. Algo que Richard insiste que se trata da mais pura besteira e charlatanismo, já que a tal irmã trabalha num consultório psiquiátrico. Enquanto tentam resolver esse impasse, Jane começa a ver o homem de olhos azuis de seus pesadelos, armado sempre com uma faca, com muito mais frequência, inclusive quando está acordada, em visões aterradoras!

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Temendo por sua própria sanidade, Jane não só concorda em ver o psiquiatra recomendado pela irmã, mas também opta por tratamentos menos convencionais que surgem por acaso. Como, por exemplo, dar ouvidos a uma misteriosa vizinha de seu prédio, que diz que Jane precisa encontrar-se com algumas pessoas que passaram por circunstâncias semelhantes. Mas só quando é tarde demais ela percebe, para seu horror, que sua simpática e prestativa vizinha é membro de um culto satânico!

Em uma mansão isolada, Jane é forçada a beber sangue e fazer sexo com o sacerdote do culto. Tudo fica muito embaralhado na cabeça da pobre Jane. O culto satanista era apenas uma alucinação, como ela também acredita ser as recentes aparições do homem de olhos azuis? Ou será que tudo era real?

O fato é que alguns dos melhores momentos de TODAS AS CORES DO MEDO são esses cultos satânicos, brilhantemente filmados acompanhados dos acordes melódicos de Bruno Nicolai. Claro, as ações do cultistas são tenebrosas para Jane, mas o cenário é bonito, bem aproveitado e evoca os bons tempos do horror gótico italiano dos anos 60. Julian Ugárte é o ator que faz o sacerdote. O cara rouba o filme facilmente por alguns minutos, expressivo e convincente como líder de um culto satânico, expondo dentes sangrentos e vorazmente envolvido num coito frenético com Jane, como seria de se esperar de um líder satanista que se preze.

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Bom, não preciso nem dizer que nada disso ajuda muito a resolver o problema da ragazza… E a moça não pode nem confiar muito no próprio marido – a quem ela não conta nada do que teria acontecido no tal culto satânico – até porque, mesmo com todos os problemas que ela passa, Richard deixa Jane frequentemente sozinha e isolada em seu apartamento enquanto ele, um vendedor de uma empresa farmacêutica, está sempre fora à negócios. À medida que Jane se aproxima da total decomposição mental, a coisa evolui para um lado metafísico e ela começa a ter estranhas visões de eventos que no fim das contas, acabam se tornando realidade…

É curioso como a paranóia de Jane é exemplificada por um puta trabalho de tensão pontual que prevalece sempre que ela se encontra sozinha e que geralmente segue com uma temporária sensação de alívio quando está em torno de outras pessoas. Por exemplo, quando Jane deixa o consultório de seu psicanalista, ela fica sozinha em uma estação de metrô, e só esse fato já é suficiente para gelar a espinha do espectador com a trilha sonora angustiante de Nicolai e a câmera que cria uma atmosfera inquietante. Depois que o metrô chega, uma sensação de conforto e segurança prevalece, com a multidão invadindo o ambiente solitário. Não demora muito para que a tensão volte a subir quando ela se encontra sozinha novamente…

Quem já tem certa familiaridade com o gênero, já percebe até aqui que TODAS AS CORES DO MEDO é um giallo bem incomum. São vários elementos visuais e narrativos característicos associados com o giallo que são deixados de lado: Não há nenhum assassino sem rosto, mascarado, de luvas negras, já que vemos Rassimov desde o início como um stalker com faca na mão; na trama, ao invés de nos apresentar um típico mistério de “descobrir o assassino“,  aqui é se o homem dos olhos azuis e outras situações são mesmo reais ou se não são criações da mente perturbada de Jane…

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A contagem de corpos também é relativamente baixa para um giallo e as mortes nunca são realmente violentas e sangrentas. Com exceção do sonho da mãe de Jane sendo morta logo no início do filme, não há outros assassinatos até o terceiro ato. Além disso, o aspecto sobrenatural do culto satânico e as premonições de Jane adicionam um sabor de fantasia que não é tipicamente encontrado no gênero.

Até mesmo se levarmos em consideração o fator depravado e erótico habitual do giallo  é comparativamente moderado em TODAS AS CORES DO MEDO, e as cenas de nudez de Fenech são de bom gosto, não muito vulgares. Claro, ter a Fenech em cena é quase sinônimo de um topless… Mas, por exemplo, logo na introdução de Jane no filme, vemos ela acordar de seu pesadelo e depois ela vai para o chuveiro ainda de camisola. Uma tentativa simbólica do desespero de Jane ou é apenas uma oportunidade para Fenech ficar molhadinha em frente à câmera? Eu diria que ambos, mas é um dos detalhes que torna TODAS AS CORES DO MEDO tão agradável. Nada é vazio e vulgar por aqui, nudez e violência servem ao filme como forma de expressão.

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Edwige mostrando sua expressão

Como disse no início, TODAS AS CORES DO MEDO é um giallo refinado, com direção de classe de Sergio Martino, um dos principais especialistas do gênero, e sem dúvida alguma tem aqui um dos seus melhores resultados. Dirigiu de tudo, na verdade, western, aventura, comédias, ação, isso aqui, mas é no giallo que o cara parece estar mais consciente. Martino tem bom olho para composição dos quadros, tira muita vantagem da tela larga e sua câmera raramente fica estática, mesmo de forma sutil, impedindo até que cenas de diálogo de rotina se tornem sem graça. As sacadas visuais empregadas para a transição da realidade para a fantasia e vice-versa são tão simples, mas ao mesmo tempo muito eficazes, sempre a serviço do enredo e nunca apenas para exibicionismos.

O sujeito também manda bem na construção do suspense, que é o componente essencial para qualquer thriller de sucesso. A cena que tem Jane é perseguida e se apressa para entrar no seu carro e, obviamente, não consegue fazer a ignição pegar já vimos em milhares de outros filme, mas é só um dos exemplos da finesse de Martino, que faz o espectador ficar com as mãos suando de tensão, apesar de todo o clichê. Na verdade, o filme inteiro possui uma atmosfera bem trabalhada, como já disse anteriormente, apoiada num belíssimo e requintado visual, na trilha de Nicolai e no roteiro bem amarrado (embora guarde um traço de ambiguidade no final).

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E, finalmente, temos a deliciosa Deusa do Eurocult, Edwige Fenech. Todo o elenco de TODAS AS CORES DO MEDO é notável e contribui para o show, especialmente Hilton, Rassimov e a pequena participação de Ugárte, mas é Edwige que é a atração principal. Eu já vi algumas de suas comédias eróticas e acho que posso dizer com confiança que a moça tem aqui um dos melhores desempenhos. E sem precisar mostrar os peitos a cada dez minutos, completamente convincente como a assustada, vulnerável e confusa Jane… Fenech é um espetáculo! Não preciso dizer mais nada, apenas recomendo a qualquer amante do horror europeu.