OPERAÇÃO FRANÇA II (1975)

Recentemente revi e postei sobre OPERAÇÃO FRANÇA (1971), de William Friedkin, e aproveitei pra revisitar também a sua continuação, dirigida por John Frankenheimer, lançada quatro anos depois. Do primeiro, como disse naquele post, ressalto se tratar de uma obra-prima. OPERAÇÃO FRANÇA II (The French Connection II), apesar de muito criticado quando do seu lançamento e até hoje não ter a mesma notoriedade, também é muito bom, com aquela atmosfera sensacional do cinema policial setentista e que tem muito da essência do próprio Frankenheimer na condução, cujo estilo é bem diferente do de Friedkin, mas do qual sou grande admirador.

O preconceito com OPERAÇÃO FRANÇA II talvez tenha a ver com a questão inevitável de que o filme “não precisava existir“, para início de conversa. A conclusão totalmente aberta do anterior é uma das coisa que mais me fascina. E provavelmente “continuar” essa história é preencher uma lacuna que às vezes nem precisava ser preenchida. Mas, bom, sou da opinião de que, se estão mesmo dispostos a filmar alguma coisa, que façam algo decente, da melhor maneira possível… Mesmo que esse algo seja desnecessário.

E é exatamente o que Frankenheimer faz aqui. Então valeu a pena rever OPERAÇÃO FRANÇA II, redescobrir seus encantos e relembrar aqui no blog sua existência, porque pode haver pessoas por aí que nem sabem que existe essa sequência do clássico de Friedkin. E podem até se surpreender com o quão genuinamente eficaz é este trabalho do mestre Frankenheimer.

A trama se passa algum tempo depois dos eventos de OPERAÇÃO FRANÇA, Popeye Doyle, novamente interpretado por Gene Hackman, chega à Marselha tentando rastrear o traficante de drogas Charnier (Fernando Rey), que escapuliu das mãos do detetive no final do primeiro filme. O que Doyle não sabe é que a polícia de Nova York e de Marselha estão atuando juntas, usando-o como isca, na tentativa de trazer Charnier à público para capturá-lo. O policial local Barthélémy (Bernard Fresson) tenta manter Doyle constantemente sob vigilância, mas a coisa não corre como planejado quando Charnier, consciente de que seu inimigo está no local, consegue sequestrá-lo.

Quando Doyle se recusa a responder qualquer uma de suas perguntas, Charnier inicia um processo para viciá-lo em heroína. O detetive estrangeiro é mantido em cativeiro enquanto a droga é injetada nas suas veias repetidamente por um looooongo período… Quando Charnier finalmente percebe que Doyle não tem utilidade alguma, ele é jogado na frente da delegacia onde, já completamente viciado, passa agora por um outro loooongo processo, uma agonizante desintoxicação…

Uma das coisas que mais gosto em OPERAÇÃO FRANÇA II é como o filme faz pouca tentativa de superar, ou até mesmo imitar, o filme original. É quase como se estivéssemos diante de um filme policial setentista completamente independente, com um cenário totalmente oposto à Nova York do filme de 71, e que, por acaso, Hackman interpreta um personagem que já havia feito antes… O filme ensaia até mesmo um estudo sobre o choque existente entre duas culturas que é bem interessante. O fato de não oferecer, por exemplo, sua própria perseguição de carros (na verdade o filme tem pouquíssimas sequências de ação) não é apenas corajoso, mas demonstra o domínio narrativo de Frankenheimer em segurar a tensão antes que ela se dissipe, especialmente no miolo do filme, no longo trecho que consiste no vício forçado de Doyle e a sua desintoxicação subsequente.

E meio aí que mora o perigo de OPERAÇÃO FRANÇA II. Esse miolo talvez seja o momento mais frágil do filme. Porque se por um lado funciona como um angustiante ato cênico conduzido com maestria pelo diretor e com um desempenho fantástico de Hackman, por outro a coisa realmente demora MUITO a se definir. Fica no limite entre um processo de tensão extremamente bem realizado e uma situação verdadeiramente chata e enfadonha.

Pessoalmente, curto bastante esse miolo, mesmo reconhecendo que passe um pouco do ponto… Mas o mais importante é que essas cenas funcionam como palco para uma performance espetacular de Hackman, algo que nem no primeiro filme – no qual ele havia recebido o Oscar de melhor ator – o sujeito teve oportunidades para explorar.

Passado o tal miolo, o filme retoma às investigações de Doyle pelas ruas de Marselha, mas agora com um tempero de vingança a mais para dar uma apimentada no sabor. E a coisa segue num ritmo mais frenético até o fim – o que significa que temos até umas sequências de ação, como Doyle retornando ao seu cativeiro e tocando o terror no local. Ou o tiroteio num porto que é um espetáculo. E que Frankenheimer era fera em realizar.

É preciso destacar também o gran finale que, pra mim, já se tornou clássico em OPERAÇÃO FRANÇA II. Popeye Doyle numa perseguição à pé seguindo Charnier pelas ruas de Marselha é uma das coisas mais memoráveis ​​do filme. O sujeito com dor, exausto, retirando forças sabe-se lá de onde para continuar se movendo, provavelmente sua própria obsessão e determinação em terminar as coisas de uma vez por todas, numa das atuações mais físicas de Hackman. Será que dessa vez ele consegue pegar Charnier? O filme segura até os últimos instantes para dar a resposta…

No elenco, não preciso falar mais nada de Hackman, né? O sujeito arregaça como sempre. Talvez uma grande desvantagem de OPERAÇÃO FRANÇA II seja a falta de Roy Scheider, que não retorna em seu papel como Buddy Russo, perceiro de Doyle no filme anterior (preferiu rabalhar em TUBARÃO talvez?). Mas considerando a premissa, acho que faz mais sentido ter Doyle sozinho nessa aventura.

Fernando Rey oferece sua elegância habitual de maneira excelente como Charnier – a cena no restaurante quando ele percebe a presença de Doyle na cidade demonstra um bocado do seu talento. Bernard Fresson também está muito bem, principalmente nas cenas em que contracena com Hackman no processo de desintoxicação de Doyle. Duelo de atuação de gente grande. E temos uma pequena participação de Ed Lauter.

OPERAÇÃO FRANÇA II pode ter suas falhas e não ser do mesmo nível do filme de Friedkin, mas ainda assim é um baita filme policial com Frankenheimer usando sua câmera para explorar Marselha num registro quase documental, contar uma história tensa e entregar algumas excelentes cenas de ação. Além de servir de vitrine para o belíssimo desempenho de Hackman encarnando Popeye Doyle pela última vez.

O personagem quase retornou no início dos anos 80 com um terceiro filme, no qual Doyle enfrentaria um terrorista europeu em Nova York. Hackman acabou pulando fora, mas o projeto continuou em frente e se transformou em outra coisa: FALCÕES DA NOITE, com Sylvester Stallone.

Popeye Doyle só voltou a ser visto em 1986, num filme produzido para a TV chamado POPEYE DOYLE, mas desta vez sendo interpretado pelo grande Ed O’Neill (o Al Bundy de UM AMOR DE FAMÍLIA). Na verdade, era um piloto para uma série de TV que acabou não acontecendo. Cheguei a ver esse filme passando na televisão em algum momento da vida, mas não lembro de nada. Não deve ser grandes coisas, mas só revendo mesmo pra descobrir…

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OPERAÇÃO FRANÇA (1971)

Vamos começar pelo básico do básico, aquilo que todo mundo já deve estar careca de sabe sobre OPERAÇÃO FRANÇA (The French Connection), que é um dos grandes clássicos policiais da década de 70, que é um dos melhores filmes de William Friedkin, que tinha apenas 32 anos na época e se tornou o mais jovem a ganhar o Oscar de direção (o filme também abocanhou melhor roteiro adaptado, ator para Gene Hackman, edição e melhor filme). E que o roteiro foi baseado no best-seller de Robin Moore sobre as desventuras reais dos detetives do esquadrão especial de narcóticos do Harlem, Eddie Egan e Sonny Grosso.

Na trama, acompanhamos Gene Hackman como “Popeye” Doyle e seu parceiro, Buddy Russo, vivido pelo grande Roy Scheider, dois detetives da cidade de Nova York que acreditam ter tropeçado sem querer em uma operação potencialmente descomunal de contrabando de drogas vindo direto da França para Nova York.

E aí começa o trabalho funcional dos dois detetives em desbaratar a atividade dos bandidos: longas e frias noites de tocaia vigiando pessoas suspeitas, seguindo seus passos, mesmo quando fazem um pequeno passeio pelas ruas de NY, nada muito emocionante… Mas é a essência de OPERAÇÃO FRANÇA, essa triste e monótona vida cotidiana dos policiais, a anos-luz de distância dos heróis do cinema de ação de Hollywood. Os dias desses policiais são longos, e suas noites não costumam ser outra coisa senão os assentos imundos de seus velhos e desconfortáveis ​​carros… Não devia ser muito divertido ser policial em Nova York nos anos 70.

Mas são figuras fascinantes, não apenas porque Hackman e Scheider habitam completamente seus personagens, mas porque Friedkin faz um trabalho maravilhoso em criar uma atmosfera de realismo absurdo. Tanto Eddie Egan quanto Sonny Grosso, os dois homems que vivenciaram essa história na realidade, têm pequenos papéis no filme e atuaram como consultores técnicos em OPERAÇÃO FRANÇA, o que pode ser a melhor indicação do sentimento autêntico que Friedkin tentou evocar na tela, com uma forte estilização documental. Praticamente vérité, bicho!

As ruas de Nova York nunca estiveram tão vivas, fruto de uma completa imersão de realidade dos principais envolvidos. Friedkin passou dois meses com os dois detetives estudando suas personalidades e sobre o caso em questão. Hackman e Scheider passaram semanas em prisões e operações secretas, também com Grosso e Egan. E o estilo de câmera documental do filme, belíssimamente realizado pelo diretor de fotografia Owen Roeizman, promove esse sentimento de que “estamos dentro do filme“, o que realmente aumenta a tensão. Mesmo em sequências como o duelo silencioso entre Doyle e o traficante francês Alain Charnier (Fernando Rey) pelas ruas de NY e que culmina num entra e sai dentro de um vagão de metrô, uma sequência que não seria nada, torna-se uma aula de tensão nas mãos de Friedkin.

Quando os traficantes percebem que Doyle pode realmente atrapalhar as operações dos contrabandistas, eles tentam matá-lo. Sem sucesso, Doyle persegue o sujeito que falhou, numa das perseguições de carro das mais insanas da história do cinema. Que me desculpem quem desconfia de hipérboles do tipo “o maior/melhor da história do cinema“, mas no caso de OPERAÇÃO FRANÇA eu apenas trago fatos em relação e esta sequência específica.

Aqui temos Gene Hackman em alta velocidade perseguindo um vagão de metrô nas ruas de Nova York, filmada em condições mínimas de segurança (Friedkin queria aproveitar os caprichos do tráfego para reforçar o aspecto realista), e que poderia ter terminado em tragédia. Hoje ignora-se a irresponsabilidade e saudamos a incrível tensão insuperável que essa sequência provoca. Vivemos esses momentos como se estivéssemos no banco de passageiro de Hackman, com o desejo de pressionar o pedal do freio e o reflexo para se segurar no “puta que pariu“… Uma perseguição que realmente consegue comunicar tão bem a sensação de velocidade e perigo. Algo que Friedkin se tornou especialista e repetiu a dose com a mesma maestria em filmes como VIVER E MORRER EM LA e JADE.

Essa sequência também é marcada pelo sadismo e crueldade do bandido – encarnado pelo francês Marcel Bozzuffi – que tenta escapar de Doyle e acaba encurralado, mas não sem antes deixar algumas vítimas pelo caminho. Cansado dessa longa perseguição, Doyle mal consegue se manter em pé, mas retira força não sei de onde para apontar o revolver, mirar e acertar o sujeito, numa das cenas mais memoráveis do filme (e que foi a escolha para ilustrar o post lá em cima, obviamente).

Enfim, toda essa perseguição é realmente foda! Mas esses momentos de bravura são parênteses em um filme que não faz questão nenhuma de espetacularizar a ação, fica evidente que Friedkin não tenta fazer de OPERAÇÃO FRANÇA um filme divertido. Bem diferente dessa perseguição frenética temos, por exemplo, o final, a caçada de Doyle pra cima de Charnier no hangar abandonado que fecha o filme, filmado de forma lenta e anti-climática, cujo cenário e trabalho de câmera remete mais a um filme do Tarkovsky, e termina com o tiro offscreen, mas que ressoa muito depois dos créditos finais, símbolo da cruzada entre a determinação do herói e uma espécie de loucura obsessiva de Doyle… O próprio contrabando de drogas foi desmantelado graças a um grande golpe de sorte e muita paciência, e é exatamente assim que Friedkin narra a história, usando pequenos detalhes e muitas cenas sem diálogos, nunca se inclinando para explicações fáceis e exposições amigáveis ​​ao público.

E assim fica à cargo do espectador se decidir sobre os métodos empregados pela polícia, especialmente “Popeye” Doyle, que carrega uma integridade policial tão louvável quanto repugnante pelo seu racismo e xenofobia. E Gene Hackman torna essa performance tão real e direta que todo o filme é legitimado por suas ações. O sujeito realmente está explosivo e sem dúvida é um desses desempenhos dignos de antologia no cinema americano. Já Roy Scheider é um companheiro perfeito, um bom contraponto à Hackman, e as cenas de vigilância que ele compartilha com seu parceiro são maravilhas do cinema, com olhares e pequenos gestos entre eles, transmitindo mundos de significado.

Fernando Rey como Charnier é de uma frieza e elegância que bota Doyle nos nervos, como na cena do “tchauzinho” que recebe do traficante depois de ser enganado no metrô. Mas é sempre curioso lembrar que sua contratação para o filme foi polêmica. Friedkin disse ao diretor de casting que, para o personagem de Charnier, ele queria um ator que lembrava estar em A BELA DA TARDE, de Luis Buñuel. Mas ele se referia a Francisco Rabal. Quando chegou no aeroporto, Friedkin deu de cara com Fernando Rey, que nem francês era… Até cogitaram a possibilidade de demiti-lo, mas depois descobriram que Rabal nem falava inglês e decidiram manter Rey com o papel. Uma boa escolha. Rey está perfeito. E Friedkin teve sua oportunidade de trabalhar com Rabal alguns anos mais tarde em COMBOIO DO MEDO.

Outro ator que gosto bastante é Tony Lo Bianco, que não tem lá uma participação muito expressiva por aqui. Mas dois anos depois ganhou mais destaque em THE SEVEN-UPS, outro filmaço policial dos anos 70, dirigido pelo produtor de OPERAÇÃO FRANÇA, Phillip D’Antony, com Roy Scheider encabeçando o elenco e com mais uma grande sequência de perseguição de carros de tirar o fôlego. Mas se quiserem algo mais consistente de Lo Bianco, recomendo o clássico de Larry Cohen FOI DEUS QUE MANDOU, que comentei aqui no blog não faz muito tempo…

Enfim, bom rever de tempos em tempos OPERAÇÃO FRANÇA e perceber como continua uma belezinha. Friedkin realmente conseguiu algo por aqui. E estabeleceu um novo modelo para qualquer filme de ação policial que surgiu a partir de então. Não só nos EUA mas também na Europa, com os poliziotteschi italianos, que são assumidamente influenciados por obras como o filme de Friedkin (mas também DIRTY HARRY, de Don Siegel, e DESEJO DE MATAR, de Michael Winner, entre outras coisas). Quatro anos depois, John Frankenheimer assinou a sequência (sem Roy Scheider) não tão bem-sucedida, mas bem longe de ser ruim.

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GLI OCCHI FREDDI DELLA PAURA (1971)

 

Já que me cobraram para continuar com textos do ciclo Castellari, vamos voltar às atividades com o homem! Apenas justificando a parada, já disse algumas vezes que sou tremendamente desorganizado com essas peregrinações de diretores. Então, podem me cobrar, caso eu abandone o italiano de novo. Outro motivo deve ter sido porque eu não achei GLI OCCHI FREDDI DELLA PAURA grandes coisas, o que me desanimou um bocado pra escrever algo e acabei esquecendo.

Sempre li que era um giallo, mas no fim das contas é um filme de “invasão de casa com reféns”, estilo HORAS DE DESESPERO, clássico com o Bogart, ou então a refilmagem do Cimino, com o Mickey Rourke. Claro que pensar que era uma coisa e na verdade ser outra não foi o motivo de não ter me agradado tanto. O filme começa brincando com os elementos do giallo, com uma mulher indefesa sendo molestada por um sujeito apontando-lhe uma faca… mas fica só na brincadeira mesmo. Trata-se de uma apresentação teatral. A cena é interessante, Castellari demonstra jeito pra esse tipo de atmosfera, a trilha do Morricone também contribui. É uma bela homenagem ao gênero, de qualquer modo…

Mas o restante do filme é a trama de um advogado e uma prostituta submetidos como reféns por um casal homossexual de bandidos. O problema é que Castellari não consegue extrair muita coisa interessante dessa situação. Pra ser honesto, eu achei o filme chato pra cacete em determinados momentos, diferente de um THE HOUSE ON THE EDGE OF THE PARK, do Ruggero Deodato, que consegue manter a tensão do início ao fim tendo a mesma situação que este aqui. Mas vá lá, o elenco até que manda bem (Frank Wolff, Gianni Garko, Fernando Rey, etc) e nem tudo no filme é de se jogar fora. Mas no geral, fiquei um pouco decepcionado.