IN THE LINE OF DUTY 4 (1989) & TIGER CAGE 2 (1990)

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por GABRIEL LISBOA

Quando me propus a escrever sobre TIGER CAGE 2, imaginei que já havia visto o filme há bastante tempo, que seria bom revê-lo e de quebra ver o primeiro. Como o Luiz Alexandre disse em sua crítica, o segundo talvez seja mais lembrado mesmo entre os fãs do estilo e eu achei que era o que havia gravado com o Nero num DVD há uma década atrás. Mas quando começo a ver o primeiro TIGER CAGE percebo que não era este o filme que conhecia e fiquei perdido. Uma grata surpresa até. O que descobri depois é que Yuen Woo Ping, Donnie Yen e Michael Woods (o diretor e os dois únicos atores recorrentes) realizaram uma espécie de trilogia sem nenhuma relação entre os filmes nos anos de 88, 89 e 90 com TIGER CAGE, IN THE LINE OF DUTY 4 e TIGER CAGE 2 (que do primeiro só leva o nome para a distribuição internacional e tem o título literal de “DIRTY MONEY LAUNDERING). As três histórias, filmadas no auge da era de ouro dos filmes ação de Hong Kong, se situam no mundo caótico da virada dos anos 80 para os 90 de policiais corruptos, lavagem de dinheiro e contrabando de pessoas e drogas, mas o tom dos filmes é bem diferente um do outro.

O primeiro é um filme mais próximo do heroic bloodshed consagrado por John Woo, estilo de tiroteios elaborados, câmera lenta, amizade romantizada, códigos de honra e redenção pelo sangue. É o mais ácido dos três filmes, com um final de encher o coração de raiva até o momento de ver o vilão, interpretado por Simon Yan, levando uma chave de metal de guardar bicicletas no peito e na cara. O filme é bem brutal e até os policiais abusam da violência para conseguir resolver a confusão de traição e corrupção instalada dentro do departamento de narcóticos. Até quando Carol Cheng luta numa fábrica com uma capanga gwailo (expressão para os personagens gringos nos filmes de HK), a cena termina com Carol enforcando a vilã loira com arame enfarpado. Minha cena favorita é com Jacky Cheung e Michael Woods tapando o nariz enquanto lutam para não respirar o gás de cozinha que toma o apartamento de um dos policiais corruptos. Um pouco mais exagerada e cômica que o resto do filme, pode ser vista como um ponto fraco para quem não está acostumado com a mistura de gêneros dos filmes de ação comum no estilo da época e que se acentua bastante nos dois filmes seguintes. Outro coisa interessante é o tema recorrente da fuga de Hong Kong, um desejo dos policiais, bandidos e até do trabalhador Luk de IN THE LINE OF DUTY 4, que tem como bem mais precioso seu visto americano.

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Pelo que eu li no livro de Hammond e Wilkins, Sex and Zen & A Bullet in the Head, isto fato se deve ao medo que muitos tinham da indexação do território de Hong Kong à China Continental, sob regime comunista, marcada para o ano de 1997. Hong Kong era uma ilha de domínio inglês desde o fim da Guerra do Ópio em 1842, com um pacto de controle de 99 anos sobre o território em 1898. Hong Kong depois se expandiu para algumas ilhas vizinhas e um pedaço peninsular se transformando numa das cidades mais importantes para o comércio do Pacífico, sempre a sombra do gigante comunista ao seu lado. Mesmo o acordo firmado em 1984 entre Reino Unido e a República Popular da China, garantindo que Hong Kong se tornaria uma região administrativa especial, mantendo o sistema capitalista, não foi suficiente para que muitos artistas, como produtores e diretores, se acalmassem com a mudança de domínio, ainda mas com o massacre na Praça da Paz Celestial em 1989. Tudo isso acrescentava à temática de tensão e caos presente em alguns filmes de crime do período. Parece pra mim que “contribuição” estrangeira era vista com desconfiança, como se a região estivesse sendo entregue de bandeja para o regime comunista depois de anos de exploração por americanos e ingleses (vide o corpo sobre a bandeira americana no fim de ITLOD 4).

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Voltando aos filmes de Yuen Woo Ping, que dirigiu em 1989 IN THE LINE OF DUTY 4 com parte da equipe do trabalho anterior e que não segue uma narrativa contínua com outros filmes que ganharam o mesmo nome. Os dois primeiros filmes da série na verdade são YES, MADAM e ROYAL WARRIORS, estrelados por Michelle Yeoh. O nome IN THE LINE OF DUTY começa já do número 3 quando o papel que une os filmes, o de uma policial durona passou para Cynthia Khan (a nova aposta da produtora D&B depois que Michelle se casou e abandonou o cinema até seu divórcio e retorno triunfante com SUPERCOP de 93). Na trama do filme Luk (interpretado por Yuen Yat-Choh que lembra o Ken Jeong de SE BEBER NÃO CASE) é um trabalhador nas docas de Seattle e testemunha um crime envolvendo agentes da CIA com tráfico de drogas. Um dos policiais da equipe de Cynthia Khan, trabalhando com os americanos, entrega ao estivador os negativos de fotografias que podem incriminar os envolvidos, mas no meio da confusão Luk acaba perdendo a evidencia. Ele fica então num fogo cruzado entre a polícia, que acha que ele está envolvido no esquema e os bandidos que querem recuperar os negativos. Até a metade do filme é bem interessante acompanhar o personagem de Luk, mas depois ele acaba sumindo e foco fica divido entre Donnie Yen e Cynthia Khan tentando desbaratinar toda a confusão gerada pelo negativo desaparecido e tentando descobrir quem é o agente duplo que está frustrando os planos dos dois para prender os traficantes.

O engraçado é que fica difícil entender qual é o método de procedimento policial que eles usam porque sempre sabem onde os bandidos estão (e vice-versa) e resolvem tudo na porrada. Não que isso seja um defeito é claro é só que eu realmente estava interessado no personagem de Luk, que dava um bom equilíbrio para Donnie e Cynthia, os durões. Eu gosto das situações particulares dos filmes de Hong Kong em que é colocada uma situação dramática ou engraçada, exagerada ou pouco plausível dentro do contexto de um filme teoricamente mais sério de crime. Há uma cena em que Luk pede para que possa ver sua mãe antes de ser extraditado à Inspetora Madam Yeung (Cynthia Khan). Ela aceita o pedido mas chegando ao apartamento da senhora, Donnie (sempre o “babacão” impulsivo nos três filmes) algema Luk à Madam Yeung e os dois têm que fingir que são namorados para não deixar que a mãe saiba que o filho estava sendo preso. Eu leio algumas críticas onde o pessoal fala que esse tipo de cena é besta e que quebra com ritmo de ação frenético dos filmes. Eu mesmo quando mais novo poderia até achar isso também, mas o mais divertido de ver um filme oriental, seja chinês ou japonês é ter contato com uma outra maneira de se contar uma história, ver como outro cinema vê as relações entre os personagens. Mesmo que seja mais sentimentalista. E eu consigo me envolver e abrir um sorriso sincero, talvez por esses momentos serem puros e ingênuos.

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ITLOD 4 é o filme mais redondinho dos três. É um filme de ação mais voltado para as lutas, mas com um tiroteio e um momento cômico aqui e ali. Um filme mais previsível e talvez seja por isso que foi o que eu menos gostei. Mas é o filme que pode facilmente agradar qualquer fã de Jackie Chan já de cara, alguém menos propenso a entrar nos exageros de outros filmes (como GOD OF GAMBLERS, o campeão da mistura de gêneros para mim até hoje). As lutas são muito boas com destaque para a luta de Cynthia Khan e Fairlie Ruth Kordick (atriz gwalio que nem aparece nos créditos) numa escada de concreto e depois num poço de elevador, sempre com o risco de cair e se esborrachar no chão. Para entrar numa lista de melhores confrontos femininos de todos os tempos. Já a luta de Donnie Yen contra Michael Woods neste filme é a mais demorada dentre os três filmes, mas não chegar a ser excelente. Engraçado como me chamou a atenção alguns contornos homoeróticos, com Woods segurando a mão de Yen com seu peitoral ou admirando o bíceps do adversário enquanto este lhe dá um mata-leão. É comum um certo despir de roupas em cenas de lutas em filmes de ação. O protagonista muitas vezes acaba sem camisa, com seu próprio adversário por lhe arrancar a roupa. Algo recorrente mas pouco explorado em termos de erotismo mais óbvio como acontece com beldades de seios fartos. Talvez o ator que mais use isso a seu favor seja o Van Damme que adora aparecer de bunda de fora em seus filmes.

O filme tem um final satisfatório mas o interessante é que uma legenda conta o epilogo da história depois que a luta final termina, um jeito de amarrar as pontas soltas deixadas pelo filme. Algo que o filme seguinte não se preocupa muito. Se IN THE LINE OF DUTY 4 era mais voltado para a correria e pouco desenvolvimento da história, TIGER CAGE 2 volta a centrar mais nos personagens, mas dessa vez sem “maldade” do primeiro, num tom bem cômico e por isso a trama fica em segundo plano. Saem os policiais corruptos mas continua o mote de alguém-certo-na-hora-errada para se livrar tanto da polícia quanto da triade. No filme Rosamund Kwan e Donnie Yen presenciam um confronto entre duas gangues com a tentativa de roubo de uma maleta cheia de dinheiro e depois ainda são suspeitos de um assassinato. O interessante é que a personagem de Kwan, Mandy, é advogada responsável pelo recente divórcio de Donnie, agora um ex-policial mas que mais uma vez interpreta um redimable asshole (aquele personagem ignorante que vai dando valor as pessoas a sua volta até o fim do filme). É de se esperar então que os dois comecem se odiando para depois se apaixonar. Mas no meio dos dois aparece David Wu para transformar a relação num triângulo amoroso. David era responsável pela segurança da maleta e no começa tenta tirar a informação dos dois, que não sabem onde está o dinheiro, para depois se tornar um amigo e se sacrificar pelo casal.

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A cena em que os três estão bêbados e apaixonados num karaokê é de uma breguice sem tamanho mas que para mim funciona. Talvez porque tenho o coração mole para esse tipo de coisa, mas também tenho que dizer que essa relação dos personagens é muito melhor do que qualquer filme do Jackie Chan, que nunca convence numa cena romântica (em Gorgeous talvez?). Não só esses três personagens são bacanas mas ainda temos Cynthia Khan voltando com a Inspetora Yeung em duas pontas breves (eufemismo para personagem aleatório na trama), Gary Chow como o amigo coringa de Donnie e a galeria de vilões composta por Robin “Mortal Kombat” Shou, John Salvitti (voltando também de ITLOD 4) e Michael Woods, todos bem caricatos. Como já havia dito é o mais cômico dos três mas isso não significa pouca pancadaria e violência. Detalhe para a tortura envolvendo uma bicicleta ergométrica raspando o peito de Donnie (a tortura do enforcamento na pedra de gelo de ITLOD 4 também era bem criativa).

As cenas de ação no geral são boas mas a cena de luta mais memorável do filme (e talvez de toda a trilogia) seja a luta de espadas gigantes na fábrica-de-vapor-abandonada entre Donnie e John Salvitti. Não que seja tecnicamente incrível ou muito criativa, mas tem algo em toda aquela fotografia berrante, fumaça, arames, grades e um ventilador aleatório que criam uma áurea mágica de filme de pancadaria de início dos anos 90. Posso dizer que, particularmente, até prefiro o confronto final na fábrica-de-caixas-empilhadas, que começa com Donnie e Tak saindo do maleiro de um ônibus, os dois com uma pistola em cada mão alvejando capangas, até o confronto final de Donnie e Shou. Mais uma vez a luta de Donnie e Michael Woods, que acontece no ínterim dessas duas cenas que comentei agora, mais uma vez não é nada espetacular e me desculpem os fãs, agora posso afirmar que é um ator tão ruim ao ponto de isso atrapalhar a luta em si! Mas Donnie e Michael eram bons amigos e ainda lutaram mais duas vezes no cinema e amizade é o que importa. Como os três filmes são tão diferentes entre si é difícil até fazer um balanço da evolução de Donnie e Yuen Woo Ping no gênero de ação mista de tiros e socos. No fim fica a sensação de como foi mágica essa época de filmes repletos de ação física, trabalhos de dublês impressionantes. Deveria ter visto mais destes filmes em vez de inventar moda e querer alugar O PACIENTE INGLÊS com 15 anos de idade…

Gabriel Lisboa, além de eventualmente colaborar por aqui, edita o excelente blog Cine Bigode.

ESPECIAL DON SIEGEL #22: OS ABUTRES TÊM FOME (Two Mules for Sister Sara, 1970)

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por GABRIEL LISBOA

Se quando falei sobre MADIGAN foquei no início do filme, acho melhor começar pelo fim com essa análise e por isso esse texto tem vários spoilers. Começo com a sequência final de OS ABUTRES TÊM FOME e mais pra frente conto direito a estória. Enfim. Estamos no meio de uma invasão de um grande grupo de revolucionários mexicanos a uma base fortificada de interventores franceses no México (acho que nunca havia visto um filme com esse contexto histórico). Clint está do lado dos mexicanos, mandando para o saco todos os invasores da terra da “omelette du fromage”. Em determinado momento ele segura numa corda presa a um cavalo com uma mão e na outra acende uma dinamite. Ele toca o cavalo que avança arrastando Clint pelo chão, desviando das balas. O homem se solta, joga a dinamite num portão e depois de ter aberto a passagem corre enquanto balas ricocheteiam do seu lado. Coisa linda. Eu até tinha achado que tudo tinha acontecido no mesmo plano quando comecei a escrever mas depois voltei para rever a cena e notar os dois cortes rápidos.

Acho que aí podemos pensar um pouco sobre o que faz uma boa cena ou filme de ação já que em outros posts o Ronald ressaltou esse ponto da filmografia de Don Siegel, que eu não conhecia muito bem. Alguns pontos como trabalhar com uma profundidade de campo, planos abertos, respeitar os momentos dos cortes para que não interfiram com nosso interesse pela realidade do evento (coisas que André Bazin já falava em 1950 sobre NANOOK) são essenciais. Até gostaria de ficar falando mais sobre isso, mas já vi que ia enrolar demais. Quem sabe numa próxima. Mas o que fica de interessante sobre esse filme do Siegel é confirmar que toda cena de ação precisa ser construída e pensada para evoluir criativamente. Na maioria das vezes até dentro de um certo padrão. E é o tipo de coisa que raramente cansa os amantes do cinema de ação. A entrada furtiva, as explosões para confundir os inimigos, os tiroteios e no fim a trocação de sopapos e pontapés. Vários exemplares desse estilo seguem essa sequência e muitas vezes até nos decepcionamos se alguma coisa atrapalha o andar dessa carruagem. Siegel deixa ação fluir. Até há uma cena com uma metralhadora giratória que Clint usa para matar alguns soldados. E por pouco tempo, o que não deixa que esse artifício, por exemplo, canse pela repetição.

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Uma pausa para fazer propaganda de THE STRANGER AND THE GUNFIGHTER, com o Lee Van Cleef e Lo Lieh, um baita filme. Na sequência de ação final Cleef prende uma dessas gatling gun em dois cavalos e sai se arrastando enquanto gasta munição. A temática desse filme também lembra a de ABUTRES. Um sujeito estranho ao terreno hostil dos desertos do velho oeste é auxiliado por um cara durão e ambicioso para alcançar seu objetivo. Em THE STRANGER o peixe fora d’agua é um mestre do kung-fu que precisa ler pistas tatuadas em bundas de prostitutas em busca do tesouro do tio. Em ABUTRES o enredo não é tão interessante mas a dinâmica de Clint Eastwood com Shirley MacLaine, que interpreta uma freira simpática a causa dos Juaristas, é muito boa. O roteiro ajuda muito porque sempre coloca-os em várias situações de tensão. O primeiro encontro dos dois acontece quando a Sister Sara do título, personagem de MacLaine, está prestes a ser abusada por três canalhas. Hoogan, o personagem de Clint, resgata a moça seminua e depois descobre que ela é uma freira por suas roupas. Ela está sendo procurada por uma tropa de franceses por ajudar os revolucionários. Os dois fogem e depois, a noite, acabam percebendo que tem o mesmo interesse: acabar com o forte que comentei no início, ele pelos tesouros ali guardados e ela por raiva dos “colonizadores”.

Coincidências a parte, é na virada da personagem de Sara que a coisa fica um pouco confusa. Vou estragar a grande surpresa do filme. Sara na verdade não é uma freira mas uma prostituta. Ela matou um oficial e por isso odeia o regimento. Não há uma noção humanitária que a motiva em punir os opressores. Pelo que entendi era isso. Outro ponto é que no começo do filme ela mente dizendo que ia três vezes por semana “ensinar línguas” para os franceses como freira e por isso ela sabe tanto sobre a base. Então economicamente seria vantajoso para o prostíbulo a instalação vizinha com aquele bando de soldados. Ou não? Se ela só estava sendo procurada, poderia fugir e ponto. O desejo de destruir a base francesa faz até mais sentido para uma freira já que elas geralmente se envolvem em conflitos, assim como padres e afins. Quando vi A MISSÃO fiquei pensando nisso. Nossa noção de religiosidade é tão bombardeada com escândalos de lideres religiosos e doutrinas absurdas que hoje é difícil fazer um filme com uma personagem com uma perspectiva solidária sem parecer piegas ou inverossímil. Achei engraçado o lance dela, por fim, ser uma prostituta. E tem o fato de que ela e Clint “precisarem” ficar juntos no final. Mas ia achar interessante se o filme fosse um percursor do gênero freiras badass e do nunsploitation. Sara é uma personagem feminina forte pra caramba.

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Já o personagem do Clint é uma cópia do Estranho-Sem-Nome dos filmes do Leone. Não sei se posso chamar de cópia já que se trata do mesmo ator, mas gostaria de ver um pouco de variação num papel como esse interpretado por ele, um tempero que deixaria o personagem mais interessante. Sempre com a cara feita de pedra. Quem sabe um dia assisto PAINT YOUR WAGON para ver como ele e o Lee Marvin se saem num musical. Duas outras semelhanças com os westerns de Leone são as filmagens fora do lugar-comum do oeste americano e a trilha de Ennio Morricone. O filme foi gravado no México e vários membros da equipe são mexicanos. Quando li um pouco sobre esse tipo de realização bilíngue, no caso dos westerns italianos, fiquei interessado em entender um pouco mais como eram realizadas as filmagens. É algo que seria muito interessante de ver se naquela época os produtores se preocupassem com extras do DVD. Quanto a trilha de Morricone, assim como em qualquer filme em que compõe sua música, fica difícil não se empolgar com as variações e sons incomuns presentes nos temas e o uso dos leitmotivs. Tenho mais vontade de assistir EXORCISTA 2 por “Magic and Ecstasy” do que pelo próprio filme. Era alguém que merecia um documentário por décadas de trabalho.

Não me lembro de ter lido sobre esse filme em lugar algum, mas me surpreendi e gostei bastante. Talvez o filme não tenha um reconhecimento maior porque usa de várias fórmulas batidas de westerns e screwball comedies. Mas é tão bem encaixado, com bom ritmo e diálogos que a diversão é garantida. É o caso de 007. Eu acho que deveriam parar de fazer filmes de James Bond. Vinte e quatro filmes é muita coisa! Confundo as cenas e as tramas de vários deles (dá-lhe cena de esqui e mergulho). Mas bastou ver o trailer de SPECTRE para me empolgar. Amor e ódio a Hollywood. Agora, só não me venham refilmar AVENTUREIROS DO BAIRRO PROIBIDO, seus sanguessugas!

Gabriel Lisboa, além de eventualmente colaborar por aqui, edita o excelente blog Cine Bigode.

ESPECIAL DON SIEGEL #19: OS IMPIEDOSOS (Madigan, 1968)

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por GABRIEL LISBOA

Quando possível prefiro assistir a qualquer filme sem nenhuma informação sobre sua trama. Nem a sinopse eu procuro ler. Algumas vezes é recompensador se surpreender com algo tão básico como o próprio enredo do filme. Fui ver MADIGAN, assim, só pelo pôster. Não reconheci nem o protagonista do filme, Richard Widmark (a cara de Peter Weller em NAKED LUNCH) já que só havia visto ASSASSINATO NO EXPRESSO ORIENTE dos filmes em que atua e há muito tempo. Então achei que a batida no apartamento de um suspeito por uma dupla de detetives era mesmo somente uma introdução ao ambiente, quem sabe uma cena para apresentar algum personagem secundário. Foi uma boa surpresa.

O filme abre com uma sequência de créditos composta por imagens de Manhathan; prédios, ruas, carros e trens, enquanto a noite vira dia e a cidade acorda. Enquanto isso, a música que acompanha os takes da cidade parece vir da abertura de uma série de TV da época, num tom alegre e empolgante. Parecia que ia assistir o piloto de Law and Order dos anos 1960. A câmera segue um trem até enquadrar na dupla de policias já mencionada. Como só havíamos visto até então partes da cidade, o movimento contínuo da câmera leva até a entender que os policiais portanto são parte das ruas, indissociáveis de seus problemas e conflitos, não há fronteiras entre a vida profissional e pessoal. Esta é a espinha do filme.

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Mas vamos voltar a cena inicial. Os policiais sobem um prédio de apartamentos e arrombam a porta do suspeito sem dar muitas chances para o mesmo atender a porta. O homem está deitado na cama com uma mulher e os policiais dizem que ele precisa ir até uma “entrevista” de rotina. Barney, o suspeito, pede para ver o mandato, sem entender porque aqueles policiais vieram lhe perturbar. Ele até pede para que um dos detetives tome cuidado para não quebrar os seus óculos que estavam no chão. Mais um coitado nas mãos de policiais truculentos. Mas é só a dupla de policiais se distraírem com a donzela nua no quarto para que Barney saque sua arma e faça os policiais de bobos. De vítima ele se revela um homicida ensandecido (“e de costumes sexuais peculiares”) em poucos segundos. Ele foge deixando os dois com um baita problema logo cedo. Essa confusão fisgaria qualquer espectador casual do Corujão.

Depois da perseguição sem sucesso para recapturar o bandido somos apresentados ao personagem de Henry Fonda, o velho e cansado comissário de polícia Anthony X. Russel, com outros problemas para resolver durante os três dias pelos quais esse o filme se desenrola. Eu até preferia o título original, FRIDAY, SATURDAY, SUNDAY que estampava o roteiro, em vez de levar somente o sobrenome do detetive, Daniel Madigan, já que o filme realmente acompanha duas tramas paralelas. Russel tem lidar com a notícia de que seu melhor amigo, também policial, foi pego num grampo telefônico combinando um encontro com um criminoso, para acertar uma dívida. Além disso precisa resolver um caso de denúncia de abuso de dois policiais contra um jovem negro. O próprio pai, um padre, aparece na sala do comissário, para interceder pelo filho.

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Por isso acho que cabe analisar este como um filme de transição. Siegel antecipa alguns elementos de OPERAÇÃO FRANÇA e um de seus trabalhos mais conhecidos, DIRTY HARRY, ambos de 1971. O modus operandi seco e violento da dupla de policiais na rua, o modo como tentam levar adiante um casamento fadado ao fracasso, e vendo como amigos os tipos que tem de lidar no dia a dia. O próprio Madigan diz: “Para ele (Russel) existe o certo e o errado, não há meio termo”. É nesse ambiente cinza que habita a maioria dos policias da próxima geração, a do início dos anos 1970, no cinema americano. Russel seria o policial a moda antiga: firme, incorruptível, mas de coração mole. Dá a cara a tapa sem pedir atenção ou reclamar dos seus problemas para ninguém, mas precisa do conforto de sua amante e do respeito de seus companheiros. Isso fica evidente no desabafo da mulher de Madigan para Russel no fim do filme. É quando as duas linhas do filme se encontram. Seja nas ruas ou no serviço público é difícil ser valorizado quando você será sempre visto como corrupto ou truculento pela sociedade. E é assim que tem que ser como indica o fim do filme. Amanhã é só mais um dia de trabalho.

O tom do filme é meio estranho. A maioria das cenas que mostravam a intimidade dos policiais parecia desacelerar e fugir da urgência da trama. É difícil encaixar esse tipo de situação nesses filmes sem que pareçam somente uma maneira humanizar os policias. No caso de Madigan é até estranho como que um policial azarado e pobretão como ele tenha esposa e uma amante (mesmo que ela apareça só como uma amiga), lindas e bem de vida. No caso de Russel é até mais crível seu affair, já com uma colega de trabalho. Parece que essas cenas seriam para tentar interessar também o público feminino da época, já que o filme explora bastante esses conflitos de relacionamentos, lembrando ainda mais seriado que, por fim, se tornaria em 1972. A trilha musical reforça essa sensação. As vezes melodramática às vezes grandiloquente. Há um pequeno trecho em que a trilha usa de um mickeymousing com um jovem policial que carrega coletes a prova de balas, em que os cellos (eu acho) acompanham seus passos. Algo que nenhum compositor usaria hoje em dia para um filme policial. É um detalhe, mas acho interessante porque a música é o principal fio condutor das emoções de um filme.

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O tiroteio no final, dentro do apartamento me lembrou uma cena em ALVO DUPLO 2 em que Chow Yun Fat e seu rival trocam tiros com uma arma em cada mão, frente a frente caindo pelo batente das portas. Infelizmente o clima meio televisivo do filme não deu muito espaço para que Don Siegel aproveitasse completamente seu talento cinematográfico. A maioria das cenas é de internas (inclusive cenas dos personagens dentro dos carros são gravadas em estúdio). Um ambiente totalmente diferente de OS ABUTRES TÊM FOME, que inclusive conferi antes desse e que vou comentar depois de DEATH OF A GUNFIGHTER.

PS: Um pequeno comentário. Um dos lances que acho mais bacana de assistir filmes policiais dessa época são os figuras que os policiais têm de interrogar; seus informantes, agiotas ou gigolôs. Geralmente personagens caricatos e que algumas vezes roubam a cena em que aparecem, seja em blaxploitations até poliziotteschi. Em MADIGAN, o anão trambiqueiro Castiglione e o adolescente de 30 anos Hughie, entram para o Hall da Fama Elisha Cook Jr.

AVISEM OS PROFESSORES: O VINGADOR TÓXICO É UM FILME CULT

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por Gabriel Lisboa

Nos tempos em que era comum ainda andar pelas prateleiras de uma locadora para procurar o que assistir, só olhando pelas capas, eles estavam lá. Muitas vezes fora do seu habitat mais adequado e já que você nunca tinha ouvido falar acabava achando que era só um filme estranho. Não sei se foi o canal do Telecine que tornou o termo mais comum, já que antes de se tornar “Cult”, o espaço reservado para os filmes mais antigos e alternativos na TV paga era chamado de Classic. O que ainda acontece é encontrar nas locadoras, uma prateleira de filmes cult, com 2001 – UMA ODISSEIA NO ESPAÇO (68) vizinho de AMÉLIE POULAIN (01). Alguns dizem que filme cult é um filme alternativo, fora do circuito comercial dos grandes cinemas. Acabam classificando filmes não hollywoodianos automaticamente como cult. Tem gente ainda, que diz que o cult é um filme inteligente, que ganha áurea de intelectual. Aí todo mundo sai perdendo. Procurei por algumas explicações para o termo em alguns sites e blogs brasileiros só para ter certeza de como ainda se bate nas mesmas teclas (Godard e Truffaut, cults por excelência)[1]. Continuar lendo