DVD REVIEW: O QUADRAGÉSIMO PRIMEIRO (1956); CPC UMES FILMES

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Grigoriy Chukhray ganharia certa fama internacional em 1959 pelo clássico A BALADA DE UM SOLDADO, seu segundo trabalho. Mas já na sua estreia, com O QUADRAGÉSIMO PRIMEIRO, demonstra um talento ímpar pelos lados do cinema soviético, não apenas como esteta – suas composições visuais são simplesmente extraordinárias – mas também como alguém que entende de emoções humanas. O filme é sobre um romance envolvente e ideologicamente complicado entre duas figuras divididas pela guerra civil russa: uma atiradora de elite do exército vermelho, Maria (Izolda Izvitskaya), e um oficial do exército branco, o tenente aristocrata Vadim (Oleg Strizhenov), que fora capturado pelos primeiros.

Baseado nos escritos de Boris Lavrenyev, o “quadragésimo primeiro” do título refere-se ao número das vítimas deflagradas pelo rifle de Maria. Na verdade, ela matou quarenta e errou o tiro seguinte… Na trama, ela faz parte de unidade derrotada do Exército Vermelho, que vaga em retirada do deserto de Karakum onde, em determinado momento, captura Vadim, que por um acaso sobrevive à tal quadragésima primeira bala de Maria.

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Vadim é um prisioneiro importante. Carrega uma mensagem oral secreta destinada a um general do Exército Branco, então os Vermelhos o mantêm vivo, colocando-o sob a guarda de Maria. Quando finalmente chegam ao Mar de Aral, Maria e outros dois soldados são confiados para levar Vadim num pequeno barco até a sede em Kazaly. Mas o tempo tormentoso vira o barco e apenas Maria e Vadim sobrevivem, náufragos em uma ilha deserta. E o que seria uma situação de extremo desespero, acaba possibilitando o desabrochar do afeto mútuo e proibido que os consumia ao longo da jornada.

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Uma situação que os aproxima, não como inimigos, mas como duas almas apaixonadas, num parágrafo cintilante de uma vida de guerra e violência. Eles compartilham o tempo mais felizes de suas vidas na ilha, apesar da disparidade ideológica que vem à tona em alguns momentos, algo que os coloca em conflito e que devem ajustar e reconciliar por causa do amor.

Considerando o período em que O QUADRAGÉSIMO PRIMEIRO foi realizado, é interessante perceber como Chukhray vai um bocado contra a lógica da propaganda soviética vigente, humanizando a imagem de um oficial do Exército Branco, inspirando o público à simpatizar seu afeto genuíno por uma guerreira do exército vermelho. O desfecho até pode ser entendido como uma façanha heroica da lealdade aos Bolcheviques, quando um barco se aproxima para resgatá-los e Maria toma uma atitude espontânea que elimina qualquer possibilidade de final feliz quando a verdadeira identidade do barco é revelada. Mas não dá para descartar a ideia do fator prejudicial que é seguir um código radical com fanatismo. Na verdade, ao invés de escolher lados, o objeto de repúdio de Chukhray é a própria guerra, um ato diabólico disfarçado de patriotismo com resultados desastrosos.

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O QUADRAGÉSIMO PRIMEIRO foi lançado em DVD no Brasil, numa versão remasterizada belíssima, pela distribuidora CPC UMES filmes e está disponível para compra em sua loja virtual e nas melhores casas do ramo. A mesma distribuidora já lançou por aqui A VIDA É MARAVILHOSA, também do mesmo diretor, e já comentado aqui no blog. E não deixe de curtir a página da distribuidora no Facebook para ficar sabendo de todas as novidades e os seus próximos lançamentos. Um acervo obrigatório que vale a pena comprar.

DVD REVIEW: A VIDA É MARAVILHOSA (1979); CPC UMES FILMES

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O que mais me surpreende foi terminar de assistir a um belíssimo exemplar como A VIDA É MARAVILHOSA e perceber o quanto ele é obscuro em relação a outros thrillers políticos italianos do período. Não sei se chegou a ser lançado no Brasil nos cinemas ou em VHS na época, mas pelo menos hoje não existe desculpa, temos a oportunidade de conferir essa preciosidade desconhecida em DVD, pela distribuidora CPC UMES filmes.

A expressão “A vida é Maravilhosa” utilizada no título, na verdade trata-se de um código utilizado por revolucionários que lutam contra uma ditadura. A produção, que é uma parceria Russa e Italiana, é sobre o piloto Antonio Murillo (Giancarlo Gianinni) que, após ser expulso do exército depois se recusar a atirar contra uma embarcação que transportava mulheres e crianças em algum local na África, só quer uma vida sossegada dirigindo seu taxi e fumando um cigarro atrás do outro. Mas acaba entrando numa enrascada política com as autoridades locais depois que se apaixona por Mary (Ornella Muti), a garçonete de um café, que serve de fachada para revolucionários que tentam desmantelar o autoritarismo que assola o país.

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Dirigido por Grigory Chukhray (A BALADA DE UM SOLDADO), A VIDA É MARAVILHOSA se estrutura basicamente em duas partes. A primeira é como híbrido de thriller político italiano e romance barroco russo, com o personagem de Gianinni tendo que espreitar pela noite para não levar chumbo da polícia ou participando de reuniões secretas, com direito até de um MacGuffin Hitchcockiano representado numa bolsa misteriosa que passa de mão em mão até chegar em Murillo, no qual tanto as autoridades quanto os revolucionários querem tomar posse. Tudo isso em conjunto com sequências mais tenras, em que Gianinni divide a tela com Muti, e o olhar mais humano e poético de Chukhray se reforça, como na sequência na praia ou quando Murillo mostra a Mary seu sonho de consumo, um avião de pequeno porte, o que representa um alento em meio a tempos complicados.

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A segunda parte da trama é um “prison movie“, não tão barra pesada, mas com o suficiente para que o personagem de Gianinni coma o pão que o diabo amassou por conta da enrascada que entrou. E aí temos um gostinho do que é estar preso sob uma ditadura: a trama passeia entre torturas físicas e psicológicas, mas também a angústia da distância da pessoa amada, além da elaboração de um plano de fuga que culmina numa rebelião na prisão e uma perseguição de carro num climax bem agitado. Mas o filme nunca descamba nem para a ação poliziesca, nem para o dramalhão carregado, mas consegue passar o efeito catártico das situações mesmo com um incomum tom de humor que paira sobre toda a narrativa.

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Apesar de italianos e dublados em russo, grande parte da força de A VIDA É MARAVILHOSA se concentra em Ornella Muti e Giancarlo Gianinni. Este último num desempenho inspirado, é o sarcasmo em pessoa, o que ajuda a manter uma certa dignidade ao personagem de Murillo mesmo quando acuado por autoridades e nas situações mais adversas. Já Muti, uma das mulheres mais lindas da história do cinema, demonstra grande talento representando uma figura forte e determinada, embora ambígua em alguns momentos.

A direção Chukhray é simples e possui um tratamento realista, reforçado com uma pontuada câmera na mão que dá um maior dinamismo, mas também de rara beleza com composições visuais requintadas, que coloca o filme no mesmo penteão dos thrillers políticos europeus ao lado de obras de diretores como Costa-Gavras, Marco Bellochio, Gillo Pontecorvo, Damiano Damiani e Elio Petri.

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Embora nunca se fale o nome do país onde a história se passa, há vários momentos que aparecem placas e pichações nos muros no idioma português. Portanto, enquanto assistia, achei bem provável que A VIDA É MARAVILHOSA fosse filmada na Portugal do ditador Salazar, nos anos 70. Informações e resenhas sobre este filme são escassas, o que me deixa ainda mais estupefato como ele é obscuro. Mas num fórum que encontrei num canto da internet, veio a confirmação com uns gajos lusitanos a discutirem:

No último excerto, a montagem/edição não fez coincidir as zonas de Lisboa captadas pelas diferentes câmaras… Na que “olha para a frente” o taxi anda pela zona riberinha perto alcântara (há uma parte inclusive na Ponte 25 de Abril, ainda com duas faixas), e na que está de lado e apanha o protagonista, vejo zona aleatórias de Lisboa – a Almirante Reis, o Jardim Constantino, a saída do túnel do Campo Grande...”

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Nesse mesmo fórum descobri que existem duas versões do filme. A Russa, que é esta restaurada pela Mosfilm e que a CPC UMES Filmes lançou aqui no Brasil, e a Italiana, que me parece inacessível, não faço ideia se existe em circulação. A diferença é que nesta versão do país da bota algumas coisas ficam mais explícitas, como deixar claro que a trama realmente se passa em Portugal e que o país africano que está sob ataque no início do filme é Angola.

De qualquer maneira, é um filme que não precisa de posições geográficas, o que o torna universal e necessário. E em períodos obscuros como a que vivemos atualmente, vale a pena se deparar com um A VIDA É MARAVILHOSA para lembrar que independente de visões políticas, censura, autoritarismo e fascismo são merdas que precisam ser combatidas.

E é preciso também que  A VIDA É MARAVILHOSA seja descoberto o mais rápido possível. O filme está disponível no catálogo da CPC UMES Filmes e pode ser adquirido na loja virtual da distribuidora. E não deixe de curtir a página deles no Facebook para ficar sabendo de todas as novidades e os seus próximos lançamentos.